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CHAPTER 2

TRANSFORMAÇÕES DE LORENTZ E A MECÂNICA


RELATIVÍSTICA

Veremos agora como devem ser as transformações entre sistemas de coordenadas S e S � na


mecânica relativı́stica.

2.1 Postulados da relatividade restrita e as transformações


de Lorentz
2.1.1 Postulados da relatividade

(a) As leis fı́sicas são as mesmas em todos os referenciais inerciais (princı́pio da relatividade
restrita);

(b) A velocidade da luz no vácuo, c, é a mesma em todas as direções e em todos os referenciais


inerciais (princı́pio da constância da velocidade da luz), c = 299.792.458 m/s ≈ 300.000 km/s

• o postulado (a) implica que as transformações de Galileu devem ser substituı́das e, con-
sequentemente, também as leis da mecânica de Newton!

• O postulado (b) implica que as novas transformações devem prever a contração do espaço
e a dilatação do tempo:

Δx
v=
Δt
Para que v não seja maior que c, ou Δx diminui, ou Δt aumenta, ou as duas coisas acontecem
simultaneamente!

Veremos adiante que estes dois fenômenos acontecem, e isso significa uma quebra do conceito
de espaço e tempo absolutos da mecânica de Galileu.

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2.1.2 Transformações de Lorentz

Considere dois referenciais S e S � , tal que S � tem velocidade �u = uî em relação a S e em


t = t� = 0 os eixos coincidem, ou seja x = x� , y = y � , z = z � :

Um sinal luminoso ocorre em O = O� e t = t� = 0, e se propaga com velocidade c em ambos


os referenciais, conforme Figura 2b.

O raio R da frente de onda no referencial S cresce com o tempo, sendo dado por R = ct, e
o raio R� da frente de onda no referencial S � cresce com o tempo, sendo dado por R� = ct� . As
seguintes relações devem ser satisfeitas:

R 2 = x2 + y 2 + z 2 = c 2 t2

R�2 = x�2 + y �2 + z �2 = c2 t�2

Queremos encontrar transformações lineares entre os referenciais S e S � tais que:

x2 + y 2 + z 2 − c2 t2 = 0 ⇐⇒ x�2 + y �2 + z �2 − c2 t�2 = 0

Para isso escrevemos a transformação mais geral possı́vel:

x� (x, y, z, t) = a11 x + a12 y + a13 z + a14 t


y � (x, y, z, t) = a21 x + a22 y + a23 z + a24 t
z � (x, y, z, t) = a31 x + a32 y + a33 z + a34 t
t� (x, y, z, t) = a41 x + a42 y + a43 z + a44 t

e temos 16 coeficientes aij a determinar.

Para determinar os 16 coeficientes seguimos os seguintes passos:

a) O movimento relativo só ocorre na direção x, portanto nada acontece nas direções dos
eixos y e z. Por simetria, podemos inferir que os eixos y, z e y � , z � são idênticos, portanto
a21 = a23 = a24 = 0 e a22 = 1. Da mesma forma para o eixo z, portanto a31 = a32 = a34 = 0 e
a33 = 1. Restando apenas:

x� = a11 x + a12 y + a13 z + a14 t


t� = a41 x + a42 y + a43 z + a44 t

b) Da mesma forma que y � e z � não dependem de x, também devemos ter x� independente


de y e z, pois a transformação inversa deve preservar as mesmas simetrias. Portanto:

a12 = 0 , a13 = 0 =⇒ x� = a11 x + a14 t

c) O tempo t� nao deve depender de y e z, devido a isotropia do espaço (+y, −y), (+z, −z).
Portanto:
a42 = 0 , a43 = 0 =⇒ t� = a41 x + a44 t

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d) O ponto O� (x� = 0, y � = 0, z � = 0) se move com velocidade u para a direita, portanto
temos que x = ut visto de S e:

0 = a11 x + a14 t
a14
x = − t = ut
a11
a14
u=− =⇒ a14 = −a11 u
a11
Dessa forma:
x� = a11 x − a11 ut = a11 (x − ut)
t� = a41 x + a44 t
Resta-nos determinar a11 , a41 e a44 .

