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A importância dos relacionamentos na igreja

(Rm 16.1-16)

A carta de Paulo aos Romanos é singular não apenas


quanto ao seu conteúdo, mas também quanto à sua
conclusão. Aqui está a mais longa lista de saudações feita
pelo apóstolo. A primeira vista este capítulo parece árido
e somos inclinados a subestimar o valor de seus ensinos.
Entretanto, no final desta carta, Paulo enfileira grandes
verdades e preciosos ensinamentos acerca dos
relacionamentos pessoais de amor na igreja. Para usar
uma conhecida expressão de Crisóstomo, devemos
aproximar-nos dessa introdução como garimpeiros à cata
de grandes tesouros.

Romanos 16 pode ser dividido em cinco pontos:


recomendação, saudação paternal, exortação, saudação
fraternal e adoração doxológica. Warren Wiersbe
sintetiza-os em três verdades preciosas: alguns amigos
para saudar (16.1-16), alguns inimigos a evitar (16.17-20)
e alguns servos a honrar (16.21-27).

Uma recomendação pastoral (16.1,2)


O apóstolo escreve: “Recomendo-vos a nossa irmã Febe,
que está servindo à igreja de Cencreia, para que a
recebais no Senhor como convém aos santos e a ajudeis
em tudo que de vós vier a precisar; porque tem sido
protetora de muitos e de mim inclusive” (16.1,2). As
cartas de recomendação eram comuns e necessárias
naquele tempo (At 18.27; 2Co 3.1), uma vez que os
crentes precisavam contar com a hospitalidade dos
irmãos quando viajavam de uma cidade para outra.
Igualmente, eram necessárias para proteger as pessoas
de charlatães. Febe era uma mulher que realizara
eminentes serviços à igreja, e a recomendação tinha de
ser proporcional a seu caráter e devoção.

Uma carta de apresentação daria à Febe o acesso à igreja


de Roma. Ela era membro da igreja de Cencreia, onde se
localizava o porto de Corinto, quinze quilômetros a leste
da cidade (At 18.18). A igreja de Cencreia talvez fosse
filha da igreja metropolitana de Corinto.

O nome próprio Febe significa radiante ou brilhante,


título do deus Apolo, e isto pode indicar os antecedentes
gentílicos dessa cristã. William Hendriksen é da opinião
de que o nome Febe deriva da mitologia pagã, sendo
outra palavra para Artemis, a brilhante e radiante deusa
lua, identificada com Diana, deusa romana. Febe estava
viajando de Cencreia a Roma e possivelmente foi a
portadora dessa carta aos Romanos.

Paulo ensina aqui algumas lições:

1-Em primeiro lugar, o importante papel da mulher na


igreja (16.1,2). Febe era uma servidora da igreja de
Cencreia. A palavra grega diakonon, usada pelo apóstolo
para descrever Febe, é o feminino do termo diaconos,
“diácono”. Embora muitos comentaristas, como F. F.
Bruce, John Stott, Dale Moody, Warren Wiersbe, Franz
Leenhardt, Charles Hogde, C. H. Lenski, C. E. B. Cranfield a
considerem diaconisa, concordo com Charles Erdman em
que o simples uso do termo não significa que Febe tivesse
esse ofício. O termo pode denotar simplesmente o
exercício da caridade e da hospitalidade que deveriam
caracterizar a vida de todo verdadeiro crente e que Febe
parecia manifestar em assinalado grau.

2-Em segundo lugar, o importante papel do cuidado


mútuo na igreja (16.2). Febe era protetora de muitos e
inclusive do apóstolo Paulo. A palavra grega prostatis
significa “ajudadora, patronesse, benfeitora”, ou seja,
prostatis era um representante legal e um protetor rico.
Leenhardt diz que prostatis designava o representante
legal e protetor dos estrangeiros, uma vez que eles eram
privados de garantias jurídicas. Essa palavra tem também
o sentido de patrocinadora. Isso demonstra que Febe era
uma mulher de posses que usava a sua riqueza para
apoiar a igreja e também o apóstolo.

