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Anotadas do 4º Ano – 2007/08 Data: 25 de Outubro de 2007

Disciplina: Cirurgia Prof.: Dr. João Carraca


Tema da Aula Teórica: Pneumoperitoneu
Autor: Teresa Oliveira
Equipa Revisora: Tiago Oliveira e Mário Canastro

Temas da Aula
Tipos de Pneumoperitoneu
Diagnóstico de Pneumoperitoneu
Pneumoperitoneu normal
Pneumoperitoneu patológico
Traumatismo abdominal
Ruptura de víscera oca
Infecção por anaeróbios
Pneumoperitoneu induzido
Laparoscopia

Bibliografia
 Harrison’s Principles of Internal Medicine, volume 2; Wilson, Braunwald,
Isselbacher, Petersdorf, Martin, Fauci, Root, 12th edition, International
Edition, Mc Graw Hill.

 Cirurgia – Patologia e Clínica; Pereira, Alves, Henriques, Joaquim, 2ª Edição,


2006, Mc Graw Hill.

 The CIBA collection of Medical Illustrations, volume 3; Frank H. Netter.

 http://www.emedicine.com/emerg/topic176.htm.

 http://www.emedicine.com/med/topic1154.htm.

 http://www.emedicine.com/ped/topic1389.htm.

 http://www.emedicine.com/med/topic2699.htm.

 http://www.merck.com/mmpe/sec02/ch011/ch011d.html.

 http://www.springerlink.com/content/t3505p287762x0m3/.

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Pneumoperitoneu

Diagnóstico de Pneumoperitoneu

O diagnóstico de pneumoperitoneu é essencialmente radiológico, podendo ser


feito através de:
Rx de tórax PA – exame realizado por quase todos os doentes
internados;
Rx de abdómen em pé – deve visualizar-se gás abaixo das cúpulas
diafragmáticas (Figura 1). Para que o exame seja fiável é necessário
que o ar presente no peritoneu se concentre e para isso é necessário
que o doente permaneça de pé algum tempo antes da realização do
exame e durante este. Esta condição constitui um problema, uma vez
que os doentes, pela gravidade da sua situação, têm uma grande
dificuldade em permanecer de pé;
TAC abdominal – exame muito sensível, onde é possível detectar-se
pequenas quantidades de ar (Figura 2);

Figura 1. Rx de tórax. Ar sob a Figura 2. TC abdominal. Bolhas de gás


cúpula diafragmática direita. (setas) ao nível da junção tóraco-
abdominal.
Clínica – presença de timpanismo sobre a área hepática. Este sinal só
está presente quando existem grandes quantidades de ar no peritoneu.

O pneumoperitoneu pode ser confundido com a presença de cólon por baixo do


diafragma no lado direito. Este é um caso raro mas fisiológico, que pode ser
confundido no Rx mas não na TAC.

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Pneumoperitoneu

Tipos de Pneumoperitoneu

O pneumoperitoneu existe quando a cavidade peritoneal, que em condições


normais constitui um espaço virtual, se torna num espaço real ocupado por gás. O
pneumoperitoneu pode ter três causas distintas, podendo ser um pneumoperitoneu
normal, patológico ou induzido.

Pneumoperitoneu normal

Esta situação é frequente e ocorre quando surge pneumoperitoneu após


cirurgia abdominal, sendo normalmente resolvida espontaneamente através da
absorção do gás através dos folhetos do peritoneu.

Pneumoperitoneu patológico

Esta situação ocorre quando surge pneumoperitoneu devido a traumatismo


abdominal, devido a ruptura de uma víscera oca ou, mais raramente, devido a
infecção por microrganismos anaeróbios.

TRAUMATISMO ABDOMINAL1

O traumatismo abdominal é sempre uma situação clínica importante, estando


frequentemente associado a traumatismos complexos, com envolvimento de outras
áreas do corpo. De um modo simplista, é possível dividir os traumatismos
abdominais em abertos ou fechados. No caso dos traumatismos abdominais
abertos, por necessitarem de cirurgia imediata, são de fácil diagnóstico e tratamento.
No caso dos traumatismos abdominais fechados, por serem de mais difícil detecção,
têm diagnóstico mais tardio, o que pode permitir o agravamento da situação e
dificultar o tratamento.

