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6.

3 Limite Newtoniano
Antes de prosseguirmos é útil estudarmos com um pouco mais de detalhes as principais
equações obtidas até agora, quais sejam, a equação de movimento de uma partı́cula em um
sistema de coordenadas geral:
d 2 xλ µ
λ dx dx
ν
+ Γ µν = 0, (6.3.1)
dτ 2 dτ dτ
e a relação entre a Conexão Afim e o tensor métrico:
� �
σ 1 νσ ∂gµν ∂gλν ∂gµλ
Γλµ = g + − . (6.3.2)
2 ∂xλ ∂xµ ∂xν

Olhando com atenção, vemos que tudo se baseia em se obter uma métrica gµν apropriada para o
problema. Para termos uma ideia da generalidade (e da complexidade) desses resultados, vamos
estudar como obter o limite Newtoniano da lei da gravitação, velha conhecida nossa. Dito de
outra forma, queremos obter qual é a métrica gµν que leva corretamente ao limite Newtoniano
que conhecemos.
Em primeiro lugar vamos considerar o limite quase estacionário, ou de baixas velocidades,
i 0
tal que dxdτ
<< dx

, onde i = 1, 2, 3 corresponde às coordenadas espaciais. A desigualdade pode
dxi dt 0 dt i
ser escrita como dt dτ << dx dt dτ
→ dx
dt
<< d(ct)
dt
→ v i << c.
dxµ dxµ dt
Isso pode � ser melhor
� entendido
� se lembrarmos
� da relatividade restrita, onde dτ
= dt dτ
=
dxµ d
γ dt = γ dt ct, x, y, z = γ c, vx , vy , vz , e para baixas velocidades, |�v | << c, temos γ → 1 e
dxµ µ

∼ dxdt = (c, vx , vy , vz ).

dt
Pergunta: Por quê não podemos fazer dτ
= γ, como na relatividade restrita?

Desta forma, a Eq. (6.3.1) fica:

d 2 xλ 0
λ dx dx
0 i
λ dx dx
j 0
λ dx dx
j
+ Γ 00 + Γ ij + 2Γ 0j =0
dτ 2 dτ dτ dτ dτ dτ dτ
que pode ser escrita aproximadamente como:

d 2 xλ 0
λ dx dx
0
+ Γ 00 �0
dτ 2 dτ dτ
que por sua vez se simplifica para:
� �2
d 2 xλ 2 λ dt
2
+ c Γ00 � 0. (6.3.3)
dτ dτ

A Eq. (6.3.3) é o equivalente da 2a lei de Newton escrita para baixas velocidades, na


relatividade geral. Precisamos encontrar Γλ00 . Usando (6.3.2) temos:
� �
λ 1 νλ ∂g0ν ∂g0ν ∂g00
Γ00 = g + − (6.3.4)
2 ∂x0 ∂x0 ∂xν

Agora usamos a aproximação de que a métrica é estacionária (não depende do tempo), tal que

g = 1c ∂t
∂x0 αβ

gαβ ≈ 0, portanto:
1 ∂g00
Γλ00 = − g νλ ν . (6.3.5)
2 ∂x
Sabemos que o limite Newtoniano deve corresponder muito aproximadamente ao espaço plano
da relatividade restrita, onde a métrica deve ser a de Minkowski, ηµν .

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Pergunta: Por quê é importante destacar que a correspondência é apenas aproximada?

Será mais útil introduzirmos a métrica de Minkowski ηµν em coordenadas esféricas xµ =


(ct, r, θ, φ). Ela é dada por:
 
1 0 0 0
0 −1 0 0 
ηµν = 
0 0 −r2
,
 (6.3.6)
0
0 0 0 −r2 sin2 θ
Em coordenadas esféricas o elemento invariante ds2 = ηµν dxµ dxν é dado por ds2 = c2 dt2 +
dr2 + r2 dθ2 + r2 sin2 θdφ2 . Exceto pelo termo proporcional ao tempo, os termos restantes são
exatamente aqueles de um deslocamento infinitesimal em coordenadas esféricas.

Exercı́cio: Obtenha a métrica contravariante η µν tal que a relação η βδ ηαδ = δαβ seja satis-
feita.

