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Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

Secretaria de Educação a Distância

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologiado Sul de


Minas Gerais - Campus Muzambinho.

Centro de Educação a Distância – CEAD

Curso
Licenciatura em Pedagogia EaD

Coordenadora do Curso e Professora Assistente


Valdirene Pereira Costa

Vice coordenadora do Curso,


Coordenadora de Plataforma e Tutoria
Cristiane Fortes Gris Baldan

Disciplina
Ludicidade na Escola

Professora
Maria Aparecida Lúcio Mendes

Diagramação
Sônia Maria Dias
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Seja Bem-Vindo à Disciplina de Ludicidade na Escola!

Olá, sou a professora Maria Aparecida. Estou chegando agora no InstitutoFederal do


Sul de Minas Gerais, o que é para mim motivo de muita alegria.

Meu objetivo é contribuir no fortalecimento do processo de formação e capacitação


dos professores e futuros professores.

Educação é minha paixão, amo ser professora e me realizo no exercício desse oficio,
cuja valorização e reconhecimento, estão historicamente desgastados em nosso país.
O que exige de nós, profissionais e futuros profissionais da educação, resistência e
resiliência, além de muitas outras habilidades.

Começo falando um pouco sobre a minha trajetória profissional apenas para situar
esse meu lugar de fala. Sou professora há vinte e cinco anos, entre os quais,
dezesseis dediquei, como professora e como coordenadora pedagógica à educação
infantil e ao ensino fundamental I e II. Há 9 anos ingressei na Rede Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia, onde atuei nas turmas do ensino médio integrado e
nos cursos superiores, de forma especial, nos cursos de licenciatura. O chão da sala
de aula é o meu lugar.

Fiquei muito feliz e honrada com o convite para ministrar essa disciplina e faço, neste
instante, um convite a cada um de vocês para que entrem comigo nessa brincadeira,
pois, veremos ao longo dessa disciplina, que brincadeira é coisa muito séria!

Nesta disciplina trataremos de conceitos importantes para o entendimento de como a


Ludicidade precisa estar na escola para que o processo de construção do
conhecimento das nossas crianças e jovens, seja prazeroso e consequentemente
eficiente e eficaz.

Na primeira semana discutiremos o Lúdico e a Dinâmica Humana. Buscaremos


entender como a ludicidade, o lúdico, o jogo e o brincar, estruturam na criança os
processos de constituição da sua humanidade, da sua socialização, de apropriação,
significação e ressignificação das relações humanas e dos espaços dentro e fora da
escola. As leituras indicadas e o documentário “Território do Brincar”, além das
discussões e atividades propostas nos ajudarão nessa trajetória.
O tema da nossa segunda semana de trabalho é Brinquedos, Brincadeira e Atividade
Lúdica. Nesta unidade entraremos em contato com as diferentes terminologias e
conceitos intrínsecos à essa temática. Faremos também uma breve incursão em
algumas em algumas teorias que abordam o brincar, o brinquedo e o jogo educativo.
Discutiremos ainda, alguns aspectos históricos e teorias psicológicas associadas ao
tema.

Nossa terceira semana focará nas discussões sobre as dimensões material e


imaterial do brincar. Abordaremos os aspectos teórico-metodológicos envolvidos no
processo de passarmos da intenção para a ação, ou seja, de compreendermos como
introduzir e trabalhar de forma consciente e assertiva, a Ludicidade no Espaço
Educativo, de modo que possamos favorecer o desenvolvimento integral dos
estudantes que estejam sob nossa responsabilidade profissional. Os textos e vídeos
indicados foram escolhidos como forma de contribuição para aprimorarmos e
aprofundarmos nossas reflexões e inferências.

Nossa quarta semana de trabalho terá como tema: O Brincar no Ensino


Fundamental. Nessa unidade nos debruçaremos, mais especificamente, sobre o
brincar no Ensino Fundamental, destacando as dinâmicas e possibilidades da
Ludicidade nesta etapa do ensino. Abordaremos os aspectos didáticopedagógicos
potencializados através do brincar, do brinquedo, das brincadeiras e dos jogos.
Espera-se a ampliação do repertório teórico dos estudantes no que se refere ao tema
Ludicidade em sua relação com os processos educacionais próprios do Ensino
Fundamental.

Finalizando as discussões desta disciplina, nossa quinta semana tem como temática
as Brinquedotecas. Nessa unidade, discutiremos os propósitos e possibilidades das
brinquedotecas no processo educacional, entendendo o brincar como uma linguagem
privilegiada no trabalho pedagógico com as crianças. Alguns vídeos foram sugeridos
como contribuição para a conscientização quanto a importância destes espaços, não
somente no cotidiano das salas de aula, mas também em outros espaços socialmente
instituídos como hospitais, igrejas, projetos sociais, entre outros. Será uma ótima
oportunidade para que vocês, cursistas, conheçam e utilizem a nossa brinquedoteca.

Bem, espero que possamos, a partir de nossas concepções, desconstruir, reconstruir


e nos transformar ao longo dessa disciplina, ou melhor dizendo, dessa brincadeira.
Pois, afinal, constataremos que brincadeira é mesmo, coisa muito séria.

Vamos ao trabalho!

Um grande abraço.

Professora Maria Aparecida Lúcio Mendes


1
Ludicidade: Projeto
Arquitetônico e
Paisagístico de Educação
Infantil
Raquel Biem Mori

Licenciatura em Pedagogia

MORI, Raquel Biem. Ludicidade: Projeto Arquitetônico e Paisagístico de


Educação Infantil. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - Campus de Bauru
Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo. 2009, 67p. (Trabalho
Projetual)

Este material estará disponível no link da Unidade 1 no AVA e no endereço


eletrônico referenciado.
Ludicidade
Projeto Arquitetônico e Paisagistico de Educaçao Infantil
Resumo
Criança gosta mesmo de brincar. Em ca-
sa, na rua, em qualquer lugar. E por que não na
escola? O lugar de estudar não poderia ter mais
espaços para brincar? Faltam em nossas escolas
áreas mais interessantes e atraentes que o play-
ground convencional, que incitem a aventura,
o desafio, às brincadeiras em grupo. A melhor
forma de se aprender na infância é através das
brincadeiras, que formam o alicerce para o seu
futuro lingüístico, de raciocínio, de lógica, de
inserção na sociedade. Por meio das brincadei-
ras, as crianças evidenciam seus sentimentos,
seu entendimento de mundo, suas descobertas,
suas construções. Quando bem orientadas e
acompanhadas, elas não são apenas passatem-
po e sim a forma mais consistente e genuína de
aprendizagem.
A aprendizagem na Educação Infantil
acontece de forma experimental, ou seja, a cri-
ança necessita fazer e fazendo vai construindo
os seus conceitos. No playground, a criança ex-
perimenta os brinquedos que ainda não usou,
arrisca, persiste, esforça-se, sem a crítica e a
vergonha que mais tarde inibe e desestimula as
suas ações.
Na EMEI Márcia de Almeida Bighetti, lo-
calizada no Núcleo Habitacional Mary Dota na
cidade de Bauru, espaço é que não falta para
um projeto lúdico. Por possuir um enorme ter-
reno para um pequeno bloco de salas de aula e
apenas alguns brinquedos no parquinho, essa
foi a escola escolhida para a proposta de um
espaço lúdico infantil.

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Introdução
Não imaginava o que se fazia na Secretaria do
Planejamento da cidade. Talvez ruas, avenidas, praças,
sei lá. Ou talvez nada, porque funcionário público não
trabalha mesmo. Então por que estagiar lá? Sei lá tam-
bém. Sabia que queria um estágio, mas não sabia onde
procurar. Então uma amiga da faculdade disse que havia
alguma coisa no jornal sobre concurso para estagiários.
Aí inscrição, prova, resultado, e lá estava eu na SEPLAN,
entre arquitetos, desenhistas e engenheiros. No primeiro
dia, um projeto de reforma de escola infantil. No segun-
do, mais um. No terceiro, outro. E assim, passaram-se do-
is anos. Olhando, conhecendo, entendendo, conferindo,
corrigindo, desenhando, projetando. Tantas escolas, que
fica até difícil lembrar-me de todas. Tanto trabalho para
tão poucos funcionários, que me perguntava: quem foi
mesmo que disse que funcionário público não trabalha?
O estágio na prefeitura me mostrou a realidade
das escolas municipais. Uma realidade que eu pouco
conhecia. Escolas em diferentes bairros, com alunos
diferentes, professoras e diretoras diferentes, mas com as-
pectos tão iguais... Tudo é padrão. Cor, forma, detalhes...
E até o playground. A maioria das escolas públicas não
tem o parquinho como uma prioridade. Geralmente o
espaço destinado à brincadeira é a área não edificada,
com alguns brinquedos comuns como balanço, gan-
gorra, gira-gira; pouco atrativos e menos ainda lúdicos.
Essa área que “sobrou” nem sempre é adequada para as
brincadeiras das crianças, mesmo porque, muitas vezes
o terreno não é suficiente nem para o número de salas
de aula de que a escola necessita. A falta de espaço e a
escassa preocupação com o parquinho tornam a escola
um lugar desinteressante, e ir à aula apenas uma obriga-
ção, sem estímulos. Por que a escola não poderia ser um
lugar divertido?

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Justificativa

“ O espaço
para brincar
acaba sendo o que
sobrar do terreno

A lembrança da infância sempre remete uma situ- ser repensado como local que possibilite esses momentos
ação vivida num determinado espaço. Uma situação que prazerosos. Na maioria das escolas infantis não há a pre-
por algum motivo marcou aquele momento na memória. ocupação com as áreas livres, o espaço para brincar aca-
A criança associa as sensações vividas ao ambiente, pois ba sendo o que sobrar do terreno. Em Bauru, as escolas
é no espaço físico que ela experimenta cheiros, sons, municipais de educação infantil raramente apresentam
temperatura, distância; exercita seu domínio e sua liber- um espaço diversificado, que não seja o padrão adotado.
dade. O espaço pode ser um lugar de segurança ou de Geralmente possuem brinquedos convencionais como
medo, de alegria ou tristeza, porque a criança não o com- balanço de pneus, gangorra, gira-gira, escorregador e
preende como valor físico, mas sim com a experiência ponte.
vivenciada no lugar.
“Falta em nossos espaços públicos o convite a
“É num espaço físico que a criança estabelece a brincadeira, à fantasia, à participação coletiva. Nossas
relação com o mundo e com as pessoas; e ao fazê-lo esse praças e parques, em sua grande maioria, não têm uma
espaço material se qualifica. Ela deixa de ser um material identidade própria. Os brinquedos apresentam formas
construído ou organizado para se embeber da atmosfera rígidas, estereotipadas, e não estimulam a curiosidade e a
que as relações ajudam a estabelecer.” (LIMA, 1989.) imaginação infantis.” (ALMEIDA, 1992.)

Por isso, o espaço destinado à criança deve ser O objetivo do projeto é proporcionar a essas
convidativo à brincadeira, ao jogo, a interatividade e áreas, “abandonadas” nas escolas, um espaço mais lúdico,
proporcionar momentos de descobertas e aventuras. O atraente e diferenciado, tendo como fundo de cena, o clás-
espaço escola, ambiente cotidiano da criança, necessita sico infantil de Lewis Carol, Alice no País das Maravilhas.

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1. Ludicidade
“... lá se foi Alice como um raio,
tendo tempo apenas de ouvi-lo dizer, ao
dobrar uma esquina: Por minhas orelhas e
bigodes, como está ficando tarde...”
Lúdico

O lúdico tem sua origem da palavra latina “ludus” mente sem alvo ou objetivo. Tais atividades podem ser
que significa “jogo”. Confinado a sua origem o termo uma brincadeira, um jogo ou qualquer exercício que pos-
lúdico estaria se referindo apenas ao jogar, ao brincar, à sibilite instaurar um estado de inteireza: uma dinâmica de
diversão. Com o passar do tempo o termo evoluiu, assim integração grupal ou de sensibilização, um trabalho de
como a própria atividade lúdica, de modo que a definição recorte e colagem, uma das muitas expressões dos jogos
deixou de ser um simples sinônimo de jogo. dramáticos, exercícios de relaxamento e respiração, uma
Pode-se entender o lúdico como a necessidade ciranda, movimentos expressivos, atividades rítmicas, en-
de interagir, de brincar, de aventuras, de desafios; des- tre outras tantas possibilidades.
perta a imaginação e os sentidos. O lúdico faz parte das Essas atividades possibilitam momentos de encon-
atividades essenciais da dinâmica humana, desenvol- tro consigo e com o outro, momentos de fantasia e de
vendo a criatividade, os conhecimentos, o raciocínio realidade, de ressignificação e percepção, momentos de
por meio de brincadeiras. São atividades que propiciam autoconhecimento e conhecimento do outro, de cuidar
uma experiência em plenitude, em que nos envolvemos de si, de olhar para o outro, momentos de vida. É este as-
por inteiro. O importante na atividade lúdica não é só o pecto de envolvimento emocional que o torna uma ativi-
produto que dela resulta, mas sim o momento vivido, a dade com forte teor motivacional, capaz de gerar um es-
própria ação. tado de vibração e euforia. Em virtude desta atmosfera de
Caracteriza-se por ser espontâneo, funcional e prazer dentro da qual se desenrola, a ludicidade é porta-
satisfatório. Sendo funcional, não deve ser repetitivo, dora de um interesse intrínseco, canalizando as energias
com a monotonia do comportamento cíclico, aparente- no sentido de um esforço total para consecução de seu

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objetivo. Portanto, as atividades lúdicas são excitantes,
“O lúdico faz
parte das atividades
mas também requerem um esforço voluntário, pois não
havendo interesse dos participantes não há desenvolvi-
essenciais da dinâmica
mento da mesma.
Segundo LUCKESI (2005), a criatividade tem a
humana, desenvolvendo
ver com o prazer de aprender, de entender, de buscar,
de saber fazer, de construir, de conseguir dar conta de
a criatividade, os
alguma coisa que nos desafia. O desenvolvimento do as- conhecimentos, o
pecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento
raciocínio por meio de


pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde
mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os
processos de socialização, comunicação, expressão e brincadeiras.
construção do conhecimento.

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Educação Lúdica

“ O que traz a
ludicidade para a sala de
aula é muito
mais
uma atitude do
educador do
que os próprios
brinquedos e de brinquedos, desenhos coloridos, músicas ritmadas. Ao


fazer isso, ao mesmo tempo em que bloqueia a organiza-

jogos. ção independente das crianças para a brincadeira, essas


práticas pré-escolares, através do trabalho lúdico dida-
tizado, enfatizam os alunos, como se sua ação simbólica
servisse apenas para exercitar e facilitar para o professor,
O Lúdico aplicado a prática pedagógica não ape- a transmissão de determinada visão do mundo, definida
nas contribui para a aprendizagem da criança, como pos- a priori pela escola.
sibilita ao educador tornar suas aulas mais dinâmicas e
prazerosas. O intuito é educar e divertir, tornar o apren- “Nossa prática em sala de aula tem se pautado mais
dizado leve e descontraído. Ele é considerado prazeroso pela formalidade que pela criatividade tanto no ensinar
devido à sua capacidade de absorver o indivíduo de como no aprender. Nós herdamos a formalidade da nossa
forma intensa e total, criando um clima de entusiasmo. recente história da educação. Nos últimos quatrocentos
Sendo uma atividade física e mental, a ludicidade acio- anos, tem-se centrado atenção predominantemente no
na e ativa as funções psico-neurológicas e as operações aspecto cognitivo conceitual do conhecimento, muitas
mentais, estimulando o pensamento. vezes reduzindo o ensino e a aprendizagem à apropria-
A maioria das escolas tem didatizado a atividade ção de súmulas de informações.” (LUCKESI, 2005.)
lúdica das crianças restringindo-as a exercícios repetidos
de discriminação viso-motor e auditiva, através do uso O que traz a ludicidade para a sala de aula é

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muito mais uma atitude do educador do que os próprios
brinquedos e jogos. Isso exige uma predisposição interna,
que não se adquire apenas com conceitos e conhecimen-
tos. A fundamentação teórica dá suporte ao professor pa-
ra entender o porquê do seu trabalho. A atividade em si
exige um envolvimento emocional e afetivo, um rompi-
mento com o modelo padrão existente, já internalizado.
É papel do educador formar pessoas críticas e
criativas, que inventem, descubram, que sejam capazes
de construir coisas novas, capazes de pensar de forma
global. Ele precisa ter a sensibilidade de perceber as ca-
racterísticas de cada educando, como indivíduo único,
que necessita de estímulos próprios, de acordo com sua
personalidade. Cada criança, ao entrar na escola, traz
consigo uma bagagem de conhecimentos oriundos da
sua própria atividade lúdica, que ela demonstra espon-
taneamente, através de brincadeiras. Quando a escola
impõe seus métodos, impede que a criança deixe fluir
naturalmente a imaginação e emoção.
O lúdico enquanto recurso pedagógico deve ser
encarado de forma séria e usado de maneira correta, pois
como afirma ALMEIDA (1998), o sentido real, verda-
deiro, funcional da educação lúdica estará garantido, se
o educador estiver preparado para realizá-lo. Conceber o
lúdico como atividade apenas de diversão, negando seu
caráter educativo, é uma concepção ingênua. A educa-
ção lúdica é uma ação inerente na criança e no adulto,
aparece sempre como uma forma transacional em direção
a algum conhecimento. A criança aprende ao encontrar
na própria vida, nas pessoas, a complementação para as
suas necessidades.

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Brincadeiras
O conceito de brincar que perpassa nosso co-
tidiano é bastante moralista. Dizemos que trabalho não
é lugar de brincadeira ou que agora não é hora de brin-
car. Esse juízo infantiliza o ato humano de brincar, tipi-
camente criativo, ao mesmo tempo em que desqualifica a
infância, como se o que se faz nessa fase da vida não tem
uma importância significativa.
Brincar é a atividade mais típica da vida humana,
por proporcionar alegria, liberdade e contentamento. É a
ação que a criança desempenha ao concretizar a fanta-
sia e a imaginação no mundo real. Brincando, a criança
experimenta, descobre, inventa, aprende e confere ha-
bilidades. Além de estimular a curiosidade, a autoconfi-
ança e a autonomia, proporciona o desenvolvimento da
linguagem, do pensamento, da concentração e da aten-
ção. A criança necessita de estabilidade emocional para
se envolver com a aprendizagem.

“As brincadeiras dos bebês não são simples es-


tímulos ao desenvolvimento físico. Ao brincar, incor-
poram-se ao cérebro, por meio dos sentidos (ouvir, pegar,
ver, sugar) impressões verdadeiras que vão aflorar no de-
senvolvimento cognitivo.” (ALMEIDA, 1998.)

Quando a criança brinca, sua brincadeira tem a


profundidade de quem se dedica a construir e cuidar do
mundo, o mundo que é significativo para si, na idade e
nas circunstâncias metafísico-evolutivas que está atraves-
sando. Segundo LUCKECI, 2005, o brincar é o mais sau-
dável caminho para canalizar energia, construindo-se
processos de sublimação saudáveis e identificadores.
Na brincadeira não há obrigações, senão daquela que é
livremente consentida, não parecendo buscar nenhum
resultado além do prazer que a atividade proporciona,
conforme BROUGÈRE, 2001.

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Brincando e Socializando

“uma
Brincar não é
dinâmica
interna do
indivíduo, mas
uma atividade dotada de
uma significação social
precisa.

As brincadeiras são as primeiras atividades que o
ser humano desenvolve em conjunto, por isso é impor-
tante para a criança a convivência em grupo desde os
primeiros anos de vida. Através de atividades com outras
pessoas, a criança tem as primeiras noções de respeito à
liberdade do indivíduo e ao espaço, ou seja, de cidada- instaurar uma comunicação com os outros membros da
nia. Brincando as crianças interagem entre si, conhecem sociedade...” (BROUGÈRE, 2001.)
umas as outras e aprendem a conviver com suas diferen-
ças. Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, As experiências adquiridas pela participação em
mas uma atividade dotada de uma significação social jogos com amigos ou pela observação de outras crianças,
precisa. principalmente os pequenos, que imitam as brincadeiras
dos mais velhos, ou ainda pela manipulação cada vez
“Encaramos a socialização como o conjunto dos maior de objetos de jogo, resultam na cultura lúdica da
processos que permitem à criança se integrar ao ‘socius’ criança. Esta cultura, como qualquer outra, é produto da
que a cerca, assimilado seus códigos, o que lhe permite interação social.

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Jogos

O jogo é aquela dimensão do homem que o re- por sua vez, acontecem quando jogamos, quando obe-
monta a um mundo diferente, com outras regras, onde decemos a regras, quando vivenciamos conflitos numa
se mostra a essência de cada um de nós, sem máscaras competição.
nem distorções. Não dispõe de nenhum comportamento O jogo pode ser visto como resultado de um
específico, existe dentro de um sistema de designação, sistema lingüístico que funciona dentro de um contexto
de interpretação das atividades humanas. Através do jogo social com um sistema de regras, que permite identificar,
o indivíduo pode brincar naturalmente, testar hipóteses, em qualquer jogo, uma estrutura seqüencial que especi-
explorar toda a sua espontaneidade criativa. O que ca- fica sua modalidade.
racteriza o jogo é mais do que a sensação de prazer pro- Através dele a criança libera e canaliza suas ener-
vocada pela diversão, é o estado de espírito com que se gias. Tem o poder de transformar uma realidade difícil,
brinca. propiciando condições de liberação da fantasia. É uma
O jogo, nas suas diversas formas, auxilia no pro- grande fonte de prazer. O jogo é, por excelência, integra-
cesso ensino-aprendizagem, tanto no desenvolvimento dor, há sempre um caráter de novidade, o que é funda-
psicomotor, isto é, no desenvolvimento da motricidade mental para despertar o interesse da criança. Na medida
fina e ampla, como no desenvolvimento de habilidades em que joga ela vai se conhecendo melhor, construindo
do pensamento, como a imaginação, a interpretação, a interiormente o seu mundo. Esta atividade é um dos meios
tomada de decisão, a criatividade, o levantamento de propícios à construção do conhecimento. Quando existe
hipóteses, a obtenção e organização de dados e a apli- representação de uma determinada situação, a imagina-
cação dos fatos e dos princípios a novas situações que, ção é desafiada pela busca de soluções para problemas

25
“ Por meio da
brincadeira a
criança envolve-se no jogo
e sente a necessidade de
partilhar com o outro.

criados pela vivência dos papéis assumidos. As situações
imaginárias estimulam a inteligência e desenvolvem a
criatividade, permitindo à criança sonhar e fantasiar com
um mundo irreal.
Para ALMEIDA (1998), a melhor forma de con-
duzir a criança à atividade, à auto-expressão e à socia-
lização seria por meio dos jogos. Os jogos podem repre-
sentar simbolicamente o conjunto de realidades vividas
pela criança. Por meio da brincadeira a criança envolve-
se no jogo e sente a necessidade de partilhar com o outro. “Conduzir a criança à busca, ao domínio de um
Ainda que em postura de adversário, a parceria é um es- conhecimento mais abstrato misturando habilmente uma
tabelecimento de relação. Esta relação expõe as poten- parcela de trabalho (esforço) com uma boa dose de brin-
cialidades dos participantes, afeta as emoções e põe à cadeira transformaria o trabalho, o aprendizado, num jo-
prova as aptidões testando limites. A criança aprende as- go bem-sucedido, momento este em que a criança pode
sim a reconhecer certas características essenciais do jogo mergulhar plenamente sem se dar conta disso.” (ALMEI-
como o aspecto fictício (pois o corpo não desaparece de DA, 1998.)
verdade, trata-se de um faz-de-conta) a inversão dos pa-
péis, a repetição que mostra que a brincadeira não modi- Jogando a criança pode adquirir muitos conheci-
fica a realidade (já que se pode sempre voltar ao início) e mentos sem perceber o quanto se empenhará para isso.
com a necessidade de um acordo entre parceiros, mesmo A dedicação passa despercebida pela descontração do
que a criança não consiga aceitar uma recusa do parceiro momento de lazer, que na realidade é uma forma de edu-
em continuar brincando. cação.

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2. Espaços
“... Alice levantou num pulo, porque
constatou subtamente que nunca tinha vis-
to antes um coelho com bolso de colete,
nem com relógio para tirar de lá...”
A Criança no Espaço
O espaço arquitetônico tem seus próprios signifi-
cados culturais, psicológicos e emocionais. Para a criança
o espaço está relacionado as suas experiências, existente
na medida de suas relações afetivas. Segundo experiên-
cia realizada por LIMA (1989), as crianças têm os espaços
relacionados às vivências positivas superdimensionados
na forma de desenho. Dessa forma, crianças moradoras
de um mesmo prédio, representam seus apartamentos
variando número de aposentos e tamanho dos mesmos.

“O quarto da empregada, por exemplo, era geral-


mente pouco detalhado ou mesmo esquecido. Enquanto
para algumas a sala ocupava a maior parte da planta,
para outras era o seu próprio quarto o ambiente maior e
mais bem representado.” (LIMA, 1989.)

O espaço é um laboratório para o desenvolvi-


mento de um senso de liberdade, pois é no espaço físico
que a criança estabelece relação com o mundo e com
a sociedade. Quando a criança experimenta o espaço,
ela testa seus limites e associa o local às sensações vi-
venciadas.

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O Espaço da Criança

Figura 01 - 04: Espaço de aventuras SESC Itaquera

O espaço lúdico deve ser um lugar onde se é Em uma sociedade que se erigiu majoritariamente
convidado a participar, instigando o interesse em tocar, pelo trabalho e pelo valor atribuído a tal função, a im-
manipular, percorrer, escalar. Um jogo de relação, não portância do espaço era somente a produção econômica.
estabelecido, mas que é percebido como possível. O am- Devido às novas aspirações de indivíduos que buscavam
biente deve permitir o uso do corpo, os cinco sentidos, a um quadro de vida de mais qualidade e liberdade, é que
liberdade de escolha para brincar. Para ASSMANN (1998), surgiram os espaços para recreação. Eram considerados
o ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e não-produtivos os parques, praças e jardins, espaços de
inventividade; propiciar aquela dose de alucinação con- jogos e divertimento, assim como as áreas residuais ocio-
sensual entusiástica requerida para que o processo de sas, como os fundos de vales, as várzeas e os brejos, de
aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos. difícil exploração econômica. Nestas áreas, onde o custo
Porque a aprendizagem é, antes de tudo, um processo para a urbanização era muito alto, é que passaram a se
corporal e deve vir acompanhada da sensação de prazer, instalar clubes recreativos e esportivos.
que não é de modo algum, um aspecto secundário. A partir dos anos 60 começaram a ocorrer mudan-
ças sócio-culturais que reduziram as jornadas de trabalho
“Mas o espaço não é apenas o lugar da imagina- proporcionando mais tempo para o lazer. “Esses novos
ção poética: ele é também fruto de conhecimentos obje- valores fundam-se, não mais na tradição, na autoridade
tivos, lugar de relações vitais e sociais concretas, e deter- ou na religião, mas na busca da expressão pessoal, da
minados por elementos materiais que modificam a sua descoberta da subjetividade e do prazer, gerando novas
natureza e qualidade.” (LIMA, 1989.) relações entre os indivíduos, entre professores e alunos,

30
“espaço
O

lúdico
desempenha
Figura 05: Casa Cor Minas Gerais 2008 um papel muito
importante na
entre o homem e a natureza e, necessariamente, entre
o cidadão e a cidade.” (MIRANDA, 2001). A recreação
passou a ocupar um patamar mais alto no cotidiano da
vida infantil

sociedade e o espaço destinado a essas atividades mais
valorizado.
Não se pode falar em espaços lúdicos e não in- expressa. Tateando, descobrindo, fazendo e desfazendo,
cluir as crianças. O lugar destinado a brincadeiras tem enfim, criando novas relações, é nesse espaço que a cri-
de privilegiá-las, em qualquer idade, ultrapassando os ança experimenta a vida em grupo.” (ALMEIDA, 1992).
limites de qualquer atividade física, pois é uma função A relação da criança com o espaço lúdico é altamente
significante para qualquer espaço de brincar. A idéia de interativa, estimulante, e ela faz do jogo um dos seus ele-
espaço lúdico opõe-se aos espaços despersonalizados e mentos.
fisioterápicos do parquinho tradicional, e à monotonia Na concepção do projeto lúdico, as soluções de-
dos brinquedos sem interação. A proposta para o parque vem ser diferentes das convencionais, as instalações de-
lúdico necessita suscitar o desafio, buscar ruptura com vem ser um conjunto e ter uma referência, integrando-se
o cotidiano massificado, morno, consumista. Os equi- harmoniosamente ao entorno circundante, espaços estes
pamentos e instalações têm que despertar o interesse de com tratamento paisagístico. As instalações devem esti-
interação. mular a fantasia e a imaginação, permitir a livre expressão
“O espaço lúdico desempenha um papel muito de todo o vocabulário físico-corporal: correr, esconder,
importante na vida infantil, pois é nele que a criança se escorregar, subir, pular, equilibrar, entre outros.

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Espaço Escolar
O pátio escolar é um local para a criança se de-
senvolver e se socializar. O recreio é o momento de trocar
experiências com crianças de outras idades e de inventar
brincadeiras em grupos. Por isso é importante que a es-
cola tenha espaços para correr e praticar esportes. Até
mesmo a quantidade de brinquedos influencia o com-
portamento infantil, pois quanto mais opções, menos as
crianças brincam entre si ou diversificam a brincadeira.

“O espaço escolar não poderia ser outro: desin-


teressante, frio, padronizado e padronizador, na forma e
na organização das salas, fechando as crianças para o
mundo, policiando-as, disciplinando-as.” (LIMA, 1989.)

A própria sala de aula, que é um espaço destinado


inteiramente à aprendizagem, não apresenta característi-
cas lúdicas. É um ambiente sem nenhuma atratividade,
onde as atividades desenvolvidas pelas crianças são
obrigações que muitas vezes não despertam interesse em
aprender. O autoritarismo imposto na escola deveria ser
trocado pela livre expressão da atitude interdisciplinar. A
sala de aula se tornaria um lugar de brincar, conciliando
os desejos dos alunos aos objetivos pedagógicos.

“ O autoritarismo imposto na
escola deveria ser trocado pela livre expressão da

32
atitude interdisciplinar.