1
Tema a desenvolver na Aula 18-Traumatismos Abdominais.

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Pneumoperitoneu

RUPTURA DE VÍSCERA OCA

A ruptura de uma víscera oca susceptível de causar um pneumoperitoneu pode


dar-se em qualquer segmento do tubo digestivo. As rupturas do esófago abdominal,
do estômago, do duodeno e do cólon são as mais frequentes. Uma ruptura no
intestino delgado em oclusão, apesar de possível, não é normalmente susceptível de
dar origem a um pneumoperitoneu, uma vez que liberta uma menor quantidade de
ar.

Sinais e sintomas

As perfurações esofágicas, gástricas e duodenais têm normalmente um início


abrupto, com dor abdominal intensa e generalizada que pode irradiar para o ombro,
sensibilidade ao toque e sinais peritoneais.
A perfuração noutros locais do tubo digestivo manifesta-se acompanhando
situações inflamatórias e dolorosas. Como as perfurações são inicialmente
pequenas e muitas vezes rodeadas pelo epíplon, a dor tem uma progressão mais
gradual e pode ser localizada. A sensibilidade ao toque pode também ser mais focal.
Em todos os tipos de perfuração pode haver náuseas, vómitos e anorexia. Os
sons hidroaéreos podem estar diminuídos ou ausentes.

Perfuração esofágica

Por não se encontrar revestido por uma camada serosa, o segmento abdominal
do esófago é mais vulnerável do que o restante tubo digestivo abdominal. No
entanto, devido às suas dimensões reduzidas, uma perfuração nesta região é uma
situação relativamente rara. A perfuração pode ocorrer por perfuração directa,
ruptura ao longo do seu eixo longitudinal, ruptura por forças radiais e erosão da
parede por necrose. Os quadros de perfuração esofágica podem ter múltiplas
etiologias: iatrogénica, espontânea, traumática ou outras.
A causa mais frequente de perfuração do esófago abdominal é a iatrogénica e
ocorre com maior frequência durante a cirurgia abdominal.

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Pneumoperitoneu

A perfuração esofágica espontânea, ou síndrome de Boerhaave, é uma


situação bastante mais rara, apresentando-se em 15% dos casos de perfuração.
Ocorre como consequência de um aumento súbito da pressão intraluminal,
provocado por vómitos violentos (muitas vezes provocados por grande ingestão de
alimentos pesados ou de álcool) ou esforços físicos intensos. Dentro destes casos,
90% têm lugar nos 2/3 inferiores do esófago.
Para além das causas referidas, o esófago pode também ser perfurado por
trauma, ingestão de químicos corrosivos ou ingestão de corpos estranhos. Estes
últimos podem perfurar o esófago directamente ou ficarem alojados no seu lúmen,
causando necrose de pressão e fraqueza da parede, que posteriormente pode dar
origem a perfuração.
Clinicamente, os doentes com perfuração esofágica apresentam classicamente
dor aguda, de localização torácica ou epigástrica, secundária a vómitos violentos,
esforços físicos intensos, trabalho de parto, ingestão de corpos estranhos, ataques
de tosse, entre outros. O doente pode ainda ter dor lombar ou escapular,
desconforto com o decúbito dorsal e, por vezes, abdómen agudo.
Relativamente às opções terapêuticas, deve iniciar-se de imediato
administração de antibióticos contra as bactérias mais frequentemente envolvidas
(Staphylococcus, Streptococcus, Pseudomonas e Bacterioides), devendo instituir-se
terapêutica cirúrgica num período inferior a 24 horas (encerramento da fissura e
drenagem). Nestes casos o prognóstico é muito favorável (90% de sobrevivência).
Se a cirurgia só for efectuada após as 24 horas iniciais verifica-se uma grande taxa
de insucesso cirúrgico, havendo uma diminuição da sobrevivência para 50%.

Perfuração de úlcera péptica

Em 15% dos casos de perfurações de úlcera péptica não existe história de


doença péptica conhecida. Estes casos designam-se episódios reveladores. Os
fármacos anti-ulcerosos parecem não influenciar a taxa de perfurações de úlcera,
sendo que algumas perfurações ocorrem em doentes medicados com inibidores dos
receptores H2.

