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LIPÍDEOS

Outra classe importante dentro das biomoléculas é a dos lipídeos. O termo


lipídeo vem do grego lipos, que significa gordura, e embora seja uma classe que
engloba compostos quimicamente muito diferentes envolvendo C, H e O, todos
possuem uma propriedade em comum: são insolúveis em água.
O sistema oficial para nomenclatura não é muito utilizado, mas,
basicamente, o número de átomos de carbono é indicado pelo seu prefixo grego,
assim um lipídeo com 12 C tem seu nome iniciado em –dodeca e um com 14 C,
–tetradeca. Os sufixos dos lipídeos saturados (sem ligações duplas) têm sufixo
–anoico e dos insaturados, –enoico. Por exemplo, o ácido linoleico é oficialmente
denominado 9(Z),12(Z)-octadecadienoico.
Dentro da classificação dos lipídeos temos, principalmente, os ácidos
graxos, os triacilgliceróis, os glicerofosfolipídeos e os esfingolipídeos. Vale à
pena conhecermos um pouco mais sobre cada uma dessas classes devido às
importantes funções que elas desempenham em nosso organismo. Os ácidos
graxos são derivados dos hidrocarbonetos e apresentam como característica o
baixo estado de oxidação (são compostos muito reduzidos).
Apresentam de 4 a 36 átomos de carbono, que podem estar em cadeias
ramificadas ou não. Devido à rotação relativamente livre das ligações C–C, os
ácidos graxos saturados são altamente flexíveis, podendo adotar diferentes
conformações. Como são insolúveis em água, circulam no sangue ligados a um
transportador proteico, a albumina. Estes compostos são muito importantes na
constituição das membranas celulares e suas propriedades de flexibilidade e
fluidez são fundamentais para as propriedades das membranas.
Os triacilgliceróis são triésteres de ácidos graxos e glicerol encontrados
em gorduras e óleos (que são uma mistura complexa de triacilgliceróis). Embora
não participam da composição das membranas celulares, esta classe é a mais
abundante dentro dos lipídeos e são importantes como reserva de energia para
os animais, principalmente nos adipócitos (células especializadas no
armazenamento de gorduras).
Os glicerofosfolipídeos são moléculas anfifílicas, ou seja, possuem
“caudas” alifáticas apolares e “cabeças” polares (derivadas de alcoóis). São os
principais constituintes das membranas celulares, formando a bicamada lipídica,
característica das membranas animais. Outra classe importante é a dos
esfingolipídeos, também importantes para as membranas celulares. Os
compostos dessa classe não apresentam o glicerol em sua estrutura e além da
“cabeça” polar, possuem duas “caudas” apolares.
Curiosidade: o médico e químico Johann Thudichum é o descobridor dos
esfingolipídeos e deu esse nome para este grupo em homenagem às esfinges
gregas, já que não fazia ideia das funções biológicas destes ácidos graxos. Hoje
sabemos que, na superfície celular, são muito importantes como sítios de
reconhecimento biológico.
A participação desses compostos em membranas celulares resulta de
uma propriedade interessante dos lipídeos. Como alguns grupos apresentam
moléculas anfifílicas, e como vimos anteriormente, nosso corpo é constituído por
uma grande porcentagem aquosa, os lipídeos interagem entre si formando
micelas e bicamadas, para eliminar contatos desfavoráveis energeticamente
entre a água e as “caudas” apolares destes compostos.
As micelas tendem a ser formadas quando os compostos apresentam
uma única “cauda”. Já as bicamadas se formam com glicerofosfolipídeos e
esfingolipídeos. Quando essa junção de compostos químicos apolares envolve
um conteúdo interno, por exemplo, de algum solvente, o composto resultado é
dito lipossomo, que é uma ferramenta importante no carreamento de compostos,
por exemplo, fármacos.
Embora temos visto lipídeos como componentes de armazenamento e
estrutura celular, muitos lipídeos possuem a importante função biológica de atuar
como sinais, cofatores e pigmentos. Exemplos são os hormônios e os fatores de
crescimento. Os hormônios são constituídos, em sua maioria, pelos lipídeos da
classe dos esteroides. Já as classes dos fosfatidilinositóis e alguns derivados da
esfingosina são importantes para a função de sinalização intracelular.
Para sinalização entre células próximas são utilizados os
compostos da classe dos eicosanoides, como as prostaglandinas, os
tromboxanos e os leucotrienos. Estas classes não serão vistas em detalhes
neste curso já que o foco é em bioquímica. Os estudos dos eicosanoides, por
exemplo, se enquadram melhor dentro da farmacologia. Já as membranas
biológicas são amplamente estudadas dentro de outras áreas da biologia.
Como você pode ver, a bioquímica muitas vezes é uma área
multidisciplinar, e por isso recomendo que você sempre possa dar uma lida e
uma estudada em outros assuntos da área biológica e da saúde, para que cada
vez mais seus conhecimentos em bioquímica se solidifiquem. Dito isso, vamos
à última classe de biomoléculas deste curso: os ácidos nucleicos.