Playgrounds
Playground é uma palavra de origem inglesa que
significa terreno de recreação. É um espaço destinado
ao entretenimento de crianças, geralmente ao ar livre,
com o principal objetivo de estimular a atividade física.
Os pequenos playgrounds possuem brinquedos simples
como a gangorra, o balanço, o escorregador e tanque de
areia. Apresentam-se em escolas infantis, parques públi-
cos e clubes recreativos.
Antes do século XX, as crianças geralmente brin-
cavam nos quintais de suas casas, em áreas abertas e nas
ruas. Nos Estados Unidos, o movimento pela criação de
áreas abertas dedicadas especialmente à recreação in-


fantil começou em Boston, por um jornalista de Nova
Iorque, por volta da década de 1880. Ele pensava que espaço destinado
espaços abertos eram importantes nas grandes cidades,
que cresciam cada vez mais, muitas vezes descontrola- ao entretenimento
damente, e onde cada vez mais arranha-céus eram con-
struídos. Até então, as escolas não possuíam áreas abertas de crianças, geralmente
onde as crianças pudessem brincar. Em 1889, uma área
aberta equipada com uma pista de corrida e espaços para
ao ar livre, com o principal
jogos foi aberta em Boston, e dedicada para garotos. Dois objetivo de estimular a


anos depois, esta área foi expandida, onde foi adicionado
uma seção exclusiva para garotas. Na virada do século, a atividade física.
cidade tinha cerca de vinte e uma áreas abertas dedica-
das especialmente para pequenas crianças, e logo outras
cidades nos Estados Unidos e no Canadá seguiram o ex- criado em Chicago o primeiro Hull House: área para
emplo de Boston. jogos, aparelhos de ginástica e caixa de areia. No Bra-
A idéia de incorporar brinquedos aos play- sil, a criação de praças públicas iniciou-se em 1927, no
grounds foi levada aos Estados Unidos em 1885, pela Rio Grande do Sul com o Professor Frederico Guilherme
médica americana Marie Zakrewska, do modelo de Gaelzer. O evento chamava “Ato de Bronze”, onde foram
Parque Infantil criado pelo alemão Emil Hartwight. improvisadas as mais rudimentares aparelhagens. Pneus
Nesse mesmo ano foi implantado em Boston o primeiro velhos amarrados em árvores construíam um excelente
tanque de areia chamado de sandgarden e em 1892 foi equipamento de recreação para a garotada.*

* Para saber mais sobre playgrounds consultar: (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Playground>).


33
Palavras – conceitos
segurança cheiros

formas medo domínio


sons

habilidades sensações emoções

liberdade área livre

aprendizagem descobertas aventuras

sobra

imaginação LUDICIDADE espaço

jogo brincadeira construção

interatividade

invenção diversão planejamento

socialização
experiência plenitude pátio

físico desenvolvimento playground

motricidade

34
2
Brinquedos, Brincadeira
e Atividade Lúdica
Simone Stival, Catarina Moro e Joseth Jardim Martins

Licenciatura em Pedagogia
2.1
Teorias do Jogo:
Brinquedos, Brincadeira e
Atividade Lúdica
Simone Stival, Catarina Moro e Joseth Jardim Martins

Licenciatura em Pedagogia

STIVAL, Simone; MORO, Catarina; MARTINS, Joseth Jardim. Unidade I. Teorias


do Jogo: Brinquedos, Brincadeira e Atividade Lúdica. In: Ludicidade e
Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Curitiba, 2010. p.17-30 -- (Coleção UAB-UFPR)
UNIDADE

1
TEORIAS DO JOGO: BRINQUEDOS,
BRINCADEIRAS E ATIVIDADES LÚDICAS
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

1 TEORIAS DO JOGO: BRINQUEDOS, BRINCADEIRAS E ATIVIDADES LÚDICAS

FONTE: AUTOR DESCONHECIDO.

CONVERSA INICIAL

E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas


e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais,
entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos,
nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas (...)
(Ferreira Gullar).

O pensamento em destaque desvela um interesse particular, o de chamar a


atenção do leitor para a extraordinária experiência da vida, para a necessária
disponibilidade em compreender a relação existente entre as diferentes situações
vivenciadas e a formação humana, que se complementa a cada momento, a cada dia.

Em outros termos, e como diz uma certa música, “cada um de nós compõe a sua
história (...)”. Daí a importância de estarmos implicados com e pela vida, com a nossa
história, e com a história da humanidade, mas para aceder aos fatos é preciso vontade,
determinação, interesse e motivação. Nesse sentido, tomar conhecimento do saber
historicamente construído é um exercício de revisita a si mesmo, já que, ao inteirarmo-
nos das ocorrências do passado, é possível compreendermos suas implicações no
processo de desenvolvimento do ser humano na atualidade.

A temática referente à primeira unidade desse livro de estudos pode sugerir

17
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

algo enfadonho e chato, dada a presença da palavra teorias no título. Não obstante,
com o propósito de convidar o leitor para uma viagem pelas trilhas do pensamento de
alguns dos autores que trouxeram suas contribuições para a importância do jogo no
processo de desenvolvimento infantil, a respectiva unidade foi organizada de modo a
favorecer-lhe uma compreensão mais acurada das implicações do jogo infantil em
relação ao momento histórico e cultural em que este se evidencia e vem se
fortalecendo na atualidade.

Entendemos que compreender um conceito apenas com base em sua


apresentação final configura-se numa atitude descompromissada ante os
acontecimentos que coroaram seu surgimento. Por essa razão, pretende-se
contextualizar aspectos que consideramos importantes em termos conceituais e
terminológicos, relativamente aos referenciais teóricos que os representam.

Compreendemos que essa revisita histórica tende a tornar o conteúdo a ser


estudado mais interessante e “vivo”, principalmente pela possibilidade de
entendermos a emergência das circunstâncias que resultaram em sua origem.
Defendemos a premissa de que um corpo teórico pode configurar-se numa malha de
novos conhecimentos, na medida em que nos empenhamos em entender as tramas e
os pontos que figuram em sua produção. Nesses termos, a teoria precisa ser
assimilada também em função do momento histórico em que foi construída,
notadamente porque são as circunstâncias relativas aos fatos que endossam a
necessidade de sua elaboração.

A citação de Maugham, a seguir, nos alerta, mais uma vez, sobre a importância
de compreendermos a grandeza da dimensão humana por meio de outros domínios de
conhecimento, como a arte, a música, o cinema, a literatura, o lúdico... Desejamos que
essa primeira unidade seja instigante e oportunize ao leitor compreender as tramas na
rede de conhecimentos relativos ao tema.

Os homens não são somente eles; são também a região onde


nasceram, a fazenda ou o apartamento da cidade onde aprenderam a
andar, os brinquedos com que brincaram em criança, as lendas que
ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas
que frequentaram, os esportes em que se exercitaram, os poetas que
leram e o Deus em que acreditaram. Todas essas coisas fizeram deles o
que são, e essas coisas ninguém pode conhecê-las somente por ouvir
dizer, e sim se as tiver sentido. Só pode conhecê-las quem é parte
delas (MAUGHAM, 2003, p. 6-7).

18
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Você já havia analisado o processo de desenvolvimento humano sob essa perspectiva,


ou seja, pensar o quanto uma somatória de pequenas experiências estão implicadas
nesse processo? Importa considerar que, muitas vezes, a literatura, a arte, o cinema, a
música e tantas outras formas de expressão se articulam em termos de conceber o
humano. Nesses termos, tanto o pensamento de Gullar quanto o posicionamento de
Maugham oferecem elementos de aproximação com referenciais teóricos desenvolvidos
neste livro de estudo. Você, depois, poderá aprofundar a pesquisa sobre sociologia da
infância ou sobre Psicologia Histórico-Cultural, por exemplo, a partir dos elementos
iniciais encontrados aqui.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA

1.1 JOGO, BRINQUEDO, BRINCADEIRA E ATIVIDADES LÚDICAS: DIFERENTES


TERMINOLOGIAS E CONCEITUAÇÕES

O jogo e/ou brincadeira é uma das formas mais comuns de comportamento


durante a infância, convertendo-se numa área de grande interesse para os
pesquisadores nos diferentes domínios do conhecimento, como a filosofia (por meio de
discussões filosóficas oportunizadas pelo jogo, a criança pode concretizar sua
educação ética-moral), psicologia (o uso do jogo para a compreensão do
funcionamento psíquico, a cognição, as emoções e afetos), educação (contributos do
jogo para a aquisição de novos conhecimentos), antropologia (as implicações da
atividade lúdica em cada sociedade, os costumes e a história das culturas), sociologia
(influência do contexto social no qual as crianças brincam) e saúde (a influência dos
jogos e brincadeiras no tratamento de crianças hospitalizadas), entre outros. Dentre
alguns desses estudos, podemos destacar o trabalho de Huizinga (1996), que, em sua
obra Homo Ludens, ressalta o significado do jogo na vida do indivíduo e na formação da
cultura.

No jogo existe alguma coisa 'em jogo' que transcende as necessidades


imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa
alguma coisa (...). Seja qual for a maneira como o considerem, o
simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um
elemento não material em sua própria essência (HUIZINGA, 1996, p.
4).

O autor ressalta que todo jogo tem um significado, e por isso não se limitaria
apenas a uma condição instintivamente predeterminada para acontecer. É justamente
essa particularidade que faz com que o jogo esteja imbuído de um sentido ou de algo

19
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

que o torne particularmente especial.

Importa esclarecer que, embora o comportamento lúdico configure-se numa


atividade fácil de identificar, é de difícil conceituação. Jogo, brinquedo, brincadeira,
atividade lúdica, terminologias cuja conceituação implica uma série de considerações,
notadamente porque, do ponto de vista cultural, o que pode ser compreendido como
jogo em uma determinada cultura pode ter diferente significação em outra.

De acordo com o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009, p. 329), a palavra


brinquedo significa: “Objeto que serve para as crianças brincarem. Divertimento,
passatempo, brincadeira”. O termo brincadeira, por sua vez, é definido como “ato ou
efeito de brincar, brinco. Divertimento, sobretudo entre crianças, brinquedo, jogo.
Passatempo, entretimento, entretenimento, divertimento” (FERREIRA, p. 329). Já a
expressão jogo é conceituada como “atividade física ou mental organizada por um
sistema de regras que definem a perda ou o ganho. Brinquedo, passatempo,
divertimento” (FERREIRA, p. 1158). Etimologicamente, a palavra jogo, em latim
'iocus', significa diversão, brincadeira. À primeira vista, esse significado pode soar
como preciso, objetivo e de fácil compreensão. No entanto, não é tão simples, uma vez
que na própria literatura referente ao tema ele apresenta significados bem diferentes,
que podem ir desde a manipulação/inspeção de objetos até atividades mais
elaboradas, que exijam um maior número de habilidades.

Dada a polissemia relacionada às terminologias citadas, constata-se que elas


são empregadas de modo a provocar imprecisão no uso dos termos, posto que existe
uma variedade de jogos conhecidos que podem ser considerados como brincadeiras e,
muitas vezes, brinquedo também é usado para denominar uma brincadeira, além de
ser utilizado para dar nome a um objeto da brincadeira.

Wajskop (1995) concorda com esse posicionamento, ao afirmar que são várias
as dificuldades que existem com relação à definição e caracterização da brincadeira.
Entretanto é certo que a brincadeira assume um papel fundamental na infância: numa
concepção sociocultural, a brincadeira mostra como a criança interpreta e assimila o
mundo, os objetos, a cultura, as relações e os afetos das pessoas, sendo um espaço
característico da infância.

Nessa linha de raciocínio, Kishimoto (1995) assinala que a variedade de


fenômenos que são considerados jogo expressa, por sua vez, a complexidade da tarefa
de defini-lo. Como bem demonstrado por Josetxu (citado por ELKONIN, 1998), em
relação ao jogo existem muitas modalidades, categorias e subdivisões: fala-se de jogo
imaginativo, imaginativo individual ou social, 'jogo turbulento e desordenado', jogo

20
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

simbólico, jogo cooperativo, jogo de ficção, jogo sociodramático, jogo criativo, jogo de
representação de papéis etc. (ELKONIN, 1998, p. IX).

Em geral encontramos um rol enorme de adjetivações aos jogos: de faz de


conta, simbólicos, com regras, motores, sensório-motores, de construção, intelectuais
ou cognitivos, individuais ou coletivos, metafóricos, verbais, de palavras, políticos, de
adultos, de crianças, de salão e uma infinidade de outras, mostrando a multiplicidade
de fenômenos incluídos na categoria 'jogo' e que cada um joga à sua maneira, pois tais
jogos, embora possam receber a mesma denominação, têm cada qual especificidades
dentro do contexto sociocultural em que estão inseridos (KISHIMOTO, 1996).

Leia o texto abaixo, de Roseanna Murray:

O menino brinca de pirata


Sua espada é de ouro e sua roupa de prata
Atravessa os sete mares
em busca do grande tesouro
seu navio tem setecentas velas de pano
e é o terror do oceano
mas o tempo passa e ele se cansa
de ser pirata
e vira outra vez menino.

A partir dessa leitura, reflita sobre a importância do papel do professor diante das várias
modalidades do brincar, ou seja, o que é preciso considerar para que diferentes
categorias do brincar façam parte do cotidiano escolar.

Seguindo a linha de raciocínio de Kishimoto, é possível considerarmos o fato de


que o brincar oferece e exige aprendizados, e estes estão imbricados com as condições
de vida da criança, posto que, desde o início de sua vida, sua ação sobre o mundo é
determinada pelo contexto social em que vive e pelos objetos nele contidos. Por essa
razão, a utilização, manipulação, operacionalização e compreensão do brinquedo são
condições estreitamente vinculadas à cultura da qual faz parte. Pensando nisso,
podemos analisar a utilização de um chocalho por crianças de outra etnia, como, por
exemplo, uma criança indígena, em contraposição a uma criança da cultura urbana.
Obviamente, em função das condições culturais às quais estejam submetidas, a
interação com o objeto tende a ser diferente. As crianças aprendem a jogar e/ou
brincar dentro de um processo histórico construído, onde assimilam formas de brincar
por meio do contato com os outros membros de sua cultura, e suas brincadeiras são
determinadas pelos hábitos, valores e conhecimento de seu grupo social.
21
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

De acordo com Bomtempo (1986), as diversas terminologias empregadas para


designar o jogo podem determinar os pressupostos das várias teorias existentes sobre
ele. Segundo essa autora, algumas características e critérios embasam as formulações
teóricas sobre o jogo, quer o brinquedo seja abordado numa perspectiva clássica, quer
numa evolucionista, psicodinâmica, social, etológica, comportamental ou estrutural
genética.

Em relação à variedade de expressões que referem o jogo, consideramos


necessário esclarecer que, nas unidades deste livro de estudos, empregar-se-á cada
terminologia do seguinte modo:

Ÿ Brinquedo será entendido como objeto que serve para as crianças


brincarem, jogarem; como suporte material para a brincadeira. Um
objeto qualquer adquire tal estatuto (de brinquedo) ao ser utilizado pela
criança durante o brincar, ou seja, torna-se um brinquedo quando
desfruta de uma função ou de um sentido lúdico. Cabe considerar que o
termo brinquedo, quando trazido no presente texto na perspectiva
histórico-cultural, também irá denotar o mesmo significado de jogo e de
brincadeira, ou seja, o de atividade lúdica em si.
Ÿ Brincadeira será entendida como a atividade lúdica, em qualquer tipo
e/ou modalidade na qual o brincar possa acontecer (simbólica, com
regras, de construção e de exercício, entre outras). Será considerada
sinônima de jogo. Assim, a utilização do termo jogo deve estar associada
à descrição de uma atividade lúdica, que se operacionaliza em correlação
ao contexto em que for utilizada.

Chamamos a atenção para o fato de que, embora existam diferentes terminologias


empregadas para a designação do que seja jogo, importa compreendermos que sua
utilização e conceituação estão estreitamente relacionadas a uma determinada
concepção teórica. Por essa razão, sugerimos que, ao proceder a leituras sobre a
temática em questão, procure informar-se a respeito da concepção de jogo que as
orienta.

1.2 BREVE INCURSÃO EM ALGUMAS TEORIAS QUE ABORDAM O JOGO INFANTIL

Você aprende mais sobre uma pessoa em uma hora de


brincadeira do que em uma vida inteira de conversação.
(Platão)

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

São inúmeras as teorias que destacam a importância do brincar, da atividade


lúdica como fenômeno essencial na vida infantil e no desenvolvimento e aprendizagem
das mais variadas habilidades do ser humano. Ao se considerar o fato de que, desde o
nascimento e no decorrer de toda a infância, a criança demonstra indícios de um
relacionamento estreito entre o mundo físico e social, pode-se supor o quanto essa
inter-relação com o brinquedo tende a possibilitar-lhe recursos para construir, à sua
maneira, o próprio conhecimento da realidade na qual está inserida, distinguindo-se
enquanto indivíduo único entre outros indivíduos.

Existe uma variação muito grande quanto às características atribuídas aos


jogos, podendo ser encontradas abordagens como as psicodinâmicas, em que o jogo é
visto como atividade de prazer, espontânea e voluntária. Vigotski (1991), ao contrário,
referiu-se ao fato de que uma característica fundamental do jogo é não somente
prazer, mas também desprazer. Para esse autor, existem casos em que há esforço e
desprazer na busca do objetivo da brincadeira. Caillois (citado por KISHIMOTO, 2003),
como Vigotski (1991), destaca que existe no jogo uma natureza improdutiva, que o
caracteriza, entendendo que o jogo, por ser uma ação voluntária da criança, um fim em
si mesmo, não pode criar nada, não visa a um resultado final, o que importa é o
processo em si de brincar que a criança se impõe (KISHIMOTO, 2003, p. 4).

De acordo com Kishimoto (2003), Huizinga demonstra afinidade com Caillois


no modo de caracterizar o jogo, descrevendo-o como elemento de cultura. Aponta as
características relacionadas aos aspectos sociais: o prazer demonstrado pelo jogador,
o caráter “não-sério” da ação, a liberdade do jogo e sua separação dos fenômenos do
cotidiano, a existência de regras, o caráter fictício ou representativo e a limitação do
jogo no tempo e no espaço. A ideia de natureza livre, na concepção de Caillois, se
refere à condição de atividade voluntária, ou seja, não se pode impor que uma criança,
jovem ou adulto jogue: só é jogo quando a ação voluntária do ser humano está
presente.

A inserção da criança no mundo imaginário, através da brincadeira, também foi


um fato mencionado por esse historiador, que acrescentou tais contribuições para
estudos posteriores acerca do papel do jogo na construção da representação mental e
da realidade.

Benjamin (1984), ao escrever sobre o jogo, tece importantes reflexões sobre a


atividade lúdica, considerando o seu aspecto cultural. Nesse sentido, brinquedo e
brincar estão associados, o que torna possível, por exemplo, o modo como o adulto se
coloca em relação ao mundo da criança.

23
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Segundo Vigotski (1991), a influência do brinquedo no desenvolvimento de


uma criança é enorme. O brinquedo não age por si só, ou seja, é preciso a criança
interagir com ele, explorá-lo, experimentá-lo, identificá-lo à sua maneira, para que
esse jogo lhe proporcione algum tipo de significado. Nas palavras de Vigotski:

no brinquedo, espontaneamente, a criança usa sua capacidade de


separar significado do objeto sem saber o que está fazendo, da mesma
forma que ela não sabe estar falando em prosa, e, no entanto, fala sem
prestar atenção às palavras. Dessa forma, através do brinquedo, a
criança atinge uma definição funcional de conceitos ou de objetos, e as
palavras passam a se tornar parte de algo concreto (VIGOTSKI, 1991,
p. 113).

Autores da abordagem histórico-cultural discutem mais as influências do jogo


simbólico no desenvolvimento humano. Decorrente disso, enfatiza-se o entendimento
dos jogos como condutas que imitam ações reais, e não apenas como ações sobre
objetos substitutos. A atividade propriamente simbólica implica que os objetos façam
parte do plano imaginário e sejam evocados mais por gestos que palavras
(KISHIMOTO, 2003, p. 42).

Constata-se, aqui, uma forte tendência em se relacionar o jogo a uma


intervenção ativa representante de uma experiência anterior, e não simplesmente uma
manipulação de um objeto (brinquedo), sem a possibilidade de referendar algo que lhe
dê significado, ou seja, a imitação de uma situação real. Vigotski (1991) valoriza o
fator social, mostrando que no jogo de papéis a criança cria uma situação imaginária,
incorporando elementos do contexto cultural adquiridos por meio da interação e
comunicação.

Elkonin (1998), ao comungar com as ideias de Vigotski, em termos da relação


jogo x imaginação, afirma:

De minhas leituras sobre o tema, extraí a conclusão de que o jogo é


entendido, por um lado, como a manifestação de uma imaginação já
desenvolvida, e por outro, de maneira naturalista... Também estranhei
que aparecesse tão prematuramente a função imaginativa, que é uma
das mais complexas (ELKONIN, 1998, p. 3).

O autor faz referência ao jogo como um recurso que possibilita o surgimento da


imaginação. Ou seja, ao considerá-la como uma função de natureza complexa, de
certo modo não admite a possibilidade de ela acontecer num processo anterior ao jogo.
A figura abaixo ilustra a ideia expressa pelo autor, ou seja, ao brincar, a criança
representa uma pessoa lendo um livro de histórias para “crianças”.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

FONTE: ACERVO PESSOAL DE MARTINS (2003).

Piaget (1975), ao levar a efeito, como princípio básico, a noção de equilibração


como mecanismo adaptativo da espécie, admite a predominância na brincadeira de
assimilação sobre acomodação. Os postulados desse autor sobre o jogo relacionam-se
com teorias que discutem os processos internos relacionados com o comportamento
lúdico. De acordo com Piaget (1975), no decorrer do desenvolvimento infantil, existem
três sucessivos sistemas de jogo: de exercício, simbólico e de regras.

Para esse autor, os jogos de exercício surgem no decorrer dos primeiros 18


meses de vida e envolvem a repetição de sequências já elaboradas de ações e
manipulações.

Os jogos simbólicos surgem no decorrer do segundo ano de vida, com o


aparecimento da representação e da linguagem.

Tais jogos são, sem dúvida, os mais interessantes que a observação


fornece no domínio de construção simbólica, intencional da criança.
Situam-se, gradativamente, entre a simples transposição da vida real,
no plano inferior, e a invenção de seres imaginários sem modelo
atributivo, no plano superior; contudo, todos eles reúnem, embora de
acordo com dosagens variáveis, elementos de imitação e elementos
de assimilação deformante (PIAGET, 1975, p. 169).

A criança atua intencionalmente, alterando o significado de objetos e coisas,


ressignificando-os, e, desse modo, assegura novos elementos à atividade lúdica.
Kishimoto (2003) acentua que, numa perspectiva piagetiana, a brincadeira de faz de

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PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

conta é, inicialmente, uma atividade solitária envolvendo o uso idiossincrático de


símbolos. Nesse sentido, brincadeiras sociodramáticas, que utilizam símbolos
coletivos, aparecerão somente no terceiro ano de vida. Com o aparecimento do jogo
simbólico, a criança ultrapassa a simples satisfação da manipulação. Ela vai assimilar a
realidade externa ao seu eu, fazendo distorções ou transposições. Da mesma forma, o
jogo simbólico é usado para encontrar satisfação fantasiosa por meio de compensação,
superação de conflitos e preenchimento de desejos (KISHIMOTO, 2003, p. 40).

De acordo com Piaget (1975), os jogos de regras determinam a transição da


atividade individual para a socializada, e sua predominância compreende o período dos
7 aos 11 anos de idade.

A despeito do grande valor atribuído aos jogos, não apenas pelo interesse que
universalmente despertam nas crianças, mas também, e principalmente, pela alegria
que elas manifestam ao jogar, pode-se supor o quanto o jogo é indicativo de boa
saúde, o quanto, estando a criança imersa no jogo, ele pode oferecer importantes em
termos de recursos para se entender o seu funcionamento psíquico. Como assinala
Bettelheim (1990), através de uma brincadeira de criança podemos compreender
como ela vê e constrói o mundo – o que ela gostaria que ele fosse, quais as suas
preocupações e que problemas a estão assediando. Pela brincadeira, ela expressa o
que teria dificuldade para colocar em palavras.

1.3 ASPECTOS HISTÓRICOS ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE BRINQUEDO E JOGO


EDUCATIVO

O homem não é completo senão quando joga.


(Schiller)

Ao nos reportarmos à história, é possível encontrar na literatura informações


interessantíssimas sobre o envolvimento da criança com o jogo, ou seja, as crianças
sempre brincaram, realizaram atividades lúdicas, como forma de diversão, recreação.
Desde épocas mais antigas, elas brincam e procuram decifrar o mundo através de
adivinhas, jogos com bolas, arcos, cordas e bonecos. Jogos de demolir e construir,
rolar aros, cirandas, pular obstáculos são exemplos de brincadeiras existentes desde a
Antiguidade (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 1992).

Sarat (citado por BRANCHER, 2010, p. 5) refere sobre resultados de pesquisas


que apontam registros em indícios de escavações arqueológicas onde foram
encontrados materiais, resquícios de brinquedos, objetos, miniaturas de bonecas, a
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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

indicar a presença da criança e um espaço próprio dela no seu meio social.

Huizinga (1996), ao recapitular a história do brinquedo, evidencia a Alemanha


como um dos principais centros de produção de brinquedos, que não foram, em seus
primórdios, invenções de fabricantes especializados. Antes do século XIX, a produção
de brinquedos era praticamente artesanal, fabricados por indústrias manufatureiras,
entalhadores de madeira e fundidores de estanho.

Com o avanço da industrialização, o brinquedo passa a apresentar-se com


características distintas: antes, minúsculos, exigiam a presença da mãe; depois,
maiores, se emancipam, contudo se tornam distantes e estranhos tanto à criança
como a seus pais. Aqui, instala-se um verdadeiro paradoxo: por um lado, a criança,
que, por si mesma, pode encontrar em objetos simples, como madeira, pedra e papel,
a possibilidade de embrenhar-se no lúdico e realizar construções. Por outro lado, o
adulto, que, ao selecionar determinados materiais para a fabricação do brinquedo, o
faz, como diz Benjamin (1984), interpretando a seu modo a sensibilidade infantil.

E ao imaginar para crianças bonecas de bétula ou de palha, um berço


de vidro ou navios estranhos, os adultos estão na verdade
interpretando a seu modo a sensibilidade infantil. Madeira, ossos,
tecidos, argila, representam nesse microcosmo os materiais mais
importantes. Todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais,
quando o brinquedo significava ainda a peça do processo de produção
que ligava pais e filhos. Mais tarde vieram os metais, vidro, papel e
mesmo o alabastro. As bonecas apenas possuíam o peito de alabastro,
celebrado pelos poetas do século XVII, e quase sempre tiveram de
pagar esse luxo com sua frágil existência (BENJAMIN, 1984, p. 69).

As demonstrações feitas pelo autor acerca da história do brinquedo indicam


que, desde sua origem, o brinquedo sempre foi um objeto criado pelo adulto para a
criança.

De um modo geral, os autores que se dedicaram a estudar as características do


jogo destacaram pontos comuns entre seus elementos constituintes. Dentre esses
pontos, podemos destacar:

(...) a liberdade de ação do jogador ou o caráter voluntário e episódico


da ação lúdica, o prazer (ou desprazer), o “não-sério”, ou o efeito
positivo, as regras (implícitas ou explícitas), a relevância do processo
de brincar (o caráter improdutivo), a incerteza de seus resultados, a
não literalidade ou a representação da realidade, a imaginação e a
contextualização no tempo e no espaço (KISHIMOTO, 2003, p. 7).

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TABULEIRO DA ANTIGUIDADE GREGA.

A relação da criança com o brinquedo, desde épocas antigas, possibilita o


desenvolvimento de inúmeros estudos acerca das especificidades tanto do objeto
(brinquedo), suas características e utilização, quanto da atividade lúdica em si. Se
atentarmos, por exemplo, para o surgimento dos primeiros brinquedos, como os
bonecos, iremos nos deparar com situações muito curiosas a respeito de sua
confecção.

Essa breve introdução sobre a relação da criança com o brinquedo desde


épocas antigas leva-nos a compreender que a brincadeira teve, desde tempos
remotos, uma influência grande na vida da criança, contribuindo até para demarcar
seu lugar social naquele momento. Por outro lado, é possível inferir, ainda, que, ao
brincar, a criança recria e interpreta o mundo em que vive e relaciona-se com ele.

No que diz respeito à importância do jogo como coadjuvante no processo


educacional, Kishimoto (1995) situa na antiga Roma e na Grécia o nascimento das
primeiras reflexões em torno dessa questão. A autora refere ainda que Platão, em Les
Lois (1948), comenta sobre a importância de se aprender brincando, em oposição à
utilização da violência e da opressão. Aristóteles, ao defender o uso do jogo, sugere,
para a educação de crianças pequenas, jogos que imitem atividades sérias, de
ocupações adultas, como forma de preparo para a vida futura. Importa esclarecer, no
entanto, que, nessa época, ainda não se discutia o emprego do jogo como recurso para
o ensino da leitura e do cálculo. Por outro lado, é possível constatar, entre os romanos,
a utilização de jogos destinados ao preparo físico, ou seja, com a finalidade de formar
soldados e cidadãos obedientes e devotos. A influência grega leva às escolas romanas
nova concepção sobre a atividade lúdica, acrescentando à cultura física a formação

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estética e espiritual. Desse modo, o jogo infantil, na antiguidade greco-romana, surge


como recreação, como relaxamento necessário às atividades que, de alguma maneira,
exigem esforço físico, escolar e intelectual.

A literatura pertinente ao assunto evidencia o fato de a utilização do jogo na


Educação ter como precursor Froebel (1782–1852), sobretudo ao se pensar na
educação que precedia a escolaridade obrigatória das crianças. Um dos principais
argumentos defendidos por esse autor a respeito do uso de jogos para educar crianças
parte da ideia de que a criança desperta suas faculdades próprias mediante estímulos
especiais, diferenciados. Em outros termos, Froebel defende uma ação institucional
baseada no brincar, norteada pelo seguinte pressuposto:

Manipulando e brincando com materiais como bola, cubo e cilindro,


montando e desmontando cubos, a criança estabelece relações
matemáticas e adquire noções primárias de física e metafísica, além
de desenvolver noções estéticas (KISHIMOTO, 1996, p. 16).

Os estudos de Froebel centraram-se na evolução natural da criança, na ideia de


que o desenvolvimento infantil ocorre de forma integrada a partir de atividades
espontâneas que são primordiais e construtivas para o crescimento físico, mental e
moral.

De acordo com Nallin (2005), a Companhia de Jesus (fundada por Inácio de


Loyola, em 1540) organizou um plano de estudos chamado de Ratio Studiorum,
aprovado em 1599. Nesse documento, estão contemplados exercícios de caráter
lúdico, além de uma série de regras ou diretrizes práticas que tratam de assuntos como
a direção geral do colégio, a formação e a distribuição de professores, os programas ou
os métodos de ensino. Nesses termos, o jogo educativo passou a ser um recurso
auxiliar de ensino, vindo a se expandir a partir de então.