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Pneumoperitoneu

A localização anterior ou
posterior da úlcera condiciona
grandemente a fisiopatologia da
perfuração. Se a perfuração
ocorrer na parede posterior
(Figura 3), tanto no caso do
duodeno como no caso do
estômago, pode haver
penetração da úlcera nos
órgãos adjacentes, como é o
caso do pâncreas ou do lobo
esquerdo do fígado,
respectivamente. Se a
perfuração ocorrer na parede Figura 3. Perfuração da parede posterior.
anterior (Figura 4), dá-se uma perfuração em peritoneu livre, com um quadro
abdominal muito marcado, importante não só pela dor que causa mas também pelas
complicações (desidratação ou sépsis), podendo causar a morte se a perfuração
não for cirurgicamente tratada ou se não se criarem condições que permitam ao
organismo o encerramento da mesma.
A perfuração em peritoneu livre é o quadro paradigmático de pneumoperitoneu
patológico, sendo a história clínica muito característica desta situação. É importante
investigar a relação com o Helicobacter pylori e com a ingestão de Anti-inflamatórios
não esteróides (AINEs). Em relação a esta última associação, sabe-se que mais de
50% dos doentes com perfuração
de úlcera péptica referem
ingestão destes fármacos. As
complicações nestes doentes são
3 vezes mais frequentes do que
nos doentes com úlcera que não
tomam AINEs e 5 vezes mais
frequentes nos doentes com mais
de 60 anos.

Figura 4. Perfuração
da parede anterior.

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Pneumoperitoneu

Sintomas
O quadro instala-se de modo súbito, violento e inesperado. A dor tem um início
com intensidade máxima, habitualmente na zona epigástrica, generalizando-se
rapidamente para todo o abdómen. O contacto do conteúdo da víscera com a
superfície diafragmática pode condicionar uma irradiação para o ombro homolateral.
O quadro clínico de peritonite dá-se em 3 fases. A primeira fase é de irritação
peritoneal, e tem uma duração de 6 horas. Nesta fase o doente apresenta:
Grande ansiedade e palidez – acentuada por reacção vasomotora à dor;
Pulso rápido e filiforme;
Respiração superficial e rápida;
Ventre em tábua – nenhuma outra situação peritoneal produz uma
reacção desta intensidade;
Flexão das coxas;
Peritoneu pélvico tenso ao toque rectal.

A segunda fase é de reacção peritoneal, com duração variável entre as 6 e 48


horas. Esta fase é caracterizada por alguma diminuição dos sintomas, sendo a dor
mais facilmente suportada.
A terceira fase é caracterizada por peritonite bacteriana, com náuseas, vómitos,
pulso rápido, febre e leucocitose (para além dos sinais característicos de reacção
peritoneal). É importante fazer diagnóstico diferencial com pancreatite, trombose da
artéria mesentérica, gravidez ectópica, doença inflamatória pélvica, oclusão
intestinal ou volvo.
Cerca de 60 a 80% dos doentes com perfuração de úlcera péptica apresentam
pneumoperitoneu demonstrável. Apesar da presença de pneumoperitoneu
corresponder, com elevada probabilidade, a uma situação de perfuração de úlcera
péptica, a sua ausência não invalida a presença de perfuração.

Exames complementares
Como já foi referido, a documentação de pneumoperitoneu na presença de um
quadro clínico compatível evidencia o diagnóstico de perfuração de úlcera péptica.

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Pneumoperitoneu

Na ausência de pneumoperitoneu demonstrável, pode-se recorrer a:


Lavagem peritoneal – pode ser executada com rapidez, sendo um
auxiliar importante nos casos de diagnóstico difícil. O líquido de retorno
é analisado em laboratório, pesquisando-se a presença de fibras
vegetais, bílis ou amilase para objectivar o diagnóstico de perfuração;
TAC e Ecografia – são métodos de imagem alternativos úteis em casos
onde não é possível detectar o pneumoperitoneu;
Tecnécio Tc99m Disida – para se fazer o diagnóstico é necessário
identificar-se o material radioactivo de excreção biliar fora da área
hepática e do lúmen intestinal. Este método, embora seguro, é muito
demorado e por isso pouco prático.

