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17/03/2021 Neoliberalismo, fetichismo técnico-cientificista e ciência | Esquerda

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ARTIGOS DOSSIER    /   DOSSIER 233: FÓRUM SOCIALISMO 2014    /   NEOLIBERALISMO,
FETICHISMO TÉCNICO-CIENTIFICISTA E CIÊNCIA

Neoliberalismo, fetichismo técnico-


cientificista e ciência
As instituições académicas e cientí cas têm perdido
autonomia relativa face aos imperativos dos mercados e da
lógica capitalista, o que, no momento atual, parece desfazer o
ganho e a construção histórica e institucional do campo
cientí co e académico como campo semi-autónomo de poder
e de construção de conhecimento amplamente útil, crítico e
re exivo. Por Tiago Lapa

2 de Setembro, 2014 - 18:23h

A ideologia política do
neoliberalismo, a arma
política da ofensiva
ideológica na senda de
um capitalismo sem
qualquer tipo de freios, é
amplamente reconhecida
como tendo influenciado
a organização das
Foto da ABIC economias nacionais e
globais e as políticas
públicas desde os anos 70. O neoliberalismo é baseado na
subordinação da totalidade das estruturas e instituições sociais,

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incluindo as instituições científicas, ao processo de acumulação, pelo


que, as funções económicas, como, por exemplo, criar um ambiente
empresarial “desejável”, passam a ocupar claramente a posição
dominante dentro do Estado e o desenho das suas políticas,
incluindo as científicas. A intensificação da lógica neoliberal do
capitalismo faz com que o Estado (com a perda quase total de
autonomia relativa) use os impostos do factor trabalho para
consolidar o sistema financeiro e, como resultado, estenda e
intensifique os cortes orçamentais, originando um empobrecimento
por via da degradação salarial, da precariedade e do desemprego
estrutural elevado que se arrisca a ser crónico, da subjugação à
dívida e do despejar das funções sociais do Estado, na segurança
social, na educação, na saúde e no investimento nas instituições
académicas e científicas e ainda mais nos seus recursos humanos.

“ A sociedade
neoliberal é a
Por arrasto, são também as
instituições académicas e científicas
que têm perdido autonomia relativa
sociedade dos face aos imperativos dos mercados e
ditames do da lógica capitalista (veja-se o caso

mercado mais lapidar das escolas de economia


e gestão que, com os seus modelos
capitalista que matemáticos, reduzem a realidade
tenta subjugar social a abstrações caricaturais e
as instituições ilustram também aquilo que
apelidarei de fetichismo técnico-
académicas e
cientificista), o que, no momento
científicas às actual, parece desfazer o ganho e a
necessidades do construção histórica e institucional

actual modo de do campo científico e académico


como campo semi-autónomo de
produção (e poder e de construção de
respectivas conhecimento amplamente útil (não
instituições só no campo económico), crítico e
reflexivo. Se, por um lado, se criticou
financeiras), e
a perspectiva, no momento histórico
esvaziar a do capitalismo burocratizado e
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noção de organizado, de que as elites


dirigentes pressionariam o sistema de
ciência
produção de conhecimento, para que
enquanto bem este inevitavelmente beneficiasse
público. interesses de classe dessas elites (por
exemplo, Hessen, 1971), por outro, a
ofensiva neoliberal parece tornar essa pressão evidente sob a forma
de uma putativa “racionalização” do sistema científico e tecnológico
nacional (que se tem traduzido na asfixia financeira das instituições,
na elevadíssima precarização dos recursos humanos e nas
possibilidades de vida dos produtores ou potenciais produtores de
conhecimento) e da propalada falta de articulação e de retorno de
investimento na relação entre ciência e sociedade, reduzida esta
última às vislumbradas necessidades da economia e do mercado.
Deste modo, é colocada em causa uma ideia de ciência como campo
quase-autónomo de poder, que, nunca tendo sido liberto da
influência de outros campos, parecia possuir um grau de auto-
governação (Fournier, Germain e Maheu 1975; Bourdieu, 2001). Em
suma, a sociedade neoliberal é a sociedade dos ditames do mercado
capitalista que tenta subjugar as instituições académicas e científicas
às necessidades do actual modo de produção (e respectivas
instituições financeiras), e esvaziar a noção de ciência enquanto bem
público, para além da contribuição para as empresas, amputando
assim os laços entre ciência e outras esferas como a cultura, a
política e o debate público, a dita sociedade civil, os movimentos e
associações sociais, etc.