O século XX continua a demarcar a importância dos jogos na educação, e um


dos principais representantes dessa concepção foi John Dewey. Além de Dewey,
Claparède destaca-se por defender o jogo do ponto de vista pedagógico, ao acreditar
que essa atividade desempenha importante papel no processo de
autodesenvolvimento, instaurando-se como método natural de educação e se
convertendo em instrumento de desenvolvimento. Outro teórico dedicado à defesa da
utilização do jogo no processo educacional foi Celestin Freinet, ao postular que toda
adaptação procede por ensaio e erro, sendo que as formas de brincar exercem papel
importante. Norteado por uma concepção apriorista, sugere que o jogo é uma
atividade natural que funciona como uma espécie de descarga de prazer resultante de
uma atividade realizada de forma comprometida e autêntica.
29
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Esse breve apanhado histórico sobre a valorização do jogo no espaço educativo


denota que há muito esse tipo de atividade domina o pensamento de autores
interessados em tê-la presente no espaço escolar, sobretudo em função da grande
variedade de habilidades possíveis de serem desenvolvidas a partir de sua utilização.
Se considerarmos o fato de, na atualidade, as circunstâncias que envolvem o brincar
terem se restringido, e o tempo espontâneo, do imprevisível, da aventura, do risco, do
confronto com o espaço físico natural, ter dado lugar ao tempo organizado, planejado,
uniformizado, faz-se necessário reconhecermos sua necessidade e manutenção no
âmbito da instituição educacional.

Dos conteúdos trazidos nesta primeira unidade, destaque aqueles que você
julgou mais relevantes para uma ideia geral da temática que envolve o brincar
infantil e produza uma listagem de tópicos. Reveja cada um e verifique se houve
uma boa compreensão de cada um deles.

30
2.2
Desenvolvimento e
Aprendizagem Infantil e a
Relação com a
Ludicidade
Simone Stival, Catarina Moro e Joseth Jardim Martins

Licenciatura em Pedagogia

STIVAL, Simone; MORO, Catarina; MARTINS, Joseth Jardim. Unidade II.


Desenvolvimento e Aprendizagem Infantil e a Relação com a Ludicidade. In:
Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Curitiba, 2010. p.18-49 -- (Coleção UAB-UFPR)
UNIDADE

2
DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

INFANTIL E A RELAÇÃO COM A LUDICIDADE


Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

2 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM INFANTIL E A RELAÇÃO COM A


LUDICIDADE

CONVERSA INICIAL

O brincar tem um lugar e um tempo...


Para dominar o que está fora, é preciso fazer coisas,
não só pensar ou desejar, e fazer coisas leva tempo.
Brincar é fazer.
(WINNICOTT)

Nesta unidade, nossa intenção é propor o estudo do brincar, da ludicidade,


especificamente em relação à aprendizagem e ao desenvolvimento infantis,
defendendo um entendimento maior sobre as diversas contribuições do brincar na
formação das crianças. Ou seja, entender o que as crianças aprendem por meio do
brincar. Para isso, o referencial teórico escolhido traz as contribuições da Psicologia
Histórico-Cultural e da Sociologia da Pequena Infância, buscando articular a concepção
de infância com o brincar como caráter fundamental das crianças como grupo
geracional. A discussão maior se faz em torno do brincar de faz de conta, por ser
considerada pela abordagem psicológica em questão a modalidade por intermédio da
qual ocorrem as principais mudanças e conquistas em termos psíquicos nas criança,
em especial no período que vai até os 7 anos de idade, perfazendo várias etapas da
Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. A partir desse período, o
jogo de regras passa a exercer uma contribuição importante em termos do
desenvolvimento do pensamento, motivo pelo qual também discutiremos alguns
aspectos a ele referentes. Destacamos a relação entre o faz de conta e a linguagem
escrita, e as observações para que haja continuidade entre esses processos.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA

2.1 A VISÃO DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E DA SOCIOLOGIA DA PEQUENA


INFÂNCIA

A maturidade do homem significa


ter adquirido novamente a seriedade que tinha
como criança, quando brincava.
(Nietzsche)

33
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

De acordo com Leontiev (1978), parceiro de Vigotski na autoria do legado


histórico-cultural para a psicologia, a idade pré-escolar é o período da vida em que se
abre pouco a pouco à criança o mundo da atividade humana que a rodeia. O que
significa dizer que estará a criança mais diretamente interessada não apenas no modo
de ação que o adulto estabelece com os objetos, mas também na variedade de
relações que são mantidas entre as pessoas a sua volta. Nesse sentido, através de sua
atividade e mais especificamente pelos seus jogos, a criança tende a penetrar num
mundo mais vasto, apropriando-se dele de modo ativo.

Desse modo, inicia-se um processo no qual a criança apropria-se do mundo


concreto como mundo de objetos com o qual irá reproduzir as ações essencialmente
humanas. Leontiev (1988) argumenta que, para a criança nesse período de
desenvolvimento, não há ainda atividade teórica abstrata, e a consciência das coisas,
por conseguinte, emerge nela, primeiramente, sob forma de ação. Podemos dizer que
as ações da criança tornam-se imprescindíveis no processo de desenvolvimento de seu
psiquismo.

Importa observar que, para esse autor, no decorrer do período pré-escolar, o


mundo dos homens que rodeia a criança divide-se em dois círculos:

1) O que compreende os seus íntimos: a mãe, o pai ou aqueles que ocupam o seu
lugar junto da criança. As suas relações com eles irão determinar as suas relações
com o resto do mundo.

2) O que constitui-se por todas as outras pessoas: as relações da criança com essas

outras pessoas são mediatizadas pelas relações estabelecidas no primeiro

círculo, quer a criança seja ou não educada na sua família.

Cumpre observar que os efeitos do estabelecimento das primeiras relações no


círculo mais íntimo possibilitam que a criança desenvolva o que chamaríamos de
"matrizes primárias", para posteriores processos de relacionamento. Essas matrizes
tornar-se-ão unidades de direção quando a criança vivenciar experiências que exijam
uma amplitude em suas relações, como é o caso da entrada na escola. Isso quer dizer
que, embora seu modo de vida se modifique profundamente, psicologicamente a
atividade da criança permanece, em seus traços principais, a mesma que antes.

Para Mukhina (1996), as crianças, ao longo dos primeiros 7 anos de vida,


realizam ações de comunicação, ações com objetos e ações por meio do jogo

34
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

dramático. Para fazer referência a essa tipologia de jogo, há uma pluralidade de termos
sendo utilizada, seja por autores da abordagem histórico-cultural, seja por autores de
outras abordagens. Outros termos utilizados: jogo dramático, simbólico, de faz de
conta, protagonizado, de papéis, de simulação. No presente texto, será comum o uso
de vários deles, sem distinção. Os interesses da criança vão se transferindo de um tipo
de ação para outro. Para essa autora, uma educação formativa condiz com a
contribuição para o desenvolvimento psíquico da criança, indo ao encontro das suas
necessidades. Assim, “tem como propósito principal desenvolver na criança as ações
orientadoras, utilizando ao máximo os tipos de atividade infantil que caracterizam
cada idade” (MUKHINA, 1996, p. 55).

1. Mukhina utiliza a expressão “ensino formativo”. Aqui, contudo, preferiu-se


utilizar “educação formativa”, em decorrência das muitas discussões acerca do tipo de
intervenção educativa que deve pautar o trabalho com a criança de até 6 anos de idade,
levando especialmente em consideração as discussões sobre a Pedagogia da Infância.

Juntamente com as atividades do jogo dramático, na idade pré-escolar, a


criança realiza outras, como desenho, recorte, colagem e construção, consideradas
por Mukhina como sendo de “tipo produtivo”. Em todas essas atividades, trabalha-se
com a imaginação, as capacidades de observação e percepção, a memória, a atenção,
a linguagem oral e corporal, o planejamento, a apropriação de normas e regras sociais.
Cada uma acontece de um modo e requer formas de ação específicas por parte das
crianças, e, exatamente por isso, constituem-se em formas de ampliar sua capacidade
comunicativa.

2. A denominação pré-escolar utilizada neste texto se relaciona à periodização


psicológica proposta por Vigotski, Zaporózhets, Elkonin, Leontiev, Liublinskaia e
Mukhina, não correspondendo necessariamente a qualquer periodização administrativa,
burocrática e/ou pedagógica, até mesmo no caso da estruturação da educação brasileira
atual, em decorrência do Ensino Fundamental de 9 anos, que inseriu a criança de 6 anos
ou menos na escolaridade obrigatória, formal.

35
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

2.1.1 O jogo de faz de conta

Leontiev (1988), Mukhina (1996) e Bodrova (2008) consideram o jogo


simbólico a atividade principal do período pré-escolar, pois, nesse período, esse tipo de
jogo é por excelência o processo que origina mudanças qualitativas no psiquismo
humano. Em função disso, também é considerado uma atividade de orientação. A
atividade do jogo tem em si um caráter simbólico, semiótico, no qual uma ação
subentende outra, um objeto subentende outro; tanto para que tenham um sentido no
jogo como para que o jogo em si tenha sentido.

A dinâmica do jogo, da brincadeira de faz de conta, vai se alterando com a


experiência das crianças. Assim, é comum que o tempo de duração dos jogos das
crianças mais velhas seja maior, pois além de implicar mais planejamento, também
implica uma quantidade maior de argumentos, decorrente da realidade mais ampla
que essas crianças conhecem. Entre crianças de 6 e 7 anos, o jogo pode durar dias,
sendo interrompido e recomeçado. Com as crianças mais novas, não só o tempo de
duração diminui, como também o número de argumentos e de temas. Diferem ainda,
de acordo com a experiência e o desenvolvimento das crianças, o modo como o
argumento será tratado no jogo e conteúdos que serão trazidos para cada tema.

Por meio do jogo, as crianças conhecem a vida social dos adultos e


compreendem melhor as funções sociais e as regras pelas quais os adultos regem suas
relações (MUKHINA, 1996, p. 160). Nesse sentido, as crianças pautam seus
comportamentos e ações no jogo em função das regras que conhecem, para agirem do
mesmo modo como se age nas situações reais. Muitas vezes, esse aspecto é motivo de
discussão entre os brincantes. Esse “desejo de reproduzir no jogo as relações entre os
adultos faz a criança começar a necessitar de companheiros. Para isso, precisa chegar
a acordos com os outros e organizar com eles uma brincadeira que envolva vários
papéis”. Em decorrência disso, as crianças “aprendem a coordenar suas ações com os
demais e a ajudar-se mutuamente” (MUKHINA, 1996, p. 163), passando a ter a
necessidade de cooperar entre si.

Mukhina (1996) e Liublinskaia (1979) referem que a brincadeira de faz de conta


oportuniza às crianças o desenvolvimento:

- da atenção e da memória ativas, por meio da concentração em detalhes do


jogo e lembrança das suas regras, ainda que implícitas;
- da linguagem comunicativa e portanto coerente, permitindo a compreensão
das trocas verbais;
- da previsão e do planejamento, antecipando o que deve fazer ou agindo em

36
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

consequência da ação do seu interlocutor;


- da imaginação, da representação simbólica, atribuída e depreendida dos
objetos utilizados.

Para Liublinskaia (1979), a importância do jogo de simulação na vida infantil


pode ser ampliado, uma vez que, por meio dele, as crianças:

- refletem sobre a realidade circundante que elas conhecem;


- adquirem e refinam seus conhecimentos;
- raciocinam acerca da solução de determinados problemas, que podem ser o
próprio tema da brincadeira;
- refletem analiticamente sobre os conteúdos e/ou temas da brincadeira,
estabelecem relações e criam novas combinações;
- transformam ativamente a realidade;
- combinam realidade e ficção, fantasia, mostrando o que querem, ainda que
seja um desejo, algo não factível;
- lidam com contradições internas, tanto em função do papel desempenhado, em
que há possibilidades e limites, quanto em função da fidedignidade ou não à
representação da realidade, ou ainda pela liberdade ou não na escolha do tema
da brincadeira, entre outras contradições inerentes à ação de brincar.

Enfim, por meio da brincadeira de faz de conta ou de papéis, devido ao seu


caráter sociocultural, as crianças podem recriar situações cotidianas, evocando o
conhecimento social que têm sobre os objetos, sobre as convenções sociais etc. Podem
experimentar outras formas de ser e pensar, ampliando suas concepções sobre as
coisas e as pessoas, por meio do desempenho de vários papéis sociais ou de
personagens, tendo aí a oportunidade de vivenciar a elaboração e negociação de
regras de convivência, bem como a elaboração de um sistema de representação dos
diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas.

Consideramos que o brincar com materiais de construção está intrinsecamente


ligado ao processo de desenvolvimento do faz de conta e permite uma exploração mais
aprofundada das propriedades e características associativas dos objetos, assim como
de seus usos sociais e simbólicos.

Ressaltamos, aqui, que o faz de conta é a atividade do brincar por excelência,


da qual se originam as demais modalidades. Segundo Rocha (2000):

[...] o que se tem de uníssono entre Elkonin, Vygotsky e Leontiev é o


entendimento de que o jogo de faz de conta estabelece as bases para o

37
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

surgimento do jogo de regras, sendo este último, evolutivamente,


superior ao primeiro. Para os três autores, o processo de
desenvolvimento do brinquedo culmina com o surgimento do jogo de
regras, o qual desloca progressivamente o jogo de faz de conta para
um lugar secundário, que declina, em termos de importância dada a
ele pela criança e em termos da importância que tem para o
desenvolvimento psicológico (ROCHA, 2000, p. 94-95).

Sendo assim, a imitação, a imaginação e a regra são características presentes


em todos os tipos de brincadeiras.

O jogo de faz de conta merece amplo destaque nas discussões e nas práticas
pedagógicas que envolvam a criança, principalmente as de idade pré-escolar ou que
estejam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Mollo-Bouvier (2005) e Plaisance
(2004), autores da Sociologia, destacam que as crianças se veem envolvidas cada vez
mais precocemente no processo de escolarização, adentrando mais cedo na “grande
escola”, ou seja, no Ensino Fundamental, e que “cada instituição procede a seus
próprios recortes internos, o que perpetua a lógica de segmentação do processo de
socialização” (MOLLO-BOUVIER, 2005, p. 394) e de apropriação do conhecimento.

Em nossa realidade, o mais comum acerca da divisão estrutural de séries ou turmas,


seja na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, se dá pela organização horizontal,
tendo as crianças, as mesmas idades. A socialização assegurada a elas é exclusivamente
com coetâneos. Tal estruturação não é questionada, sendo reificada como natural e
como mais adequada à necessidade de homogeneização, própria da cultura escolar.
Você conhece uma realidade distinta dessa? Ou imagina como possível outra
estruturação de turmas? Discuta com um colega a respeito.

A atenção pedagógica e cultural própria da “velha” ou da “grande escola”


transforma a criança pequena em aluno, do qual se espera a aquisição de
competências intelectivas e comportamentais em acordo com a normatização da
pedagogia escolar, segmentada. Considerando que as crianças estão chegando com
menos idade ao Ensino Fundamental, no qual as exigências são maiores, é necessário
analisar com atenção as especificidades da infância, antes de simplesmente conformar
as crianças à cultura escolar. É necessário ter claro que o ingresso de crianças mais
novas na escola obrigatória insere-se num movimento mundial de aceleração da
infância (MOLLO-BOUVIER, 2005).

Mukhina, como outros pesquisadores e autores, observa que há riscos em se


acelerar artificialmente o desenvolvimento intelectual das crianças e ressalta que, ao
38
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

invés disso, o compromisso da educação deva ser o de enriquecer esse


desenvolvimento. A autora alerta que “o aspecto criativo e o aspecto representativo de
uma atividade não estão separados entre si; ao contrário, o aperfeiçoamento do
segundo serve de base para a formação do primeiro” (MUKHINA, 1996, p. 56-57).
Nesse sentido, a fim de se efetivarem práticas educativas condizentes com as
necessidades e possibilidades das crianças em idade pré-escolar, professores e escola,
além de terem conhecimento acerca desses pressupostos, devem fazê-los objeto de
debate na informação e planejamento de sua programação para com as crianças.

A educação no período que compreende os primeiros 7 anos de vida deveria


investir no desenvolvimento da imaginação, do pensamento, por intermédio de
imagens, da percepção, da interpretação lógica dos fatos, da comparação e
identificação da propriedade dos elementos e da criação (no desenho, no jogo, nas
construções). A despeito de focalizar o desenvolvimento do pensamento abstrato,
desvinculado de situações concretas, concordamos com o posicionamento desses
autores e realçamos que isso representa um modo arriscado de abreviação da infância.

Nesse sentido, a discussão da Sociologia da Pequena Infância corrobora a


abordagem histórico-cultural. Sarmento (2004) explicitou traços que permitem
distinguir as “culturas da infância” e destacou quatro eixos estruturantes em relação a
elas: “interatividade”, “ludicidade”, conciliar e/ou estremar a “fantasia do real” e
“reiteração”.

A “interatividade” é compreendida a partir da heterogeneidade das realidades


das quais as crianças participam – a família, a escola, a comunidade –, destacando-se
as relações entre pares e, nesses contextos, a partilha de conhecimentos, os jogos.

A “ludicidade”, apesar de não ser exclusiva das crianças, constitui-se no


elemento essencial das culturas infantis, pois se articula às aprendizagens, à
sociabilidade, à produção imaginativa. Para Sarmento (2004), como para Brougère
(2004b), merece atenção em relação a esse eixo a presença cada vez maior de
brinquedos industrializados na nossa sociedade, o que propicia o deslocamento da
ênfase em brincar entre pares para brincar com objetos ou, ainda, para “colecionar”
brinquedos.

O outro eixo – fusão/separação da “fantasia do real” – diz respeito ao processo


de transposição imaginária que as crianças experimentam durante o faz de conta. Nele
a realidade concreta e imediata é reconstruída pelas crianças, permitindo a elas criar
suas próprias interpretações das situações que vivenciam, ora conciliando realidade e
fantasia, ora distinguindo-as.

39
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

O último eixo discutido por Sarmento é a “reiteração”, que se refere ao modo de


as crianças lidarem com o tempo no cotidiano. Para o autor, importa a recursividade, a
repetição e a recriação na apropriação que elas fazem do tempo em seus contextos de
formação.

Devemos considerar que esses quatro eixos, de algum modo, balizam a infância
enquanto grupo geracional com condições e características distintivas das gerações
jovem e adulta. Valorizarmos a infância como um momento no desenvolvimento
humano requer que estejamos atentos ao detalhamento acerca de cada uma das
culturas das crianças. É importante lembrarmos que tais condições estruturantes das
culturas infantis não são estáveis ou estáticas, estando sujeitas a transformações
decorrentes de inúmeras outras mudanças sociais. Por isso, o próprio Sarmento
(2004) destaca a existência de paradoxos e contradições na nossa sociedade atual:
não cabe exclusivamente mais autonomia às crianças, uma vez que esta vem
acompanhada da necessidade de mais controle; os direitos sociais não têm sido
negados às crianças, são reconhecidos, contudo na maioria das situações não se
efetivam, sendo “sutilmente” denegados.

Tais considerações mantêm e realçam a “institucionalização educativa da


infância” – cada vez um número maior de crianças passa boa parte do seu tempo diário
em instituições educativas, mesmo antes da idade obrigatória, apesar da fragilização
da escola, dos problemas de qualidade e dos indicadores de ineficiência ou insucesso
escolar. Para Sarmento (2005, p. 363), “a infância é concebida como uma categoria
social do tipo geracional por meio da qual se revelam as possibilidades e os
constrangimentos da estrutura social”. Estrutura pela qual nós, adultos, somos
responsáveis.

40
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Leia o poema abaixo, de Roseanna Murray:

QUINTAL
No fundo do quintal,
amarelinha,
esconde-esconde,
jogo do anel,
um amor e três segredos.
No fundo do quintal,
passarinhos,
tesouros,
piratas e navios,
as velas todas armadas.
No fundo do quintal,
casinha de boneca,
comidinha de folha seca,
eu era a mãe, você era o pai.
Quando não existe quintal,
como é que se faz?

A partir dessa leitura, reflita sobre o papel das instituições educativas perante o brincar
infantil.

É provável que, ao apreciar o poema, você tenha pensado no jogo como


estratégia pedagógica importante, que tende a estimular e desenvolver funções
mentais superiores, funções psicomotoras, resultando no processo de construção do
conhecimento. Isso significa dizer que a criança também se desenvolve brincando,
pois, ao brincar, aprende sobre o próprio brinquedo, suas características, utilização,
função social; aprende sobre si mesma, ao manipular o objeto, ao inteirar-se das
possíveis ações que poderá executar com ele; aprende sobre as habilidades
necessárias para apreender as regras da atividade lúdica, sobre as interações que
poderá manter com outras crianças; e, ainda, sobre a necessidade de planejar o seu
comportamento. Por outro lado, tende a adquirir novas experiências, ao pensar,
raciocinar, analisar a atividade lúdica, e, em consequência, constrói-se física, social,
cultural e psicologicamente. “Os jogos e brinquedos são meios que ajudam a criança a
penetrar em sua própria vida, assim como na natureza e no universo” (BROUGÈRE,
1998, p. 17).

De acordo com Javeau (2005), como qualquer outro grupo social, as crianças
organizam suas experiências cotidianas com os meios de que dispõem, impostos ou
propostos pelos adultos na realidade escolar.
41
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Ora, se a voz popular diz que todas as idades têm seus prazeres, elas
também têm seus modos de socialização específicos, seus
comportamentos esperados, suas representações, isto é, toda uma
série de referências sociais mais ou menos estreitamente avalizadas
por um discurso científico que toma uma importância crescente no
planejamento e na gestão dos tempos sociais das crianças. Pois, se os
limites da infância são indecisos, não é, longe disto, por falta de
referências a normas, mas sem dúvida porque estas nunca flutuaram
tanto. Contudo, podem-se observar alguns indícios que marcam os
vínculos estabelecidos entre certas mudanças nas práticas e nos
modos de socialização e a delimitação social do período da infância.
Parece-me que, hoje em dia, o tempo social concedido à infância
segmenta-se, encurta e, às vezes, cai no esquecimento (MOLLO-
BOUVIER, 2005, p. 401).

Nesse sentido, importa sublinhar que, para Leontiev (1978), a entrada na escola
irá representar um segundo estágio do desenvolvimento da vida psíquica da criança.

Não poderíamos deixar de não dar a maior importância a este


acontecimento na vida da criança. Todo o sistema das suas relações
vitais se reorganiza. O essencial não é evidentemente o fato de ela ser
obrigada a fazer qualquer coisa: ela tinha já obrigações antes de
entrar para a escola. O essencial é que doravante as suas obrigações
não são apenas para com os pais e o educador; são objetivamente
obrigações relativas à sociedade. Da sua realização dependerão o seu
lugar na vida, a sua função e o seu papel social e, portanto, como
consequência, todo o conteúdo da sua vida futura (LEONTIEV, 1978, p.
289).

É preciso ter em vista que, ao fazer seus deveres, ao se comprometer na


execução de um trabalho, é possível que a criança tenha, pela primeira vez, a
impressão de que esteja realizando algo verdadeiramente importante. Ocorre aqui um
fenômeno bem interessante, uma significativa diferença dessas atividades com suas
ocupações e jogos, tornando-se diferente o próprio lugar de sua atividade na vida
adulta.

2.1.2 O jogo de regras

Também na perspectiva histórico-cultural, Elkonin expõe conquistas e


aquisições progressivas das crianças a partir dos jogos de regras:

- agem no jogo com base em uma compreensão geral acerca do mesmo e de


elementos externos que o constituem;
- compreendem regras que orientam como agir no jogo, mas não veem tais

42
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

regras como limitantes de suas atitudes;


- as regras orientam e limitam as ações, mas não se antecipam ao jogo. Tornam-
se objeto de discussão quando ocorrem situações de discordância entre
aqueles que brincam juntos;
- suas atitudes estão totalmente subordinadas às regras do jogo. Há uma
antecipação e um planejamento em função das regras. Estas podem sofrer
mudanças se acordadas previamente no interior do grupo que joga junto.

Está presente no brincar com regras o desafio e a resolução de problemas, pois


se encontram no cumprimento de determinadas regras que organizam as ações das
crianças. Para propiciar e enriquecer o trabalho com jogos de regras em sala de aula,
alguns princípios são de suma importância: conhecimento do jogo e das suas
possibilidades pedagógicas; liberdade ao professor e às crianças para mudar as regras
e inventar novos jogos; valorização dos registros das crianças e, a partir deles,
exploração significativa das ideias e dos conhecimentos que estão presentes no jogo;
elaboração das regras com as crianças; valorização dos jogos e brincadeiras
conhecidas pelas crianças em sua região; outros.

De acordo com Vigotski, Luria e Leontiev (1988, p. 130), “nos brinquedos no


período escolar, as operações e ações da criança são, assim, sempre reais e sociais, e
nelas a criança assimila a realidade humana”. Em outros termos, por meio da atividade
lúdica, a criança expressa os recursos e ferramentas de que dispõe para internalizar as
situações reais, para assimilá-las e, a partir daí, conviver com elas. Como se faz
necessário compreender essa realidade, a porta de entrada para que isso aconteça é a
atividade lúdica, ou seja, a aproximação com os fatos tais e quais eles se apresentam.

Aos educadores, importa adquirir um corpo de conhecimentos consistente que


lhes assegure inúmeras possibilidades de aprendizagem garantidas pelas atividades
lúdicas, de modo que possam aproveitar cada momento que envolve tais atividades,
como as interações estabelecidas, os movimentos que sugerem esforço psicológico
para assimilar as coordenadas, as regras, as probabilidades e os limites das atividades
lúdicas.

Ao refletirmos sobre as inúmeras possibilidades resultantes do emprego do


jogo no contexto educativo, consideramos relevante evidenciar seus contributos para
um dos aspectos do processo de desenvolvimento infantil ainda pouco referido: a
dimensão afetivo-emocional. Em outras palavras, por intermédio da atividade lúdica, a
criança expressa suas emoções. Em função disso, é possível ensiná-la a lidar com
situações de conflito e/ou situações-problema que exigem o desenvolvimento do
pensamento e de competências específicas para enfrentá-las, condições estas

43
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

presentes nos diferentes níveis de ensino e que por isso podem ser trabalhadas com a
utilização do jogo.

Importa esclarecer que, embora a brincadeira não seja a única fonte de


expressão das emoções, ela pode tornar-se uma importante mediadora na
compreensão dos diferentes modos em que elas se apresentam, principalmente em
situações lúdicas que envolvem outras crianças com papéis predeterminados, o que
faz com que elas aprendam (entre si) a aceitar que existem modos de agir social e
emocionalmente diferentes e independentes.

Vigotski (1991) também destacou o caráter afetivo existente no jogo. Segundo


ele, a brincadeira preenche necessidades da criança, e por isso ela não deve ser
definida simplesmente como uma atividade simbólica meramente intelectual. Faz-se
necessário considerar, além do aspecto cognitivo, os aspectos motivacionais e afetivos
presentes na brincadeira.

A passagem ao estágio seguinte do desenvolvimento da vida psíquica da


criança caracteriza-se por uma acentuação de sua lógica interna. Para Leontiev
(1978), no estudante adolescente essa passagem está ligada à sua inserção nas
formas de vida social que lhe são acessíveis. Ao mesmo tempo, muda também o lugar
real que a criança ocupa na vida cotidiana dos adultos que a rodeiam, na vida em
família.

É possível constatar-se, que, à medida que a criança passa a "transitar" em


diferentes grupos sociais, que se distancia de seu círculo íntimo para um mais amplo,
em que interage de modos distintos, estendem-se significativamente suas
possibilidades de ação nesses grupos.

A primeira coisa que devemos notar, quando nos esforçamos por


resolver a questão das forças motoras do desenvolvimento do
psiquismo, é, portanto, a modificação do lugar que a criança ocupa no
sistema de relações sociais. (...) O que determina diretamente o
desenvolvimento do psiquismo da criança é a sua própria vida, o
desenvolvimento dos processos reais desta vida, por outras palavras,
o desenvolvimento desta atividade, tanto exterior como interior. E o
desenvolvimento desta atividade depende por sua vez das condições
em que ela vive (LEONTIEV, 1978, p. 291).

A posição de Leontiev permite compreender que, no estudo do


desenvolvimento do psiquismo da criança, deve-se partir da análise do
desenvolvimento da sua atividade tal como ela se organiza nas condições concretas de
sua vida. Cada estágio do desenvolvimento psíquico é caracterizado por um certo tipo
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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

de relações da criança com a realidade, dominantes numa dada etapa e determinadas


pelo tipo de atividade que é então dominante para ela.

Para Leontiev (1978), a atividade dominante não é aquela que se encontra mais
vezes numa dada etapa do desenvolvimento, ou seja, aquela à qual a criança consagra
a maior parte do tempo. Nesse sentido, considera atividade dominante aquela que
comporta as três características seguintes:

1) Primeiramente, é aquela sob a forma da qual aparecem e no interior da qual se


diferenciam tipos novos de atividade. Assim, por exemplo, o ensino, no
sentido mais restrito do termo, que aparece pela primeira vez na idade pré-
escolar, ocorre antes de mais nada no jogo, que é a atividade dominante nesse
estádio do desenvolvimento. A criança começa a aprender jogando.

2) A atividade dominante é aquela na qual se formam ou se reorganizam os seus


processos psíquicos particulares. É no jogo, por exemplo, que se formam
inicialmente os processos de imaginação ativa, e no estudo, os processos de
raciocínio abstrato. Certos processos psíquicos formam-se e reorganizam-se
não diretamente na atividade dominante, mas noutros tipos de atividade
geneticamente ligados a ela. Por exemplo, os processos de abstração e de
generalização de cor formam-se na idade pré-escolar, não no próprio jogo,
mas no desenho, na aplicação de cores etc., isto é, em tipos de atividade em
que apenas a sua origem está ligada à atividade lúdica.

3) A atividade dominante é aquela de que dependem o mais estreitamente as


mudanças psicológicas fundamentais da personalidade da criança observadas
numa dada etapa do seu desenvolvimento. É no jogo, por exemplo, que a
criança de idade pré-escolar se apropria das funções sociais e das normas de
comportamento que correspondem a certas pessoas, e isso constitui um
elemento muito importante da formação de sua personalidade

Importa sublinhar que a atividade dominante é aquela cujo desenvolvimento


condiciona as principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as
particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio do seu
desenvolvimento. Desse modo, poder-se-ia supor que algumas condições
determinariam a passagem de uma atividade dominante para outra. O que
determinaria esse processo de mudança ou essa transição?

Para Leontiev (1978), a mudança do tipo dominante de atividade da criança e a


sua passagem de um estádio a outro respondem a uma necessidade interior nova.

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PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Estão ligadas a novas tarefas postas à criança pela educação e correspondem às suas
possibilidades novas, à sua nova consciência (LEONTIEV, 1978, p. 296).