Terapêutica
Uma vez estabelecido o diagnóstico, é prioritário proceder-se a medidas
terapêuticas de suporte. Estas consistem em:
Aspiração gástrica – permite a aspiração do suco gástrico e impedir a
continuação da agressão peritoneal;
Correcção da volémia e do equilíbrio electrolítico – através da
monitorização do pulso e da pressão arterial (para determinar a
volémia), da algaliação (para determinar o débito urinário) e da
colocação de acessos venosos periféricos (para corrigir quaisquer
desequilíbrios do volume e da composição iónica dos fluidos corporais);
Administração de terapêutica antimicrobiana;
Administração de inibidores da bomba de protões;
Analgesia.

O tratamento deve restringir-se unicamente a estes procedimentos se houver


contra-indicação cirúrgica absoluta (mais de 6 horas de evolução ou paciente de
idade superior a 60 anos). Se não for este o caso, a estas medidas deve seguir-se
tratamento cirúrgico imediato. Este tratamento vai ser diferente conforme a úlcera
perfurada seja duodenal ou gástrica.

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Pneumoperitoneu

Perfuração de úlcera duodenal

Esta situação ocorre normalmente em jovens, e a sua prevalência tem vindo a


diminuir. A história clínica é muitas vezes difícil de colher uma vez que o doente está
em grande sofrimento. Uma dor intensa de início bem definido e súbito é o sintoma
mais frequente. É de destacar a elevada associação entre esta situação e a
presença de H. pylori.
A ausência de qualquer sintoma prévio relacionado com doença ulcerosa
ocorre em 5 a 10% dos casos. A presença simultânea de perfuração de úlcera
duodenal e hemorragia ocorre em cerca de 10% dos doentes, sendo a mortalidade
muito elevada neste grupo. Em cerca de 6% dos casos ocorre perfuração livre para
a cavidade peritoneal (perfuração anterior). A perfuração das úlceras posteriores
pode provocar perfuração de estruturas adjacentes. A estrutura mais
frequentemente perfurada é o pâncreas, o que normalmente resulta num aumento
dos níveis de amilase sérica. Mais raramente, a úlcera pode perfurar o fígado, a via
biliar ou o cólon.

Terapêutica
A terapêutica efectuada depende de parâmetros como a história da doença
(uso de AINEs, doença ulcerosa de longa duração e complicações anteriores) e a
situação peritoneal do doente (presença ou ausência de ventre em tábua).
A terapêutica médica é normalmente instituída imediatamente, de modo a
evitar a descompensação do doente e a facilitar a sua estabilização para a
intervenção cirúrgica. A erradicação do H. pylori deve ser efectuada em pós-
operatório.

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Pneumoperitoneu

A terapêutica cirúrgica pode ser dividida em cirurgia da complicação e cirurgia


da doença ulcerosa:
Cirurgia da complicação – de carácter obrigatório e urgente. Consiste
num encerramento da perfuração e numa epiplopastia;
Cirurgia da doença ulcerosa – só deve ser realizada antes das primeiras
6 horas de evolução se o doente estiver estável; nos restantes casos,
deve apenas ser realizada cirurgia da complicação, deixando a cirurgia
da doença ulcerosa para quando o doente estiver estável e só se a
doença se mantiver (o que ocorre em 60% dos casos). Consiste numa
vagotomia troncular com piloroplastia (procedimento mais
frequentemente realizado em urgência), numa vagotomia supra-
selectiva, numa vagotomia selectiva proximal ou numa vagotomia
selectiva anterior e troncular posterior (procedimento de Taylor).

Perfuração de úlcera gástrica

Esta situação ocorre normalmente em doentes idosos com patologia grave


associada, o que dificulta o diagnóstico precoce, levando a uma maior mortalidade e
morbilidade (desenvolvimento de sépsis é mais frequente). A sua prevalência tem
vindo a aumentar. É de destacar a elevada associação entre esta situação e a
utilização de AINEs.