e) Chamemos a11 ≡ A, a44 ≡ B e a41 ≡ D. Usamos:


x�2 + y �2 + z �2 − c2 t�2 = 0 ⇐⇒ x2 + y 2 + z 2 − c2 t2 = 0
Substituindo:
A2 (x − ut)2 + y 2 + z 2 − c2 (Bt + Dx)2 = 0
A2 (x2 − 2xut + u2 t2 ) + y 2 + z 2 −c2 (B 2 t2 + 2BDxt + D2 x2 ) = 0
� �� �
c2 t2 −x2

x2 (A2 − 1 − c2 D2 ) + xt(−2A u − 2c2 BD) + t2 (A2 u2 + c2 − c2 B 2 ) = 0


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Cada coeficiente deve ser nulo:



A2 − c 2 D 2 − 1 = 0  
−2A2 u − 2c2 BD = 0 3 equações e 3 incógnitas


A2 u 2 + c 2 − c 2 B 2 = 0
u
f) Exercı́cio: Obtenha A = B e redefina essa quantidade como γ, D = c2
B (tal que D = 0
se u = 0), γ = √ 1 2 , β ≡ uc (parâmetro de velocidade).
1−β

Portanto:

x� = γ(x − ut)  


y� = y
Transformações de Lorentz
z� = z 

� � 

� u
t = γ t − c2 x
γ é real se β < 1. Portanto c é a velocidade limite. As transformações inversas são:
x = γ(x� + ut� )
y = y�
z = z�
� u ��

t = γ t + 2x
c
onde γ = √ 1 e β ≡ uc .
1−β 2

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Figura 2b

S S’
y y’
u

R=ct R’= ct’

x’
O’
O x

z’
z

Uma onda luminosa se propaga nos referenciais S e S’

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2.1.3 Limite de Galileu
O limite de baixas velocidades corresponde às transformações de Galileu. Para ver isso, faça
u << c, que corresponde a β << 1 e assim podemos usar a aproximação por taylor:
1 1
γ = (1 − β 2 )− 2 ≈ 1 + β 2 + ...
2
e portanto:
x� ≈ x − ut.
Com isso a equação do tempo fica:
� � � �
� ux u vx
t ≈t 1− 2 ≈t 1− ≈t
c t c c

para qualquer velocidade vx .

Assim abtemos as transformações de Galileu:

x� ≈ x − ut
y� ≈ y
z� ≈ z
t� ≈ t

e a correspondente transformação inversa:

x ≈ x� + ut�
y ≈ y�
z ≈ z�
t ≈ t�

Além disso, vemos que γ → 1 se c → ∞ (ou u → 0) e γ → ∞ se u → c.

2.2 Contração do espaço


Uma consequência direta das transformações de Lorentz é a contração do espaço.
O comprimento próprio L0 (ou l0 ) e o tempo próprio T0 (ou t0 ) são medidos no referencial
em que o objeto está em repouso, conforme Figura 3.

Uma barra tem comprimento L0 no referencial S � , tal que L0 ≡ x�2 − x�1 . Qual é o compri-
mento L = x2 − x1 observado em S?

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Das transformações de Lorentz:

x1 = γ(x�1 + ux t�1 ); x2 = γ(x�2 + ux t�2 )


� ux � � � ux � �
� �
t 1 = γ t 1 + 2 x1 ; t 2 = γ t 2 + 2 x2
c c
Desta forma, os intervalos Δx = x2 − x1 e Δt = t2 − t1 serão dados por, com seus respectivos
inversos:

� ux �
Δx = γ(Δx� + ux Δt� ) Δt = γ Δt� + 2 Δx�
� c �
ux
Δx� = γ(Δx − ux Δt) �
Δt = γ Δt − 2 Δx
c
Temos uma maneira difı́cil e outra fácil de responder à pergunta formulada acima.