ÁCIDOS NUCLEICOS
Vamos começar nossos estudos em ácidos nucleicos por meio da
definição deles. Ácidos nucleicos são macromoléculas formadas por
nucleotídeos, que por sua vez são ésteres de fosfato de um açúcar de cinco
carbonos contendo uma base nitrogenada. Esta base nitrogenada pode vir de
uma pirimidina (formando as bases citosina, uracila e timina) ou de uma purina
(formando a guanina e a adenina).
Os ácidos nucleicos são classificados quanto ao açúcar que contêm.
Assim, quando o açúcar é uma ribose o ácido nucleico resultante é o RNA. Já
quando o açúcar é uma desoxirribose o ácido nucleico resultante é o DNA. O
DNA é muito conhecido por suas funções de armazenamento e transmissão de
informações biológicas. Já o RNA possui mais funções e podem ser divididos em
várias classes.
O RNA ribossômico (rRNA) são estruturas complexas responsáveis pela
síntese de proteínas dentro dos ribossomos. Já o RNA mensageiro (mRNA) atua
como intermediário, transportando as informações genéticas do gene para os
ribossomos. Temos também o RNA transportador (tRNA), que traduz a
informação contida no mRNA em uma sequência de
aminoácidos.
Ainda, os ácidos nucleicos podem desempenhar outras funções, como a
de transportadores de energia, cofatores enzimáticos e mensageiros químicos,
participando de processos de regulação biológica. Vale à pena estudarmos um
pouco mais os processos de replicação, transcrição e tradução, também
conhecidos como “expressão gênica”, que consiste em entender como uma
molécula de DNA pode gerar RNAs e as proteínas de nosso organismo.
Importante: O termo transcrição é utilizado para a produção do RNA a
partir do DNA, já o termo tradução é dado para a produção das proteínas a partir
do RNA. Temos ainda a replicação (ou duplicação), que é a formação da
molécula de DNA a partir dela mesma.
A estrutura do DNA envolve a participação de duas metades
(denominadas fitas) complementares. Essas duas fitas são torcidas uma em
volta da outra formando a dupla hélice de DNA. Para que ocorra a divisão celular
as fitas se separam e cada uma serve de molde para que a célula sintetize outra
fita complementar, gerando duas moléculas de DNA idênticas que vão cada uma
para uma célula-filha durante o processo de divisão celular.
O interessante é que a célula possui uma maquinaria eficiente de correção
de erros.
Assim, quando alguma fita sofre uma lesão, a célula consegue pode
reparar este erro e continuar a produzir RNA de forma eficiente, garantindo a
continuidade das informações contidas no DNA. Para a produção do RNA,
durante o processo de transcrição, algumas enzimas atuam separando as duas
fitas de DNA para que nucleotídeos complementares possam se ligar aos moldes
das fitas.
A seleção de qual nucleotídeo vai se ligar é feita pela enzima RNA-
polimerase e segue uma exigência: a base nitrogenada guanina (G) sempre é
ligada com uma citosina (C) e vice- versa; já a base nitrogenada adenina (A)
pode ser ligada à base timina (T), caso a molécula resultante seja o DNA
(durante a replicação) ou à base uracila (U), caso a molécula resultante seja o
RNA (durante a transcrição).
Outra diferença interessante entre a replicação e a transcrição é que
durante esta segunda as fitas de DNA não se separam totalmente. Assim,
