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Rev. Medicina Desportiva informa, 2011, 2 (2), pp.

5–7

O impacto psico-emocional
Caso clínico

das exigências do desporto


de competição: estudo de
caso de um atleta de futebol
Prof. Doutor Pedro L. Almeida1, 2; Dr. João Lameiras2
1
ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada; 2Gabinete de Psicologia – Sport Lisboa e Benfica – Lisboa

Resumo Abstract não estava familiarizado, sendo a


Num contexto marcadamente de alto rendimento como o futebol de competição, os sua experiência prévia bastante
atletas estão expostos a numerosas experiências potencialmente stressantes. Os autores diferente da realidade atual. Após
relatam um caso de um atleta de futebol de 16 anos de idade. Todo o plano de ação é des-
identificação do caso em questão e
crito detalhadamente, bem como a intervenção psicológica implementada. É de salientar
a importância de um trabalho claramente interdisciplinar e adequado às necessidades
da clara necessidade de interven-
individuais dos atletas. ção, foi delineado um plano de ação
(Figura 1) que visava uma interven-
In a context markedly of high performance as competition football, athletes are exposed to ção multidisciplinar, no sentido de
numerous potentially stressful experiences. The authors report a case of a football of a 16 dar resposta às necessidades do
years old player. The action plan is described in detail, as well as the psychological inter-
atleta.
vention implemented. This work emphasizes the importance of interdisciplinary work
suited to the individual needs of the athletes.
Acompanhamento
e monotorização
Palavras-chave Key-words: Levantamento
· Psicólogos
Avaliação Intervenção · Treinadores
Intervenção psicológica, futebol de competição. de necessidades
· Departamento
Psychological intervention, competition football. médico
· Diretores

Figura 1 – Plano de acção

Introdução outras percecionam essas mes- PPrimeiramente, na fase de levan-


mas situações como ameaçadoras. tamento de necessidades foram
Na competição desportiva e no É esta avaliação e o desequilíbrio identificadas três áreas fundamen-
contexto desportivo atual onde o entre a perceção de competência e tais sob as quais era preciso intervir:
nível de exigência é cada vez maior, o nível de exigência que origina a clara inadaptação ao centro de estágio,
os conceitos de pressão psicológica e resposta de stress, e que conduzem escola, colegas (isolamento; dificul-
stress estão intrinsecamente ligados frequentemente a sentimentos de dade no relacionamento interpes-
a esta realidade de alto rendimento. incontrolabilidade e de instabilidade soal com pares; faltas injustifi-
De fato, muitos atletas têm dificul- no presente, bem como de incerteza cadas); Manifestações frequentes de
dade, ou mesmo incapacidade, para quanto ao futuro [2]. mal-estar físico e psicológico (perda de
responderem de forma positiva às apetite; insónia; incapacidade para
exigências e à constante pressão manter o foco atencional; nível de
psicológica que a sua atividade des- Caso Clínico ativação abaixo das exigências da
portiva acarreta. tarefa; alterações fisiológicas – ex:
Nos jovens desportistas o stress Um atleta com 16 anos é contra- intestinais); e, Comportamentos de
pode provocar consequências tado pelo clube a meio da tempo- escape ou evitamento (abandono de
negativas como as seguintes: menor rada desportiva (Dezembro), sendo jogos/treinos de maior transcen-
diversão com a atividade física, manifestamente reconhecido pelos dência ou grau de exigência; relatos
maior risco de contrair lesões, ante- colegas do seu anterior clube como a constantes de lesão ou dificuldade
cipação de fadiga ou esgotamento, “vedeta” da equipa. Proveniente das física; cansaço ou esgotamento ante-
problemas alimentares e de sono, Ilhas e com um nível socioeconó- cipados). Este conjunto de compor-
baixo rendimento, evitamento de mico elevado, possuía uma ligação tamentos indicava de forma clara
situações mais críticas e abandono afetiva muito forte com os pais e não só uma debilidade emocional do
da atividade [1]. pares. Desde o início do seu ingresso atleta, mas também uma manifesta
Enquanto algumas pessoas no clube revelou inúmeras dificul- resposta de stresse, sendo claro um
lidam com determinadas situa- dades na adaptação ao contexto, desequilíbrio entre a capacidade de
ções potencialmente stressantes marcadamente de alto rendimento resposta (física ou psicológica) do
perspetivando-as como desafios, e com um nível de exigência ao qual atleta e a exigência da tarefa e da

