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Cirurgia Geral | Aula 7 - Página |1

AULA 7 – Peritonites

Inflamação ou supuração do peritônio. É uma resposta peritoneal a agressão por bactérias,


endotoxinas, bile ou suco gástrico. Pode haver envolvimento de toda a cavidade peritoneal ou
apenas uma porção do peritônio parietal ou visceral. Geralmente em pacientes mais jovens.
CAUSAS: traumas abdominais (perfuração de víscera oca, corpos estranhos ou presença de
sangue), processos inflamatórios ou infecciosos abdominais e/ou pélvicos, isquemia visceral, mas
também podendo ter origem desconhecida.
CLASSIFICAÇÃO: tipo de evolução (aguda ou crônica), extensão (localizada ou generalizada),
envolvimento de micro-organismos (séptica ou asséptica) ou origem (primária ou secundária).
PERITÔNIO:
Anatomia: o peritônio é uma membrana serosa originada do mesênquima, possuindo duas
túnicas, o peritônio parietal e o peritônio visceral. Tem cerca de 1,7 m² no adulto.
+ Inervação é pelo plexo solar (plexo celíaco). As peritonites inicialmente tem dor referida para o
local do plexo, se for em outro local pensar em outras causas (ex. dor muscular).
Histologia: camada superficial de células poligonais e outra mais profunda, formada por tecido
conjuntivo, passando vasos e nervos até o revestimento mais superficial.
+ Possui de 50-100 ml de transudato estéril (predominando linfócitos e macrófagos) para
lubrificar. Se movimenta pelo abdômen pelas alterações de pressão causada pela contração do
diafragma.
+ Possui atividade anti-bacteriana mediada por complemento.
Fisiologia do Peritônio: membrana biologicamente ativa, especializada e desenvolvida. Defende a
integridade dos órgãos intracavitários e permite a livre movimentação das alças intestinais.
+ 60% da superfície peritoneal não diafragmática participa da troca de água e eletrólitos com o
espaço extracelular (500ml ou mais a cada hora). Isso permite um acesso fácil a esses elementos
na diálise peritoneal.
+ Porção diafragmática: superfície interrompida por muitos orifícios intercelulares, denominados
fendas ou poros (Von Recklinghausen, 1863). São permeados por plexos de canais linfáticos, bem
desenvolvidos, que atingem os linfáticos subpleurais e o ducto torácico, permitindo a filtração de
líquidos e partículas. Ou seja, um peritonite pode virar uma sepse.
+ Os movimentos do diafragma, a osmose e a fagocitose modulam a filtração de líquidos e
partículas e são mecanismos de defesa importantes da cavidade abdominal.
+ Grande Omento: promove o bloqueio mecânico de processos agudos - absorve partículas, libera
células do mecanismo de defesa (fagócitos) para a destruição de bactérias não opsonizadas.
ETIOLOGIA DE PERITONITES:
PERITONITE PRIMÁRIA: infecção bacteriana difusa, sem fonte aparente de origem intra-
abdominal. Ocorre principalmente em cirróticos, nefropatas, portadores de colagenoses,
imunossuprimidos e crianças.
Micro-organismos: acredita-se que bactérias invadem a cavidade peritoneal via hematogênica.
Ocorre por microrganismo único. Mais frequentes são pneumococo e estreptococo β hemolítico.
Pode ocorrer também com Eschericha coli, estafilococo, gonococo (síndrome Fitz-Hugh-Curtis) e o
bacilo da tuberculose (peritonite granulomatosa).
Obs: hemorroida não predispõem para infecção urinária de repetição ou toda mulher teria
infecção após menstruação.
PERITONITE SECUNDÁRIA: forma mais comum de infecção intra-abdominal em cirurgia. Ocorre
contaminação da cavidade peritoneal por agentes bacterianos de origem conhecida - perfurações
de vísceras ocas, trauma abdominal penetrante, extensão de processo supurativo intracavitário,
necrose de segmentos do tubo digestivo (isquemia, colagenosas que levam a vasculite).