Aqui chegamos a uma ideia de fetichismo técnico-cientificista que


tem como uma das suas características a redução da relação entre
ciência e sociedade à relação entre ciência/conhecimento
(preferencialmente tecnificado) e tecido económico (incluindo a
finança), relegando para segundo plano, ou mesmo descartando,
tudo o que não se compraz a esta última relação, por ser entendido
como socialmente inútil e, portanto, não merecedor de
financiamento público, constituindo uma gordura a ser estripada.
Isto desemboca numa reacção desdenhosa, cheia de violência
simbólica, face às humanidades, às ciências sociais e humanas e
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mesmo à ciência fundamental que se mostre incapaz de se traduzir


em mercadorização. As actuais políticas científicas transparecem
ainda outras características desse fetichismo cientificista. A saber: a
transfiguração de uma atitude positivista de pensar as ciências
experimentais como capazes de fornecer um conhecimento da
natureza (resumida essencialmente à categoria de mercadoria), do
homem (desejavelmente empreendedor e agente capaz e autónomo
no mercado) e da sociedade (moldada segundo os ditames da teoria
económica mainstream), resolvendo todos os problemas económicos
e estruturais do mercado capitalista (o que na mentalidade neoliberal
equivale a resolver todos os problemas das pessoas); e ainda outro
corolário cientificista de cariz metodológico - considerar o método
quantitativo e experimental das ciências ditas duras como o único
válido em todos os campos do conhecimento, incluindo as ciências
sociais e humanas. Constitui também uma mistificação ideológica
que recusa quaisquer laços entre factos e normas, para usar os
termos de Habermas, de pensar a ciência para além de uma
racionalidade instrumental, obscurecendo a relação entre ciência e
sociedade e um potencial enriquecimento da experiência humana.

As atuais políticas científicas não constituem apenas um fenómeno


nacional mas inserem-se no bloco neoliberal europeu conhecido
como União Europeia e inscritas em programas como o Horizonte
2020. O impacto da política de ciência e gestão neoliberal estende-se
muito além da mercadorização levada a cabo pelo sistema de
patentes nos métodos, organização e conteúdo da ciência. Os
resultados comuns da relação entre o aprofundamento das
características estruturais do capitalismo, incluindo o eixo
ideológico, e as instituições académicas e científicas incluem: a
reversão do financiamento público para as universidades; a
separação das missões de pesquisa e ensino; o aumento do número
de docentes temporários e à exploração (levada ao infinito segundo a
famosa equação marxista) dos investigadores que dão aulas de forma
“voluntária” sem remuneração; o estreitamento das agendas de
investigação para se concentrarem nas necessidades dos operadores
comerciais/empresariais; uma crescente dependência da aceitação
pelo mercado para julgar disputas intelectuais e moldar projectos,
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programas e currículos; e o fortalecimento intenso da propriedade


intelectual, na tentativa de comercializar o conhecimento, o que
dificulta a produção e difusão da ciência e o restabelecimento dos
laços com o debate e o esclarecimento públicos, a cultura, as
associações e outras organizações não comerciais e não-
governamentais da dita sociedade civil.

política: 
Fórum Socialismo 2014
Dossier: 
Dossier 233: Fórum Socialismo 2014

 (...)

Neste dossier:
Fórum Socialismo 2014
O Fórum Socialismo 2014 – Debates para a Alternativa
reuniu 320 pessoas em Évora, entre os dias 29 e 31 de
agosto, que participaram em cerca de 40 sessões plenárias,
mesas redondas, painéis e conversas. 

Privatizações dos transportes: é bom para quem?


O atual Governo tem prosseguido uma política de
destruição dos transportes públicos.

O que há de novo em Thomas Piketty?


É indisfarçável o incómodo dos economistas liberais com o
Capital no Século XXI. Atribuiem à obra um
fundamentalismo ideológico, esgravatam para desmentir a
realidade dos dados, convidam-no a estudar as experiências soviéticas.
Por Gonçalo Pessa.

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De que é a esquerda não pode abdicar?


A esquerda tem a obrigação de quebrar o “monopólio dos
profissionais” políticos, em que a uns é dada a função de
fazer a política e a outros é dada a possibilidade de os
seguir ou apoiar. A esquerda deve ser capaz de envolver todos e todas,
deve ser inclusiva, pedagógica. Basta lembrar os tempos do PREC, as
canções do GAC ou os cadernos de educação popular, para perceber que
uma verdadeira esquerda quer – autenticamente – que todos as pessoas
se assumam como atores políticos. Por Inês Barbosa, Investigadora, do
movimento de cidadãos de Braga.

Bloco contra a reprivatização do Novo Banco e pelo


controlo público da banca
Catarina Martins afirma que o Estado “não pode limpar um
banco sistémico e devolvê-lo, limpinho, a banqueiros
privados que provaram não ter vocação para gerir bancos”. Considerando
que esta intervenção deve ter retorno para os contribuintes, a
coordenadora do Bloco defende o controlo público sobre todo o sistema
bancário.  

Semedo: Bloco defende convergência, mas não uma mera


alternância
O coordenador do Bloco de Esquerda afirmou na abertura
do Fórum Socialismo 2014 que da disputa interna no PS
não vai nascer uma alternativa de esquerda. João Semedo sublinhou que
o Bloco defende “a convergência, o diálogo e a aproximação”, mas não
está disponível “para dar o braço a quem faz da política uma simples
rotação”.

