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OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL
01. Estimadas leitoras e caros leitores, feliz 2023! É uma alegria, porém também uma
responsabilidade, escrever a primeira coluna deste ano do Observatório Constitucional, que
completa dez anos de publicação semanal. Trata-se de projeto editorial de fôlego, devendo
parabenizar os professores André Rufino do Vale e Fábio Quintas pela coordenação do
expediente. Para alguns, as datas e a marcação do tempo não se revestem de grandes
significados, sendo, por exemplo, apenas a contagem daquilo que já transcorreu ou a
indicação de um período que virá. De outro lado, os momentos de transição, como os que
vivemos hoje, com o advento de um novo ano civil e com as modificações nas práticas
estatais brasileiras para a observância da democracia constitucional, são situações que
impõem reflexão sobre o passado, análise acerca do presente e planejamento para o futuro.
Nesse cenário, retomarei um tema que tratei originalmente há cerca de 15 anos [1], mas que
contém desafios para o presente e o futuro: a intimidade e a vida privada.
Em síntese, existe uma gradativa valorização do espaço privado, em virtude do seu papel
no desenvolvimento da personalidade humana, permitindo assim a vivência de experiências
individuais, próprias e íntimas. Por sua vez, a exposição da intimidade e da vida privada é
questão bastante complexa, visto que a "intimidade não pode ser trazida à tona da mesma
forma que as questões públicas", no entanto não "se quer dizer que todas as questões
íntimas devam, necessariamente, ser escondidas de todos e somente vividas pelo indivíduo"
[4].
04. Apesar de importantes avanços no tratamento da temática pelo legislador, pelo poder
reformador constitucional e pela jurisdição constitucional brasileira, são diversas as
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questões que precisam ser revistas ou enfrentadas sobre a intimidade e a vida privada na era
digital. Vejamos algumas.
Nesse novo tempo, o que era válido, no mundo quase que exclusivamente analógico,
não pode permanecer sem alterações, impondo-se o exercício de uma hermenêutica
constitucional renovada com a ampliação do âmbito de proteção de direitos fundamentais já
fixados, como o direito à intimidade e à vida privada [9]. Por sua vez, o Supremo Tribunal
Federal fixou o Tema 876 sobre o direito ao esquecimento, no Recurso Extraordinário nº
1.010.606/RJ, contudo a primeira parte da tese é preocupante, tendo a seguinte redação: "É
incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim
entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos
ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social —
analógicos ou digitais" [10] [11]. O rótulo do direito ao esquecimento, por boa parte da
literatura especializada, é utilizado de maneira ampla para uma série de dimensões do
desenvolvimento da personalidade, na sociedade digital. Desse modo, não é jurídica,
constitucional e socialmente possível compreender e aceitar a incompatibilidade desse
direito com a Constituição Federal brasileira de forma tão ampla, já que diversas dimensões
do direito ao esquecimento são adotadas no direito estrangeiro e brasileiro [12].
[1] Dentre os trabalhos acadêmicos, cf. ROBL FILHO, Ilton Norberto. Direito, Intimidade
e Vida Privada: Paradoxos Jurídicos e Sociais na Sociedade Pós-Moralista e
Hipermoderna. Curitiba: Juruá, 2010.
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[2] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo, 10ª ed., Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 48.
[4] ROBL FILHO, Ilton Norberto. Direito, Intimidade e Vida privada, p. 62.
[6] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADI nº. 6649/DF, voto do relator min. Gilmar
Mendes, 15/09/2022.
[7] Acerca das realidades física e virtual, cf. CALLEJÓN, Francisco Balaguer Callejón. La
Constitución del Algoritmo. Zaragoza: Fundación Manuel Giménez Abad, 2022, p. 60-65.
[9] Nesse sentido, cf. CELESTE, Edoardo. Digital Constitutionalism: The Role of
Internet Bills of Rights. New York, 2023, pp. 189-191.
[10] Sobre o julgamento, cf. SARLET, Ingo Wolfgang. STF e direito ao esquecimento:
julgamento a ser esquecido ou comemorado? Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2021-mar-05/direitos-fundamentais-stf-direito-esquecimento-
julgamento-esquecido-ou-comemorado. Acesso em: 6/1/2023.
[12] Sobre o reconhecimento no direito nacional, cf. SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA
NETO, Arthur M. O Direito ao "Esquecimento" na Sociedade da Informação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 130-155.
[13] "Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e
com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às
liberdades e garantias individuais. § 1º. As informações pessoais, a que se refere este artigo,
relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem: I - terão seu acesso restrito,
independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a
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contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que
elas se referirem; e II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante
de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem".
[15] ROBL FILHO, Ilton Norberto. Direito, Intimidade e Vida privada, p. 124-174.
Ilton Norberto Robl Filho é professor da Faculdade de Direito da UFPR e do IDP, líder do
grupo de pesquisa Democracia Constitucional, Novos Autoritarismos e Constitucionalismo
Digital no IDP, membro do CCons-UFPR e sócio do escritório de advocacia Marrafon,
Robl e Grandinetti.
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