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Causa: a principal causa atualmente são complicações pós-operatórias. Se não houver operações
prévias, as causas mais comuns são apendicite aguda, úlcera perfurada, doenças ginecológicas.
Tipos:
+ Peritonite secundária asséptica ou química. Ex. perfuração por ulcera (ácido clorídrico), ruptura
das vias biliares.
+ Peritonite secundária séptica, infecciosa ou supurativa.
PERITONITE TERCIARIA: infecção intra-abdominal persistente e recidivante que continua após
tratamento adequado de peritonite primária ou secundária (drenagem dos focos sépticos,
remoção do material necrótico e uso adequado de antibiótico por 5 a 7 dias). Se, após tratamento
cirúrgico e antibióticos adequados, a infecção persiste ou retorna após 48 horas é peritonite
terciária. O termo terciário também pode ser usado frente a infecção persistente após
reintervenção para peritonite secundária ou relaparotomias programadas.
PERITONITE ASSÉPTICA: material acumulado inicialmente estéril ou de baixa população
bacteriana. Ocorre com material irritante para o peritônio, deflagrando processo inflamatório
intenso - HCl, bile, suco pancreático, sangue (romper cisto ovariano), linfa, urina, mecônio, muco
(adenoma ovário; apêndice), etc.
+ Pode lesar por desequilíbrio hidroeletrolítico e protéico; contaminação bacteriana posterior.
PERITONITE SÉPTICA: causa principal é a perfuração de víscera oca ou trauma penetrante
(microbiota mista). Pode haver formação de abscessos parcialmente bloqueados, posteriormente
à instalação da peritonite difusa ou estabelecidos isoladamente, secundários a processo localizado
(apendicite, diverticulite).
Fatores que influenciam gravidade: é fundamental analisar o conjunto de fatores que levaram à
instalação da peritonite e que influenciam sua gravidade - tipo de bactéria contaminante; natureza
e localização da lesão inicial; idade e condições gerais do paciente; estado nutricional e
imunológico.
+ A infecção depende do nível do trato gastrointestinal acometido e das mudanças decorrentes da
condição patológica do doente:
- Porções altas do aparelho digestivo - contaminação pequena, predomínio de Gram positivos.
Essas lesões não são muito preocupantes quando recentes e em pacientes imunocompetentes.
- Porções distais do delgado e cólon há predomínio de Gram negativos e anaeróbios (E. coli,
Streptococcus faecalis, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella sp, Proteus sp, Bacterioides fragilis,
Clostridium sp, cocos anaeróbios). As orincipais bactérias envolvidas são os estreptococos,
Bacterioides fragilis e E. coli. Fazem lesões mais preocupantes que nas porções altas.
Obs1: queda de leucócitos após algum tempo indica infecção grave por Gram negativo.
FISIOPATOLOGIA DAS PERITONITES: as células mesoteliais do peritônio têm grande poder de
transudação, exsudação, absorção e cicatrização em qualquer lesão.
1. Com a agressão, há grande exsudação plasmática, seguindo opsonização das bactérias e
diapedese dos leucócitos polimorfonucleares. Somado a isso ocorre deposição de fibrina (capa
amarela em cima do órgão). Estes elementos constituem barreira importante para defesa e
bloqueio da infecção.
2. Se não houver bloqueio, há íleo adinâmico, com sequestro volêmico nas alças e na cavidade
abdominal. Isso porque há espessamento da parede (edema), que diminui a troca entre luz
intestinal e circulação sistêmica.
3. Há hipovolemia com distúrbio hidroeletrolítico e ácido-básico. Paciente não pode ingerir
liquido, pois vomita.
4. Ocorre translocação bacteriana, com toxemia, bacteremia e septicemia. Nesse momento deve
ser feito o hemograma (diagnóstico tardio).
5. Síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.
6. Óbito.