Terapêutica
Na terapêutica médica pré-
operatória, as opções estão
dependentes da possibilidade de a
úlcera ser neoplásica, de haver
hemorragia (Figura 5), de haver um
quadro peritoneal avançado ou de
haver um quadro sistémico.

Figura 5. Perfuração e hemorragia de úlcera gástrica.

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Nestes casos, a terapêutica cirúrgica tem a vantagem de constituir uma


terapêutica definitiva para a primeira manifestação de cancro. Tem-se como opções:
Gastrectomia;
Excisão da úlcera e sutura;
Biópsia da úlcera e encerramento;
Vagotomia – nas úlceras de tipo II (situadas no antro e associadas a
úlceras duodenais) e III (situadas no corpo ou fundo do estômago).

Perfuração de tumor do estômago

Esta é uma complicação rara das neoplasias gástricas. O diagnóstico


diferencial com perfuração de úlcera gástrica é difícil, tendo por isso frequentemente
um diagnóstico tardio e um pior prognóstico.

Perfuração do intestino delgado2

Embora seja uma situação rara, a perfuração


do intestino delgado pode ocorrer devido à
existência de um divertículo de Meckel, uma vez
que a mucosa heterotópica do divertículo é, em
80% das vezes, de origem gástrica, podendo esta
estar sujeita a ulceração péptica (causando dor,
hemorragia e/ou perfuração).
Para além da terapêutica médica de suporte,
o tratamento definitivo deste tipo de complicações
passa pela excisão do divertículo de Meckel
(Figura 6) e do segmento de íleon adjacente.

Figura 6. Diverticulectomia de Meckel.

2
Não referido na aula por ser extremamente raro.

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Pneumoperitoneu

Perfuração cólica

De um modo geral, as situações que podem ter como complicação a


perfuração cólica são os tumores do cólon, a diverticulite, a doença inflamatória
intestinal e a obstrução cólica.

Tumores do cólon
A perfuração cólica devido a tumor pode ocorrer de três formas distintas:
perfuração tumoral propriamente dita, perfuração justa-tumoral ou perfuração do
cego.
No caso da perfuração tumoral propriamente dita, esta ocorre quando o tumor
atinge dimensões tão grandes que impedem que este seja eficazmente irrigado,
dando origem a necrose de algumas áreas tumorais. Embora seja uma situação
rara, está associada a uma mortalidade elevada (entre 30 e 40%).
A perfuração justa-tumoral do cólon é uma situação muito grave, com uma
mortalidade superior e com resultados a longo prazo piores do que as perfurações
agudas no local do tumor. A sobrevivência dos doentes está dependente de uma
estratégia agressiva de terapêutica antimicrobiana contra a sépsis e de uma
terapêutica oncológica cirúrgica definitiva.
Nos casos de tumor oclusivo, a presença de uma válvula íleo-cecal competente
não permite que exista refluxo de gás e de conteúdo cólico, formando-se uma
situação semelhante a uma ansa fechada. Assim, há um aumento da pressão
exercida contra a parede do cólon, o que vai impedir a drenagem venosa e dificultar
a irrigação arterial, dando origem a necrose e perfuração da parede (normalmente
ao nível do cego).

Diverticulite
A diverticulite crónica consiste na infecção
associada à perfuração diverticular (minor), com
consequente extravasamento de fezes do lúmen para
a superfície serosa do cólon. Ocorre em 15% a 29%
dos portadores de diverticulose (Figura 7 e Figura 8).

Figura 7. Segmento de cólon com divertículos.