Outro grupo que contribui para mudanças nos processos de desenvolvimento


do psiquismo são as modificações que intervêm nas funções psicofisiológicas. Essas
últimas são designadas como as funções fisiológicas que realizam a forma de vida
superior do organismo, a vida mediatizada pelo reflexo psíquico da realidade. São
exemplos dessas, as funções sensoriais, mnemônicas, tônicas etc. Faz-se necessário
ressaltar as argumentações de Leontiev, ao considerar que nenhuma atividade
psíquica ocorre sem a participação dessas funções. Entretanto, ela não se reduz a tais
funções e nem pode ser deduzida delas unicamente. Em síntese, o autor considera que
o desenvolvimento das funções psicológicas da criança está normalmente ligado ao
curso geral do desenvolvimento da sua atividade.

A ampla e acurada discussão sobre a infância nos campos psicológico e


sociológico, da qual se observou uma parte até então neste texto, incita ao grande
cuidado que devemos ter com o lugar que reservamos e imputamos às crianças, tanto
no plano simbólico quanto no plano concreto.

2.2 BRINCADEIRA DE FAZ DE CONTA E LINGUAGEM ESCRITA: A VISÃO DA


PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Antes de realizar a leitura referente ao conteúdo deste item, tente pensar sobre as
relações que podem existir entre o faz de conta e a linguagem escrita. Discuta com um
colega com base no que conhece e estudou até aqui sobre o jogo simbólico e a partir de
seu entendimento acerca da aquisição da escrita pelas crianças.

Vigotski (1991, 1995) e Luria (1988), considerando o aspecto representativo e


simbólico do faz de conta, compreendem-no como uma das atividades intermediárias
na gênese da linguagem escrita. Antes desta, outras formas de representação
perpassam os modos de comunicação da criança – o gesto, a fala, o faz de conta e o
desenho. Cada uma dessas formas de representação influi no desenvolvimento
psíquico da criança e na elaboração que ela fará sobre a linguagem escrita no período
em que vier a ser sistematizada a apropriação dessa representação.

Também nesse sentido, Bodrova (2008) coloca o jogo de simulação ou jogo de


faz de conta como um requisito prévio para a capacidade de aprender a ler e escrever,
pois afeta o desenvolvimento da linguagem oral, da consciência metalinguística e da
46
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

imaginação. Assim, de acordo com essa autora, “o jogo provê oportunidades únicas
para que a criança pequena compreenda os propósitos autênticos da leitura e da
escrita e pratique as habilidades de leitura e escrita em um contexto significativo”
(BODROVA, 2008, p. 362, tradução livre).

Nessa mesma linha de discussão, entre os autores brasileiros, Mello (2005,


2007) também se dedica a essa temática. Em seus estudos, aponta para o risco de
muitas impropriedades no que diz respeito ao trabalho com a aquisição da linguagem
escrita pelas crianças nos diferentes espaços educacionais, seja na Educação Infantil
ou no Ensino Fundamental.

Para a Teoria Histórico-Cultural, a ausência de um enfoque sistêmico


em relação ao desenvolvimento das propriedades psíquicas da
personalidade humana na infância é responsável por esse equívoco.
[...]
Cada vivência, cada nova experiência da criança exige o trabalho
coordenado de todos os mecanismos psicofisiológicos – a atenção, as
percepções, os sentimentos, o pensamento, a imaginação, a memória,
a fala –, que transformam as percepções que a criança vai fazendo do
seu entorno em novos níveis de relação com o mundo. Não há, pois,
que tratar tais mecanismos de forma fragmentada, como, de um modo
geral, se percebe na educação escolarizada das crianças entre 3 e 6
anos. O tratamento que se tem dado, de um modo geral, ao ensino da
escrita nessas escolas da infância é um exemplo desse equívoco que
compromete a apropriação de um instrumento cultural essencial e o
sucesso futuro da criança no Ensino Fundamental (MELLO, 2007, p.
94, com base em MELLO, 2005).

Para Bodrova (2008), um dos dilemas da educação atual da criança pequena,


mesmo na etapa infantil, é a dicotomia entre o jogo de faz de conta e as habilidades
acadêmicas ou escolares. Para essa autora, a perspectiva histórico-cultural enfrenta
esse dilema, propondo que se fortaleça o jogo em sua finalidade essencial: usando
brinquedos e objetos ou acessórios com função simbólica; criando cenários
consistentes e extensos, com vários detalhes; desenvolvendo e mantendo os papéis
do jogo e as suas regras. Desse modo, pode-se provocar impactos afirmativos não
apenas no jogo de faz de conta por ele mesmo, mas também no desenvolvimento das
habilidades acadêmicas.

Bodrova (2008) aponta que a brincadeira de faz de conta contribui para o


desenvolvimento de um aspecto importante da linguagem oral, a metalinguagem, ou
seja, a consciência acerca das relações e estruturas da língua da qual a criança é
falante. O processamento intelectual da criança está intimamente articulado ao
processamento relativo a outros aspectos além da linguagem, sendo constituído das
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PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

funções sensorial, de atenção, da memória e da imaginação.

Para Mukhina (1996), com relação à esfera sensorial, as aprendizagens infantis


se devem à condição das crianças poderem manipular e observar o meio e os objetos e
a partir disso perceberem as propriedades e relações entre os objetos e os fenômenos,
estabelecerem a situação espacial entre eles e compreenderem o transcurso temporal
dos acontecimentos. As diferentes atividades produtivas criam condições para que a
criança compare, analise e compreenda os padrões referentes às propriedades dos
objetos e do material à sua disposição. O domínio de um número crescente de padrões
sensoriais depende de uma educação sistemática que permita à criança captar com
precisão as propriedades dos objetos, com base nas variações e combinações de
padrões conhecidos, o que depende do “prisma da experiência social”, da cultura a que
ela pertence.

Bissoli (2005), considerando as premissas fundamentais da teoria histórico-


cultural, reafirma o dito por Vigotski (1990), ao referir que a imaginação “tem suas
bases nas experiências reais: quanto mais ricas forem as experiências da criança,
maiores serão suas possibilidades imaginativas e criadoras” (BISSOLI, 2005, p. 199).
Diz também que o processo imaginativo:

[...] provoca emoções reais: na educação dos sentimentos morais e


estéticos, incentivar a fantasia é proporcionar vivências afetivas
enriquecedoras da personalidade; [...] promove a ampliação das
experiências da criança: é possível que, apoiada em relatos,
descrições da experiência alheia, a criança experimente, pela situação
imaginária, situações que não pode vivenciar concretamente; [...] cria
objetos e ideias que, materializados, passam a influenciar o real: toda
objetivação humana foi antes uma ideação; portanto, promover o
desenvolvimento da imaginação é colaborar para que a criança se
expresse cognitiva e afetivamente, objetive-se (BISSOLI, 2005, p.
199).

Após realizada a leitura e o estudo referente ao conteúdo desta unidade, converse


com um colega a respeito das ideias de vocês e redijam em dupla um texto com as
argumentações acerca da brincadeira como processo simbólico no
desenvolvimento e aprendizagem das crianças.

48
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Para enriquecer seu repertório em relação ao brincar, acesse:

Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos – USP:

http://www.labrimp.fe.usp.br/

O referido espaço destina-se ao fortalecimento do vínculo entre teoria e prática


pedagógica e o conhecimento da realidade brasileira na área de brinquedos e materiais
pedagógicos.

NEPSID - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e


Desenvolvimento.

http://www.nepsid.com.br/

Esse é um espaço de estudos, reflexão e pesquisas voltado a orientar o educador para


focar seu olhar, conhecer e compreender as crianças e os jovens, e para que seu fazer se
comprometa com o desenvolvimento integral deles.

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3
O brincar e a Mediação
Pedagógica
Simone Stival, Catarina Moro e Joseth Jardim Martins

Licenciatura em Pedagogia

STIVAL, Simone; MORO, Catarina; MARTINS, Joseth Jardim. Unidade III. O


Brincar e a Mediação Pedagógica. In: Ludicidade e Aprendizagem na
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Curitiba, 2010.
p.51-65 -- (Coleção UAB-UFPR)
UNIDADE

3
O BRINCAR E A
MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

3 O BRINCAR E A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA

CONVERSA INICIAL

Com a intenção de dar concretude ao que trouxemos neste livro de estudos até
agora, subsidiando uma reflexão que considere o jogo infantil como um recurso
pedagógico de construção de conhecimento pela criança, é fundamental ter
consciência do papel que ele pode e deve ocupar no cotidiano da Educação Infantil e
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvendo, assim, a plena consciência
acerca de suas múltiplas facetas, seus usos e funções.

Nesta unidade, pretendemos evidenciar a relevância do jogo/brincadeira como


forma privilegiada de trabalho pedagógico com as crianças, assim como resgatar a
memória do vivido por nós enquanto crianças que fomos, vivas, atentas e ávidas por
conhecer e imprimir nossas marcas sobre o mundo.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA

3.1 BRINCAR NO CONTEXTO DA CATEGORIA DE EXPERIÊNCIA: UM CENÁRIO A SER


DESCORTINADO

Brincar é a mais elevada forma de pesquisa.


(Albert Einstein)

Vimos que, ao brincar, a criança se expressa, se revela, conta seu mundo


interior e propõe uma relação com o mundo externo, narrando seu ou seus universos.
É por meio dessa relação intensa e singular que a criança explora, pergunta, reflete
sobre as formas culturais nas quais vive e sobre a realidade circundante. Desse modo,
desenvolve-se psicológica e socialmente, como vimos nas unidades precedentes.

A brincadeira tem uma natureza social que advém da necessidade que as


crianças têm, desde muito cedo, de se comunicar e compartilhar uma vida simbólica
com os adultos e outras crianças.

Segundo Brougère (2004a), a brincadeira é um espaço social, uma vez que não
é criada espontaneamente, mas em consequência de uma aprendizagem social, e
supõe uma significação conferida por todos que dela participam. Esse mesmo autor

53
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

expressa que a brincadeira possui uma dimensão aleatória, ou seja, nela encontramos
o acaso ou a indeterminação, resultantes das causas que estão em ação, de modo que
a brincadeira aparentemente é um espaço de socialização, de domínio da relação com
o outro, de apropriação de cultura, de exercício da decisão e da invenção (BROUGÈRE,
2004 a, p. 103-104). Isso quer dizer que há necessidade de sempre se contar com a
invenção daquele que brinca, com a sua iniciativa e com os possíveis desdobramentos
em relação ao brincar.

Portanto, conceber o brincar como elemento da cultura, como atividade


construída socialmente, que oferece às crianças a possibilidade de criar e recriar a cada
nova brincadeira a realidade que a cerca, é fundamental. É, pois, vincular-se com a
possibilidade de aprender de forma significativa e com acesso à cultura, bem como
cumprir com os objetivos do trabalho pedagógico na Educação Infantil e nos anos
iniciais. Para isso, ensinar a pensar, a fazer com que a criança conheça a si mesma e a
outras pessoas, a conhecer o mundo em que vive de maneira ativa, construtiva e
baseada nas interações que estabelece com os seus pares e adultos são diretrizes
primordiais. Toda brincadeira humana supõe um contexto social e cultural, logo, supõe
uma atividade social que garante a interação e a construção da realidade pelas
crianças.

As ideias de Vigotski (1991) reafirmam a brincadeira como atividade social da


criança, cuja natureza e origem específicas são elementos essenciais para a
construção de sua personalidade e para a compreensão da realidade na qual se insere.
Esse autor entende que brincar permite e favorece a criação de “zonas de
desenvolvimento proximal”, que é o espaço entre o que a criança já realiza de forma
autônoma e independente (nível real de desenvolvimento) e o que ela pode vir a
realizar desde que tenha ajuda de outra criança mais experiente ou de um adulto.
Segundo ele:

No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento


habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no
brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no
foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as
tendências de desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele
mesmo uma grande fonte de desenvolvimento (VIGOTSKI, 1991, p.
34).

Para esse estudioso, o brinquedo fornece estrutura básica para mudanças das
necessidades e da consciência da criança. Ele diz que não é a natureza espontânea da
atividade lúdica que impulsiona o desenvolvimento das crianças, mas sim a
possibilidade de exercitar, no plano imaginário, as capacidades de planejar, imaginar

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

situações, representar papéis e situações cotidianas. Ou seja, é o caráter social das


situações lúdicas, seus conteúdos, procedimentos e estratégias que sugerem o
desenvolvimento do próprio brincar, que supõem regras socialmente construídas. O
brinquedo é o suporte para a brincadeira. E, ainda, “o brinquedo é muito mais a
lembrança de alguma coisa que realmente aconteceu do que imaginação. É mais a
memória em ação do que uma situação imaginária nova” (VIGOTSKI, 1991, p. 123).

Nota

Nas obras de Vigotski traduzidas para o português e publicadas no Brasil, muitas


vezes a palavra brinquedo precisa ser entendida, no contexto da narrativa, como o
ato de brincar ou a brincadeira ou ainda o jogar simbolicamente, não apenas como
objeto/instrumento utilizado na atividade lúdica, mas sim como a atividade lúdica
em si.

Encontramos no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil a


reafirmação dessas ideias:

Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação, isso


implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem
simbólica. Isso quer dizer que é preciso haver consciência da diferença
existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu
conteúdo para realizar-se. Nesse sentido, para brincar é preciso
apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a
atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da brincadeira
ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da
realidade (BRASIL, 1999, p. 27).

Isso significa, por exemplo, que uma criança, ao abrir seus braços e imaginar-
se pilotando um avião, está orientando sua ação pelo significado da situação e por uma
atitude mental, e não somente pela percepção imediata dos objetos e situações. Toda
brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das ideias, de uma
realidade anteriormente vivenciada.

Diante do exposto até agora, fica clara a importância do brincar para o


desenvolvimento e aprendizagem das crianças, ou seja, sobre a intensa relação
existente entre o brincar e a possibilidade de aprender. Aprender sobre si, sobre o
outro e sobre o mundo. Assim, nascem alguns questionamentos: como a brincadeira
pode ser incorporada ao cotidiano escolar e com que objetivos? Como os professores
podem potencializar as brincadeiras das crianças?

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PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Comecemos a desenvolver essas questões apreciando a tirinha a seguir, de


Gustavo:

Nessa tirinha, podemos pensar sobre as relações existentes entre a percepção


do objeto e da situação, bem como a orientação da ação pelo significado da situação
movida pela atitude mental. Ressalta-se, portanto, o aspecto inventivo da brincadeira
como parte fundamental do brincar.

Reflita sobre a mensagem da tirinha a partir de diferentes óticas:

- A do pai do menino. Quais impressões você evidencia sobre a expectativa dele em


relação ao filho diante do objeto trazido?
- A do filho. Que considerações podem ser extraídas das atitudes dele reveladas na
situação?

Considerando algumas relações estabelecidas, vale ressaltar que é


fundamental em um trabalho pedagógico intencional analisarmos como o brincar pode
contribuir para a construção de conhecimentos e para a apropriação de cultura pelas
crianças. Nesse sentido, cabe refletirmos sobre as intervenções, a organização do
espaço, os materiais oferecidos, o tempo disponibilizado, bem como a presença de
diferentes modalidades do brincar no interior da escola, além de precisarmos ter
clareza, como sinalizado anteriormente, por meio de questionamentos, de como o
brincar deve ser incorporado ao cotidiano educativo e com que objetivos.
Por vezes, nas escolas, o brincar foi/é destituído de intenções e não valorizado
em sua dimensão lúdica. Em geral, por ser considerado como atividade não séria, não
56
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

é incorporado às ações do professor como parte de seu papel de ensinar. Embora


existam estudos evidenciando a importância do brincar no contexto educacional e suas
implicações favoráveis ao desenvolvimento e aprendizagem infantis, tais atividades
têm sido pouco oportunizadas pelos professores em sala. A brincadeira como condição
inerente ao cotidiano infantil ainda não conquistou um lugar específico no contexto
educacional. Prova disso são os momentos e os horários em que se dá permissão para
que ela aconteça, em geral nos intervalos entre as aulas e no recreio (ROCHA, 2000).

Porém, tendo a criança como centro do trabalho pedagógico, a brincadeira é a


essência de um pensamento sério e concentrado, um meio intencional de
aprendizagem. Essa condição, por si só, exige que o professor educador tenha
conhecimentos aprofundados acerca do tema e disponibilidade para envolver-se com a
atividade. Desse modo poderá tranquilizar-se diante de situações em que a criança
sugere querer “apenas brincar”, o que significa dizer que o brincar, aqui, não está
anulando a dimensão educativa, que, não obstante, não deve se converter na principal
razão de uso do jogo na instituição escolar. Defendemos o pressuposto de que, para
auxiliar no processo de aprendizagem, o jogo precisa conciliar a função lúdica e
educativa.

Diante dessa afirmativa, cabe analisarmos o contexto da criança que brinca e


suas implicações no papel do professor quando inserido em uma concepção do brincar
que considera a necessidade do outro.

Você se lembra das suas brincadeiras preferidas? Quais eram? E dos brinquedos
necessários para a realização de tais brincadeiras? E, ainda, de outras brincadeiras que
estavam presentes no seu tempo de escola? Reflita sobre como a brincadeira esteve
incorporada em seu cotidiano escolar quando criança. Do que você brincava e, se
brincava, como eram organizadas as atividades? Qual a periodicidade? Quais materiais
estiveram disponibilizados para que as brincadeiras acontecessem? Como o tempo era
planejado para tais atividades? Quais modalidades do brincar eram priorizadas? As
ações de seus professores demonstravam uma atitude lúdica?

Agora, rememore as suas atitudes com o brincar como professor. Considerando as


questões levantadas e analisadas, construa um quadro comparativo entre as suas
vivências, proporcionadas pelos seus professores quando criança, e as suas atitudes
perante a ludicidade, hoje, como professor.
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Após essa atividade, certamente nos deparamos com situações que revelam
um tempo e um espaço de aprendizagens ilustrados pelas ações dos professores que,
diante da intencionalidade sobre o brincar, proporcionaram mais ou menos
possibilidades de encontro da criança com essa linguagem. Porém valemo-nos dessas
ideias para problematizar e discutir como o brincar deve ser incorporado no interior da
escola, hoje? Qual o papel do professor nesse contexto do brincar?

Ainda seguindo essa linha de proposição, que nos remete a vários


questionamentos acerca da temática do brincar, para, a partir deles, podermos ampliar
nossa participação (dos adultos) e melhorar a qualidade dessa experiência no contexto
educacional, encontramos em Moyles (2006, p. 106) mais algumas questões
fundamentais para a estruturação de um trabalho pedagógico que acolhe a brincadeira
como parte do currículo. Entre elas:

- Qual é o papel do brincar no currículo de cada instituição educativa, creche, pré-


escola, escola?
- O brincar apoia a aprendizagem das crianças? Quais aprendizagens?
- Quais são as necessidades de espaço, tempo e de materiais para que as crianças
brinquem?
- As crianças são chamadas a participar das tomadas de decisão sobre os espaços
para brincar ou sobre as áreas lúdicas (quando são permanentes e se existem
na escola)?
- Como e quanto a organização do brincar contribui para a independência e a
autonomia das crianças?
- Os materiais e recursos são apropriados e com padrão o mais elevado possível?
Como se pode melhorar essa condição?
- O brincar é entendido como propriedade dos adultos? Das crianças? Existe
responsabilidade compartilhada a esse respeito?
- Que conhecimentos, habilidades e conceitos são necessários para que a
brincadeira tenha sucesso?
- Que conhecimentos, habilidades e conceitos serão oportunizados pelo brincar?
- Qual ou quais papéis os professores adotam em relação às brincadeiras na
instituição educativa, creche, pré-escola, escola?
- Que tipo de relacionamento o brincar oportuniza?
- Como são observados a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças nas
brincadeiras?
- Existe intencionalidade e consideração de oportunidades iguais em termos de
cultura, raça/etnia, gênero, necessidades educativas especiais em relação ao
brincar infantil? O brincar oportunizado reforça ou contesta estereótipos?

Provavelmente, outras perguntas deveriam e poderão ser feitas no intuito de


inserir a cultura lúdica no universo educacional. Na obra já referida de Moyles (2006),

58
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

há um capítulo (13), proposto por Christine Pascal e Tony Bertram, que discute
exclusivamente a qualidade das experiências lúdicas proporcionadas pelas instituições
educativas – creche, pré-escola, escola –, com vistas a avaliá-las e melhorá-las. São
dez dimensões, assim organizadas: 1. Metas e objetivos; 2. Currículo; 3. Estratégias
de aprendizagem e ensino; 4. Planejamento, avaliação e manutenção de registros; 5.
Equipe; 6. Ambiente físico; 7. Relacionamento e interações; 8. Oportunidades iguais;
9. Ligação e parceria com os pais; 10. Monitoramento e avaliação.

Termos conhecimento do quão intencional, criterioso e embasado teoricamente


deve ser o trabalho com a ludicidade reafirma a necessidade de buscarmos uma
formação séria e consequente, para uma atuação profissional com qualidade do
brincar proporcionado às crianças.

Com base no que você leu e estudou até agora, que tal redigir um texto
argumentando sobre o jogo no contexto educativo? Para a elaboração de seu
texto, procure ousar, pesquisar as indicações bibliográficas referidas no final desta
unidade, consultar outras fontes, como sites, periódicos científicos... Lembre-se de que
pesquisar e investigar, para as crianças, também são consideradas atividades lúdicas.

3.2 ESPIRAL DO BRINCAR: UM MOVIMENTO QUE ENRIQUECE O CONCEITO SOBRE A


BRINCADEIRA

O brincar, quando intencionalmente incorporado à escola, nos traz outra


dicotomia: a aprendizagem se dá no brincar livre, ou as crianças devem participar de
brincar dirigido? Tal questionamento se desvela porque, de um lado, tem-se a crença
de que a criança aprende pouco sem a direção do professor. De outro, o brincar livre,
autoiniciado pela criança, é defendido como contexto melhor de aprendizagem.

Concordamos com Moyles (2002) ao defender que “na escola, o brincar pode
ser dirigido, livre ou exploratório: o essencial é que ele faça a criança avançar do ponto
em que está no momento em sua aprendizagem, criando condições para a ampliação e
revisão de seus conhecimentos” (MOYLES, 2002, p. 181). Vale ressaltar que nem o
brincar livre e nem o dirigido dispensam a ação do professor, pois, para que o brincar
livre aconteça, é necessário, por exemplo, organizar o tempo, o espaço e os materiais
adequados, ou seja, é preciso criar condições para que o brincar esteja em lugar de
excelência. É preciso, ainda, acompanhar, observar a brincadeira como elemento-
chave para compreendermos a aprendizagem infantil em meio a esse processo, assim
59
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

como para ofertarmos um brincar de qualidade.

Segundo Moyles (2002), o acesso ao livre brincar, a oportunidade de explorar e


investigar materiais e situações sozinho e entre pares pode ser o precursor do brincar
dirigido, mais desafiador. Entretanto, ele também pode ser sua consequência. Trata-se
de um processo cíclico, uma espécie de espiral do brincar, cheia de ondulações, que
vão do brincar livre e exploratório para o brincar dirigido e de volta para o brincar livre
enriquecido, permitindo assim novas experiências para as crianças e a aquisição de
novos conhecimentos e habilidades.

Conclui essa mesma autora que, dentro da noção de professor como mediador
e iniciador da aprendizagem, tanto o brincar livre como o dirigido são aspectos
essenciais da interação professor/criança, porque o professor tanto permite quanto
proporciona os recursos necessários e apropriados.

3.3 O BRINCAR ORGANIZA O AMBIENTE, A ROTINA, E TRAZ À TONA O PAPEL DO


PROFESSOR

É indispensável e real a importância do professor planejar e participar do


brincar das crianças. Só assim o brincar vincula-se com a possibilidade de aprender de
forma significativa e poderá se fazer presente na escola, na creche e na pré-escola de
forma intencional e refletida. Mas até que ponto o professor deve participar da
brincadeira das crianças e até onde deve orientá-las?

Segundo Gilles Brougère (2004a):

A criança não brinca numa ilha deserta. Ela brinca com as substâncias
materiais e imateriais que lhe são propostas. Ela brinca com o que tem
à mão e com o que tem na cabeça. Os brinquedos orientam as
brincadeiras, trazem-lhe a matéria. Algumas pessoas são tentadas a
dizer que eles a condicionam, mas, então, toda brincadeira está
condicionada pelo meio ambiente. Só se pode brincar com o que se tem
e a criatividade [...] permite, justamente, ultrapassar esse ambiente,
sempre particular e limitado. O educador pode, portanto, construir um
ambiente que estimule a brincadeira em função dos resultados
desejados. Não se tem certeza de que a criança vá agir, com esse
material, como desejaríamos, mas aumentamos, assim, as chances de
que ela o faça; num universo sem certezas, só podemos trabalhar com
probabilidades. Portanto, é importante analisar seus objetivos e tentar,
por isso, propor materiais que otimizem as chances de preencher tais
objetivos. Não somente o material, é preciso levar em conta as outras
contribuições, tudo aquilo que propicie à criança pontos de apoio para a
sua atividade lúdica (BROUGÈRE, 2004a, p. 105).

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

A partir do extrato do texto de Gilles Brougère, levante questões que você


considera fundamentais para o trabalho com a criança, justificando a sua escolha.

Cuidar do ambiente também é uma forma de garantir o brincar. Portanto, como


os materiais devem estar organizados? Como devem ser os armários, as estantes e
prateleiras da sala? Qual deve ser a participação das crianças na organização do
espaço? O que deve ser feito com os materiais quebrados ou rasgados?

Para pensar a partir da leitura e construirmos algumas relações sobre a importância


do professor e da organização do espaço no contexto do brincar na escola:

Devemos deixar o espaço impecavelmente arrumado? Nesse caso, qual a finalidade


dessa organização para a criança? Desarrumá-lo? Qual a melhor forma de criar um
ambiente lúdico para promover e enriquecer a brincadeira?

Casinhas

As casinhas habitadas e construídas por crianças são como ninhos. Um refúgio que
dá a possibilidade de entocar-se, fechar-se sobre si mesmo, nessa intimidade
assegurada e protegida pelos contornos do pequeno lar.
Assim como o passarinho que aproveita cada pequeno fiozinho de palha caída no
chão, as crianças amarram panos velhos, erguem tábuas, empilham caixas, pegam
folhas de árvores, cortam e grudam papelões e reaproveitam cada detalhe
disponível ao redor. Uma verdadeira caçada de objetos e estrutura que formam as
paredes ou contornos da casa.
Isso sem esquecer dos apetrechos utilitários – escovas de dente, ferros de passar,
camas, chuveiros, lâmpadas, vasos de flores, escorredor de pratos, almofadas –,
que podem ser das mais diversas formas e constatam a realidade e a verdade do
brincar. Uma construção rica e intensa, provando que esses “passarinhos” já sabem
voar, e voam alto.
Nessas casinhas infantis brasileiras moram sanhaços, periquitos, japiins, sabiás,
andorinhas, jacutingas, uirapurus, murucututus, que cozinham, fazem dormir seus
filhotes, lavam roupas em cantorias diversas, criam cachorros, limpam a casa, saem
para fazer compras, arrumam armários e prateleiras, consertam objetos quebrados,
brincando de se enraizar em um cantinho desse mundo.
As casinhas são um espaço habitado por essências, segredos e liberdades infantis.

(FONTE: MEIRELLES, Renata. Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras. São Paulo: Terceiro Nome, 2007.)

61
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Voltemos, enriquecidos pelas atividades acima, às questões centrais deste


item: quando e como intervir nas brincadeiras das crianças?

Para ampliar o olhar sobre a importância da ação de intervir e, portanto, de


organizar o espaço para que a brincadeira aconteça de forma intencional e enriquecida
muitas vezes pela imprevisibilidade, nos reportamos à mesma autora, Renata
Meirelles, especialista em brincar:

Hoje nos vemos no papel de educadores com a responsabilidade de


contribuir e ampliar o universo de nossas crianças. Ora, se a criança
(que está usufruindo da sua infância) já vive neste universo tão amplo,
e se a brincadeira é o seu espaço de expressão, de descobertas e
conquistas, o que cabe a nós, professores, de crianças, fazermos em
relação ao brincar? Basicamente criar mais espaços e oportunidades
para elas fazerem o que mais conhecem: brincar. Digo e repito: é
preciso abrir mais espaços para deixar as crianças brincarem. O que a
princípio parece simples é algo tido como um problema entre muitos
educadores (MEIRELLES, 2007, p. 25).

Somos, por assim dizer, sabedores de que o adulto tem uma função significativa
na brincadeira infantil e na brincadeira do meio escolar. É desse professor a
incumbência de zelar pelo espaço da brincadeira, oferecendo material e partilhando
das brincadeiras das crianças. É, portanto, de suma importância o papel do professor,
tanto na garantia quanto no enriquecimento da brincadeira como atividade social da
infância.

Para que isso ocorra, as situações lúdicas necessitam ser planejadas e


orientadas pelo professor, visando a uma finalidade de aprendizagem. Por isso, vale
lembrar que o uso do brincar de modo intencional requer um plano de ação, um
planejamento, que priorize e destaque o brincar como eixo norteador do trabalho com
as mais diferentes áreas do conhecimento.

Vale reafirmar que o adulto, no seu papel de coautor das brincadeiras das
crianças, tem o dever de trazer materiais, de organizar espaços, propiciar ambientes
que permitam às crianças criar a partir deles, mas sem determinar tudo, pois, como
afirma Renata Frauendorf (psicopedagoga da Clínica Soma, em Campinas (SP) e
formadora do Instituto Avisa Lá), “caso contrário, continuaremos a arrumar a casinha
para as crianças apenas desarrumarem”.

62
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

3.4 DA INTENÇÃO À AÇÃO: CRIANDO ESPAÇOS E MATERIAIS PARA A MATERIALIDADE


E IMATERIALIDADE DO BRINCAR

As escolas têm muita responsabilidade para com as crianças, seu


desenvolvimento e sua aprendizagem, o que torna imprescindível a presença de um
trabalho intencional e de qualidade. É na intencionalidade do trabalho que reside a
preocupação com o planejar.

Planejar envolve a organização daquilo que será posto em prática; é tornar


consciente a intencionalidade que preside a intervenção, ou seja, tornar a prática mais
intencional e consequente. Na busca por responder a questões como o que fazer com
as crianças, como, onde, quando, por que etc., ações são vislumbradas, prevendo-se o
que, como e por que realizar tal atividade. É o planejamento que garante a
intencionalidade educativa da ação pedagógica do professor.

Portanto, planejar o brincar é prever na rotina escolar períodos de tempos


consideráveis destinados à brincadeira. É também considerar a forma como os
materiais estão organizados, sua qualidade e adequação, bem como olhar para os
brinquedos, pois neles há uma dimensão funcional e outra simbólica, indissociáveis.

Na relação tempo/materiais/professor/criança, é relevante afirmar que tanto


as crianças quanto o professor precisam estar envolvidos na criação de espaços onde
se possa brincar com um alto nível de interatividade e de invenção.