durante todo o processo existe um complexo DNA-RNA-DNA e somente uma fita
é transcrita por vez. Embora a transcrição seja um processo relativamente
simples, existe uma vasta maquinaria complexa de controle preciso durante todo
o processo.
Ainda, em eucariotos, a maioria do RNA transcrito pelo DNA passa por
modificações pós-transcricionais extensas para se tornar funcional. Essas
modificações envolvem a adição de uma “cabeça” contendo 7-metilguanosina e
uma “cauda” de ácido poliadenílico, além de um splicing gênico, em que algumas
regiões denominadas íntrons são removidas do RNA e as regiões restantes,
denominadas éxons, são religadas nas suas ordens originais, formando o RNA
maduro.
O processo de tradução ocorre nos ribossomos (organelas contendo dois
terços de rRNA e um terço de proteínas). Em uma primeira etapa o tRNA leva
os aminoácidos ao ribossomo para formar uma proteína. O mRNA que está lá
não se liga diretamente aos aminoácidos e sim ao tRNA (que está
covalentemente ligado a um aminoácido).
Um conceito importante para continuarmos a falar sobre a tradução é o
de códon e anticódon. Um códon é uma sequência de três bases nitrogenadas
de mRNA que codificam para um aminoácido. Já o anticódon é a sequência de
três bases nitrogenadas complementares de tRNA complementar ao códon.
Por exemplo, o aminoácido valina é reconhecido pelo códon guanina-
uracila-(outra base nitrogenada qualquer) (GUU, GUC, GUA e GUG). Já o
aminoácido tirosina é reconhecido pelos códons UAU e UAC. Três códons estão
reservados para o processo de parada de tradução: UAA, UAG e UGA, e um
códon está reservado para o processo de início da tradução (e também para a
codificação da metionina): AUG. Em conjunto, todas as sequências são
conhecidas como o “código genético”.
Voltando ao processo de tradução nos ribossomos, o mRNA é passado
através do ribossomo, e cada um dos códons, na sua vez, liga-
se ao tRNA correspondente (seguindo o mesmo processo de ligação descrito
anteriormente: G–C, C–G, A–U e A–T. Quando isto ocorre o resíduo de
aminoácido forma uma ligação peptídica com o resíduo anterior (lembra-se das
ligações peptídicas?) e a cadeia vai crescendo, formando a cadeia polipeptídica
(estrutura primária), que após se desligar dos ribossomos forma ligações fracas
que dão origem às estruturas secundárias e terciárias das proteínas por meio de
processos de modificações pós- traducionais.
Uma função interessante dos ácidos nucleicos é a participação nos
mecanismos de sinalização que possuímos. Nossas células produzem diferentes
respostas a partir do ambiente, por intermédio de hormônios ou outros sinais
químicos extracelulares. Após a interação destes sinais (ditos mensageiros
primários) com a superfície celular, por meio de receptores proteicos e lipídicos,
ocorre a produção de mensageiros secundários dentro das células, que por sua
vez são responsáveis por alterações adaptativas no interior da célula.
Na maioria das vezes esse mensageiro secundário é um nucleotídeo,
sendo que o mais comum é o AMP cíclico (cAMP) (adenosina 3’,5’-monofosfato
cíclico), que é formato a partir do ATP por meio de uma enzima presente na
membrana interna das células, a adenilil ciclase. Outro composto que também
