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“Um Lugar Silencioso” e “O Silêncio na era do ruído”: uma breve análise sobre a

representação do silêncio

O ator John Krasinski, em 2018, estreou seu mais prestigiado filme até então:
“Um Lugar Silencioso”. No longa estrelado por Krasinski e sua esposa Emily Blunt, o
mundo foi dominado por enormes criaturas cegas que caçam suas presas por meio do
som, fazendo com que os humanos restantes precisem viver em completo silêncio para
sobreviverem. Um ano antes, o autor norueguês Erling Kagge escreveu o livro “O
silêncio na era do ruído”, no qual comenta sobre o mundo o qual vivemos: repleto de
barulhos e ruídos (seja de telefones, computadores ou até mesmo de carros e outras
máquinas), onde o silêncio acaba se tornando um luxo para poucos.

No livro, Kagge comenta que o silêncio pode ser tanto algo bom – um amigo,
como este o descreve – como algo triste, solitário e, as vezes, aterrorizante (mesmo esta
não sendo a visão que o autor tem sobre o silêncio). Tanto para os personagens quanto
para o espectador, o filme constrói o silêncio, muitas vezes, como algo denso e
amedrontador, construindo um suspense com a ausência de música em certas cenas,
mostrando, diversas vezes, a solidão daquele mundo e dos personagens.

O autor, entretanto, propõe e defende a ideia de que o silêncio é algo positivo, o


qual permite aquele que tem o luxo de experimentá-lo a pensar, refletir e trabalhar no
autoconhecimento. Esta ideia, entretanto, não foi originada do próprio Kagge, tendo este
inclusive citado diversos estudiosos para dar base à seus argumentos. Em algumas
religiões, como o budismo, por exemplo, temos adeptos ao voto do silêncio, o qual
muitos acreditam ser uma forma de despertar a consciência, permitindo prestar mais
atenção em si mesmo em suas ações, algo que, segundo Malagris, é extremamente
importante no mundo do filme: a atenção plena (até porque, caso não se preste atenção
o bastante, é provável que acabe fazendo algum barulho e sendo devorado pelos
monstros).

Cada um dos quatro personagens principais, ao longo do filme, demonstram a


ideia de que o silêncio pode ser algo extremamente positivo e revelador, auxiliando na
paz interior e no autoconhecimento. Primeiramente, a filha mais velha do casal,
interpretada por Millicent Simmonds, opta por ficar sozinha em diversos momentos do
longa, refletindo sobre as ações que levaram por causar a morte do irmão mais novo
alguns anos antes, se levando a se auto perdoar e conseguir seguir em frente. O irmão do
meio, interpretado por Noah Jupe, se encontra em um carro abandonado no primeiro ato
do filme, brincando de fingir que dirige o carro; vemos claramente que os pensamentos
do personagem estão todos voltados à sua imaginação fingindo ser um piloto de corrida:
seus pensamentos o levam à um mundo próprio, repleto de criatividade e diversão,
podendo explorar as próprias vontades, desejos e sonhos, algo dificultado nos dias de
hoje, onde tanto adultos quanto crianças são “sufocados” por tamanha quantidade de
som a qual dificulta a imaginação, a ludicidade e a criatividade.

E, por último, ambos os protagonistas (os personagens de Krasinski e Blunt),


contracenam juntos em uma das cenas dramáticas mais memoráveis do filme: o pai da
família, beirando o limite do estresse e angústia com o fato de não estar conseguindo
resolver o problema da filha (e tornar a vida dela, em um mundo pós-apocalíptico, um
pouquinho melhor, que seja), é surpreendido pela esposa, a qual o faz levantar da
cadeira, o abraça e coloca, nele, a outra metade do fone de ouvido que ela possui.
Durante alguns segundos, ambos dançam levemente juntos, escutando a mesma música
em seus fones de ouvido, com uma tremenda paz interior e um momento de felicidade
genuína, abafando, de certa forma, os ruídos presentes na angústia e estresse que o
mundo lhe estava proporcionando momentos antes. Tal cena, se bem analisada,
exemplifica com maestria a ideia de Kagge, a qual indica que o silêncio não
necessariamente significa o fenômeno físico do silêncio (ou seja, a ausência de som),
mas também pode ser entendido como uma forma de se prender a si mesmo, em sua
própria consciência, para relaxar, refletir e se esconder do mundo exterior.

O filme, portanto, consegue exemplificar de diversas formas as ideias de Kagge,


mostrando o quanto o silêncio pode ser perturbador para algumas pessoas em
determinadas situações (inclusive para o espectador, quando repleto de suspense nas
cenas silenciosas, se vê cercado de pensamentos internos, angústia, medo e aflição)
assim como também pode ser, como defendido mais frequentemente e com mais ênfase
no livro, uma forma de pensamento e reflexão, permitindo que aquele que tem o luxo de
experimentá-lo possa estar em um estado de paz interior, se afastando do mundo a sua
volta e trabalhando seu autoconhecimento.

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