A maneira difı́cil (usando as TL de S � para S):

L ≡ x2 − x1 = Δx = γ(Δx� + ux Δt� )
= γ(L0 + ux Δt� )
� � ux ��
= γ L0 + ux γ Δt − 2 Δx
c
u2x 2
= γL0 − 2 γ Δx + ux γ 2 Δt
c
Δt = t2 − t1 = 0, pois a medida das extremidades x2 e x1 em S devem ser simultâneas!
Portanto:
u2x 2
L = γL0 − γ L
c2
= γL0 + (1 − γ 2 )L
= γL0 + L − γ 2 L → γ 2 L = γL0
L0
L=
γ
A barra se contrai por um fator γ1 .

Agora, a maneira fácil (usando as TL de S para S � ):

L0 = x�2 − x�1 = Δx� = γ(Δx − ux Δt)


✘✘✘ ✿0
L0 = γ[L − ux ✘ (t✘
2 − t1 ) ] (simultâneo em S)
L0
L=
γ
A medida de um comprimento Δx deve ser realizada simultaneamente em S, ou seja, Δt = 0.

2.3 Dilatação do tempo


Outra consequência importante das transformações de Lorentz é a dilatação do tempo.
Dois cliques de um relógio acontecem nos instantes t�1 e t�2 em S � , num ponto fixo de S � (Δx� =
0). Desta forma temos Δt� = t�2 − t�1 ≡ t0 . Qual é o intervalo de tempo medido em S?

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Em S � o relógio está parado, Δx� = 0.
Em S o relógio se move, Δx �= 0.

Maneira difı́cil:
� ux �

Δt = γ Δt − 2 Δx
� c � ��
ux ✟✯
✟�
0 �
t0 = γ t − 2 γ ✟ Δx + ux Δt
c
2
2 ux
= γt − γ 2 t0
c
= γt + (1 − γ 2 )t0
= γt + t0 − γ 2 t0
γ 2 t0 = γt
t = γt0

Ou:

Δx� = γ(Δx − ux Δt)

0 = γ(Δx − ux Δt)
Δx = ux Δt

� ux �
Δt� = γ Δt − 2 Δx
c
� ux �
t 0 = γ t − 2 ux t
� c 2�
u
t0 = γt 1 − 2x
c
� �� �
1
γ2

t = γt0

Maneira fácil:

� t0 �

✟ ✯0
ux ✟✟
Δt
���� =γ Δt✟
✟ �
Δx�
+ 2✟
c
visto em S
t = γt0

O tempo t é maior quando visto por S.

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Exemplo de contração do espaço e dilatação do tempo: Decaimento do múon, µ.
Estas partı́culas são produzidas na alta atmosfera (∼ 10.000m) quando raios cósmicos vindos
do Sol se chocam com moléculas de ar.

No laboratório o tempo de vida médio do múon é:

τ = t0 = 2, 2 × 10−6 s

Com velocidade u = 0, 9978c ≈ 300.000 km


s
, o múon percorre uma distância:

d = ut0 ≈ 659m

portanto eles não deveriam ser observados na superfı́cie da Terra!

Usando a relatividade temos a seguinte explicação: Os parâmetros relativı́sticos são:

β = u/c = 0, 9978 , γ = 15, 08

Portanto, visto da Terra o tempo de vida médio do µ deve se dilatar, t = γt0 = 3, 32×10−5 s.
Desta forma ele pode percorrer uma distância:

d = ut = 9931m,

que é suficiente para atingir o solo, do ponto de vista de quem está no solo.
Para o µ (que está parado) é a Terra que se aproxima, portanto a distância L0 entre a alta
atmosfera e o solo deve se contrair:
L0
L= = 663m,
γ
portanto do ponto de vista do muon também é possı́vel percorrer uma distância suficiente para
chegar ao solo.

2.4 Simultaneidade

Dois eventos que são simultâneos em S � (Δt
� ��= 0�), não serão simultâneos em S (Δx �= 0):
Δx� �=0

� �

✟ 0 ux
Δt = γ Δt✟
✟ �
+ Δx�
c2
ux
Δt = γ Δx� Somente se Δx� = 0 (mesmo lugar em S � ) então Δt = 0.
c2

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