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Pneumoperitoneu

Em casos graves pode existir uma


perfuração diverticular major para a
cavidade peritoneal. Esta complicação é
rara e muito grave, podendo ser fatal. A
sua existência torna obrigatória a
intervenção cirúrgica imediata.
No caso de a perfuração ser
coberta, não ocorre pneumoperitoneu.
No caso de a perfuração ser em
peritoneu livre, o elevado número de
bactérias do cólon conduz rapidamente a
Figura 8. Representação de divertículo.
peritonite fecal ou purulenta
generalizada. Por se tratar de uma situação súbita, é um quadro mais grave que a
perfuração devido a tumor.
Clinicamente, há dor abdominal intensa e defesa abdominal generalizada. Ao
Rx simples normalmente identifica-se pneumoperitoneu (embora a ausência de ar
intraperitoneal não exclua o diagnóstico).
A terapêutica cirúrgica pode consistir em:
Ressecção da lesão – se a peritonite não for tão grave que impeça a
ressecção intestinal, o segmento intestinal patológico deve ser excisado.
O topo cólico distal ao sector rececado deve ser encerrado e o topo
cólico proximal deve ser utilizado para construir uma colostomia;
Operação de Hartmann – uma vez que grande parte das perfurações
diverticulares ocorre no cólon sigmoideu, raramente o topo cólico distal
tem tamanho suficiente para atingir a parede abdominal para formar a
fístula mucosa distal. Assim, procede-se geralmente a uma
sigmoidectomia com colostomia terminal na fossa ilíaca esquerda e
encerramento do recto (operação de Hartmann). Esta operação é a mais
frequente no tratamento cirúrgico urgente da diverticulose;
Colostomia proximal – se a peritonite for tão grave que a ressecção do
sector perfurado não possa ser realizada, pode-se estabelecer uma
colostomia proximal ao segmento intestinal patológico. No entanto, esta
atitude é muito menos satisfatória, já que o foco de contaminação
permanece na cavidade peritoneal.

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Pneumoperitoneu

Ao desvio do foco de infecção associa-se a antibioterapia e o suporte


nutricional, que vai permitir a resolução da peritonite. Quando o doente tiver
totalmente recuperado (cerca de 3 meses) restabelece-se a continuidade intestinal,
anastomosando-se o cólon descendente ao recto.

Doença inflamatória intestinal


Este termo determina um grupo de doenças inflamatórias crónicas, de etiologia
desconhecida, que envolvem o tubo digestivo. Entre as complicações das doenças
inflamatórias intestinais está a perfuração intestinal. Esta ocorre na colite ulcerosa
grave, uma vez que a ulceração torna a parede intestinal muito fina. Os doentes
apresentam um quadro de peritonite aguda com sinais de inflamação intestinal e
pneumoperitoneu demonstrável por Rx. Estes doentes têm indicação imediata para
colectomia.

Obstrução cólica
Nos casos de perfuração secundária a obstrução cólica, esta ocorre
tipicamente no cego. Uma ruptura neste local origina um pneumoperitoneu muito
exacerbado, uma vez que se liberta para a cavidade peritoneal todo o gás que se
encontrava retido no cólon pela obstrução. Verificou-se que existe uma grande
probabilidade de perfuração em situações em que o cego apresentar mais de 13 cm
de diâmetro.
Os doentes medicados com alguns imunossupressores, como a prednisolona,
têm uma maior probabilidade de ter uma perfuração deste tipo, que pode ser
silenciosa. Por este motivo, no tratamento destas situações, para além da
terapêutica médica de suporte, é necessário descontinuar qualquer tipo de
medicação que possa ter precipitado ou exacerbado a situação. A terapêutica
cirúrgica consiste na ressecção do cólon até ao local da lesão e posterior
anastomose.

INFECÇÃO POR ANAERÓBIOS

Esta é uma situação relativamente rara, uma vez que uma peritonite
dificilmente origina gás suficiente para provocar um pneumoperitoneu.

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Pneumoperitoneu

Pneumoperitoneu Induzido

Ocorre na laparoscopia, que pode ter um objectivo diagnóstico ou terapêutico.

LAPAROSCOPIA

A abordagem dos órgãos intraperitoneais exige uma cavidade real (em


oposição à situação fisiológica, em que a cavidade é virtual), ou seja, exige a criação
de um pneumoperitoneu. Tal faz-se pela insuflação de gás para a cavidade
peritoneal através de uma agulha de Veress, provocando um pneumoperitoneu
induzido (Figura 9).

Figura 9. Biópsia hepática por método laparoscópico.

Quando existem intervenções cirúrgicas anteriores ou quando surgem


dificuldades na punção com a agulha de Veress utiliza-se a técnica aberta.