Tal requisito se reafirma quando lembramos da observação de Brougère


(2004a, p. 105) de que ’’a criança não brinca numa ilha deserta. Ela brinca com as
substâncias materiais e imateriais que lhe são propostas. Ela brinca com o que tem à
mão e com o que tem na cabeça. Os brinquedos orientam a brincadeira, trazem-lhe a
matéria’’ e a relacionamos com a indicação de Wajskop (1995) de que os espaços
devem:

propiciar e acolher as necessidades de fabulação das crianças;


permitir a livre expressão e exploração de todo repertório simbólico
corporal; propiciar a experiência sensorial e a diversidade de emoções
nas crianças; utilizar os mais variados materiais, de forma a que
tenham elementos móveis que possam ser manipulados e modificados
por crianças e por adultos (WAJSKOP, 1995, p. 51-53).

É preciso, pois, reafirmar o brincar na prática do professor, como também


pensar sobre a brincadeira, visualizando a intencionalidade da organização do
ambiente, da boa qualidade dos materiais disponibilizados nos “cantos”, permitindo o

63
PEDAGOGIA Ludicidade e Aprendizagem na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

acesso das crianças no sentido de participação efetiva, ou seja, de se tornar um


partícipe no planejamento da brincadeira, da atividade planejada como parte da rotina
dos professores, estes vistos como parceiros no faz de conta das crianças e como
referências de ações, estimulando a participação e a troca de papéis entre elas. Isso
evidencia o adulto na brincadeira, a brincadeira e seus diferentes tempos, bem como o
lugar da organização do espaço.

Sobretudo, é preciso planejar a organização de situações nas quais as crianças


possam conversar sobre suas brincadeiras. Rememorar os papéis assumidos por elas e
pelos demais integrantes da brincadeira, os materiais e os brinquedos utilizados,
assim como o desenvolvimento de ações que foram realizadas é, pois, fundamental.
Outras linguagens igualmente importantes para registrar o brincar são o desenho e o
texto. Dessa forma, estar-se-á ajudando as crianças a organizarem seus pensamentos
e emoções no sentido de criar condições para que a dimensão lúdica se materialize à
luz das aprendizagens, ou seja, deve-se possibilitar à criança modos de expressão
cada vez mais elaborados e significativos.

Para enriquecer a argumentação acerca da relevância do registro do


professor sobre as brincadeiras das crianças em contextos educativos, convidamos o
leitor a buscar o texto intitulado Observar, registrar e avaliar a brincadeira infantil (p. 66-
72), no endereço:

http://www.mec.gov.br, no link 'publicações'. O referido texto está inserido na Coleção


Proinfantil, Módulo II, Livro de Estudo da Unidade 7, Volume II.

A borboleta azul

“A lenda conta que uma menina curiosa, decide colocar à prova o velho sábio, por
duvidar de que fosse realmente um sábio. Tomou nas mãos uma borboleta azul,
escondeu as mãos com a borboleta para trás, foi até o sábio e disse: tenho nas mãos
uma borboleta azul, ela está viva ou morta. Antes que o sábio respondesse, tinha
preparado o seguinte ardil: se ele disser que está viva, eu a esmago e ela estará morta;
ele não é um sábio. Se ele disser que ela está morta, eu a deixo voar; ele não é um sábio.
Mas o sábio, como podíamos esperar de um sábio, foi muito sábio em sua resposta. Ele
disse: Ela está em suas mãos, depende de você”. (Sonia Regina Lyra – CRP– 08/0745)

Que tal você aproveitar a ideia principal que se destaca nessa lenda e fazer uma analogia
entre seu conteúdo e o compromisso profissional do educador, professor envolvido com
o trabalho na Educação Infantil?

64
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Em síntese, por acreditarmos que o conhecimento deve ser alicerçado de modo


agradável, sorrateiro, como o gesto da criança arteira que unta generosamente as
bordas do pão com o requeijão de sua preferência, lambuzando-se e deliciando-se
concomitantemente com o próprio gesto e principalmente com o prazer dele
resultante, defendemos a presença e permanência do jogo da Educação Infantil ao
Ensino Fundamental. Acreditamos que alicerçar a construção do conhecimento por
meio da atividade lúdica é promover bases sólidas, bem estruturadas, confiantes em
uma educação que “forma por inteiro”, mesmo porque não conseguimos vislumbrar a
ideia de uma criança que brinque sem esgueirar-se, tatear, sentir, cheirar, sujar-se e
vislumbrar possibilidades na utilização do objeto que se encontra a sua frente...

Nos endereços indicados abaixo, você poderá ampliar seu repertório prático
em relação ao brincar:

Jogo de Aprender
http://www.jogodeaprender.com.br
Site dedicado ao uso dos jogos cooperativos na educação como estratégia lúdica de
ensino.

Projeto Bira
http://www.projetobira.com/
Site dedicado ao projeto que trabalha brincadeiras infantis da região amazônica.

65
4
O brincar no Ensino
Fundamental

Licenciatura em Pedagogia
4.1
O papel da brincadeira
no Ensino Fundamental
pelo olhar das crianças
Fernanda Mara Silvestre, Rosângela Veiga Júlio
Ferreira e Víviam Carvalho de Araújo

Licenciatura em Pedagogia

Silvestre, Fernanda Mara; Ferreira, Rosângela Veiga Júlio; Araújo, Víviam


Carvalho de. O papel da brincadeira no Ensino Fundamental pelo olhar das
crianças. CES Revista, v.24, Juiz de Fora, 2010, 2018. p.285-302.
O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

O papel da brincadeira no ensino


fundamental pelo olhar das
crianças
Fernanda Mara Silvestre*
Rosângela Veiga Júlio Ferreira**
Víviam Carvalho de Araújo***

RESUMO

O texto tem como objetivo apresentar o resultado de uma investigação realizada


com crianças do 2º ano do Ensino Fundamental com vista a identificar como
concebem a presença da brincadeira no espaço escolar. O arcabouço teórico-
metodológico estruturou-se na abordagem sociointeracionista, buscando
interpretar o corpus discursivo no sentido de perceber que as crianças se
constituem na e pela linguagem como sujeitos de direitos diante da sociedade,
portanto produtoras e consumidoras de cultura. A observação participante e a
entrevista semi-estruturada realizada com essas crianças possibilitam reflexões
sobre a questão de que o brincar se constitui como um instrumento de
fundamental importância nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisa
sinaliza que, através das brincadeiras, instituídas inclusive em momentos em que
não são autorizadas pelos professores, ocorrem consolidações de aprendizagens
e interações linguísticas significativas.

Palavras-chave: Brincadeira. Criança. Interação. Ensino Fundamental

*Graduada em Pedagogia (CES/JF). Professora das séries iniciais do Ensino Fundamental da


Rede Particular de Juiz de Fora.
**Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professora do
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF) e Coordenadora de um projeto de Iniciação
Científica na área da Pedagogia desta mesma instituição, pesquisadora do grupo de pesquisa
do NESCE – História da Educação – da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenadora
pedagógica da Rede Municipal de Juiz de Fora.
***Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pesquisadora do
grupo de pesquisa “EFOPI” – Educação, Formação de Professores e Infância – da Universidade
Federal de Juiz de Fora, professora da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora.

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


285
PEDAGOGIA

ABSTRACT

The text aims to present the result of research conducted with children of the 2nd
year of elementary school to identify how they conceive the presence of play in
school. The framework theoretical-methodological has structured in the social
interaction approach, seeking to interpret the discursive corpus to realize that
children are constituted in and through language as subjects of rights before the
society, thus producers and consumers of culture. The participant observation
and semi-structured interviews with these children enable reflections about the
issue that the play is constituted as an instrument of fundamental importance
in the early grades of elementary school. The research indicates that through
the play, including imposed at times when they are not authorized by teachers,
consolidations occur in learnings and linguistic interactions significant.

Keywords: Playing. Child. Interaction. Elementary School

286 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

1 INTRODUÇÃO

“Eu gosto de ouvir as crianças conversando,


porque elas são absolutamente como os
poetas. Não conhecem obstáculos à sua
imaginação.”
Cecília Meireles

A brincadeira constitui-se como elemento de fundamental importância


para as crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental? Eis a questão que
impulsionou a tessitura desse artigo que apresenta como tema o brincar, campo
consolidado na Educação Infantil com espaços não só na formação inicial de
professores como também na continuada. Mas as crianças encontram espaços
para o brincar nas séries iniciais do Ensino Fundamental?

O referido artigo1 apresenta os estudos realizados a partir de uma pesquisa


que teve como universo empírico uma escola da rede particular de Juiz de Fora
e como sujeitos da investigação crianças do 2º ano do Ensino Fundamental. O
objetivo da investigação pautou-se na possibilidade de compreender como as
crianças concebem a brincadeira no 2º ano do Ensino Fundamental. Identificar
se e como essa ação aparece no espaço da sala de aula, assim como observar
as interações sociais que as crianças realizavam pelo brincar e se ocorriam
linhas de fuga2 no cotidiano da sala de aula também representaram elementos
impulsionadores da questão investigativa.

A possibilidade de ouvir as crianças, tal qual Cecília Meireles coloca na


crônica que escreveu num tempo outro, consolida-se, a nosso ver, como um
desafio para as relações que se estabelecem entre alunos e professores nas séries
iniciais do Ensino Fundamental. Dessa forma, refletir sobre a importância dessa
ação de escuta, concebendo a interação com esse universo infantil como espaço
de busca para explicar/compreender o mundo ao seu redor, consubstancia o fio
1
Este texto foi escrito com base no trabalho de conclusão do curso de Pedagogia da aluna
Fernanda Mara Silvestre, do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), defendido
no ano de 2008. A pesquisa foi orientada pela professora Rosângela Veiga Júlio Ferreira e co-
orientada pela professora Víviam Carvalho de Araújo.
2
O conceito de linha de fuga é utilizado para falar da forma com a qual é possível romper com
a ordem (im)posta pelo sistema. Defende-se a ideia de que a repetição significa a retomada
de singularidades pré-individuais e que uma origem única só é assinalada num mundo que
contesta tanto o original quanto a cópia e que ao contestar cria as chamadas linhas de fuga. Os
alunos da instituição investigada “contestam” os tempos e lugares propostos para o brincar ao
repetirem em suas relações cotidianas movimentos singulares de brincadeira. (DELEUZE, 2006)

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


287
PEDAGOGIA

condutor deste texto.

A interpretação dos dados permite perceber nuances a respeito de como


as crianças percebem espaços para a brincadeira na escola e o tempo destinado a
ela nas atividades cotidianas, quais brincadeiras são “permitidas”, que concepções
são atribuídas ao brincar e o que é possível aprender a partir das brincadeiras.

2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA: CONCEPÇÕES E POSSIBILIDADES DO


BRINCAR

Ao longo dos anos, a sociedade vem sofrendo diversas mudanças


decorrentes do desenvolvimento tecnológico, das exigências que o mercado
impõe e das diferentes culturas. Essas transformações interferem em diversas
áreas, principalmente no contexto educacional. Nesse espaço de alterações,
uma questão importante é pensar se as escolas se preocupam em organizar o
seu tempo e suas atividades de acordo com as necessidades e especificidades
da criança, e se existem situações de brincadeira nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. Defende-se, neste texto, a idéia de que o brincar constitui-se
em um elemento de fundamental importância para o desenvolvimento social e
cognitivo das crianças.

A concepção do brincar possui um sentido social e está fortemente


associada à cultura e às condições de vida daqueles que brincam. Segundo
Brougère (2008), toda sociedade é formada por uma cultura que dispõe de
diversas imagens, representações, símbolos e significados expressivos dentro de
um espaço social. Suas fontes são muitas, sendo que uma delas é a brincadeira
e suas peculiaridades. Através da brincadeira, as crianças se apropriam dessa
cultura e sociedade, podendo se expressar e criar novas produções.

A partir dos estudos realizados por Vygotsky (2003), a brincadeira3


favorece a criação da Zona de Desenvolvimento Proximal4, pois ao brincar a

3
A brincadeira a qual Vygotsky se refere é a de faz-de-conta ou de papéis sociais.
4
A zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é um espaço dinâmico de aprendizagem, que, de
acordo com as ideias de Vygotsky, “implica a relação entre o nível de desenvolvimento real –
determinado pela capacidade de solução de problemas de modo independente – e o nível de
desenvolvimento potencial – em que se encontram as funções psicológicas em processo de
amadurecimento, potencialmente emergentes, mas ainda não suficientemente consolidadas”
(PIMENTEL, 2007, p. 224).

288 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

criança age além do comportamento da sua faixa etária e da sua realidade


diária, produzindo atividades e experiências novas, criando modos de pensar
e agir no mundo que desafiam o seu conhecimento já internalizado. Segundo
Vieira, Carvalho e Martins (2005, p. 43), “[...] a brincadeira cria uma zona de
desenvolvimento proximal, porque favorece a emergência de certos processos
psicológicos e estimula outros que começam a se constituir”.

Rossler (2006) aponta que o desenvolvimento do ser humano acontece de


acordo com a apropriação da cultura e com as diversas mediações que o indivíduo
realiza ao longo da sua vida, e que o tornam capaz de reproduzir, transformar
e exteriorizar aquilo do qual se apropriou. Acreditamos que a criança usa a
brincadeira como mediadora desse processo de apropriação, expandindo suas
relações com o mundo dos objetos e símbolos humanos. Dessa forma, assimila,
compreende e aprende a viver socialmente no espaço em que está inserida.

Defendemos a concepção de que a escola precisa ressaltar a importância


da brincadeira para o desenvolvimento social e cognitivo da criança, pois, de
acordo com Desgualdo (2008), a sociedade difunde uma idéia que limita o
ato de brincar a um simples passatempo, sem funções mais importantes que
entreter a criança em atividades divertidas. É preciso reforçar a ideia de que os
educadores têm na brincadeira uma ferramenta importante para proporcionar
aos alunos momentos lúdicos que possibilitem o desenvolvimento de um
processo de aprendizagem e socialização.

3 O CAMINHO METODOLÓGICO

A investigação sustentou-se na vertente qualitativa sócio-histórica


que, segundo Monteiro (1998), prioriza o sentido dos fenômenos sociais, das
situações presenciadas, buscando compreender o processo de construção desses
fenômenos, fazendo relações com a experiência humana envolvida.

A pesquisa, realizada a partir da observação participante5 e de entrevistas


semi-estruturadas6 realizadas com alunos de uma turma do 2º ano do Ensino

5
A observação participante, de acordo com Flick (2004), possibilita compreender especificidades
do universo investigado e, ao mesmo tempo, mediar esse processo de interação com o meio.
6
Segundo Flick (2004), a entrevista semi-estruturada constituiu-se como um método para a
reconstrução de teorias subjetivas. Nesse método, pode-se obter uma gama de conhecimentos
sobre o tópico em estudo.

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


289
PEDAGOGIA

Fundamental de uma escola da rede particular de Juiz de Fora7, conforme


apontado na introdução deste texto, permitiu um diálogo entre pesquisador e
sujeitos de pesquisa possibilitando um contato direto com a situação estudada8,
além de ter permitido a compreensão do fenômeno segundo as perspectivas
dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo.

Com relação à realização de pesquisa na qual os sujeitos da investigação


são crianças, os estudos de Araújo (2008) apontam para o fato de que para sua
realização é preciso muita cautela, reconhecendo as diferenças existentes entre
crianças e adultos e buscando sempre criar um vínculo com elas, de modo que
seus interesses e valores sejam realmente considerados.

A turma pesquisada era atendida por duas professoras e tinha 14 alunos


com média de idade de 7 anos. As observações e a entrevista com as crianças
foram utilizadas como instrumento para saber o que elas pensavam a respeito
da brincadeira na escola.

Com relação à entrevista com as crianças, foram pensadas perguntas que


objetivavam identificar como elas concebiam a escola, o que mais gostavam
de fazer naquela instituição, em que espaços podiam brincar, o tempo que era
destinado pelos professores à brincadeira, os tipos de brincadeiras que mais
gostavam, as concepções de brincar que emanavam de suas colocações e o que
era possível aprender a partir da brincadeira.

Na seção seguinte apresentamos a análise dos achados da pesquisa que, em


constante diálogo com o referencial que sustentou esta investigação, possibilitou
descortinar o inverso da brincadeira a partir da concepção das crianças.

4 O BRINCAR NA ESCOLA: OUVINDO AS CRIANÇAS

“Quando penso na minha escola o que


eu mais gosto de fazer é lanchar, brincar
e mais um monte de coisas: ler revistas
e livros.”9

7
A pesquisa foi devidamente autorizada pelo diretor da escola e pelas professoras. Informamos,
no entanto, que preservamos os nomes dos sujeitos de pesquisa, utilizando nomes fictícios.
8
A pesquisa de campo aconteceu no período de 05 de setembro a 05 de outubro do ano de
2008. A observação ocorreu todos os dias da semana durante vários horários e situações da aula.
9
Colocação da aluna Suzana ao ser perguntada sobre o que mais gostava de fazer na escola.
Informamos ao leitor que optamos por apresentar as falas das crianças entrevistadas em itálico.

290 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

A análise do corpus discursivo aponta para o fato de que a brincadeira


constitui-se como principal atividade considerada pelas crianças na escola
investigada.

Ao perguntar às crianças o que mais gostavam de fazer na escola,


constatou-se que, das 14 crianças entrevistadas, 10 citaram diretamente o
brincar como a principal atividade exercida por elas na instituição. A partir da
pergunta inicial, podemos perceber que a brincadeira é uma atividade muito
significativa para o grupo investigado.

“O que eu mais gosto na minha escola é de lanchar e de brincar na hora


do recreio”10. A fala de Bianca reforça a importância atribuída ao brincar e nos
permite concluir o quanto a brincadeira possibilita a existência de circunstâncias
que escapam ao “controle” do adulto. Ao vivenciar situações de brincadeira na
hora do recreio, por exemplo, a criança cria situações imaginárias, podendo,
dessa forma, desenvolver seu pensamento abstrato.

Para Vygotsky (2003) a criança consegue, a partir dos objetos utilizados


nas brincadeiras, instituir explicações que diferenciam os campos perceptivos
e simbólicos. Dessa forma, a criança desenvolve seu psiquismo e constitui-se
como um ser no mundo, fato que possibilita a realização de operações mentais
(psicológicas), articulando gestos, movimentos e/ou instrumentos culturais
(brinquedos, lápis, caderno, computador etc.) com signos (símbolos que
constituem linguagem, seja ela verbal – falada ou escrita – gestual, musical),
para resolver problemas como lembrar, comparar coisas, relatar, escolher,
desenvolvendo, assim, funções mentais superiores.

De acordo com os estudos de Vygotsky (2003), as funções psicológicas


superiores decorrem da internalização de processos culturais, ou seja, da
reconstrução interna de operações externas. As crianças desenvolvem a
capacidade de controlar e dirigir seu próprio comportamento e essa habilidade
se torna possível pelo desenvolvimento de novas funções, que lhes possibilitam o
uso de signos verbais e não-verbais assim como o uso de instrumentos. Nas ações
e operações mentais dos sujeitos, os instrumentos e os signos – sociais e culturais
– fazem a mediação entre o sujeito, o mundo (os objetos) e os outros sujeitos, no
caso da escola com os professores e os objetos por eles apresentados.

Na fala da aluna Suzana, presente na epígrafe desse subitem, assim


como na de Bianca, consegue-se apreender que tanto os momentos livres como
os direcionados pelo professor influenciam a forma como a criança percebe a
Colocação da aluna Bianca sobre a mesma pergunta de Suzana, descrita na nota anterior.
10

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


291
PEDAGOGIA

escola. A referência predominante à brincadeira e ao lanche como atividades


preferidas na escola revelam, dessa forma, o quanto o brincar constitui-se como
uma ferramenta privilegiada para promover significação para as atividades
realizadas na e pela escola.

Ao partir do princípio de que uma atividade lúdica é marcada pela cultura


e mediada pelos sujeitos é possível compreender os sentidos atribuídos ao lanche
como momento significativo na escola. Ao ir ao espaço do pátio, destinado à
brincadeira livre, assim como a outros espaços com esse mesmo objetivo, o
conteúdo da brincadeira ganha uma conotação ligada aos sentidos atribuídos
pelas crianças que participam das interações.

Decorre daí a necessidade do professor estar atento à importância de


criar espaços para a brincadeira também no interior da sala de aula, oferecendo
às crianças materiais diversos e participando das brincadeiras propostas e as que
surgem das interações verbais. Ao atuar na consolidação de lugares outros para
o brincar, o professor possibilita a seus alunos uma maneira de “[...] aceder às
culturas e modos de vida adultos, de forma criativa, social e partilhada. Estará,
ainda, transmitindo valores e uma imagem da cultura como produção e não
apenas consumo”. (WAJSKOP, 2007, p. 112)

Ao conceber a brincadeira como espaço preferido na escola, as crianças


do universo investigado valorizam-na como elemento encadeador de seu
desenvolvimento psíquico e social, conforme pode ser percebido nas colocações
das análises do corpus discursivo. Essas observações nos permitem (re)afirmar
que o papel do professor é fundamental para que as brincadeiras instituídas nos
diferentes espaços da escola possam servir de pista para pensar a aprendizagem
também na sala de aula. Para tal, torna-se de fundamental importância ouvir as
crianças e possibilitar reflexões sobre o quanto é necessário ampliar a visão de
mundo a partir das interações com outros sujeitos, inclusive os adultos, sobre as
situações vivenciadas no cotidiano.

Para a maioria das crianças entrevistadas, a sala de aula não é lugar de


brincar. No discurso das crianças percebemos que a brincadeira é “permitida” na
hora do recreio e da Educação Física, como pode ser observado na colocação da
aluna Bianca11 ao afirmar: “Eu posso brincar somente na hora do recreio, na sala
algumas vezes. Sexta-feira pode trazer brinquedos e brincar no final da aula, mas
só um pouquinho”.
Percebemos, ainda, que os alunos buscam estratégias fora do horário,
Colocação da aluna Bianca ao ser perguntada sobre se podia brincar na escola.
11

292 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

criando linhas de fuga instituídas pelas normas disciplinares, definidas, muitas


vezes, culturalmente mais pelos familiares que pela instituição de ensino.

No início de uma das aulas, a pesquisadora conversou com a aluna Vanessa


sobre como é brincar agora que ela está no 2º ano do Ensino Fundamental. A
criança aponta que não brincava muito na sala de aula, mas gostava quando
as professoras davam brincadeiras naquele espaço. Em observação realizada
pela pesquisadora na sala de aula, constatou-se que uma das professoras fez
para as crianças bichinhos, espadas e corações de balões. Os alunos ficaram
empolgados com a situação e logo começaram a brincar.

A aluna Vanessa ficou com um cachorro e a Suzana com um cisne. As


duas começaram um diálogo: “Oi menino – disse Suzana / Oi menina – disse
Vanessa / Você quer ser minha amiga? / Vamos correr pela floresta”. As duas
começaram a correr pelas carteiras, fingindo que passeavam pela floresta.
Depois fingiram que o cisne e o cachorro tomavam banho no lago, conversavam,
abraçavam-se e se beijavam, dizendo que eram amigos.

Ao refletirmos sobre a situação observada acima, constatamos que na


brincadeira de faz-de-conta a criança cria situações imaginárias, podendo se
deslocar de um lugar para o outro, transitar por diferentes papéis e tramas e,
dessa forma, desenvolver o seu pensamento abstrato.

De acordo com os estudos de Araújo (2008), o fato dos professores


indicarem brinquedos para o momento das brincadeiras livres constitui-se
como elemento mediador entre as ações das crianças. Essa autora discute que
a criança reage diante dos estímulos de um brinquedo, pois podem ser usados
de diferentes maneiras, dentre elas para brincar e afirma que “quem brinca é
capaz de improvisar elementos de seu ambiente, buscando novas significações”.
(ARAÚJO, 2008, p. 83). A mesma autora aponta, ainda, ser de fundamental
importância o papel do adulto como mediador nas interações lúdicas das
crianças, “o papel de observador atento às situações lúdicas das crianças
também é um rico momento em que o professor obtém valiosas informações
sobre as crianças e seu universo”. (ARAÚJO, 2008, p. 100)

Com relação à pergunta sobre em quais momentos as crianças podiam


brincar na escola, apresentamos no quadro12 a seguir uma síntese das colocações
dos alunos. Podemos perceber que todas as crianças entrevistadas citam
diretamente o recreio como o principal lugar para a brincadeira.

Foram consideradas duas vezes as opções da criança que apontou dois lugares para brincar.
12

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


293
PEDAGOGIA

Recreio 14
Educação Física 3
Sexta-feira no final da aula 3
Hora da entrada 2
Final da aula 1

ILUSTRAÇÃO 1 - Brincadeiras na escola: horário

A partir da análise das colocações dos alunos, podemos dizer que todas
as crianças concebem o recreio como momento específico para o brincar, sendo
que a sala de aula não é definida como lugar para brincadeiras. Diante dessa
colocação pautada nas observações do campo, podemos afirmar que as crianças,
mesmo sabendo da impossibilidade de brincar na sala de aula, criavam espaços
e momentos para a brincadeira acontecer naquele lugar.

Em uma das observações, a pesquisadora percebeu que as alunas Suzana


e Mariana brincavam de irmãs durante a aula. Enquanto a professora corrigia
individualmente as atividades das crianças, as duas alunas fingiam que uma era
a irmã mais velha e a outra a mais nova. Elas brigavam e puxavam os cabelos
dizendo: “Eu vou contar para a mamãe que você não quer deixar eu sair./ Pode
contar, você é mais nova, e tem que ficar em casa. /Eu vou sim, você não me
manda.”

Através da análise dessa situação, podemos dizer que as alunas criaram


linhas de fuga para brincar. De acordo com idéias de Araújo (2008, p. 110)
muitos “[...] espaços que não são pensados pelos adultos como um lugar de
brincadeira para as crianças são por elas apropriados, dando exemplo de sua
capacidade de produzir novos significados para os lugares a partir de suas
interações”, mesmo se a criança não concebe em seu discurso que aquele é um
lugar específico para a brincadeira.

Defendemos a ideia de que as crianças se apropriam de espaços que


não são destinados especificamente para a brincadeira, reconstruindo e
ressignificando esses lugares. Para a criança qualquer lugar pode ser um lugar
lúdico, desde que haja algo ou alguém que possa interagir com ela e instaurar
as situações lúdicas.

Acreditamos que o espaço para o brincar deve ser desenvolvido pelas

294 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

crianças e não imposto pelo adulto, construindo um universo que tenha sentido
para elas. Ao criar cenários e situações imaginárias a partir dos espaços dispostos
e dos contextos de brincadeiras, as crianças desenvolvem a sua curiosidade e
imaginação, ampliando, assim, os significados daquele ambiente.

Durante as observações a pesquisadora também percebeu que as


crianças pedem ampliação do horário livre para as professoras, pois não possuem
muito tempo para brincar, a não ser na hora do recreio, conforme sinalizado
anteriormente. Quando perguntadas se o tempo para brincar na escola era
suficiente, a maioria disse que era pequeno e sentiam necessidade de brincar
fora dos horários considerados permitidos.

A partir das análises das notas de campo, percebemos que as crianças


necessitam de um espaço maior para brincar, pois a todo o momento se
deparam com a possibilidade de criar situações lúdicas e de interação. Tal fato
pode ser identificado na colocação do aluno Leonardo, ao dizer que: “O tempo
para as brincadeiras deveria ser maior, porque às vezes trago para a escola
um brinquedo que é difícil de montar, e não dá tempo só na hora do recreio...
quando monto o recreio já acabou!”.13
A criança precisa, a nosso ver, de um momento livre maior para
ampliar as suas atividades lúdicas, pois a brincadeira é muito importante para
o desenvolvimento de vários processos mentais. Concordamos com Araújo
(2008) ao apontar que a brincadeira de faz-de-conta desempenha funções
significativas para o desenvolvimento da criança, tais como a atenção, memória,
linguagem, pensamento, imaginação, sentimento, a capacidade de abstração,
entre outros.

Diante dessa possibilidade, o professor exerce um papel importante,


como ressalta Wajskop (2007, p. 112) ao dizer que “[...] faz-se necessário
apontar para o papel do professor na garantia e enriquecimento da brincadeira
como atividade social da infância”. Afirmativa que nos permite sustentar a
defesa de que o professor precisa criar maiores espaços lúdicos e de interação
dentro e fora da sala de aula, para que os alunos possam desenvolver aspectos
cognitivos e afetivos através da brincadeira.

Em relação a qual tipo de brincadeira as crianças mais gostavam de


realizar na escola, percebemos que correr de um lado para o outro durante
o recreio é uma das ações preferidas. Dentro da sala de aula, durante algum
13
Colocação do aluno Leonardo ao ser perguntado se o tempo destinado à brincadeira na
escola é suficiente.

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


295
PEDAGOGIA

horário vago, os alunos brincam de bonecas, carrinhos ou personagens fictícios,


criando, dessa forma, linhas de fuga conforme discutido anteriormente.

Pela análise do quadro, assinalando os tipos de brincadeiras mais citadas


pelas crianças, foi possível apreender que as brincadeiras de regras aparecem
como a atividade preferida pelas crianças para realizar na escola, seguida das
de faz-de-conta.

Brincadeiras de regra14 11
Faz-de-conta15 8

ILUSTRAÇÃO 2 - Brincadeiras na escola: tipo

Pimentel (2007) ressalta que, de acordo com o pensamento de Vygotsky,


a aprendizagem acontece por meio das interações pelas quais o sujeito realiza
com outras pessoas e com o meio em que vive, sendo a brincadeira um elemento
mediador dessa aprendizagem.

As brincadeiras de regras estão presentes nos contextos coletivos e são


construídas a partir da necessidade da criança de pertencer a um grupo, sendo
criadas de acordo com a cultura em que ela está inserida.

Nas brincadeiras com regras pré-determinadas, como o pique esconde


e o pique-pega, por exemplo, as regras aparecem explícitas, predominando
sobre o imaginário. No faz-de-conta, as regras existem, mas de forma implícita,
sendo que o imaginário predomina sobre esses direcionamentos, constituídos
por fatores dos campos social e cultural.

As regras são, na maioria das vezes, construídas ao longo do


desenvolvimento da brincadeira, cabendo às crianças decidirem quais vão ser
os papéis de cada um. Essas negociações constituem-se, a nosso ver, como
elementos de fundamental importância para o desenvolvimento da autonomia
das crianças, pois, ao decidirem o papel que cada um vai exercer na brincadeira,
precisam argumentar, negociar e definir esses papéis.

Ao citarem em seus depoimentos a brincadeira de regras e as brincadeiras


de faz-de-conta, as crianças mostraram a necessidade de inserção em um grupo
social e de satisfazer as suas necessidades, pois imitam pessoas adultas e seguem
Essas brincadeiras apresentam regras explícitas muitas vezes definidas social e culturalmente.
14

As brincadeiras de faz-de-conta apresentam implicitamente regras e são concebidas como


15

uma ação que escapa ao que é permitido no universo escolar.