Francisco Louçã: Portugal precisa de união muito forte


contra a austeridade
No Fórum Socialismo 2014, Francisco Louçã defendeu a
necessidade de “uma união muito forte” em Portugal

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contra a austeridade, alertando que o país tem “20 anos de protetorado


pela frente”, o que o torna numa “democracia pequenina”.

“É bené co para Portugal sair do euro”


O economista João Ferreira do Amaral defendeu no Fórum
Socialismo 2014 que Portugal não tem sustentabilidade na
zona euro, e que a saída seria fundamentalmente a forma
de reforçar o crescimento económico e alterar a estrutura produtiva do
país no sentido de uma melhor inserção na globalização.

BES: “Maioria governamental não pode ser força de


bloqueio em comissão de inquérito”
Num debate no Fórum Socialismo 2014, Pedro Filipe Soares
salientou também: “O Governo tinha prometido que nem
um cêntimo dos contribuintes ficaria em risco. O que vemos agora é que
não são cêntimos, são centenas de milhões que poderão estar em causa
com esta solução”.

Austeridade: História de uma ideia perigosa


Apresentação de Mariana Mortágua sobre a história da
austeridade com base no livro de Marc Blyth Austerity:
"The History of a Dangerous Idea".

“Por uma Europa dos povos e dos direitos sociais, contra a


que aniquila o Estado social”
No Fórum Socialismo 2014, Marisa Matias salientou que os
casos da Grécia e de Espanha, dão “esperança” numa
“Europa que volte a ser a Europa dos povos e dos direitos sociais. Miguel
Urban, do partido espanhol Podemos, afirmou que “não democratizar a
Europa” será “o pior” que se pode “fazer aos povos europeus e o melhor
aliado” para a extrema-direita.

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‘Old Wine in New Bottles’?


O que (não) há de novo no horizonte (2020) para o
desenvolvimento rural e a agricultura em Portugal.
Por Elisabete Figueiredo.

Futebol: o ópio do povo?


Apresentamos aqui os pontos de vista de Óscar
Mascarenhas e de Nuno Domingos sobre o mais popular
desporto de Portugal.

Rendimento Básico Incondicional (1)


A mesa redonda sobre o Rendimento Básico Incondicional
apresentou dois pontos de vista. Pra Adriano Campos e
Ricardo Moreira, desistir da exigência do pleno emprego é
anunciar a morte do direito ao trabalho.

Rendimento Básico Incondicional (2)


A mesa redonda sobre o Rendimento Básico Incondicional
apresentou dois pontos de vista. Neste artigo, Roberto
Merrill examina a crítica ao RBI que considera a mais
pertinente – a “objeção da exploração”.  

Trabalhos de casa: são uma seca? (1)


Na mesa redonda sobre os TPC apresentaram-se dois
pontos de vista diferentes. Aqui, o texto “'Trabalhos de
Casa' uma questão na ordem do dia ”, de Maria José
Araújo.

"Trabalhos de casa": são uma seca? (2)


Na mesa redonda sobre os TPC apresentaram-se dois
pontos de vista diferentes. Aqui, o texto de Serafim
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Duarte.

Fotogaleria do Socialismo 2014


Acompanhe o olhar da fotógrafa Paulete Matos, que
acompanhou o Fórum Socialismo 2014 - Debates da
Alternativa.

O que é o Tratado Orçamental?


Porque é que é irrealista cumprir este Tratado? Os dados
históricos revelam-nos que os saldos orçamentais
estruturais, mesmo os dos países do centro da UE, muito
raramente cumprem os requisitos estipulados no Tratado. Por Samuel
Cardoso.

Neoliberalismo, fetichismo técnico-cienti cista e ciência


As instituições académicas e científicas têm perdido
autonomia relativa face aos imperativos dos mercados e da
lógica capitalista, o que, no momento atual, parece
desfazer o ganho e a construção histórica e institucional do campo
científico e académico como campo semi-autónomo de poder e de
construção de conhecimento amplamente útil, crítico e reflexivo. Por
Tiago Lapa

Dados e transparência para um ativismo esclarecido


Os movimentos "open data" são um desenvolvimento
recente e localizado de luta pelo acesso à informação
pública, e têm vindo a obter frutos em vários países,
incluindo a UE, incentivando os governos e agentes políticos a publicar
livremente a informação pública. Por Ricardo Lafuente

O reconhecimento da identidade de género como processo


emancipatório: percursos legais
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Nos últimos anos os movimentos trans (transexuais e


transgénero) têm vindo a confluir numa reivindicação base
muito concreta, mas nem por isso tão fácil de colocar em
prática: o reconhecimento legal da identidade de género.
Por Júlia Mendes Pereira

Drones: a guerra no joystick


Os drones estão a ajudar à criação de um estado de guerra
permanente, banalizando o uso da força letal e erodindo os
direitos humanos, facilitando a escalada da guerra.  

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