Febe usou seus recursos não apenas para seu deleite e


conforto, mas para sustentar e socorrer muitos irmãos.
Era uma mulher altruísta, abnegada, desapegada das
coisas materiais e apegada às pessoas. Sua vida, sua casa
e seus bens estavam a serviço da igreja. Ela não se
blindou para viver confortavelmente num castelo seguro
em meio às tempestades da vida, mas serviu de porto
seguro para muitos que estavam sendo batidos pelos
vendavais furiosos das circunstâncias adversas. De acordo
com Adolf Pohl, Febe trabalhava no vasto campo da
assistência e do cuidado de necessitados.
3-Em terceiro lugar, o importante papel da recepção
calorosa na igreja (16.2). A igreja de Roma deveria
receber Febe no Senhor como um membro da família de
Deus e ajudá-la em tudo aquilo de que precisasse. A
palavra grega parasthete, traduzida como “ajudar”,
significa auxiliar, assistir, ficar atrás a fim de empurrar, de
sustentar alguém. Chegara o momento de Febe colher os
frutos de sua semeadura. Ela havia cuidado de muitos e
agora deveria ser alvo do cuidado da igreja de Roma. A
igreja é a comunidade da ajuda mútua.

Uma saudação paternal (16.3-16)


Paulo passa da recomendação às saudações. Elenca 26
nomes, acrescentando na maioria dos casos uma
apreciação pessoal e uma palavra de elogio. O apóstolo é
um mestre de relacionamentos humanos. E um pastor
experiente e sabe o valor de tratar as pessoas pelo nome
e de fazer-lhes elogios encorajadores. Essa lista de nomes
obscuros é de grande valor e verdadeira significação. Tais
saudações revelam o coração de Paulo a patentear terna
afeição, apreciação à bondade, afetuosa simpatia e o alto
conceito em que tinha as amizades humanas. Dão-nos
instrutivos relances da vida da igreja primitiva,
capacitando-nos a ter ideia da íntima união, dos heroicos
sofrimentos, das generosas simpatias, da pureza, da
consagração, da fé, da esperança e do amor então
reinantes.

Alguns estudiosos atribuem essa longa saudação à igreja


de Éfeso, e não à igreja de Roma, argumentando que
Paulo não conhecia pessoalmente a última e seria
improvável que tivesse tantos amigos lá. Além disso,
Paulo faz referência a Priscila e Aquila, proeminente casal
que fora expulso de Roma pelo edito de Cláudio em 49
d.C. (At 18.2) e servira a Cristo na cidade de Corinto, onde
Paulo os acompanhara (At 18.1-3). Depois viajaram juntos
para Éfeso (At 18.18,19; 1Co 16.10), e deve ter sido ali
que o casal arriscou a vida por ele (16.4).

Além do mais, Paulo envia saudações a Epêneto (16.5),


primeiro convertido da Ásia, sendo Éfeso a capital da Ásia
Menor. Concordo, entretanto, com William Barclay
quando ele diz que, se Paulo tivesse enviado saudações a
tanta gente para uma igreja conhecida como Éfeso, teria
provocado ciúmes nos demais membros, mas para uma
igreja que ainda não havia visitado, como a de Roma, essa
longa lista era um expediente sábio para criar a maior
rede possível de relacionamentos.

Outro argumento consistente para provar que essa


saudação foi realmente dirigida aos crentes de Roma, e
não aos membros da igreja de Éfeso, é que Roma era a
capital do império, a maior e mais cosmopolita cidade da
época, com mais de um milhão de habitantes, e todos os
caminhos levavam a Roma. A essa magnífica cidade todos
os dias afluíam pessoas em busca de novas
oportunidades. Havia naquele tempo grande mobilidade
e era natural que muitos crentes convertidos em igrejas
que Paulo fundara agora estivessem residindo em Roma.
Concordo com John Stott quando ele diz não ser nada
improvável que, após a morte de Cláudio em 54 d.C.,
Priscila e Áquila tenham retornado a Roma, onde teriam
recebido essa saudação de Paulo.