296 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

regras para poderem pertencer e interagir com um determinado grupo. Tal fato
pode ser percebido na colocação de Mariana ao afirmar “Eu gosto de pique
esconde, e amo brincar de boneca de pano, brincadeiras de imaginar, onde cada
um é um personagem16“.
Com base nas colocações anteriores, afirmamos que tanto as brincadeiras
de regras, quanto as brincadeiras de faz-de-conta são de grande importância
para o desenvolvimento das crianças que frequentam os anos iniciais do Ensino
Fundamental, uma vez que contribuem para a interação, bem como para seu
desenvolvimento cognitivo e social.

“Brincar pra mim é coisa boa. É tudo de bom. Fico feliz quando brinco,
me sinto solta17”. A concepção do brincar que predominou nas entrevistas
aponta para uma visão positiva e de liberdade, como pode ser percebido na
colocação da aluna Suzana, ao dizer que fica feliz, sente-se “solta”, expondo
desejos e sentimentos.

De acordo com as falas das crianças e com os pontos destacados no


quadro a seguir, apresentando a concepção de brincadeira para as crianças,
podemos afirmar que todas as crianças entrevistadas consideram a brincadeira
como algo relevante em seus cotidianos.

Diversão 5
Liberdade para fazer o que quer 3
Coisa boa 3
Aprendizagem 2

ILUSTRAÇÃO 3 - Brincadeiras na escola: concepção

Ao presenciar uma situação lúdica, vivida entre as crianças durante o


recreio, a pesquisadora percebeu que a aluna Mariana brincava com um cachorro
de pelúcia e o puxava pelo chão do pátio dizendo que era o seu animal de
estimação. As outras crianças se aproximavam, faziam carinho e conversavam
com ele, como se ele realmente fosse um animal de verdade. A aluna Vanessa
se aproximou com outros bichinhos de pelúcia, e as crianças começaram a fingir
que eles conversavam.
16
Colocação da aluna Mariana a respeito da perguntada sobre o tipo de brincadeira de que
mais gosta.
17
Colocação da aluna Suzana ao ser perguntada sobre o que é brincar para ela.

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


297
PEDAGOGIA

Ponderamos que o fato de a brincadeira ser concebida como algo


prazeroso pelos alunos pesquisados, aponta para a consideração de que, ao
brincarem, as crianças expõem seus sentimentos de forma livre e se sentem
felizes, criando um meio de interação e diversão entre elas. Se essa concepção
for sistematizada na sala de aula, poderá atribuir significados outros para o
espaço da escola.

“Eu aprendo a fazer novos amigos, e também as regras da brincadeira,


e entrar em acordo para poder brincar18”. Assim como Pedro, a maioria das
crianças entrevistadas considera a brincadeira como uma forma de fazer amigos
e aprender as regras das próprias brincadeiras, como pode ser percebido pela
observação do quadro.

Aprende a fazer amigos 7


Aprende as regras 7
Cuidado 1
Associar o jogo ao pedagógico 1
Coisas novas 1
Cultura 1

ILUSTRAÇÃO 4 - Brincadeiras na escola: aprendizagens

Grande parte das crianças pesquisadas disse, nas entrevistas, que


aprendem regras através das brincadeiras, construídas por elas ao longo do
desenvolvimento da atividade de brincar.

Segundo Pereira (2005) todas as brincadeiras possuem regras e existe um


acordo realizado entre os sujeitos para orientar as ações daqueles que brincam.
Através das regras, a criança aprende o autocontrole e a autodisciplina, se
comportando de acordo com as regras combinadas para poder brincar.

As regras também são construídas através da sociedade e da cultura em


que a criança está inserida. Esse fato é também ressaltado por Araújo (2008)
ao dizer que muitas crianças brincam imitando os adultos para satisfazerem as
suas necessidades.

18
Colocação do aluno Leandro ao ser perguntado se e de que forma a brincadeira ajuda a
aprender.

298 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

5 APRENDER E BRINCAR: DUAS FACES DA MESMA MOEDA?

Constituiu-se a estrutura teórica, sustentada em autores que consideram


a construção da aprendizagem por meio de interações do sujeito com o meio
em que está inserido, possibilitando compreender a brincadeira como uma
atividade social e cultural. Diante da percepção da brincadeira como algo
presente e fundamental na vida das crianças, o entendimento pautou-se no
fato de que se trata de uma relação cultural.

Ao retomar o objetivo desta pesquisa, podemos dizer que as crianças


encontram espaços para a brincadeira dentro da escola e que linhas de fuga,
conforme relatado em colocações presentes no decorrer das análises, foram
construídas, possibilitando, dessa forma, a emersão de momentos lúdicos criados
inclusive dentro da sala de aula. Essa percepção nos permite afirmar que o brincar
se consolida como elemento de fundamental importância para a criança que
habita o espaço da escola destinada aos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Os achados desta pesquisa mostram que o brincar é uma atividade


significante para as crianças. Por meio da investigação foi possível descobrir
o universo lúdico das crianças observadas e perceber que necessitam de um
espaço maior para suas interações lúdicas. As crianças foram capazes de apontar
a importância da brincadeira nas relações entre os sujeitos e a necessidade de
conhecer e interagir com o meio social. Assim, pelos relatos apreendemos que
as brincadeiras possibilitam o desenvolvimento social, cognitivo e afetivo.

De acordo com as observações e as colocações dos sujeitos pesquisados


percebemos, ao longo da execução da pesquisa, o brincar como uma atividade
significativa para as crianças. Cabe relatar, ainda, que durante as situações
lúdicas presenciadas observamos a presença da imaginação, do faz-de-conta e
da construção das regras nas interações entre os pequenos.

Um fato para ser discutido é o de que as crianças investigadas acham


o tempo para a brincadeira insuficiente, sendo o recreio o maior momento
para brincar. Disto decorre a visão de que talvez necessitem de espaços lúdicos
maiores para desenvolverem suas atividades, trocando experiências através de
múltiplas interações suscitadas pelo brincar.

Percebemos pela observação participante que as professoras, através de


práticas pedagógicas no contexto escolar pesquisado, consideram a ludicidade
como algo importante para o desenvolvimento das crianças e proporcionam aos

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


299
PEDAGOGIA

alunos alguns momentos lúdicos em sala de aula. Afirmamos, no entanto, que a


ampliação do tempo, destinado a uma prática pedagógica centrada na ludicidade
não só no 2º ano, mas nas demais séries iniciais do Ensino Fundamental, poderá
conferir sentidos outros ao que é aprendido na e pela escola.

A questão da importância do brincar no contexto escolar precisa ser


discutida pelos educadores de forma a provocar reflexões sobre o tema numa
perspectiva de reflexão coletiva, considerando possibilidades de desenvolvimento
da criança a partir da inserção de uma prática pedagógica sistematizada na
ludicidade dentro da escola.

Numa perspectiva de provocação, resgatamos a epígrafe do nosso texto,


convidando o leitor a pensar sobre o fato de que se as crianças não conhecem
obstáculos a sua imaginação, como seria possível reinventar espaços na prática
pedagógica dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental para inserir
a ludicidade no currículo, objetivando considerar as crianças como sujeitos do
seu processo de aprendizagem? Aprendendo e ensinando com o que dizem
através da brincadeira? Duas faces de uma mesma moeda? Eis o desafio: brincar
com arte na arte de brincar e abrir-se ao inédito que abriga o pensamento da
criança.

300 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


O papel da brincadeira no ensino fundamental pelo olhar das crianças

referências

ARAÚJO, Viviam C. A brincadeira na instituição de educação infantil em


tempo integral: o que dizem as crianças? 138 f. Dissertação (Mestrado em
Educação), Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008.

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

DESGUALDO, Marianna. A importância do brincar no desenvolvimento da


criança: brincadeira é coisa séria. Webartigos.com, 2008. [on-line] Disponível
em: <http://www.webartigos.com/articles/4448/1/a-importancia-do-brincar-
no desenvolvimento-da-crianca/pagina1.html>. Acesso em: 07 jul. 2008.

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Trad. Sandra Netz. Porto
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MONTEIRO, Roberto Alves. Pesquisa em educação: alguns desafios da


abordagem qualitativa. In: ______. (Org.). Fazendo e aprendendo pesquisa
qualitativa em educação. Juiz de Fora: FEME, 1998. p. 7 – 22.

PEREIRA, Eugenio Tadeu. Brincar e criança. In: CARVALHO, Alysson; SALLES,


Fátima; GUIMARÃES, Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo. Brincar (es). Belo
Horizonte: UFMG, 2005. p.17-26.

PIMENTEL, Alessandra. Vygotsky: uma abordagem histórico-cultural da


educação infantil. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko
Morchida; PINAZZA Mônica Appezzato (Orgs.). Pedagogia(s) da infância:
dialogando com o passado. Construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
p. 219-248.

ROSSLER, João Henrique. O papel da brincadeira de papéis sociais no


desenvolvimento do psiquismo humano. In: ARCE, Alessandra; DUARTE,
Newton (Orgs.). Brincadeiras de papéis sociais na educação infantil: as
contribuições de Vygotski, Leontiev e Elkonin. São Paulo: Xamã, 2006. p. 51-
63.

CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


301
PEDAGOGIA

VIEIRA, Therezinha; CARVALHO, Alysson; MARTINS, Elizabeth. Concepções do


brincar na Psicologia. In: CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES,
Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo (Orgs.). Brincar(es). Belo Horizonte: UFMG,
2005. p. 29-50.

VYGOTSKI, Lev Semenovich. O papel do brinquedo no desenvolvimento. In:


COLE, Michael; STEINER, Vera John; SCRIBNER, Sylvia; SOUBERMAN, Ellen
(Orgs.). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto; Luís Silveira Menna Barreto;
Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 121-137.

WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

302 CES Revista | v. 24 | Juiz de Fora | 2010


4.2
Atividades lúdicas no
Ensino Fundamental
Tatiana D’Ornellas Albrecht (Excertos)

Licenciatura em Pedagogia

ALBRECHT, Tatiana D’Ornellas. Atividades lúdicas no Ensino Fundamental:


uma intervenção pedagógica. Campo Grande, 2009. 124 p. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Católica Dom Bosco.

Indico a leitura da pesquisa ATIVIDADES LÚDICAS NO ENSINO


FUNDAMENTAL: UMA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA da Tatiana D’Òrnellas
Albrecht, da Universidade Católica Dom Bosco - MS. O estudo teve como
objetivo geral investigar as possibilidades da realização de atividades lúdicas
como contribuição para o processo de ensino e aprendizagem com alunos do 1º
ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Campo Grande – MS.
O trabalho faz uma análise riquíssima da utilização de atividades lúdicas,
identifica a concepção da professora em relação ao seu uso no Ensino
Fundamental, bem como observações das crianças durante as atividades
propostas pela pesquisadora. Entendemos que a leitura de todo o trabalho possa
trazer contribuições importantes para as discussões e estudos, porém,
selecionamos como leitura essencial parte do Capítulo III - traz a
operacionalização do estudo, incluindo o plano de intervenção elaborado; e o
Capítulo IV – traz um riquíssimo Relato da Experiência proposta, descrevendo
as atividades e os resultados obtidos.
Boa leitura! Profa Maria Aparecida.
1

3.2. Operacionalização

Para a realização desta pesquisa, optou-se por realizar algumas observações no dia-
a-dia escolar. Verificou-se, portanto, a maneira como a professora conduzia suas aulas, se
utilizava recursos lúdicos e de que maneira, se sabia da sua importância no processo de ensino
e aprendizagem ou se apenas os utilizava (quando utilizava) de maneira não-diretiva,
deixando que os alunos apenas brincassem livremente, sem objetivos previamente
estabelecidos. Observou-se também qual a concepção que esta professora tinha do uso de
recursos lúdicos no ensino fundamental e o interesse das crianças durante as atividades
desenvolvidas pela pesquisadora.

A escolha da observação deveu-se ao fato desta ser considerada a principal técnica


para a coleta de dados, pois, como afirmam André e Lüdke (1986):

[...] a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador


com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em
primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de
verificação da ocorrência de um determinado fenômeno (p. 26).

O pesquisador, porém, pode recorrer a seus conhecimentos e experiências


pessoais para auxiliá-lo no processo de interpretação dos dados. Entretanto, para que seja um
instrumento fidedigno de uma pesquisa científica, a observação precisa ter um controle, um
plano de trabalho. Sobre isso, André e Lüdke (1986) ressaltam o seguinte:

Planejar a observação significa determinar com antecedência “o quê” e


“como” observar. A primeira tarefa, pois, no preparo das observações é a
delimitação do objeto de estudo. Definindo-se claramente o foco da
investigação e sua configuração espaço-temporal, ficam mais ou menos
evidentes quais aspectos do problema serão cobertos pela observação e qual
a melhor forma de captá-los (p. 25).

Apresentaremos no item a seguir o plano de intervenção, ou seja, os passos dados


para a realização das observações e intervenções na sala de aula.

O que foi feito, durante as observações, foi deixar claro à professora que se tratava
de observações sobre o cotidiano da sala de aula, o comportamento dos alunos e o
desenvolvimento de suas aulas.

Além das observações e intervenções, outra técnica utilizada foi a entrevista com
a professora. Esse também é um dos instrumentos mais utilizados nas ciências sociais, como
destacam André e Lüdke (1986). Segundo as autoras, o clima que deve haver durante a
entrevista é interação:
2

[...] havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e


quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas,
onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado
discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e
que no fundo são a verdadeira razão da entrevista (p. 33-34).

A entrevista aconteceu na sala dos professores, no mesmo dia em que


conversaram sobre a pesquisa (24/09/2008). A professora estava fazendo seu planejamento,
enquanto os alunos estavam na aula de Artes e logo após teriam Educação Física; por isso a
professora estava com “tempo disponível”. A pesquisadora apresentou o tema e a proposta da
pesquisa (entrevista, observações e intervenções lúdicas) à professora, a qual começou a falar
com empolgação sobre o tema, antes da entrevista. Trata-se de uma professora jovem, de 31
anos de idade, que se mostrou interessada no tema da pesquisa e afirmou que faz uso do
lúdico, quando pode, para auxiliar o aprendizado dos alunos, para fazer algo diferente e que
realmente desperte o interesse das crianças, pois sua turma tem alunos de 5, 6 e 7 anos de
idade, como se fosse “multisseriada”, como ela mesma se referiu.

A professora falou com muito carinho sobre as crianças, sobre como ela vê as
crianças de hoje, sobre o papel da escola, do professor. Trabalha nesta escola desde o seu
surgimento e demonstrou bastante interesse em inovar suas aulas, buscar sempre novas
estratégias que possam despertar o interesse e a motivação dos alunos. Disse que não usa mais
vezes o lúdico em sala de aula por uma questão curricular, que tem um cronograma a seguir,
regras, enfim, tem que cumprir seus objetivos. Afirmou que os recursos lúdicos que utiliza são
dela mesma, que confeccionou alguns e comprou outros, pois a escola não dispõe de
brinquedos e jogos. Disse ser apaixonada pela Educação Infantil e que só foi para o Ensino
Fundamental devido à mudança na lei que determinou o Ensino Fundamental de nove anos,
mas que tenta se adequar a essas mudanças.

3.2.1 Plano de intervenção

Para realizar esta pesquisa, foi preciso elaborar um plano de observação e


intervenção.

Lembramos que o objeto de estudo desta pesquisa é o lúdico, com o objetivo geral
de investigar as possibilidades da realização de atividades lúdicas como contribuição para o
processo de ensino e aprendizagem de alunos de uma turma de primeiro ano do Ensino
Fundamental. Os objetivos específicos da pesquisa são: a) analisar a utilização de atividades
3

lúdicas em uma turma de primeiro ano do Ensino Fundamental; b) identificar a concepção da


professora em relação ao uso de atividades lúdicas no Ensino Fundamental; e c) observar o
interesse das crianças durante as atividades lúdicas propostas pela pesquisadora.

Para isso, foi traçado o seguinte plano de intervenção:

Primeiro momento:

Observações do dia-a-dia escolar dentro da sala de aula com as seguintes finalidades:

- Observar, de modo geral, aspectos físicos da escola e da sala de aula;


- Observar aspectos de relacionamento das crianças entre si e com a professora;
- Observar a prática desta professora, como ela lida com os alunos, com as situações
inesperadas, se faz uso de recursos lúdicos e como os utiliza;
- Observar e descrever as atividades realizadas em sala e como os alunos se portam nesse
contexto.

- Observar, de modo geral, as atividades dos alunos em todos os momentos do período


escolar, tanto antes como depois das intervenções lúdicas.

Descrição das observações:

As observações foram bem detalhadas, e a pesquisadora utilizou um caderno de


estudos para anotar todos os dados que julgasse relevantes. Foi utilizado também um aparelho
mp3 (gravador) durante as observações, para reforçar os dados observados.

Optou-se por fazer duas observações antes da aplicação das atividades lúdicas:
uma nos primeiros horários e outra nos dois últimos horários. A escolha de horários diferentes
para a observação deu-se pela razão de se poder observar as atividades dos alunos antes e
depois do recreio, antes e depois de atividades de lazer como o parque, de atividades de rotina
da sala de aula, enfim, para haver uma melhor percepção geral sobre a sala. Ao final da
intervenção das atividades lúdicas, foram feitas mais duas observações.

No primeiro dia, foram observados os aspectos gerais da escola e da sala de aula,


bem como o comportamento da professora e dos alunos, em termos relacionais.

No segundo, nos dois últimos horários, observamos os aspectos mais relevantes


para a pesquisa, como a relação da professora com os alunos, a prática de suas atividades, se
4

ela realmente faz uso do lúdico ou de atividades diversificadas e como o faz.

As primeiras observações foram feitas no dia 25/09/2008 (quinta-feira), a partir


das 13h 10m.

Observou-se que a sala de aula, em seus aspectos físicos, apresenta condições


positivas e favoráveis ao aprendizado dos alunos: é ampla, iluminada, arejada, com quatro
ventiladores de teto, está disposta em nove mesas quadradas, com quatro cadeiras e três a
quatro crianças em cada uma delas (Anexo 2). Trata-se de uma sala adequada à idade das
crianças que, apesar de já estarem no Ensino Fundamental, ainda são pequenas, pois como a
própria professora disse, há alunos de 5, 6 e 7 anos de idade, portanto a sala precisa atender às
necessidades dessas faixas etárias, ser confortável, além de adequada para as crianças (para
futuramente não apresentarem possíveis problemas de coluna devido à má adaptação do
mobiliário escolar).

Ainda com referência aos aspectos físicos da sala, notou-se que apresenta lugar na
parede para as crianças guardarem suas mochilas, um espelho grande ao fundo da sala, três
armários (sendo que um deles contém somente por jogos – comprados ou confeccionados pela
professora), diversos cartazes, como calendário do mês, do ano, da rotina do dia, um mural
grande com cartazes com as letras do alfabeto e os números (no fundo da sala), além de um
cartaz com as sílabas, representado da seguinte forma:

BA BE BI BO BU
DA DE DI DO DU
FA FE FI FO FU

OBS.: O cartaz apresenta todas as sílabas; aqui só foram expostas algumas como
forma de demonstração.

No horário de início das observações, às 13h 10m, as crianças já estavam na sala,


sentadas em seus lugares. A professora apresentou os alunos à pesquisadora e disse que esta
ficaria na sala com eles, apontando um lugar ao fundo da sala para que pudessem ser feitas as
observações. Logo em seguida a professora começou a sua aula mostrando um quadro com as
atividades do dia (rotina). Depois foi perguntando para as crianças em ordem aleatória as
letras do alfabeto (coloridas), que estão pregadas na parte superior do quadro-negro. Em
seguida escreveu o cabeçalho em forma de quadro e foi perguntando para as crianças as letras
do nome da escola. O quadro foi feito da seguinte forma:
5

ESCOLA MUNICIPAL “XXXXXX


XXXXXXXX”.
DATA: 25/09/2008.
QUANTOS SOMOS?
MENINOS  10 – FALTOU 1
MENINAS  14 – FALTOU 1
TOTAL = 24 ALUNOS.

Antes de preencher a quantidade de meninos e meninas, ela pediu para os meninos


ficarem em pé para todos contarem juntos quantos eram. Depois pediu para as meninas se
levantarem e pediu a um dos meninos que contasse uma a uma, colocando a mão na cabeça de
cada menina na hora de contar. Dessa forma, ela estava reforçando de certo modo as
diferenças entre meninos e meninas. Por que não pedir a uma das meninas para contar quantos
meninos havia? Essa é uma questão abordada desde muito cedo tanto em casa como na
escola: o estímulo para questões de gênero, em que o homem “detém o poder” sobre a mulher.

Feita a contagem de meninos e meninas, ela desenhou no quadro, primeiro com


giz azul, dez bolinhas para representar a quantidade de meninos e logo, abaixo, 14 bolinhas
rosa para representar as meninas. Foi riscando uma a uma, contando em voz alta e junto com
as crianças, para descobrir qual era o total de alunos da sala neste dia, e o colocou no quadro.

Feitas essas atividades de rotina, como calendário e cabeçalho, a professora disse


que eles produziriam um texto coletivo. Colou um cartaz no quadro com três “tirinhas” de
histórias em quadrinhos e, ao lado de cada quadrinho, uma tira de papel em branco para
escreverem o texto. Pediu para as crianças se sentarem no chão, em frente ao quadro, para
ficarem mais perto do cartaz, porém um deles não quis, preferiu ficar sentado na cadeira. A
professora a princípio não falou nada, mas o menino participou da atividade, respondia ao que
a professora perguntava, e ela lhe disse para se sentar com os colegas, mas ele preferiu
continuar ali mesmo. Era uma história que representava o respeito aos sinais de trânsito, visto
que este é o tema que estavam trabalhando (Semana do Trânsito). A professora foi
questionando com os alunos o que cada figura representava e perguntava a eles o que poderia
ser escrito ao lado de cada quadrinho. Quando decidiam o que seria escrito, a professora lhes
perguntava como se escreve cada palavra, como, por exemplo: Turma da Mônica. A
professora perguntava como se escreve a palavra “turma” e falava: “‘TUR’ se escreve com
quais letras mesmo? Ah, T, U e R, NE, pessoal?” E assim por diante com todas as palavras, as
quais ela ia repetindo com os alunos e escrevendo.

Terminada a produção de texto, os alunos se sentaram novamente nos seus


6

lugares, e a professora entregou uma folha de atividade de História e Geografia com o tema
“O Trânsito”, na qual os alunos deveriam desenhar um semáforo. Havia “adivinhas” também;
a professora lia, e os alunos tinham que descobrir o que era e escrever logo abaixo o nome,
como “faixa de pedestre”, entre outras. Explicou o que eles deveriam fazer e os deixou livres
para realizar a atividade. Depois de um tempo, foi passando pelas mesas e vendo como estavam
fazendo, se tinham dúvidas e foi auxiliando-os. A professora entregou uma cópia desta
atividade para a pesquisadora, e esta cópia se encontra nos anexos deste trabalho (Anexo 3).

A professora avisou, às 14h 10m, que era a hora de lanchar e falou para cada
aluno pegar seu lanche na mochila. Eles lancharam sentados em suas cadeiras. As 14h 30 min
a professora pediu a eles que guardassem seus lanches e terminassem a atividade sobre o
trânsito. Quando todos terminaram, ela entregou os cadernos para que eles colassem suas
atividades e foi ajudando alguns. O sinal para o recreio tocou às 15h 50m; os alunos ficaram
eufóricos, começaram a correr, e a professora pediu que voltassem e arrumassem as cadeiras
antes de sair.

A professora também se mostrou solícita em auxiliar na pesquisa. Mostrou seu


caderno de planejamento, o livro de matemática (que tem ao final o “jogo de trilha” que ela
citou na entrevista), seu armário com jogos, as atividades que fez com as crianças durante a
semana, enfim, colocou-se à disposição para responder a qualquer pergunta e em auxiliar no
que fosse preciso. Além disso, disse também que seria possível observar os alunos na sexta-
feira logo após o recreio, horário em que as crianças vão ao parque, para observar a
“presença” do lúdico.

De modo geral, são crianças agitadas, porém a professora consegue manter o


domínio sobre elas, sem deixar de lado a parte afetiva. Mostra-se carinhosa, diverte-se com
eles, fala de maneira clara e objetiva.

A próxima observação seria no dia 29/09/2008 (segunda-feira). Ao chegar à


escola, a professora informou que haveria reunião do conselho de classe e que os alunos não
tinham vindo à escola hoje (tinham sido avisados por meio de bilhete na agenda para os pais),
e, portanto, não haveria como fazer a observação. Ficou marcado então para a próxima quinta-
feira, dia 02/10/2008. Neste dia, a professora afirmou que quinta-feira seria um dia bom para
realizar a observação, pois haveria o parque, momento no qual poderia ser observada a
“presença do lúdico”, pois as crianças trariam seus brinquedos de casa. Para ela, o que nos
pareceu, o lúdico é apenas “brincar livremente” ou “momento de prazer”, lembrando Arce
7

(2004), quando faz a crítica à utilização equivocada do lúdico:

A brincadeira passa a ser o escudo contra a falta de prazer que traz a


escolarização e um antídoto ao assassinato da espontaneidade também
causado por esta. [...] Lúdico passa a figurar como sinônimo de prazer. [...]
Quando a importância da brincadeira na formação da criança centra-se na
questão do prazer, o próprio significado social e histórico da brincadeira é
secundarizado e torna-se desnecessário explicar a forma científica em que a
brincadeira consiste, qual sua especificidade como atividade humana e por
que ela é necessária ao desenvolvimento infantil (p. 159).

No dia combinado, 02/10/2008 (quinta-feira), a pesquisadora chegou à escola por


volta das 15h 10m, durante o horário do recreio dos alunos. Observou-se que todas as séries
têm recreio no mesmo horário, pois havia crianças de várias idades brincando e correndo pelo
pátio, muita correria e agitação. Logo em seguida tocou o sinal, e cada turma fez fila em
frente à sua sala. Os alunos da sala observada (1º H) correram para a frente da sala e fizeram
duas filas: uma de meninos e outra de meninas. Nesse momento já se notou a consolidação da
questão de gênero, tão questionada por Felipe (1999), Marcellino (2006) e outros autores, no
item 1.2 deste trabalho. Esse aspecto foi observado também em outros momentos.

A sala fica trancada durante o recreio. Após o sinal, um funcionário da escola veio
trazer a chave para a professora. Ao entrar na sala, as crianças se sentaram nos seus lugares,
embora ainda agitadas pela empolgação do recreio. Em seguida a professora pediu a elas que
guardassem o caderno da atividade anterior (Língua Portuguesa) e que, calmamente,
sentassem no chão, próximas ao quadro, pois haveria aula de Ciências. Sentou-se em uma
cadeira pequena de frente para os alunos, relembrou com eles a transformação do “girino” em
“sapo”, assunto que já tinham visto antes, e disse que hoje falariam sobre a transformação
(metamorfose) da “lagarta” em “borboleta”. Leu o livro “Eram Dez Lagartos”, foi mostrando
as figuras aos alunos, dramatizando a história com a voz, e assim prendeu a atenção das
crianças. Algumas queriam levantar, falar, mas ela pedia para que sentassem e prestassem
atenção na história. Após o término da leitura, os alunos se sentaram novamente em seus
lugares, e a professora entregou a eles seus cadernos de Ciências e as folhas da atividade.
Mais uma vez, a professora ofereceu e entregou cópias das atividades à pesquisadora.

A professora leu o texto da atividade aos alunos e explicou o exercício. Fez


perguntas sobre o tema e chamou alguns alunos para resolverem o exercício no quadro. Ao
final da atividade, pediu a eles que guardassem seus cadernos, pegassem o brinquedo que
tinham trazido de casa e fizessem fila para ir ao parque. Aqueles que não terminaram tiveram
que levar o caderno e uma cadeira para terminarem lá fora. Novamente foram feitas as duas
8

filas, o que já faz parte da rotina das crianças, que já estão acostumadas com essa conduta.

Ao chegarem ao parque, as crianças que não haviam terminado a atividade


sentaram-se ao lado da professora para que ela as auxiliasse e, assim, pudessem brincar
também. Foram 3 (três) alunos, e só 1 (um) conseguiu terminar e brincar com os colegas. O
tempo reservado ao parque é sempre de 30 (trinta) minutos.

Durante o período da recreação no parque a professora ficou sentada a maior parte


do tempo, levantava-se apenas para chamar a atenção de algum aluno que estivesse fazendo
algo perigoso, como balançar muito alto, pular de uma altura grande ou alguma outra coisa.
Em momento algum conversou com as crianças, perguntou sobre o que estavam brincando, e
ainda comentou, informalmente: “Como esses meninos gostam de brincar de luta! Já as
meninas, olha só a diferença: estão brincando quietinhas de boneca”. Mais uma vez se realçou
aí a questão enraizada do gênero, que se faz tão presente nas falas das pessoas, inclusive de
muitos educadores. Falar sobre as diferenças entre meninos e meninas, sobre as brincadeiras
destinadas a cada um deles, já virou uma questão social, pois a sociedade impõe isso às
pessoas. Os próprios pais, desde cedo, colocam isso para as crianças, pois percebeu-se que a
maioria dos meninos tinha levado “carrinho” para a escola, e as meninas “bonecas”,
principalmente a Barbie. Nenhum deles levou jogo ou algum outro brinquedo que não tivesse
o estereótipo masculino ou feminino. Ficou realmente evidente essa questão do gênero.

Após o horário do parque, a professora chamou as crianças para fazerem fila. Em


seguida, foram ao banheiro limpar os pés, entraram na sala, guardaram seus materiais, fizeram
fila novamente e foram para fora esperar os pais (sentados perto do portão). Durante o
caminho, em fila, a professora foi cantando a seguinte música com eles:

Eu conheço um jacaré
Que gosta de comer
Esconda as suas mãozinhas
Se não o jacaré
Come as suas mãozinhas e o dedão do pé!

As crianças cantaram felizes, demonstraram empolgação pela música, mas


principalmente pelo fato de ir embora. Sentaram-se e ficaram esperando pelos pais. A
pesquisadora então combinou com a professora de, no dia seguinte (03/10/2008, sexta-feira),
conversarem sobre as atividades que seriam aplicadas com as crianças, bem como os melhores
9

dias e horários.

Além de momentos específicos de observação, também durante o processo de


intervenção foram feitas observações, principalmente no horário do parque. Portanto, as
observações foram feitas antes, durante e depois do processo de intervenção. Assim, pôde-se
constatar que, embora a professora não faça uso de recursos lúdicos com muita freqüência, ela
os utiliza sempre que pode, como ela mesma disse, a exemplo do caso das “adivinhas” e da
história “Eram Dez Lagartos”.

Segundo momento:

Definição dos dias e horários disponíveis para a intervenção, juntamente com a professora,
em que estabelecemos o seguinte cronograma:

Conforme verificado no calendário do mês de outubro e devido a algumas


atividades da escola, não seria possível desenvolver as intervenções sempre nos mesmos dias
da semana; portanto, organizou-se um cronograma com os dias e horários exatos das
atividades; entretanto, se houvesse alguma eventualidade, a pesquisadora e a professora
entrariam em contato para marcar uma nova data.