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DIAGNÓSTICO: o diagnóstico é definido com a história e o exame físico em cerca de 2/3 dos casos.
SINAIS E SINTOMAS: devido a manifestações reflexas.
+ Dor: localizada e referida (inicial). Se começar localizada pensar em diagnósticos diferenciais.
+ Vômito: inicialmente reflexo. Mais tardiamente, por toxemia ou pelo íleo adinâmico.
+ Diminuição da amplitude dos movimentos respiratórios abdominais (movimenta peritônio).
Pode-se pedir para o paciente encolher ou estufar a barriga para ver se dói.
+ Descompressão abdominal brusca e percussão dolorosas (movimenta peritônio) - sinal de
Blumberg.
+ Ruídos hidroaéreos diminuídos ou ausentes.
+ Rigidez abdominal difusa (fase avançada).
Sinais e sintomas devidos à toxemia:
+ Distensão abdominal (íleo adinâmico).
+ Manifestações sistêmicas da toxemia (ex. batimento de nariz).
+ Taquicardia e hipotensão: podem ser os únicos sinais em imunossuprimidos e idosos
Toque retal e vaginal: são muito importantes para sentir fundo de saco. Pesquisar no toque dor,
abaulamento do fundo de saco (ex. abscesso pélvico), etc.
Obs: cuidado com paciente que possam ter feito broncoaspiração, pode causar pneumonia basal;
quebra de vertebra lombar pode parecer peritonite (faz distensão e dor abdominal).
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL: podem avaliar a gravidade do processo infeccioso e orientar a
terapêutica. Não são usados para definir a conduta inicial.
+ Hemograma com plaquetas, eletrólitos, coagulograma, gasometria arterial, amilasemia, provas
de função hepática e renal.
+ Cultura e antibiograma do sangue, urina, secreções respiratórias, feridas, líquido intra-
abdominal, de preferência antes de se iniciar o antibiótico. Preferencialmente antes de começar o
antibiótico.
Diagnóstico por imagem:
+ Radiografia simples:
- Pneumoperitoneo: os grandes geralmente estão relacionados a perfuração
do colón e os menores a perfuração gástrica ou do duodeno. Recomenda-se
fazer várias incidências do paciente no raio X (rotina de abdômen agudo) –
em pé, deitado, decúbito lateral (geralmente esquerdo). Cuidado para não
confundir com enfisema subcutâneo.
+ Ultrassonografia do abdome: interessante pois permite visualizar espessamento de parede,
muco. O problema desse método é quando tem muito ar.
+ Tomografia: tira o viés do ar do ultrassom. Útil principalmente para ver retroperitôneo.
Entretanto, deve-se fazer uso comedido, pois é uma grande dose de radiação ao paciente.
- Mostra muito bem diferenciação de cálculo renal.
+ Outras: ressonância magnética, arteriografia, cintilografia radio-isotópica, paracentese
abdominal, laparoscopia.
- Peri-hepatite de Sind Fitz-Hugh-Curtis é muito bem visualizada por laparoscopia (traves brancas
cocatriciais - gonococo).
TRATAMENTO:
Peritonite Primária: tratamento essencialmente clínico, com a identificação do agente causal
(punção e cultura do líquido ou hemocultura).
Peritonite secundária: tratamento cirúrgico para remover o foco inicial da infecção, aspirar o
líquido peritoneal infectado, prevenir a formação de coleções ou sepse.
+ Cuidados com anestesia (drogas são vasodilatadoras, principalmente se fizer raqui – aumenta
desidratação), escolha da incisão, lavagem da cavidade (3-4 litros de soro), drenos (na pélvica),

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peritoniostomia (deixa o peritônio aberto para não aumentar a pressão e ter fácil acesso em caso
de infecção mal controlada).
Obs: usam bolsa de sangue para cobrir peritoniostomia (plástico impede que órgãos grudem).
COMPORTAMENTO FISIOLÓGICO DURANTE O INTRA-OPERATÓRIO:
+ Redução da pré-carga (perdas sanguíneas da cirurgia ou devido à redistribuição dos volumes
intra-vascular e intersticial).
+ Venodilatação provocada pelos anestésicos e diminuição da contratilidade miocárdica.
+ Aumento da resistência vascular pulmonar com diminuição do débito do ventrículo direito e
diminuição do débito cardíaco.
+ Redução dos níveis de hemoglobina.
+ Redução do consumo de O2 - em torno de 25 a 50% em relação ao pré-operatório:
- Prejuízo do débito cardíaco, má distribuição do fluxo cardíaco devido às alterações da
microcirculação determinadas pelas catecolaminas, e mediadores liberados pelo trauma cirúrgico
e anestésico.
- Edema intersticial secundário ao aumento de permeabilidade capilar no intra-operatório,
prejudicando o transporte de O2 do capilar aos sítios de utilização.
- Aumento da afinidade da hemoglobina pelo O2 – por hipotermia; uso de sangue estocado
(hemácia precisa circular um tempo antes de voltar a atividade); alterações ácido básicas
determinam alterações da curva de dissociação da hemoglobina, prejudicando a liberação tissular
do O2.
PÓS-OPERATÓRIO:
+ Objetivos do tratamento clínico: restauração da volemia, otimização do transporte e consumo
de oxigênio, normalização dos níveis séricos de lactato, administração judiciosa de antibióticos,
suporte nutricional.
+ O prognóstico depende diretamente do diagnóstico e da intervenção cirúrgica precoces.

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