Destacamos aqui algumas preciosas lições:

1-Em primeiro lugar, os crentes fazem parte da família


de Deus. A família de Deus tem duas marcas distintas -
unidade e diversidade, como destaca. Com respeito à
diversidade, podemos notar que na lista de Paulo há
homens e mulheres, escravos e livres, pobres e ricos,
gentios e judeus, mas todos estão em Cristo, e é essa
união com Cristo que fornece a base para a unidade da
igreja.

A diversidade da igreja pode ser notada pelo gênero,


classe social e raça. Na igreja de Roma havia homens e
mulheres servindo a Deus. Dentre as 26 pessoas saudadas
na carta de Paulo, nove são mulheres. Na igreja de Roma
pobres e ricos, escravos e livres estavam juntos nesse
labor. Na igreja de Roma judeus e gentios faziam parte da
mesma família. Na igreja de Deus há diversidade
unidadena.

Os comentaristas acham muito provável que o Aristóbulo


mencionado aqui (16.10) seja um neto de Herodes, o
Grande, e amigo do imperador Cláudio, e que Narciso
(16.11) seja ninguém menos que o conhecidíssimo, rico e
poderoso liberto que exerceu grande influência em
Cláudio. Havia pessoas da corte imperial convertidas a
Cristo na igreja de Roma (Fp 4.22). No que concerne à
unidade, precisamos salientar que ela não é feita pelo
homem, mas por Deus. Não criamos a unidade da igreja;
ela existe. Ao descrever seus amigos, Paulo destaca
quatro vezes que eles estão em Cristo (16.3,7,9,10) e
cinco vezes que estão no Senhor (16.8,11,12,13). Por duas
vezes ele usa uma linguagem de conotação familiar,
referindo-se a “irmã” (16.1) e “irmãos” (16.14).

2-Em segundo lugar, os crentes devem ter mãos


dispostas para o trabalho de Deus (16.3,6,9,12). Priscila e
Aquila eram cooperadores de Paulo (16.3), assim como
Urbano (16.9). Maria muito trabalhou pela igreja de
Roma (16.6). Trifena e Trifosa trabalhavam no Senhor
(16.12). Os verbos “cooperar” e “trabalhar” destacam que
essas pessoas tinham as mãos dispostas para o trabalho
de Deus.

3-Em terceiro lugar, os crentes devem ter a casa aberta


para a igreja de Deus (16.5). Paulo saúda os líderes dos
cinco grupos em cujas casas a igreja se reunia para a
adoração (16.5,10,11,14,15). Em destaque está o casal
Priscila e Aquila. Eles tinham vocação missionária. Eram
fabricadores de tendas e deixaram Roma para habitar em
Corinto, depois em Éfeso e agora estavam de volta a
Roma. O edito de Cláudio, pelo qual os judeus haviam
sido expulsos, deixara de vigorar, e Priscila e Aquila não
hesitaram, como muitos outros judeus, em voltar ao seu
antigo lar e a seus antigos negócios. E, uma vez mais
descobrimos que eles são exatamente os mesmos: outra
vez há uma igreja, um grupo de cristãos que se reúnem
em seu lar (16.5). Em outra ocasião, pela última vez, eles
estão novamente em Éfeso (2Tm 4.19). Priscila e Aquila
era um casal nômade, dois missionários itinerantes. Em
todas as cidades por onde passaram, Roma, Corinto,
Éfeso, novamente Roma e outra vez Éfeso , eles abriram
as portas da sua casa para a igreja de Deus. Naquele
tempo, não havia templos, e as igrejas se reuniam nas
casas. A casa desse casal era uma igreja na qual os
crentes se reuniam para adorar a Deus e proclamar sua
Palavra.