Os próximos encontros já deveriam ser para a intervenção propriamente dita,


quando a pesquisadora, de modo geral, observaria os aspectos relevantes para a pesquisa,
como, por exemplo, a concepção que esta professora tem sobre estratégias lúdicas, além do
interesse das crianças no decorrer das atividades.

O cronograma de intervenção pedagógica ficou definido, então, da seguinte maneira:

CRONOGRAM A DE INTERVENÇÃO – OUTUBRO - 2008


ATIVIDADES
DATAS HORÁRIOS OBJETIVOS
DESENVOLVIDAS
- Jogo da memória;
08/10/2008 Desenvolver memória,
16h às 16h 30min - Dominó com números e
(quarta-feira) atenção e raciocínio.
contas
Trabalhar oralmente as
palavras; despertar atenção,
09/10/08 - Complete as frases;
16h às 16h 30min criatividade e iniciativa;
(quinta-feira) - Adoleta
coordenação motora;
lateralidade.
10

Estimular a concentração,
16/10/08 - Qual é a palavra? atenção, criatividade,
16h às 16h 30min
(quinta-feira) - Tangran percepção visual;
imaginação.
Estimular a concentração, a
atenção, o senso de humor;
20/10/08 - Número certo
16h às 16h 30min desenvolver a criatividade,
(segunda-feira) - O que é, o que é?
agilidade mental e
vocabulário.
Desenvolver a criatividade,
- Carta de palavras
21/10/08 agilidade mental e
16h às 16h 30min - Bingo de sílabas e
(terça-feira) vocabulário; atenção,
palavras
raciocínio
23/10/08 - Jogo do alfabeto Despertar o raciocínio, a
16h às 16h 30min
(quinta-feira) - Qual é o número? atenção e a agilidade.
Desenvolver raciocínio,
28/10/08 - Última sílaba agilidade, atenção,
16h às 16h 30min
(terça-feira) - Palavras complicadas coordenação, escrita,
vocabulário.
Exercitar raciocínio,
- Telefone sem fio imaginação, memória,
29/10/08
16h às 16h 30min - Produção de texto atenção, criatividade e
(quarta-feira)
coletiva capacidade de formar
frases/textos.
Brincadeiras de culminância
para despertar a agilidade
30/10/08 - Corre Cotia motora, raciocínio lógico
16h às 16h 30min
(quinta-feira) - Boneca de lata matemático, esquema
corporal, além de despertar
prazer e alegria em brincar.

Terceiro momento:

Procedimentos lúdicos, com a participação ativa da professora.

Ficou combinado que os procedimentos lúdicos seriam durante todo o mês de


outubro, 3 (três) vezes por semana, e ao todo seriam 9 (nove) dias de intervenção, com 30
(trinta) minutos de duração cada.

As atividades propostas não seriam muito longas para não atrapalhar totalmente o
ritmo das aulas. Seriam em grupos, para despertar, assim, o espírito cooperativo das crianças.
De modo geral, as atividades desenvolveriam os aspectos motores, sociais e cognitivos dos
alunos.

Em cada dia foram desenvolvidas duas atividades (jogos ou brincadeiras) por dois
motivos: primeiro pela questão do tempo, que seria de 30 minutos, tempo suficiente para a
11

aplicação das atividades (que não seriam longas), e o segundo motivo é que se fosse uma
atividade só, talvez as crianças perdessem o interesse. Além disso, quanto mais diversificadas
e criativas as atividades, melhores os resultados. Partindo desse pressuposto, Antunes (1998)
afirma que os jogos não devem ser demasiadamente fáceis, causando assim o desinteresse e a
auto-estima do aluno por se considerar incapaz ou fracassado. O jogo deve estimular o
interesse, a atenção e a participação do aluno.

CAPÍTULO IV
RECURSOS LÚDICOS E O PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM : RELATO DE UM A EXPERIÊNCIA DE
INTERVENÇÃO

4.1 Considerações iniciais acerca da intervenção

Os dados obtidos nesta pesquisa, como já foi dito, foram atentamente observados
e registrados em um caderno de estudos e gravados em um aparelho mp3 player.

Os alunos dessa turma de primeiro ano, de maneira geral, são crianças curiosas,
fazendo com que a professora constantemente chamasse a atenção delas para as atividades
propostas. A professora conseguiu manter a atenção da turma, tem um tom de voz firme e se
mostrou sempre sorridente e carinhosa.

Certo dia, ao chegar à escola, a pesquisadora percebeu uma certa “inquietação” da


professora com o clima (era um dia de muito calor) e pelo fato dos quatro ventiladores de teto
estarem estragados. Além disso, a luz do sol refletia pela janela e atingia algumas crianças.
Disse que as crianças estavam agitadas e que não viam a hora de ir embora. Realmente o
clima estava quente, porém percebeu-se que a professora era a que mais reclamava e dizia que
iria falar com a diretora para solucionar o problema.

Durante as observações, percebeu-se que a professora parecia reforçar traços


estigmatizados pela sociedade, como gênero. Constantemente, em conversas informais com a
pesquisadora, ela ressaltou o fato das meninas gostarem de brincar de “boneca” e os meninos
de “carrinho” e “luta”. Por duas vezes falou sobre uma determinada menina, afirmando que
esta “sempre prefere” brincar com os meninos. Certa vez, no horário do parque (momento em
12

que as crianças levam seus brinquedos trazidos de casa), falou para uma das meninas que não
havia trazido brinquedo: “Por que você não trouxe suas panelinhas para brincar?” Dessa
forma, mais uma vez ela reforçou uma característica comum da sociedade, que é ressaltar,
desde cedo, que as meninas devem brincar de “panelinha” ou “casinha”, e os meninos de
“carrinho” ou “bola”. Autores como Felipe (1999) e Marcellino (2006), como já foi dito,
explicitaram esse tema de maneira ampla, questionando o papel da sociedade na formação das
crianças.

As intervenções lúdicas foram desenvolvidas sempre em dias em que as crianças


iam ao parque. Então, quando a pesquisadora chegava, a professora pedia para que
guardassem o material, participassem das atividades feitas pela pesquisadora e dizia que, se
eles “se comportassem”, iriam ao parque logo depois. Somente uma vez verificou-se que a
professora estava “confeccionando” um jogo com as crianças no momento em que a
pesquisadora chegou. Logo depois ela pediu aos alunos que guardassem o jogo e esperassem a
pesquisadora falar com eles para saber qual seria a atividade do dia. A pesquisadora então, ao
terminar as atividades, acompanhava a professora e os alunos ao parque, para observá-los.

Para a professora, o momento do parque era muito importante para as crianças,


pois é o momento em que elas “saem da sala”, podem ficar livres, soltas, brincar à vontade.
Segundo ela, como eles já passam boa parte do dia na sala, “brincar” no parque é
fundamental, é o momento de descontração e serve como “descarga de energia”. Contudo,
observou-se que para ela também era um momento de liberdade e descontração, pois podia
sair da sala, encontrar outras pessoas e “descansar”. Ela sempre ficava do lado de fora do
parque, mas, quando necessário, entrava e chamava a atenção de algum aluno. Como o parque
possui brinquedos de certa forma “perigosos”, como balanço (as crianças balançavam com
grande velocidade e podiam cair, algum aluno podia passar em frente ao balanço e ser
“chutado”...), ela sempre pedia para eles brincarem com calma e com cuidado.

Durante um dia de observação no parque, no qual as atividades foram


desenvolvidas depois deste horário, a professora disse à pesquisadora que uma aluna, ao saber
que o parque seria antes das atividades lúdicas desta pesquisa, afirmou que preferia fazer as
atividades a ir ao parque. Os alunos associavam a presença da pesquisadora às atividades
recreativas e, ao final, sempre perguntavam: “Você vem amanhã?” “Quando você vem de
novo?”. As crianças demonstraram bastante interesse em participar das atividades lúdicas
propostas pela pesquisadora.

Sobre o aspecto da aprendizagem dos alunos, percebeu-se que alguns ainda


13

encontravam-se em momentos diferenciados de leitura e escrita, confundiam algumas letras,


sílabas e números; porém, de maneira geral, eles compreendiam as atividades e participavam
de maneira ativa.

A maioria dos alunos tem 5 e 6 anos, apenas três já tem 7 anos. Os de 7 anos, pelo
que foi observado, são como que “líderes” da turma, por já estarem, possivelmente, em outro
nível de desenvolvimento. Um dos alunos de 7 anos, em uma das brincadeiras (“Qual é o
número?”), compreendeu logo a característica do jogo e foi ficando “inquieto” ao ver que os
colegas não conseguiam acertar. Os demais, contudo, compreenderam, mas mostravam-se
mais ansiosos e tentavam o tempo todo, não queriam esperar a sua vez, queriam falar ao
mesmo tempo.

Outro fator relevante percebido desde o início das observações foi a


estigmatização de um determinado aluno por parte da professora. Já no primeiro dia, durante a
realização de uma atividade, o aluno se levantava constantemente, estava agitado; a
professora então dirigiu-se à pesquisadora, apontou para o menino e falou: “Esse menino é
terrível! Ele não pára quieto! Já falei com a mãe dele, mas não adiantou!” É um menino de 5
anos, realmente agitado, porém a professora chamou diversas vezes o nome dele. Por duas
vezes, deixou o menino de “castigo” durante o horário do parque. Da primeira vez, foi porque
ele não havia terminado a atividade feita em sala, então ele e mais duas meninas ficaram
sentados ao lado dela, em frente ao parque, para terminar a atividade, enquanto os outros
brincavam. Uma das meninas terminou e foi brincar; o menino e a outra menina ficaram ao
lado da professora. Da segunda vez, o “castigo” de não ir ao parque foi apenas porque ele
estava “terrível” em sala, e a professora disse isso a ele: “Hoje você não vai brincar no
parque!” Deixou o menino sentado do lado de fora; sempre que ele levantava, ela o chamava e
o repreendia. Falou para a pesquisadora que acha que ele está desse jeito porque a mãe teve
outro filho, e acredita que ele está com “ciúmes” do irmão, e que a mãe não trabalhou isso
com ele, talvez por não ter tempo. Disse que foi a mãe dele que falou para ela que queria que
a escola ensinasse religião, conforme afirmou durante a segunda entrevista. Falou bastante
sobre o menino, sobre como é difícil lidar com esses problemas; porém, o menino estava perto
e ouviu, olhava para ela e ficava sério, abaixava a cabeça. A pesquisadora, então, procurou
encerrar o assunto, para não constranger ainda mais a criança.

Ainda sobre a professora, outro dado importante a ser levantado foram as


entrevistas e a posição dela diante do “papel da escola”. Ela afirmou com veemência a
importância da escola trabalhar de maneira diversificada, de sistematizar os conceitos prévios
14

dos alunos, sobre a diferença do ensino de anos atrás e de hoje, enfim, a cada pergunta ela
acabava se voltando para o que acredita ser a verdadeira função da escola. Contudo,
constatou-se durante as observações que, embora a professora tivesse um discurso firme na
teoria, na prática agiu muitas vezes de forma contrária a tudo o que disse. Durante as
entrevistas e conversas informais, mostrou-se o tempo todo interessada em “inovar”, em fazer
coisas diferentes. Portanto, aí está a importância de aliar a teoria e a prática, pois uma
necessita da outra. O professor deve estudar, preparar-se constantemente, contudo, deve saber
aplicar isso na prática para que possa desenvolver um trabalho com qualidade e formar
cidadãos criativos. Silva (2006) aponta o que significa ser professor:

Ser professor significa, antes de tudo, ser um sujeito capaz de utilizar o seu
conhecimento e a sua experiência para desenvolver-se em contextos
pedagógicos práticos preexistentes. Isto nos leva à visão do professor como
um intelectual, o que implicará em maior abertura para se discutir as ações
educativas (p. 109).

Portanto, de acordo com as observações e entrevistas realizadas, foi possível


verificar que a turma pesquisada e a professora conhecem recursos lúdicos, a professora sabe
de sua importância, porém é algo de que ela não faz uso com tanta freqüência por enfrentar
alguns obstáculos no seu dia-a-dia escolar, como por exemplo, a falta de tempo mencionada
por ela.

4.2 O processo de intervenção

Para falar em intervenção, faz-se necessário, antes, explicitar o sentido de


intervenção no meio escolar, ou “intervenção pedagógica”, apresentando também o processo
educativo como sendo a finalidade da escola.

A partir da idéia de que o aluno deve, com a mediação do adulto, ser capaz de
desenvolver suas aprendizagens, conforme nos mostra Vygotsky (1993) com base na zona de
desenvolvimento proximal, realizamos uma pesquisa de intervenção em uma escola da rede
pública de Campo Grande – MS.

A experiência de intervenção desta pesquisa, conforme já apontamos no item


anterior, foi realizada em uma turma de primeiro ano do Ensino Fundamental, com crianças
de 5, 6 e 7 anos de idade, durante o mês de outubro de 2008. Foram ao todo nove encontros
com os alunos, em média três vezes por semana, para desenvolver as atividades lúdicas, com
15

a finalidade de atender aos objetivos estabelecidos na pesquisa. Em determinada semana só


foi possível realizar um encontro devido a compromissos da escola. Neste dia, porém, foi
realizada a segunda entrevista com a professora para haver um melhor aprofundamento de
dados. Houve a presença e a participação da professora durante as atividades.

A turma pesquisada dessa escola, de modo geral, mostrou-se receptiva à


pesquisadora. Os alunos se mostraram agitados, felizes, admirados por ter uma pessoa
“diferente” do convívio deles. Por apresentarem idades diferentes, há necessidade de um
planejamento diferenciado, criativo, que desperte realmente a atenção e o interesse deles.

A professora desde o início mostrou-se interessada em colaborar. Oferecia cópias


das atividades das crianças para a pesquisadora, procurava deixá-la à vontade na sala,
perguntava se precisava de alguma coisa, mostrava livros, jogos, pareceu muito simpática e
apaixonada pela profissão.

As dificuldades percebidas nos alunos foram realmente de agitação, característica


comum em crianças. Todo tempo a professora tinha que pedir para que ficassem quietos,
talvez pela empolgação com a presença da pesquisadora.

Alguns alunos apresentavam momentos diferenciados da leitura e escrita,


escreviam palavras ao contrário (de forma “espelhada”), confundiam as letras e sílabas, o que
é normal para a idade. Muitos já eram independentes e escreviam de maneira autônoma;
mesmo que não fosse a escrita convencional, eles estavam em processo de escrever “a sua
maneira”. Outros, porém, pediam ajuda à professora ou à pesquisadora, queriam conferir,
saber se estavam escrevendo de maneira “correta”.

No primeiro dia de intervenção (08/10/2008), as atividades realizadas foram o


“Jogo da memória” e o jogo de “Dominó”, com números e contas. Os jogos foram
confeccionados pela pesquisadora com cartolina e figuras.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

Estes jogos apresentaram como objetivos estimular o raciocínio das crianças, a


atenção, a memória, a agilidade com as peças, a aceitação da perda, enfim. Portanto, o que se
percebeu foi que as crianças ficaram agitadas demais com as atividades, talvez pelo fato de
terem sido realizadas pela pesquisadora (com o auxílio da professora).

Antes de desenvolver as atividades, a pesquisadora conversou brevemente com as


16

crianças, dizendo que elas iriam jogar dois jogos: “Jogo da memória” e “Dominó”; perguntou
quem conhecia e se sabiam jogar. A empolgação foi total, muitos se levantaram para dizer que
sim, gritaram. Disse também que iria mais alguns dias à escola para fazer mais algumas
brincadeiras com eles. Fez alguns “combinados”, como não falar alto, não amassar e estragar
os jogos, e disse que assim a atividade seria muito mais fácil, com a colaboração de todos.

Durante a realização das atividades, as crianças se mostraram felizes e


empolgadas, queriam sempre falar, questionar. Porém, algumas não gostavam de perder e
preferiam se excluir da brincadeira. Isso é muito comum em crianças dessa idade e deve ser
muito bem trabalhado. Ao final das atividades, a professora dizia sempre que perder é normal,
que nem sempre a gente ganha na vida; enfim, parece realmente que ela se interessa em passar
valores importantes aos alunos. É carinhosa e paciente, o que facilita a aprendizagem dos
alunos, conforme aponta Silva (2006):

[...] quando a criança nota que a professora gosta dela, e que apresenta certas
qualidades como paciência, dedicação, vontade de ajudar e atitude
democrática, a aprendizagem torna-se mais facilitada; ao perceber os gostos
da criança, o professor deve aproveitar ao máximo suas aptidões e estimulá-
la para a aprendizagem. Ao contrário, porém, o autoritarismo, a inimizade e
o desinteresse podem levar o aluno a perder a motivação e o interesse por
aprender, já que estes sentimentos são conseqüentes da antipatia por parte
dos alunos, que por fim associarão o professor à disciplina, e reagirão
negativamente a ambos (p. 73).

No decorrer das primeiras atividades (desenvolvidas na sala de aula mesmo, com


quatro crianças em cada mesa), notou-se que as crianças ficaram agitadíssimas, a
pesquisadora e a professora tinham sempre que chamá-las e explicar a atividade novamente,
houve muita gritaria e agitação. Ao final das atividades, quando todos estavam aguardando a
hora de ir embora, a professora disse aos alunos que ficou com vergonha da atitude deles
diante da pesquisadora, pois se mostraram bastante irrequietos. Contudo, observou-se que, ao
realizar os jogos, muitos alunos não conseguiram brincar com os jogos de dominó, que
apresentavam operações aritméticas como adição e subtração. Eram operações pequenas,
como 1+1, 2-1, e a partir daí os alunos deveriam descobrir qual a peça que se encaixava no
jogo. Alguns pediram ajuda à pesquisadora ou à professora, sendo que esta se sentou a uma
mesa e ajudou um grupo de alunos. Aliás, ela própria sugeriu que esses jogos de dominó com
contas fossem dados aos alunos de determinada mesinha, por se tratar de alunos “que já
conseguiam fazer essas contas”, como ela mesma disse. Dessa forma, não estaríamos
possibilitando aos alunos que estavam em processo de compreensão dos símbolos numéricos,
a oportunidade de “aprender brincando”, de uma maneira diferente. A pesquisadora então
17

disse aos alunos que os joguinhos seriam trocados, ou seja, haveria um rodízio de jogos para
todas as mesas, para que assim todos tivessem as mesmas oportunidades. Quanto ao “Jogo da
memória”, as crianças demonstraram bastante interesse em acertar, gostaram das figuras,
algumas disseram que já sabiam jogar, outras disseram que não, mas todas participaram. A
pesquisadora e a professora foram passando pelas mesas e mostrando aos alunos as regras do
jogo. Apesar da empolgação, percebeu-se que de maneira geral eles gostaram e ficaram
satisfeitos com as atividades realizadas.

No segundo dia (09/10/2008), as atividades foram duas brincadeiras em círculo


(“Complete as frases” e “Adoleta”).

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

Essas atividades tiveram como objetivos, de modo geral, desenvolver a


coordenação motora, a criatividade, a atenção, a memória, a capacidade de formular frases
contextualizadas.

Ao chegar à sala, percebeu-se que a professora estava terminando de montar com


os alunos o “Bingo dos animais”; neste momento foi observada a presença de algum recurso
diferenciador (jogo) nesta sala.

O que foi percebido, após as atividades, mais uma vez, foi a empolgação total das
crianças. Optou-se por realizar as atividades fora da sala de aula, em um local aberto, amplo,
inclusive pelo fato de que logo após as crianças iriam ao parque.

A professora pediu aos alunos que fizessem fila para sair da sala. A pesquisadora
se dirigiu então ao local escolhido com as crianças, em fila, pediu que fizessem uma roda e que
todos se sentassem no chão. As crianças ficaram empolgadas, e logo a pesquisadora conversou
novamente com elas, falando sobre a importância de ouvirmos quando alguém fala para
podermos entender. Ressaltou com eles alguns combinados, pediu que ficassem em silêncio
para entenderem a brincadeira e começou a explicar.

O objetivo da primeira atividade, portanto, era que os alunos conseguissem usar o


raciocínio, organizar e relatar fatos de maneira seqüencial, trabalhar palavras e frases na
oralidade, prestando atenção ao que o colega ao lado estivesse falando para logo em seguida
completar as frases, e assim seguia a atividade: a pesquisadora começou a brincadeira falando
uma frase, e o aluno ao lado deveria falar outra frase utilizando a última palavra da frase dita,
18

e assim sucessivamente. No começo houve bastante empolgação, as crianças queriam falar


antes de sua vez, alguns não quiseram participar e saíram (não quiseram esperar a vez), porém
depois as crianças gostaram e quiseram continuar, até que todos participassem. Entretanto,
como muitos não sabiam mais que frase montar e foram se dispersando (até mesmo porque
nesse momento a outra turma de 1º ano estava passando pelo local para ir ao parque), passou-
se então para a segunda atividade do dia.

“Adoleta” foi a segunda brincadeira do dia e teve como objetivo desenvolver a


coordenação motora das crianças, a atenção para a música para não perder a vez, a
lateralidade. Nessa atividade as crianças demonstraram maior interesse, porém tiveram
dificuldade com a sobreposição das mãos. A pesquisadora lhes perguntou então qual era a
mão direita e disse que essa deveria ficar embaixo da mão do colega ao lado direito. Auxiliou-
os um a um com a sobreposição das mãos, mostrou-lhes qual deveria ser a mão que deveriam
usar para bater na mão do colega. A pesquisadora iniciou a brincadeira, e os alunos foram
cantando juntos a música. Nessa hora a professora já estava presente no local. Aqueles que
perdiam ao final da música foram saindo da brincadeira. Conforme a roda ia diminuindo, mais
aumentava a empolgação dos alunos, até que ao final ficaram um menino e uma menina, que
disputaram ansiosos sob a observação de todos ao redor. O menino ganhou, e ao final a
professora disse: “Ganharam os meninos!” Todos os meninos pularam e gritaram, e a
professora então pediu então que ficassem quietos e aguardassem a hora do parque.

O que se percebeu nessa brincadeira foi que muitos deles ainda têm a coordenação
motora e a noção de lateralidade um pouco confusas, porém nada que os atrapalhe demais em
outras atividades. Contudo, essas questões devem ser sempre trabalhadas. Logo após, a
professora sugeriu que fosse feita a brincadeira da “História da serpente” para que os alunos
fossem, aos poucos, formando fila, e assim já iriam ao parque. A demonstração de euforia e
empolgação mais uma vez se fez presente.

A pesquisadora, após as atividades, observou novamente o comportamento dos


alunos no parque e conversou com a professora, a qual reforçou mais uma vez as questões de
gênero, afirmando que os meninos “só gostam de brincar de luta” e que as meninas “são mais
calmas”. Apontou uma aluna que estava correndo pelo parque e brincando na areia com os
meninos e falou: “‘Tá’ vendo essa aluninha aqui? Só gosta de brincar com os meninos, ela
não se enturma com as meninas, só gosta de correr e brincar com os meninos”. Para ela,
acredita-se que “enturmar” com as meninas signifique ser calma e brincar com brincadeiras de
meninas, como se fosse uma regra o fato das meninas serem mais calmas e os meninos mais
19

agitados. Falou repetidas vezes: “Ela só gosta de brincadeiras de meninos”.

Ao final, a professora informou à pesquisadora que as atividades programadas


para o dia 17/10/2008 (sexta-feira) não seriam possíveis devido ao seu cronograma de
atividades (ela fica na sala com os alunos até a hora do recreio e após tem o tempo livre para
fazer seu planejamento, seja na escola ou em casa). Assim, a segunda entrevista com ela ficou
marcada para esse dia (visto que teria que ser marcado um dia para tal atividade), com o
objetivo de obter dados mais consistentes sobre aspectos relevantes da educação como um
todo, na opinião dela.

No terceiro dia (16/10/2008), as atividades foram: “Qual é a palavra?” e o jogo do


“Tangran”.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

Essas atividades tiveram como objetivos:

O jogo do “Tangran” teve como objetivos: trabalhar o raciocínio, a imaginação e a


criatividade, além de ser um interessante desafio aos alunos. Eles devem formar figuras a
partir de sete peças em formas geométricas: cinco triângulos, um quadrado e um
paralelogramo. Todas as peças, encaixadas corretamente, formariam um quadrado, além de
diversas outras formas.

- “Qual é a palavra?” teve como objetivos: trabalhar a ortografia das crianças.


Verificar se as crianças realmente sabiam formar palavras quando lhes eram dadas apenas
algumas letras da palavra, se elas conheciam as vogais, as consoantes, as sílabas e com quais
elas têm mais dificuldades.

Neste dia a professora não estava presente e havia uma professora substituta. Ao
chegar à sala, a pesquisadora percebeu que a porta estava trancada, e a professora estava com
os alunos no parque. A pesquisadora se apresentou então à substituta, a qual disse que sabia
da sua presença, porém achou que daria tempo de levar as crianças antes ao parque. Deixou-
os por mais 15 minutos e os chamou para limparem os pés e entrarem na sala. Os alunos, ao
entrarem na sala, ainda estavam empolgados, porém mostraram-se felizes ao ver a
pesquisadora, e alguns ainda falaram: “Tia, do que vamos brincar hoje? Qual vai ser a
atividade que vamos fazer?” Percebeu-se que as crianças associaram a sua presença a
“atividades diferentes”, “brincadeiras”, visto que, com a professora, praticamente não faziam
isso.
20

Logo após entrarem na sala, a professora e a pesquisadora acomodaram as


crianças nas mesas, as quais estavam agrupadas (a professora substituta disse que havia feito
uma atividade “em grupo” com os alunos). A pesquisadora optou então por juntar todas as
mesas e fazer um grande “quadrado”, deixando as crianças mais próximas umas das outras.
Conversou com os alunos e disse que hoje, novamente, fariam duas atividades.

O que foi constatado, primeiramente com o jogo do Tangran, foi que as crianças,
apesar de já terem ouvido falar no jogo (a professora titular disse à pesquisadora que no
começo do ano apenas falou sobre o Tangran aos alunos), não sabiam para o que servia e o
que deveriam fazer. A pesquisadora contou então rapidamente para eles a história do Tangran,
afirmando que este é um quebra-cabeça formado por sete peças. Alguns alunos falaram: “Ah,
eu sei, é um quadrado”. Em seguida, a pesquisadora mostrou a eles as peças, disse que se
tratava realmente de um quadrado que estava dividido em partes e que eles poderiam criar
diversas figuras a partir das peças. Entregou a cada um deles um Tangran, confeccionado de
cartolina. Foi auxiliando-os e dando sugestões, por meio de exemplos de figuras que foram
criadas a partir do Tangran. A professora substituta ficou calada, sentou-se à mesa da
professora e lá permaneceu. Alguns alunos se dirigiram a ela para pedir ajuda, e ela ajudava
sentada mesmo. A pesquisadora ficou então andando pela sala, observando os alunos e
procurando auxiliá-los. Como alguns alunos continuaram afirmando que não haviam
entendido o jogo, mais uma vez a pesquisadora falou a eles sobre o Tangran e como este
poderia ser utilizado. Alguns montavam alguma figura e logo pegavam seus brinquedos;
afinal, em dias de parque, os alunos poderiam trazer brinquedos de casa e ficavam
empolgados com isto; porém, de modo geral, as crianças gostaram do jogo e participaram
com entusiasmo.

A próxima atividade foi “Qual é a palavra?”. Para essa atividade, a pesquisadora


manteve os alunos dispostos na mesma posição da atividade anterior, em forma de quadrado,
sentados. Explicou-lhes que se tratava de uma brincadeira em que eles teriam que adivinhar
qual era a palavra que estava escrita no quadro, na qual estavam faltando algumas letras
(vogais). Os alunos foram divididos em “Grupo 1” e “Grupo 2”; a pesquisadora dividiu o
quadro em duas partes para marcar a pontuação dos grupos. Um aluno de cada grupo teria a
chance de ir ao quadro e escrever a palavra; se acertasse, o grupo ganharia um ponto. A
primeira palavra escrita foi “T R B L H” (trabalho). Muitos alunos levantaram a mão, diziam
que sabiam qual era a palavra; alguns disseram “trabalho” e queriam escrever. Uma pessoa de
cada grupo vinha ao quadro escrever. Alguns, apesar de saberem qual era a palavra (trabalho),
21

não sabiam escrever corretamente. Por fim, um aluno do “Grupo 1” acertou. A próxima
palavra escrita foi menor, entretanto poderia ser interpretada de duas maneiras: “B L” (bola ou
bala). Ganhou a pessoa que escreveu “bala”, porém a pesquisadora disse que “bola” também
estava certo e deu ponto para os dois grupos. A última palavra escrita foi “C S” (casa); esta foi
a que eles mais demoraram a acertar. Cada um que vinha ao quadro escrever, escrevia de uma
maneira diferente, e todos queriam participar. O interesse e a participação dos alunos nessa
brincadeira foram maiores que no Tangran, talvez por que nesta eles poderiam acertar e
“ganhar pontos”. Percebeu-se então que a maioria dos alunos ainda estão no início do
processo de reconhecer e escrever algumas palavras, mas têm interesse em aprender e
“descobrir”.

De modo geral, as atividades despertaram o interesse e a participação dos alunos,


e elas também demonstraram o grau de compreensão de cada criança durante a sua realização.

No quarto dia (17/10/2008), conforme o combinado, houve a entrevista com a


professora na sala dos professores, logo após o recreio (15h 10min).

A pesquisadora explicou à professora que se tratava de perguntas sobre alguns


conceitos, algumas concepções dela para complementar a pesquisa e que seu nome seria
preservado. Ela disse que sabe de tudo isso e se mostrou disponível. Conversaram um pouco
sobre assuntos gerais, como o clima, o tempo, e então começaram a entrevista.

No contexto geral, as respostas da professora convergiram para a “função da


escola”. Ela afirmou várias vezes qual deve ser o papel da escola, em sua opinião. Falava de
assuntos gerais, mas acabava se voltando para a escola e a “sistematização do saber”. Para ela,
educar e ensinar são termos que devem andar juntos, e a escola deve fazer as duas coisas.
Comparou bastante o “ensino tradicional” de sua época com o de hoje, afirmou que hoje a
escola não é mais assim; ao mesmo tempo, disse que muitos professores ainda usam o método
tradicional do “ba be bi bo bu”, que não diversificam suas aulas e não levam textos da
realidade dos alunos.