Para termos alguma informação sobre a métrica mais geral, como um pequeno desvio da
métrica de Minkowski ηµν , fazemos uma expansão de gµν no limite chamado de campo fraco:
gµν = ηµν + hµν , tal que |hµν | << |ηµν |, (6.3.7)
onde vamos escrever
 
h00 h01 h02 h03
h10 h11 h12 h13 
hµν =
h20

h21 h22 h23 
h30 h31 h32 h33
Escrita na forma de uma expansão, vemos que nosso desconhecimento sobre a métrica que
procuramos está em hµν .

Substituindo ηµν e hµν em (6.3.7) e depois em (6.3.5) e nos restringindo apenas a termos
lineares em hµν :
� � � �
λ 1 νλ νλ ∂
Γ00 = − η + h η00 + h00
2 ∂xν
1 ∂
� − η νλ ν h00 + . . . (6.3.8)
2 ∂x
e voltando à Eq. (6.3.3) obtemos:
� �2
d2 xλ c2 νλ ∂h00 dt
− η � 0. (6.3.9)
dτ 2 2 ∂xν dτ
Agora vamos analisar cada componente desta equação:

Componente 0:

� �2
d 2 x0 c2 ν0 ∂h00 dt
� η
dτ 2 2 ∂xν dτ
� �� �
2 2
c 00 ∂h00 i0 ∂h00 dt
� η +η � 0, (6.3.10)
2 ∂x0 ∂xi dτ

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pois a métrica foi assumida estacionária e os termos η i0 = 0. Note a soma em i = 1, 2, 3 no
segundo termo. Esta equação, portanto, nos diz que:
d 2 x0 d2 t
= c �0
dτ 2 dτ 2
dt
ou simplesmente que dτ
= constante (lembre-se da relatividade restrita!)

Componentes i = 1, 2, 3:

� �2
d 2 xi c2 νi ∂h00 dt
� η
dτ 2 2 ∂xν dτ
� �� �
2
c2 0i ∂h00 ji ∂h 00 dt
� η + η . (6.3.11)
2 ∂x0 ∂xj dτ

O primeiro termo do lado direito é nulo. Note a soma em j = 1, 2, 3 no segundo termo, e o


fato de que η ij = 1 se i = j e zero � i �= j. O lado esquerdo pode ser simplificado usando
� se
dxi dxi dt d 2 xi d2 xi dt 2

= dt dτ , e portanto dτ 2 = dt2 dτ . A Eq. (6.3.11) se simplifica para:
� �
d 2 xi c2 1i ∂h00 2i ∂h00 3i ∂h00
= η +η +η , (6.3.12)
dt2 2 ∂x1 ∂x2 ∂x3

ou, vetorialmente:
d2�r c2 �
= − ∇h00 , (6.3.13)
dt2 2
onde �r é o vetor posição da partı́cula.
A expressão acima está muito próxima da lei de gravitação Newtoniana, escrita na forma:
d2�r �
m = −∇U,
dt2
onde U é a energia potencial gravitacional,
GM m
U =−
r
e portanto
d2�r � GM
= − ∇Φ, Φ ≡ − (6.3.14)
dt2 r
onde Φ é o potencial escalar gravitacional.
Finalmente, comparando (6.3.14) com (6.3.13) identificamos h00 :
2GM
h00 = − , (6.3.15)
c2 r
e portanto obtemos a componente da métrica que reproduz o resultado Newtoniano:
2GM
g00 = η00 + h00 = 1 − , (6.3.16)
c2 r
ou, de forma completa (de acordo com a aproximação adotada):
 
1 − 2GM
c2 r
0 0 0
 0 −1 0 0 
gµν � 

.
 (6.3.17)
0 0 −r2 0
2 2
0 0 0 −r sin θ

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Esta é métrica da relatividade geral responsável por reproduzir os resultados da gravitacão
Newtoniana.
Apenas por curiosidade, a correção a esta métrica capaz de explicar o desvio do periélio de
Mercúrio vem do termo h11 da expansão da métrica, que será:
 
1 − 2GM
2
c r
0 0 0
 0 −1 − 2GM 0 0 
gµν � 
c2 r
2
.
 (6.3.18)
0 0 −r 0
0 0 0 −r2 sin2 θ

GM
Exercı́cio: Analise a dimensão (em unidades do S.I. por exemplo) do termo c2 r
, e mostre
que é adimensional.

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