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Pneumoperitoneu

Insuflação peritoneal

Para que se proceda à cirurgia laparoscópica é necessário criar-se condições


de manipulação dos órgãos intra-abdominais. Para que tal aconteça insufla-se
dióxido de carbono para dentro da cavidade peritoneal através de um insuflador.
Este instrumento vai permitir controlar a quantidade de gás insuflada a cada
momento.
O dióxido de carbono é o gás escolhido porque não é combustível, o que
diminui os problemas que poderiam surgir com a utilização do canivete eléctrico
dentro da cavidade criada; é rapidamente absorvível pelo organismo e é barato.
O ar é infundido através da agulha de Veress, que permite perfurar a parede
abdominal sem perfurar o seu conteúdo. Uma vez estabelecida a câmara de ar
desejada, introduz-se um trocar, que é uma cânula oca provida de um sistema
valvular que impede a fuga de ar do peritoneu e permite a introdução de objectos
cirúrgicos na cavidade.
O material básico da laparoscopia3 consiste em (Figura 10):
Insuflador – agulha de Veress;
Laparoscópio;
Sistema de vídeo – com iluminação, captura de
imagens e monitor de visualização;
Trocares e material cirúrgico – incluindo irrigador-
aspirador;
Unidade de electrocirurgia.

Figura 10. Trocar e agulha de Veress.


Exigências anestésicas

A laparoscopia possui exigências anestésicas específicas, tais como a


monitorização apertada do dióxido de carbono, o relaxamento muscular completo da
parede abdominal, um cuidado especial no posicionamento do doente (conforme o
procedimento a realizar) e a atenção relativamente a potenciais problemas
relacionados com a pressão intra-abdominal.

3
É de realçar a grande dependência da laparoscopia em relação à qualidade do material, o que pode ser uma
desvantagem relativamente à laparotomia, que tem uma exigência técnica muito inferior.

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Pneumoperitoneu

Vantagens da cirurgia laparoscópica

Menor dor pós-operatória;


Restabelecimento mais rápido do trânsito intestinal - por diminuição do
íleus pós-operatório;
Modificação da resposta biológica à agressão - com diminuição da
resposta biológica à cicatrização das feridas e do consumo de factores
homeostáticos de reparação. Há também uma menor depressão
imunitária após a operação;
Diminuição da fase catabólica da resposta hipermetabólica ao stress –
este factor é essencial para uma recuperação mais rápida;
Menor tempo de internamento;
Regresso mais rápido à vida activa;
Cicatriz menor – e menor frequência de aderências e bridas pós-
operatórias.

Implicações fisiopatológicas do pneumoperitoneu

A insuflação de CO2 para a cavidade peritoneal vai ter implicações


fisiopatológicas, que podem dar origem a complicações importantes em doentes
susceptíveis:
Aumento da Pressão parcial de CO2 – provoca uma acidose metabólica,
o que se revela um problema em doentes com DPOC;
Aumento da pressão intra-abdominal – que, por compressão do
diafragma, vai aumentar a pressão intra-torácica, dificultando a
ventilação e o retorno venoso, o que pode ser um problema em doentes
com compromisso ventilatório ou com função cardíaca diminuída.

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Pneumoperitoneu

Laparoscopia diagnóstica

Esta variante é a historicamente mais antiga. As duas grandes vantagens desta


abordagem são:
Visualização directa da lesão com possibilidade de definição etiológica e
realização de estadiamento e diagnóstico diferencial morfológico – por
exemplo na distinção entre tumores hepáticos benignos (hiperplasia
nodular focal) e malignos (carcinoma hepatocelular);
Melhor visualização de pormenores diminutos difíceis de valorizar nos
exames de imagem – metástases com menos de 0,5 cm;
Suspeita de Isquémia intestinal – muito importante no diagnóstico desta
situação urgente.

Laparoscopia terapêutica

A importância terapêutica da laparoscopia tem vindo a aumentar até aos dias


de hoje, tendo actualmente indicação como:
Mandatória – na colecistectomia e na cirurgia bariátrica;
Vantajosa – na cirurgia de refluxo gastro-esofágico;
Provavelmente vantajosa – na cirurgia oncológica do cólon.

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