possui essa função de mensageiro secundário é o cGMP.
Para finalizar este módulo e nossos estudos em biomoléculas, é
interessante saber um pouco sobre as considerações sociais, éticas e legais
envolvendo principalmente a manipulação dos ácidos nucleicos. Com a
descoberta da estrutura do DNA, a área da engenharia genética passou a se
desenvolver e hoje a ciência é capaz de manipular o DNA de maneira complexa,
incluindo sua síntese, modificações estruturais e incorporação em organismos
vivos.
As discussões éticas surgiram quando pesquisadores visualizaram a
possibilidade de inclusão de genes tóxicos em bactérias inofensivas ao ser
humano, gerando patógenos mortais. E essas discussões geraram dois grandes
grupos de pesquisadores e mesmo dentro da sociedade: o daqueles que
acreditavam em enormes benefícios potenciais das pesquisas
nesta área de DNA recombinante, desde que precauções de segurança fossem
criadas e o grupo dos que acreditavam em potenciais riscos aos seres humanos
e/ou ao ambiente, a ponto de não concordarem com a continuidade das
pesquisas nesta área sob qualquer circunstância.
O primeiro ponto de vista prevaleceu e algumas leis foram criadas para
aqueles que trabalham com a manipulação genética. Alguns experimentos
perigosos foram proibidos, outros necessitavam de exigências de contenções de
organismos geneticamente modificados, tanto física quanto biologicamente.
Até o momento não há organismos vivos alterados geneticamente que
apresentam riscos descritos à nossa saúde e muitas vezes as técnicas de DNA
recombinante têm ajudado a eliminar riscos causados por outros patógenos
(especialmente os virais, como no caso do vírus da AIDS).
Porém, algumas discussões devem ser pensadas, como por exemplo: se
conseguimos alterar funções complexas do nosso organismo, afetando, por
exemplo, nossas capacidades físicas ou de inteligência, quais alterações seriam
desejáveis? Sob quais circunstâncias deveriam ser feitas? Quem deveria decidir
se elas deveriam ser realizadas?
Ainda, a clonagem animal e vegetal já é realizada. Deveríamos clonar
seres humanos com características desejáveis? Poderíamos utilizar informações
genéticas para avaliar a capacidade individual para determinados cargos e
funções? Essas questões devem ser sempre repensadas e uma área foi criada
justamente para tratar delas. É um ramo da filosofia denominado bioética. Um
filme muito interessante que trata desse tema é o “Gattaca – Experiência
Genética”, de 1997.
Conhecer as biomoléculas e estudar seus funcionamentos permite que
você esteja sempre à frente destas discussões que guiam nossa sociedade,
permitindo que você seja um agente ativo em nosso processo evolutivo.
Agora iniciaremos os itens mais importantes do metabolismo. O tema é
um pouco mais pesado que os anteriores, porém de muita importância. Ele
conecta todas às vias metabólicas e faz-nos compreender o processo de
respiração celular, com consumo de O2 e produção de energia
na forma de ATP. Reler esta aula algumas vezes irá colaborar para que os novos
termos utilizados sejam assimilados e você possa raciocinar bioquimicamente,
resolvendo todos os problemas bioquímicos que lhe forem apresentados. Vamos
seguir os seguintes itens da ementa da disciplina:

1 Ciclo de Krebs;
a. Definição, regulação e importância biológica.
2 Cadeia Respiratória;
b. Definição, regulação e importância biológica.

Aproveite essa aula, e reestude-a sempre que achar necessário. Os


conceitos apresentados aqui são centrais para o entendimento de toda a
integração entre as vias metabólicas.

CICLO DE KREBS

O ciclo de Krebs, também chamado de ciclo do ácido cítrico é a via


metabólica central do nosso organismo, sendo responsável por grande parte da
oxidação de carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos, além da produção de
diversos precursores biossintéticos, ou seja, esta via é anfibólica, porque atua
tanto como catabólica quanto como anabólica.
Em resumo, o ciclo do ácido cítrico oxida o grupamento acetila da
molécula acetil-CoA formando CO2 e conservando a energia livre liberada por
meio da formação de ATP (trifosfato de adenosina). Vamos então estudar cada
passo dessa via, seus mecanismos de regulação e a forma de produção da
acetil-CoA (que faz um link entre esta e as demais vias metabólicas).
O ciclo de Krebs é uma via cíclica e é dividido em oito etapas, com o ponto
de partida na formação do citrato a partir da condensação do acetil-CoA com o
oxaloacetato catalisado pelo citrato sintase. Essa enzima forma o intermediário
citroil-CoA em seu sítio ativo, que então é clivado em citrato e
CoA, e primeiro se liga ao oxaloacetato, alterando sua conformação para
disponibilizar o sítio ativo do segundo substrato (o acetil-CoA), ou seja, um
mecanismo de ajuste induzido.
A segunda etapa desta via é a transformação reversível do citrato em
isocitrato pela enzima aconitase. Esta enzima contém um centro ferro-enxofre,
forma um intermediário cis- aconitato e promove a adição de uma molécula de
água, que pode gerar o isocitrato ou então o citrato. Embora somente 10 % dos
produtos sejam o isocitrato, ele é rapidamente consumido na próxima etapa do
ciclo e, logo, a reação é deslocada para a formação dele.
O isocitrato é então oxidado a α-cetoglutarato e CO2 pela isocitrato
desidrogenase, que é uma enzima dependente de NAD+ e Mn2+. Outra
oxidação ocorre para formar a succinil-CoA e CO2 a partir do α-cetoglutarato
pelo complexo da α-cetoglutarato desidrogenase. Nesta reação, o NAD+ atua
como receptor de elétrons e o CoA como carreador do grupo succinil.
A quinta etapa desta via é a conversão do succinil –CoA em succinato.
Essa reação ocorre por meio da enzima succinil-CoA sintetase, sendo que a
energia liberada é utilizada na ligação de anidrido fosfórico para formar ATP ou
GTP. Embora o ATP e o GTP sejam energeticamente equivalentes, a enzima
nucleosídio difosfato quinase pode liberar o grupo fosfato terminal do GTP para
formar ATP, sendo esta a forma preferencial de conservação da energia.
Na sexta etapa o succinato é oxidado a fumarato pela flavoproteína
succinato desidrogenase, firmamente ligada à membrana mitocondrial interna.
Além de grupamentos ferro- enxofre, esta enzima utilizada FAD para realizar a
oxidação. Os elétrons retirados do succinato possuem como receptor final o O2,
formando 3 ATPs para cada 4 elétrons transferidos.
O fumarato é então hidratado a malato pela enzima fumarase, e na oitava
e última etapa do ciclo o malato é oxidado a oxaloacetato pela malato
desidrogenase, enzima ligada ao NAD+. O oxaloacetato formado é então
rapidamente removido pela primeira enzima do ciclo (citrato sintase), fechando
o ciclo do ácido cítrico.
Vamos agora reunir as informações contidas em uma volta do ciclo de
Krebs:

▪ 1 grupo acetila gera 2 moléculas de CO2;


▪ 3 moléculas de NAD+ são reduzidas a NADH;
▪ 1 molécula de FAD é reduzida a FADH2;
▪ 1 grupo ATP é produzido.