4-Em quarto lugar, os crentes devem ter o coração


aberto para os filhos de Deus (16.4,7,13). Priscila e
Áquila não apenas abriram a casa para abrigar a igreja de
Deus, mas também estavam dispostos a correr riscos
pelos filhos de Deus. Arriscaram a vida para salvar o
apóstolo Paulo. A palavra grega upethekan significa
colocar-se sob o machado do executor, sob a lâmina do
carrasco e arriscar a vida em prol de outras pessoas.
Possivelmente isso aconteceu em Éfeso, onde Paulo
enfrentou lutas maiores que suas forças a ponto de
desesperar-se da própria vida (2Co 1.8). O casal
Andrônico e Júnias esteve com Paulo na prisão (16.7) e
compartilhou de seus sofrimentos.

5-Em quinto lugar, os crentes devem ter lábios abertos


para expressar amor aos filhos de Deus
(16.5,7,8,9,10,12,13). Paulo era pródigo nos elogios.
Acerca de Epêneto, diz que era seu querido. Ressalta que
Andrônico e Júnias eram notáveis entre os apóstolos.
Destaca que Amplíato era seu dileto amigo. Chama
Estáquis de amado. Afirma que Apeles é aprovado em
Cristo. Destaca que estima Pérside. Informa que Rufo é
eleito no Senhor e destaca que sua mãe também foi mãe
para ele. O elogio sincero tem grande valor nos
relacionamentos humanos. Paulo sabia disso e não
hesitava em usar esse importante recurso.

6-Em sexto lugar, os crentes devem ser zelosos no


serviço, mesmo que no anonimato (16.13-15). Na família
de Deus há muitos heróis anônimos. Há muitos santos
cujos nomes não são destacados na terra, mas são
eminentes no céu. Rufo era possivelmente, filho de Simão
Cirineu, o homem que carregou a cruz de Cristo (Mc
15.21). Sua mãe, embora não mencionada pelo nome, foi
como uma mãe para o apóstolo Paulo. Que progenitores
tinha Rufo! Um pai que carregara a cruz do Salvador, e
uma mãe que “adotara” o seu maior apóstolo. O apóstolo
saúda muitos irmãos e muitos santos sem declinar seus
nomes, gente desconhecida na terra, mas cujos nomes
estão arrolados no céu.

7-Em sétimo lugar, os crentes devem ser afetuosos em


seus relacionamentos interpessoais (16.16). Na igreja
primitiva, o ósculo santo era a forma afetuosa e calorosa
de cumprimento e demonstração de amizade,
especialmente antes da celebração da Ceia. Concordo,
entretanto, com Calvino quando ele diz: “Não me parece
que Paulo exija a observância desta cerimônia, senão que
exorta a prática do amor fraternal para que se diferencie
das amizades profanas do mundo”. Em nossa cultura o
aperto de mão e o abraço são emblemas de efusividade
no trato uns com os outros. Mesmo que o gesto seja
cultural, o princípio permanece. Devemos ser atenciosos
e calorosos em nossos relacionamentos interpessoais.
William Hendriksen aponta três conjuntos de passagens
nas quais o Novo Testamento faz referência ao beijo.

1. Lucas 7.36-50, onde Jesus diz a seu hospedeiro, Simão,


o fariseu: Você não me saudou com um beijo, mas esta
mulher, desde que entrei aqui, não parou de beijar meus
pés (Lc 7.45). Eis a lição: não só deve haver afeição, mas
esta tem de ser expressa. E preciso haver um sinal de
afeição, por exemplo, o ósculo.

2. Lucas 22.47,48. Jesus perguntou a judas: E com um


beijo que você trai o Filho do homem? O amor deve não
apenas ser expresso, mas tem de ser real. O ósculo
precisa ser sincero.

3. O ósculo trocado entre os membros da comunidade


cristã, a igreja. Este é o ósculo referido em Romanos
16.16 e em 1Coríntios 16.20 e 2Coríntios 13.12. Não só
teria de ser um ósculo e um símbolo de afeição genuína,
mas também deveria ser santo. Em outros termos, jamais
poderia implicar menos de três partes: Deus e as duas
pessoas que se osculam reciprocamente. O ósculo santo
assim simboliza o amor de Cristo mutuamente
compartilhado.

Uma exortação apostolar (16.17-20)


Uma saudação fraternal (16, 21-24)
Uma expressão de louvor, honra e gloria a Deus (16. 25-27)

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