Revista de Medicina Desportiva informa Março 2011 · 5


nova realidade onde se encontrava uma vez que a literatura tem situações de fuga uma vez que,
inserido. Neste sentido, procedeu- apontado o stress como um das em determinados casos, as lesões
-se posteriormente a uma fase de causas de maior preponderância podem aliviar outras fontes maiores
avaliação que englobou a recolha de na vulnerabilidade dos desportistas de stress, convertendo-se em meca-
dados através de múltiplas fontes, à ocorrência de lesões desportivas. nismos de escape ou evitamento. No
entre as quais a observação livre A literatura [6] acerca dos fatores presente caso, e apesar da inter-
de comportamentos em contexto relacionados com a probabilidade de venção multidisciplinar realizada, o
de treino e competição, entrevistas sofrer lesões identifica dois fatores atleta acabou por sair do clube, não
livres e semi-estruturadas e uma primordiais: fatores internos do abandonando porém a prática da
bateria de testes de avaliação de desportista (médicos, fisiológicos e modalidade. Contudo, foram sal-
competências psicológicas (Inventá- psicológicos) e fatores externos ao vaguardados o bem-estar do atleta
rio de Competências Psicológicas para desportista (comportamentos dos (nunca se conseguiu adaptar), bem
Desportistas [3]), de traço de ansiedade outros e fatores desportivos). Tal como os interesses do mesmo e do
(Escala de Ansiedade no Desporto [4]) e como parece evidente no presente clube.
de perfil de estados de humor (Perfil caso, os acontecimentos de vida
de Estados de Humor [5]). Os resultados desencadeadores de stress (altera-
obtidos revelaram que o atleta pos- ção do estilo de vida, mudança de Bibliografia
suía elevados índices de ansiedade residência, afastamento e quebra de
traço (somática e cognitiva), baixos ligação com pares significativos, etc.) 1. Buceta, J.M. (2004). Estrategias psicológicas
níveis de competências psicológicas e a experiência e personalidade são para entrenadores de deportistas jovénes.
Madrid: Dykinson.
(controlo de ansiedade, motivação, fatores psicológicos específicos que
2. Serra, A.V. (2005). As múltiplas facetas do
auto-confiança e concentração) podem predispor os atletas a sofrer stress. In A. Pinto & A. Silva (Eds.), Stress e
e um estado de humor negativo lesões [7]. bem-estar (pp. 17-42). Lisboa: Climepsi.
(elevados valores de tensão, depres- 3. Cruz, J. & Viana, M. (1993). Manual de
são e confusão). No seguimento avaliação psicológica em contextos desportivos
(Relatório Técnico). Braga-Lisboa: Projecto de
do processo avaliativo, foi deline- Conclusões
Investigação e Intervenção Psicológica na
ada uma intervenção psicológica Alta Competição.
sistematizada tendo em conta as A intervenção psicológica deve rea- 4. Cruz, J. & Viana, M. (1995). Stress, Ansiedade
necessidades individuais do atleta, lizar-se tendo em conta as necessi- e Sucesso Desportivo na Alta Competi-
procurando estabelecer e pôr em dades individuais do atleta, sendo de ção. Áreas de Intervenção e Compromisso
Sociais do Psicólogo. Lusografe: 116-127.
prática estratégias eficazes em cada vital importância o trabalho multi-
5. Viana, M.; Almeida, P. L. & Santos, R. (2001).
nível de atuação (Figura 2), visando disciplinar entre as diferentes áreas Adaptação portuguesa da versão reduzida
a diminuição da vulnerabilidade do de competência assumindo-se como do perfil de Estados de Humor – POMS. Aná-
desportista ao stresse e às lesões, um suporte fulcral, uma vez que lise Psicológica 19(1), 77-92.
para além de procurar melhorar o potencia a eficácia e eficiência da 6. Olmedilla, A.; Ortín, F. & De La Vega, R.
(2006). Lesiones deportivas y psicología:
seu nível de bem-estar psicológico e intervenção através da mobilização
análise, investigación y propuestas de
emocional. dos recursos disponíveis [8]. Assim, intervención. In E. Garcés, A. Olmedilla & P.
Jara (Eds.), Psicología y Deporte (pp. 497-524).
Múrcia: Diego Marín.
OBJECTIVO ESTRATÉGIAS 7. Maddison, R. & Prapavessis, H. (2005). A
Eliminação ou redução de Gestão do tempo livre psychology approach to the prediction and
situações potencialmente Exigências dos treinos e competições prevention of athletic injury. Journal of Sport
stressantes Gestão de expetativas and Exercise Psychology, 27, 289-310.
Racionalização e estabelecimento de objectivos adequados 8. Almeida, P. L. & Lameiras, J. (2011). A Psi-
cologia do Desporto e da Actividade Física:
Modificar variáveis pessoais Aumento da motivação para a prática
origens, âmbitos de intervenção e estado da
relevantes Modificação de crenças e atitudes relevantes
arte. In Lopes, M.; Palma, P.; Bártolo-Ribeiro,
Reforço do apoio social
R. & Pina e Cunha, M. (Eds.), Psicologia Apli-
Controlar as manifestações Treino de competências psicológicas cada. Lisboa: Editora RH.
prejudiciais do stresse Técnicas cognitivas
Redução das fontes de stresse
Controlo e modificação dos Quantificação do nível de dor/incapacidade
comportamentos de escape e Cruzamento de informação com departamento médico
evitamento (despiste de “lesões fantasma”)

Figura 2 – Objectivos e estratégias adoptadas na fase de intervenção (acompanha-


mento e monitorização).

Discussão para que seja eficaz deve englobar


um conjunto de estratégias eficazes
Para além da debilidade emocio- em cada nível de atuação, visando
nal do atleta, a intervenção sob a a diminuição da vulnerabilidade
resposta de stresse detetada na fase dos desportistas. De igual modo,
de levantamento de necessidades é fundamental que o processo de
revestia-se de enorme importância, avaliação eficaz de forma a despistar

6 · Março 2011 www.revdesportiva.pt

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