Os 8 elétrons envolvidos das reações acima passam para a cadeia de


transporte de elétrons (que vamos estudar ainda neste módulo) reduzindo 2
moléculas de O2 a H2O. Ao total, após todas as transferências de elétrons,
temos um saldo de 12 moléculas de ATP.
Mas e o acetil-CoA inicial, de onde ele veio? Lembra-se do piruvato
formado pela glicólise? É ele, por intermédio do complexo da piruvato
desidrogenase (PDH) que gera o acetil- CoA. Este complexo é importante,
também, por ser um modelo multienzimático onde os intermediários químicos
permanecem ligados às superfícies das enzimas até que o produto final seja
obtido.
Ainda, este complexo, localizado na mitocôndria, utiliza cinco cofatores,
sendo que quatro deles são derivados de vitaminas, e mostra como a
combinação da regulação por modificação covalente e por alosterismo resultam
em um controle mais preciso das vias. Este complexo é importante de ser
estudado também por outro motivo: ele é muito semelhante ao complexo da α-
cetoglutarato desidrogenase que vimos anteriormente, refletindo uma origem
evolucionária comum.
Resumindo, a reação de descarboxilação oxidativa realizada pelo PDH
envolve a remoção do grupo carboxila do piruvato por meio da formação de CO2,
e os dois carbonos restantes tornam-se o grupo acetil que se liga à CoA para
formar o acetil-CoA que entra no ciclo do ácido cítrico.
Vamos entender melhor como ocorre esse processo:
O PDH é constituído por três enzimas: piruvato
desidrogenase (E1), diidrolipoil transacetilase (E2) e diidrolipoil desidrogenase
(E3). Estas enzimas estão presentes em várias cópias no complexo, que em
mamíferos pode ser observado em microscópio eletrônico, pois contém cerca de
50 nm de diâmetro.
A E1 catalisa a descarboxilação do piruvato, produzindo hidroxietil-TPP e
em seguida, o grupamento hidroxietil é oxidado em um grupamento acetil. A E2
é responsável por catalisar a ligação do grupamento acetil com a CoA, formando
o acetil-CoA. A E3 regenera o lipoato ligado à E2 e que participa do processo
anterior, passando os elétrons para o FAD e depois para o NAD+.
Lembre-se da referência da participação de cinco co-enzimas? São elas:
TPP (tiamina pirofosfato), FAD (flavina adenina dinucleotídeo), CoA (coenzima-
A), NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo) e lipoato, sendo as quatro
primeiras formadas a partir de vitaminas obtidas por intermédio da alimentação.
Agora que você já sabe de onde vem o acetil-CoA que entra no ciclo de
ácido cítrico e consegue fazer um link entre a glicólise (glicose→piruvato), PDH
(piruvato→acetil-CoA) e o ciclo de Krebs, estudarão um pouco mais a regulação
desta via.
Um ponto importante de controle é o complexo enzimático da piruvato
desidrogenase. Os produtos ATP, acetil-CoA e NADH inibem fortemente este
complexo por meio de alosterismo, impedindo a conversão do piruvato em acetil-
CoA (que daria início ao ciclo do ácido cítrico). Já o acúmulo de AMP, CoA e
NAD+ são ativadores alostéricos deste complexo enzimático.
Porém, não é só a modificação alostérica que ocorre. Em mamíferos
também ocorre à regulação por modificações covalentes em uma subunidade da
enzima E1. Duas proteínas estão presentes neste complexo para realizar esse
tipo de controle. Uma proteína quinase específica inativa a E1 por fosforilação,
já uma proteína fosfoproteína fosfatase específica hidrolisa o grupamento
fosfato, ativando E1, sendo que a quinase é ativada de maneira alostérica pelo
ATP.
Após o início do ciclo de Krebs, três passos são importantes para a
regulação deste ciclo, sendo que três fatores controlam a
velocidade do fluxo por meio do ciclo: quantidade de substratos, acúmulo de
produtos e inibição alostérica retroativa das primeiras enzimas do ciclo.
As três enzimas que participam do controle são: citrato sintase, isocitrato
desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase. A regulação delas se dá pelo
acúmulo ou disponibilidade dos substratos, NADH para as reações de
desidrogenação e ATP para as duas primeiras, sendo que a disponibilidade de
Ca2+ nos músculos atua ativando a citrato sintase e a α-cetoglutarato
desidrogenase, assim como o complexo da piruvato desidrogenase.
A velocidade da glicólise está sempre coordenada à velocidade do ciclo
de Krebs, não só pela concentração de citrato, mas também pela inibição por
ATP e NADH, comum a ambas as vias. O citrato é um importante inibidor
alostérico da fosforilação da frutose-6-fosfato pela fosfofrutoquinase-1 na via
glicolítica.
Para finalizarmos nossos estudos sobre o Ciclo de Krebs vamos ver um
pouco mais sobre a importância biológica deste ciclo. Já havíamos visto que esta
via é anfibólica, ou seja, ao mesmo tempo em que possui sua função catabólica,
de degradação e conservação de energia, também é utilizada por outras vias,
por intermédio de seus intermediários, como matéria-prima para a construção de
outros compostos.
Assim como os intermediários do ciclo de ácido cítrico são utilizados por
outras vias, eles também devem ser repostos, afinal, a função catabólica desta
via não pode ser interrompida. Assim, as vias que interagem com o ciclo de
Krebs são:

▪ Gliconeogênese: nós já estudamos a biossíntese da glicose


no módulo anterior e vimos à utilização do oxaloacetato como matéria-prima,
você se lembra? Mas tenha sempre em mente que o oxaloacetato é
transportado da mitocôndria para o citoplasma na forma de malato;
▪ Biossíntese de lipídeos: este ciclo será estudado no próximo
módulo, mas posso adiantar que é um ciclo que necessita de acetil-CoA, que
também não atravessa a membrana mitocondrial. Logo, o
citrato, que pode atravessar a membrana, é degradado pela ação da ATP-
citrato-liase para fornecer o acetil-CoA citosólico;
▪ Biossíntese de aminoácidos: outro ciclo que veremos no
próximo módulo, utilizada o ciclo de Krebs por duas formas. A primeira é por
meio do α-cetoglutarato, que é convertido em glutamato por uma reação de
aminação redutiva que envolve NAD+ ou NADP+ por intermédio da enzima
glutamato-desidrogenase. A segunda é a transaminação do oxaloacetato
gerando glutamato;
▪ Biossíntese de porfirinas: esta via utiliza o succinil-CoA como
matéria-prima;
▪ Oxidação completa de aminoácidos: esta via fornece acetil-
CoA ao ciclo de Krebs, após a transformação dos aminoácidos em
fosfoenolpiruvato, piruvato e finalmente em acetil-CoA, porém necessita de
intermediários deste ciclo.

Outras reações participam da reposição de intermediários do ciclo do


ácido cítrico, sendo a principal delas a produção de oxaloacetato pela piruvato-
carboxilase. O ativador desta enzima é o acetil-CoA, e logo, quando esse está
em excesso à enzima é ativada para produzir oxaloacetato e iniciar o ciclo.
Quando o acetil-CoA está presente em quantidades reduzidas e o oxaloacetato
está em excesso, este é transportado para fora da mitocôndria na forma de
malato, dando continuidade por meio da via da gliconeogênese.
Outras vias que participam da produção de intermediários do ciclo de
Krebs são:
▪ Oxidação de ácidos graxos com número ímpar de carbono: geram
succinil-CoA;
▪ Degradação dos aminoácidos isoleucina, metionina e valina:
também geram succinil-CoA;
▪ Transaminação e desaminação de aminoácidos: conforme visto
geram oxaloacetato e também α-cetoglutarato.
Nota-se que o ciclo de Krebs é a via central nas nossas células,
interagindo com praticamente todas as demais vias. Ainda, seus produtos
reduzidos, NADH e FADH2 são reoxidados pela cadeia de transporte de
elétrons, que será estudada a seguir, ao mesmo tempo em que ocorre a
fosforilação oxidativa, e a energia livre liberada é acoplada à biossíntese de ATP.
Além disso, os intermediários do ciclo são utilizados na biossíntese de muitos
constituintes celulares vitais.

CADEIA RESPIRATÓRIA

A cadeia respiratória, composta pela fosforilação oxidativa e pelo


transporte de elétrons, é o estágio final da produção de energia em nosso
organismo, com todas as etapas oxidativas na degradação de carboidratos,
gorduras e aminoácidos convergindo para ela, onde a energia livre é convertida
em ATP.
Resumidamente, a fosforilação oxidativa envolve a redução do O2 a H2O
com elétrons provindos do NADH e FADH2 e o processo ocorre nas
mitocôndrias. Então, iniciaremos o estudo do transporte de elétrons para, em
seguida, estudarmos a fosforilação oxidativa. Embora estas duas vias estejam
rigidamente acopladas, a divisão será feita para que a aprendizagem possua
uma melhor didática. Ao final deste módulo você irá entender como o processo
de respiração celular funciona.

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