Com base nas opiniões da professora, destaco também a posição de Redin (2007)
no que se refere à escolarização atual, que se fundamenta em manuais e normas de como
deveria ser a escola atual. A autora afirma:
22

A escolarização com todo o seu aparato tem produzido maneiras de ser


criança, aprisionando corpos e seqüestrando mentes. Dos manuais com
sugestões de atividades, até as prescrições e/ou diretrizes decorrentes de
diferentes pedagogias no decorrer da história da educação das crianças, o
currículo tem se constituído em normatizador da infância. Nos últimos
cinqüenta anos, conhecemos tendências, pressupostos teóricos advindo de
diferentes campos do conhecimento, teorias que tentaram situar o papel da
escola infantil na sociedade e na vida das crianças. A escola para a infância,
dentro dos atuais contextos sócio-históricos, precisa transcender a mera
preocupação com o comportamento das crianças, com a criação de hábitos e
habilidades, ou com o desenvolvimento cognitivo [...]. Acreditamos que a
escola infantil contemporânea tem acima de tudo o compromisso com a
criança, com a sua cidadania, com a sua cultura (p. 90-91).

Para ela, a indisciplina está ligada à falta de interesse das crianças pela escola, já
que ao redor delas existem diversas coisas mais interessantes, como televisão, videogame, e a
escola não consegue trazer isso para si, a realidade delas para o contexto escolar. Para ela,
também, a escola deve trabalhar as habilidades e competências das crianças, pois cada criança
tem facilidade ou interesse por determinado assunto, e a escola deve despertar e trabalhar isso
com ela, porém não deve deixá-la gostar de somente uma coisa.

De modo geral, por meio das entrevistas e das observações feitas, percebeu-se que
se trata de uma professora preocupada com a realidade das escolas, que critica o método
tradicional, reconhece as falhas desse método e tenta, como pode, mudar isso com seus
alunos. Mostra-se carinhosa com os alunos, atenciosa, procura diversificar seu planejamento.
Contudo, enfrenta algumas barreiras, como a falta de tempo para desenvolver atividades
diferenciadas com mais freqüência, o comportamento dos alunos, que se mostram bastante
agitados; enfim, é uma professora que busca, à sua maneira, transformar o ensino do qual faz
parte, mas nem sempre consegue ou possui meios para isso.

No quinto dia de intervenção (20/10/2008), foram realizadas duas atividades em


círculo (“Número certo”, “O que é, o que é?”), num espaço fora da sala de aula. A
pesquisadora dirigiu-se com os alunos para fora, pediu que fizessem um círculo e sentassem
no chão. Disse que hoje seriam feitas duas brincadeiras.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

A primeira chama-se “Número certo”. O objetivo desta brincadeira é o de


desenvolver a compreensão, a atenção e a memorização das crianças. A pesquisadora
estabeleceu então um número para cada criança, em ordem crescente, colocando a mão na
cabeça de cada uma falando o número que representaria. Pediu que os alunos fossem
23

contando alto também cada número e que cada uma guardasse o seu. Iniciou a brincadeira
ficando com o último número (23, pois haviam ido somente 22 alunos). A pesquisadora
iniciou a brincadeira falando o seu número, batendo palmas duas vezes e batendo na perna
falando um outro número qualquer; a criança que representasse o número dito deveria fazer a
mesma coisa, bater palmas duas vezes dizendo o seu número e bater duas vezes na perna
dizendo outro, e assim sucessivamente. No começo as crianças estavam um pouco perdidas,
mas logo que compreenderam o jogo todas quiseram participar; umas diziam para os que iam
falar: “Fala o meu número!” Foi uma brincadeira muito agradável, e houve satisfatória
participação dos alunos, embora alguns não lembrassem o número ou dissessem números que
não havia no círculo (deveriam ser números de 1 a 23).

A segunda brincadeira, denominada “O que é, o que é?”, tem os seguintes


objetivos: desenvolver a criatividade, senso de humor, agilidade mental e vocabulário.

Novamente em círculo, a pesquisadora escolheu uma criança para se ausentar do


local para que as demais escolhessem uma palavra qualquer, para que depois a criança que
estava ausente tentasse adivinhar. A primeira palavra escolhida foi “banana”. A criança que
retornou ao local deveria fazer perguntas a quem ela quisesse sobre a tal palavra, e os alunos
só poderiam responder “sim” ou “não”. A primeira criança escolhida, ao retornar, parecia não
ter entendido muito bem, ficou envergonhada em perguntar. A pesquisadora disse então que
ela poderia andar em volta do círculo e escolher algum colega para fazer alguma pergunta
sobre a palavra. Aos poucos, ela compreendeu e foi perguntando aos colegas; alguns, porém,
diziam: “É uma fruta”. A criança desistiu então de adivinhar, e a pesquisadora então
perguntou aos demais: “Pessoal, qual era a palavra mesmo?” E todos disseram: “Banana!”.
Em seguida, ela disse que escolheria mais alguém para se ausentar, e vários levantaram a mão
dizendo que queriam ir, começaram a levantar, sair do círculo. A professora teve que intervir,
pedir silêncio a eles, e a pesquisadora disse então que quem estivesse em silêncio seria o (a)
escolhido (a). A brincadeira prosseguiu normalmente, embora alguns alunos ainda tentassem
“revelar” a palavra ao colega. A próxima palavra foi “cavalo”, e a criança escolhida começou
perguntando: “É grande?” E eles: “Sim!” Perguntou também: “É fruta?” Até que, logo depois,
a criança afirmou: “É um cavalo”. Existem então duas hipóteses: 1) a criança pode ter
deduzido, por saber que não era fruta, descobriu também que era um animal e resolveu falar
cavalo; ou 2) a criança ouviu algum colega dizer e afirmou que sabia qual era a palavra.

No sexto dia de intervenção (21/10/2008), foram realizadas duas atividades em


sala de aula mesmo. Foram desenvolvidos os seguintes jogos: “Carta de palavras” e “Bingo de
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sílabas e palavras”.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

As atividades têm como objetivos: desenvolver a criatividade, agilidade mental,


vocabulário, atenção e raciocínio.

A primeira atividade consistia em que as crianças escrevessem o maior número de


palavras com uma determinada letra. A pesquisadora entregou então uma folha a cada aluno,
dividida em três colunas, sendo que em cada coluna as crianças deveriam escrever quantas
palavras soubessem com a letra sorteada pela pesquisadora, a qual confeccionou as letras do
alfabeto com cartolina e as colocou em uma caixa de papel para sortear; alguns alunos pediam
ajuda, perguntavam quais palavras poderiam escrever, perguntavam se a palavra escrita estava
certa. A pesquisadora apenas olhava e dizia se estava escrito com a letra escolhida, para
verificar depois as palavras escritas por cada um e como eles as compreendiam. De modo
geral, as crianças souberam escrever em suas folhas as palavras, porém algumas trocavam ou
esqueciam algumas letras: “CAMIÃO” (caminhão), “COELIO” (coelho), “COADRO”
(quadro), “CAZA” (casa), “CABESA” (cabeça), “MEZA” (mesa), “MELN”, “MECIA”
(melancia). Alguns alunos, porém, escreveram apenas uma ou duas palavras, e uma aluna em
especial escreveu duas palavras de forma “espelhada”, com as letras ao contrário. A
pesquisadora perguntou então sobre essa aluna à professora, a qual disse que esta é a aluna
mais nova da sala (5 anos) e a que mais apresenta “dificuldades de leitura e escrita” (fala da
professora). Os alunos participaram com interesse da atividade (Anexo 4, p. 131-132).

A segunda atividade foi o “Bingo de sílabas e palavras”, na qual a pesquisadora


entregou uma cartela de cartolina para cada aluno, dividida em seis partes. A pesquisadora e a
professora distribuíram algumas tampinhas em cada mesa para as crianças marcarem as
palavras sorteadas. A professora se prontificou a ajudar e foi escrevendo no quadro as
palavras ditas pela pesquisadora para as crianças acompanharem. As duas, entretanto, pediam
às crianças para prestarem atenção à palavra e a conferirem em suas cartelas. Todos os alunos
participaram com entusiasmo; alguns, por não marcarem nenhuma palavra, ficavam tristes,
falavam, queriam que fosse sorteada alguma palavra de sua cartela. Por ser uma turma de
alunos pequenos (5, 6 e 7 anos) e visto que alguns apresentam momentos diferenciados de
leitura e escrita, o desempenho deles foi de certa forma favorável. A aluna que escreveu de
forma “espelhada” na atividade anterior conseguiu reconhecer as palavras ditas em sua cartela
25

e marcou três palavras sorteadas. A professora mostrou a dois alunos que havia uma palavra
em sua cartela que já havia sido dita. De maneira geral, os alunos conseguiram observar e
marcar as palavras.

Uma aluna ganhou o jogo, ficou eufórica, gritou, veio correndo trazer a cartela
para a pesquisadora conferir. Ela foi conferida em voz alta e, junto com os alunos, observando
as palavras escritas no quadro e verificando que a menina realmente tinha ganhado.

A partir desta atividade, constata-se o que Silva (2006) afirma sobre a importância
da brincadeira para a aprendizagem dos alunos:
A brincadeira, além de desenvolver uma série de atividades lúdicas, assume
uma fundamental importância no processo de aprendizagem infantil, assume
a função de promover o desenvolvimento da criança enquanto indivíduo, e a
construção do conhecimento (p. 68).

No sétimo dia de intervenção (23/10/2008), as atividades aplicadas foram: “Jogo


do alfabeto” e “Qual é o número?”.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

As duas atividades desenvolvidas tiveram os seguintes objetivos: despertar o


raciocínio, a atenção e a agilidade das crianças.

As atividades foram realizadas fora da sala de aula, em um espaço amplo. A


pesquisadora e a professora saíram com os alunos, fizeram um círculo e se sentaram no chão,
porém a professora preferiu ficar do lado de fora, apenas observando. A pesquisadora
perguntou então aos alunos se lembravam qual era a atividade realizada no encontro anterior.
Alguns disseram que sim, mas não souberam dizer o nome das brincadeiras (“Carta de
palavras” e “Bingo de sílabas e palavras”); outros disseram: “Ah, foi aquela em que a gente
escreveu palavras”.

Em seguida, a pesquisadora disse que hoje seriam trabalhadas novamente as letras


do alfabeto e que a primeira brincadeira se chamava “Jogo do alfabeto”. Levou-se para essa
brincadeira um saco com as letras do alfabeto confeccionadas com cartolina, e um aluno do
círculo retiraria uma letra, e um de cada vez teria que falar uma palavra com aquela letra. No
começo, todos queriam falar ao mesmo tempo, mas a pesquisadora disse que teria que ser um
de cada vez, para que todos pudessem participar. Alguns repetiam as palavras já ditas, outros
não sabiam dizer, porém a maioria participou bem. Uma aluna em especial disse que “não
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lembrava” nenhuma palavra com todas as letras que foram sorteadas e, quando falou, repetiu
a palavra que o colega anterior havia dito; estava um pouco envergonhada. Segundo a
professora, é uma menina que “só brinca com meninos e é criada pela avó”. De acordo com
ela, a menina apresenta “dificuldades” de relacionamento com as outras meninas e nunca
gosta de perder: “É uma aluna difícil”, disse a professora, sem sequer pensar na hipótese de
ser apenas uma escolha da menina em relação às amizades, e não dificuldades. A professora,
nesse momento, estigmatizou a menina por ser de determinada maneira e pelo fato de ser
criada pela avó e não pelos pais.

A brincadeira se repetiu três vezes, ou seja, três letras foram sorteadas por alunos
diferentes e em círculo todos foram falando palavras que conheciam. Enfim, foi uma atividade
de que os alunos participaram ativamente e em que conseguiram desenvolver a atenção e o
raciocínio.

A segunda brincadeira, denominada “Qual é o número?”, teve como objetivos:


despertar nos alunos o raciocínio, a noção de número, de seqüência, a capacidade de
memorização.

A pesquisadora falou então a eles que escolheria um número de 1 a 30 (não mais


do que isso para não dificultar a participação deles) e que um de cada vez diria um número
qualquer, e a pesquisadora responderia apenas se é “maior” ou “menor” do que o número
escolhido. Quem acertasse escolheria um novo número e a brincadeira prosseguiria. A
pesquisadora escolheu o número 15. Um de cada vez foi falando um número qualquer, porém
a maioria falava números acima de 30 (como, por exemplo: 35, 39, 48...), e o tempo todo a
pesquisadora ressaltava: “É entre 1 e 30! Não é maior do que 30”. Um aluno acertou, e a
pesquisadora disse que todos batessem palmas para ele; disse-lhe para falar no ouvido dela
qual o número escolhido por ele, para ela ajudá-lo a dizer se era maior ou menor para os
colegas. O aluno escolheu o número 29, e, à medida que os colegas diziam um número, ele
em seguida já respondia se era maior ou menor, ou então dizia: “Não é esse número, não!”
Tratava-se de um dos alunos de 7 anos, o qual já escreve e lê com fluência, é mais
desenvolvido nesse aspecto do que os outros. Os colegas demoraram a adivinhar, e ele foi
ficando inquieto e disse: “Se ninguém acertar, vou ter que falar”. Alguns, fora da sua vez,
falavam o número, queriam participar, porém a ordem foi seguida e outro aluno acertou.

Constatou-se com esta brincadeira que as crianças estão em processo de


aprendizagem dos números, portanto algumas vezes fica difícil imaginá-los, perceber quais
27

são maiores ou menores. A professora disse ao final que eles “entendem melhor os números
quando eles veem”. Realmente, nessa idade é mais fácil compreender aquilo que é visto, que é
palpável, concreto; entretanto, alguns alunos mostraram que são capazes de imaginar e fazer
associações (por exemplo: associar que se um número é maior do que 28 e menor do que 30,
ele é o 29), tanto que queriam falar para acertar o número.

No oitavo dia de intervenção (28/10/2008) seriam feitas duas atividades


(“Palavras complicadas” e “Última sílaba”); entretanto, quando a pesquisadora chegou à sala
de aula, a professora avisou que iria levá-los ao parque antes das atividades, pois havia
combinado com a professora da outra sala de levá-los naquele horário (que seria da outra sala,
às 16 h). Então, a pesquisadora os acompanhou até o parque e aproveitou para observá-los
mais uma vez.

Dessa forma, como os alunos foram primeiro ao parque, o tempo destinado às


atividades ficou restrito e só foi possível realizar uma atividade (“Palavras complicadas”).
Após saírem do parque, as crianças limparam os pés e beberam água antes de entrar na sala. A
professora pediu então que todos os alunos se sentassem para ouvir o que a “Professora
Tatiana” iria falar para eles fazerem (essa era a forma como a professora chamava a
pesquisadora diante dos alunos). Como de costume, eles ficaram ansiosos e curiosos para
saber o que seria feito.

Objetivos da atividade e o que foi conseguido com a mesma:

A brincadeira denominada “Palavras complicadas” tem os seguintes objetivos:


desenvolver raciocínio, agilidade, atenção, coordenação, escrita e vocabulário.

A pesquisadora disse à professora que a brincadeira seria feita em dois grupos, A


e B. Pediu a ela que os grupos fossem divididos de forma mista (para não haver disputa de
gênero) e em duas filas. A professora sugeriu então que ela chamasse um aluno para um grupo
e a pesquisadora para outro, e assim foi feito: a professora chamava um menino (a) para um
grupo e a pesquisadora outro menino (a) para o outro grupo. Como havia 22 alunos, foram
formados dois grupos de 11 alunos. Em seguida dividiu o quadro em duas partes, sendo um
lado para o grupo A e o outro para o grupo B. Os alunos ficaram sentados no chão e em fila.

A brincadeira deu-se então da seguinte maneira: a pesquisadora dizia uma palavra


qualquer, e as primeiras crianças de cada grupo iam até o quadro para escrever no local
demarcado do seu grupo e depois iam para o final da fila. Se escrevessem corretamente, o
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grupo marcaria um ponto. A brincadeira seguiu até que o aluno que era o primeiro da fila
retornasse ao lugar, ou seja, todos participaram. O grupo B ganhou, marcando ao todo 11
pontos (todos acertaram); o grupo B marcou 8 pontos (três erraram). A pesquisadora optou
por não escolher palavras muito grandes ou complicadas (como sugere o nome da brincadeira)
até pela questão do tempo, que havia ficado restrito, e também para não gerar o desinteresse
dos alunos.

Esta foi a brincadeira em que os alunos demonstraram maior interesse e houve a


participação de todos, que exclamavam: “O nosso grupo vai ganhar! O nosso grupo vai
ganhar!” Assim, os dois grupos ficaram empolgados, diziam que queriam ganhar, os alunos
ficavam ansiosos para chegar a sua vez de ir ao quadro, escrever e “ganhar”. Percebeu-se
também grande entusiasmo da professora ao notar a empolgação e participação dos alunos.
Ela afirmou que tinha gostado da brincadeira e que irá utilizá-la com os alunos em uma outra
oportunidade. Foi uma brincadeira divertida e agradável, proporcionando momentos de
descontração e alegria.

Considerando o lúdico como o agregador geral de termos como jogo, brinquedo e


brincadeira, conforme explicitado na introdução desta pesquisa, a relação citada no parágrafo
anterior que houve entre os grupos de alunos pode ser considerada como parte de uma
atividade lúdica. Brenelli (1996) afirma:

[...] jogar é estar interessado, não pode ser uma imposição; é um desejo. O
sujeito quer participar do desafio, da tarefa. Perder ou ganhar no jogo é mais
importante para ele mesmo do que como membro de um grupo. Isto porque é
o próprio jogador que se lança desafios, desejando provar seu poder e sua
força mais para si mesmo que para os outros (p. 27).

A partir disto, percebeu-se que os alunos da turma pesquisada faziam questão de


participar das atividades propostas.

Quanto aos alunos que estavam em diferentes momentos de aprendizagem das


palavras escritas, notou-se que estão em processo de compreensão das sílabas, como, por
exemplo, na palavra “papai”: uma criança, ao escrever, escreveu “papani”; ficou em dúvida,
apagou e reescreveu três vezes, até que se perguntou a ela se era isso mesmo e ela disse que
sim. A pesquisadora, após as crianças voltarem para a fila, mostrou a palavra, pronunciando-a
pausadamente. Já a palavra “abacaxi” os alunos que foram ao quadro escreveram
corretamente e rápido; demonstraram felicidade ao perceber que sabiam escrever. Isto
demonstra que as atividades lúdicas contribuem também para diagnosticar os diferentes
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momentos de aprendizagem em que as crianças se encontram.

A outra atividade programada para ser realizada neste mesmo dia (“Última sílaba”)
não foi possível devido ao tempo que havia terminado (já estava no horário de saída dos
alunos). Ficou combinado então que seria no próximo dia.

No dia em que seria o penúltimo da intervenção (29/10/2008), a professora havia


pedido à pesquisadora que viesse às 16h 30 min e não às 16h, como estava programado.
Porém, ao chegar à escola, a professora informou que estava atrasada com as atividades de
sala; como o tempo ficaria restrito novamente e não daria tempo de desenvolver as duas
atividades, ficou acertado que o próximo encontro seria no dia seguinte (30/10/2008 – dia que
seria o último, de acordo com o cronograma; assim, este ficou sendo o penúltimo, e o dia
06/11/2008 o último).

O penúltimo dia da intervenção aconteceu em 30/10/2008. A pesquisadora chegou


à sala e a professora estava terminando uma atividade com os alunos; pediu que terminassem
logo, guardassem seus materiais e aguardassem para saber quais seriam as próximas
atividades. A pesquisadora disse então à professora que as atividades de hoje seriam
novamente em dois grupos. Os grupos foram divididos da mesma maneira (A e B): a
professora chamava um aluno para um grupo e a pesquisadora para outro, alternando meninos
e meninas. Eles se sentaram no chão, próximos ao quadro; um grupo ao lado direito e o outro
ao lado esquerdo. Os grupos foram mantidos para as duas atividades, que se denominam:
“Produção de texto coletiva” e “Última sílaba”.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

As atividades realizadas neste dia tiveram como objetivos, de maneira geral,


desenvolver o raciocínio, a imaginação, agilidade, atenção, criatividade e capacidade de
formar frases/textos.

A primeira atividade foi a “Produção de texto coletiva”, em que a pesquisadora


levou uma história formada por três “tirinhas”, coladas em uma cartolina. Pediu ao grupo “A”
que criasse um texto para o primeiro quadrinho (o grupo B ficou apenas observando); em
seguida o grupo “B” criou a seqüência da história para o segundo quadrinho. Ao final, os dois
grupos tiveram que escolher um final para a história e um título. Todos queriam participar,
falavam ao mesmo tempo, e era preciso pedir silêncio e organização o tempo todo para que
pudessem compreender e participar das atividades; ficaram eufóricos, cada um falava uma
30

coisa. Então a pesquisadora foi escrevendo a história no quadro (com letra de fôrma) de
acordo com o que a maioria dos alunos sugeria.

Percebeu-se grande empolgação dos alunos durante a atividade. Ficaram


encantados com as figuras, queriam criar as frases; alguns queriam falar apenas sobre o final,
o que aconteceu no último quadrinho. Enfim, de modo geral, constatou-se que as crianças
possuem grande capacidade de imaginação, de sequenciação, de contexto geral, de realidade e
conseguiram participar com êxito da atividade.

Logo em seguida, com as crianças ainda sentadas ao chão e em grupo, a


pesquisadora iniciou a próxima atividade: “Última sílaba”. Para isto o quadro foi dividido em
duas partes (A e B), para marcar os pontos. A pesquisadora iniciou a brincadeira falando uma
palavra (“escola”). O grupo “A” deveria então criar uma outra palavra iniciada com a última
sílaba da palavra dita, ou seja, “LA”; em seguida, o grupo “B” teria que dizer outra palavra
com a última sílaba dita pelo grupo “A”, e assim por diante. A empolgação dos alunos foi
tamanha que, enquanto um grupo deveria escolher uma palavra, o grupo adversário
pronunciava diversas palavras; todos queriam participar, falavam bastante e então a
pesquisadora explicou a eles que, se um grupo dissesse uma palavra durante a vez do outro,
este acabaria ganhando, pois “copiaria” a palavra dita por eles. Disse também que não
poderiam ser ditas palavras terminadas em “ÃO”, pois não existem palavras iniciadas com
essa sílaba.

No último dia de intervenção (06/11/2008), foram realizadas três atividades. Uma


delas (“Telefone sem fio”) seria realizada no penúltimo dia, porém, como não foi possível
devido à falta de tempo (aspecto levantado diversas vezes pela professora como o grande
responsável pela ausência do lúdico em suas aulas, e observado também durante a
intervenção), foi realizada no último dia. As outras foram: “Corre Cotia” e “Boneca de lata”.

Objetivos das atividades e o que foi conseguido com as mesmas:

As brincadeiras aplicadas neste dia apresentam os seguintes objetivos: exercitar


memória, atenção, criatividade e coordenação motora. São brincadeiras de culminância para
despertar a agilidade e a socialização dos alunos.

A primeira brincadeira realizada foi “Telefone sem fio”. A pesquisadora e a


professora fizeram um círculo com os alunos no espaço externo da sala. A pesquisadora
31

perguntou então aos alunos quem conhecia a brincadeira, alguns disseram que sim e quiseram
explicar. Iniciou-se a brincadeira quando a pesquisadora disse uma frase a um dos alunos, que
deveria passar a frase para o colega ao lado, e assim por diante. Pediu a todos que ficassem
em silêncio aguardando a sua vez de ouvir e passar a frase ao colega ao lado. Percebeu-se que
todos estavam ansiosos para chegar a sua vez, ficaram em silêncio e participaram com
entusiasmo da brincadeira. A pesquisadora sempre lhes dizia que falassem com calma a frase
ao colega, que prestassem atenção para que a frase chegasse ao final exatamente como
começou. Ao final, a última criança a dizer a frase a falou praticamente igual à frase inicial,
faltou apenas uma palavra. Isso demonstrou que as crianças realmente se interessaram pela
brincadeira, estavam atentos, entretanto em algum momento uma palavra foi esquecida.

Novamente outra frase foi dita pela pesquisadora, iniciando a brincadeira na ordem
inversa e com outro aluno. A frase era um pouco menor, porém assim mesmo não chegou ao
final da mesma maneira; uma palavra foi invertida, o que mostrou, mais uma vez, que as
crianças estavam atentas, pois somente uma palavra foi trocada e, possivelmente, poderia ter
sido totalmente trocada. A pesquisadora disse então que mais uma frase seria falada e que eles
deveriam prestar mais atenção para a frase chegar correta dessa vez. E foi o que aconteceu:
como eles queriam acertar e estavam ansiosos, parece que estavam ainda mais atentos e a
frase chegou ao final da mesma maneira.

A próxima brincadeira realizada foi “Corre Cotia”, da qual as crianças


participaram com grande entusiasmo também. Sabiam a letra da música e todas queriam
correr e “pegar” o colega, para que este virasse “galinha choca” e ficasse no centro da roda. A
professora sugeriu que os alunos tirassem os calçados para não escorregar na hora de correr,
visto que depois os levaria ao parque. Durante a brincadeira, como os alunos começaram a
cantar a música rapidamente e se empolgaram bastante, a professora “encurtou” a música,
cortando-a pela metade para que terminassem logo. Na próxima rodada, a pesquisadora
cantou com os alunos a música num ritmo mais calmo, e eles foram acompanhando. Alguns
estavam desatentos, não percebiam quando era a sua vez, os outros falavam e logo a criança
participava da brincadeira atentamente. Nenhum deles queria virar “galinha choca” e
permanecer no centro da roda. Foi a brincadeira do dia que durou mais tempo; as crianças
realmente gostaram e não queriam parar de brincar.

Então a pesquisadora pediu a eles que ficassem em pé para brincarem de “Boneca


de lata”, uma brincadeira cantada em que as crianças devem mencionar partes do corpo e, a
cada parte mencionada, aumentar um número. Esta brincadeira trabalha com as crianças o
32

raciocínio, a memorização, a atenção, a coordenação motora, e os alunos, de modo geral,


participaram de forma positiva da brincadeira, pois muitos já a conheciam; os que não a
conheciam prestavam atenção naqueles que sabiam ou então na pesquisadora. Por ser uma
brincadeira em que eles puderam se movimentar bastante, ficar livres, cantar, os alunos
mostraram bastante empolgação, porém alguns se dispersaram, correram e não quiseram
participar. As crianças mostraram atenção à brincadeira, sabiam qual era o próximo número,
sugeriam partes do corpo para acrescentar à música e participaram com empolgação. Nesse
momento, a professora teve que se ausentar do local para socorrer uma aluna que havia batido
a cabeça no banheiro, e os alunos ficaram bastante inquietos (puxavam o cabelo um do outro,
empurravam, batiam). Ao final da brincadeira, a pesquisadora cantou algumas músicas infantis
com eles para distraí-los até que a professora voltasse. Quando a professora voltou, a
pesquisadora disse a ela que entregaria uma pequena lembrança a ela e aos alunos, como forma
de agradecimento pela receptividade e atenção durante todo o período da pesquisa. Então as
crianças colocaram seus calçados novamente (a professora havia desistido levá-las ao parque,
pois faltava pouco tempo para irem embora) e se sentaram no chão. A pesquisadora chamou
um a um e lhes entregou um saquinho com alguns doces (bala, pirulito, chiclete, paçoca);
entregou também à professora e aos filhos dela. Dirigiu-se até a sala da diretora para lhe
agradecer e entregar também a lembrancinha, porém ela não estava; então a deixou com a
professora para que esta lhe entregasse depois.

Foi um período rico em trocas de experiências, aprendizado e companheirismo. A


pesquisadora, a professora e os alunos puderam aprender e ensinar coisas novas, viveram
momentos de alegria e descontração.

4.3 Análise dos resultados obtidos

Os dados discutidos no capítulo anterior serão abordados neste, com base na


fundamentação teórica do tema, a partir dos objetivos específicos da pesquisa:

a) Analisar a utilização de atividades lúdicas em uma turma de 1º ano do Ensino


Fundamental;

b) Identificar a concepção da professora em relação ao uso de atividades lúdicas


no Ensino Fundamental;

c) Observar o interesse das crianças durante as atividades lúdicas propostas pela


pesquisadora.
33

4.3.1 A professora pesquisada

No que se refere à utilização do lúdico, constatou-se que a professora desta turma


não utiliza com freqüência esse instrumento, embora tenha em sua sala de aula um armário
repleto de jogos. Como já foi dito, ela mesma afirmou que barreiras como a falta de tempo a
impedem de desenvolver um planejamento diferenciado. Para ela, “a ludicidade favorece o
desenvolvimento da aprendizagem infantil, já que as crianças nem percebem que estão
aprendendo algum conhecimento novo, é algo natural”. A escola, na percepção da professora,
deveria trabalhar as seguintes atividades: “Jogos de mesa, recreações dirigidas, cantigas de roda,
brincadeiras folclóricas. Os professores devem envolver atividades lúdicas em seu planejamento e
saber o que ele quer atingir com estas atividades: ‘Que tipo de habilidade eu quero que o meu
aluno tenha com esse tipo de brincadeira?’ Essas atividades podem e devem fazer parte do dia-a-
dia escolar” (Fala da professora da turma – Anexo 1).

Neste sentido, a professora aproxima-se do que afirma Lima (1991):


No planejamento precisam ser explicitados os conceitos a serem
desenvolvidos, os conteúdos a serem trabalhados e as expectativas de
realização das crianças. A partir dessa definição, deve-se selecionar o tipo de
atividade que poderá ser utilizado para atingir tal fim, o qual poderá ser
alguma forma de jogo ou expressão artística (p. 29).

Porém, apesar de saber da importância do uso de atividades lúdicas para a


aprendizagem das crianças, a professora reconhece que possui algumas dificuldades: “Olha,
às vezes eu tenho dificuldade com jogos de mesa, por ter muitos alunos, que ainda precisam
muito da minha presença para resolver certos problemas, e por isso sinto que não consigo
atingir o meu objetivo. E, quando temos atividades fora da sala de aula, eles ficam bem
agitados, e depois é difícil voltar à rotina”.

A professora apresenta as adversidades que enfrenta no dia-a-dia da escola e que


muitas vezes a impedem de diversificar suas aulas, como, por exemplo: a falta de recursos
lúdicos e pedagógicos disponíveis para os professores e alunos, a falta de tempo, os alunos
que ainda necessitam do auxílio constante dela para solucionar alguns problemas, conforme
explicitado no parágrafo anterior, entre outras. A escola em questão não dispõe de material
didático que proporcione atividades lúdicas. Cabe às professoras confeccionarem ou
comprarem os seus, se quiserem. Porém, como a professora mesma disse em uma das
entrevistas, fez alguns cursos e oficinas de jogos pela prefeitura, mas nada muito específico.
Conforme a fala da professora: “Os recursos lúdicos que eu tenho são meus... Eu tenho um
34

armário só com jogos! [...] Não, não possui, porque é uma escola nova... O que eu tenho a
gente confeccionou ou é meu mesmo, comprado”.

O papel da escola, para a professora, é o seguinte: “[...] eu acho que hoje a escola
educa e ensina, né, porque não tem como, a gente pensa assim: não tem como você vê uma
riança jogando papel no chão e falar pra criança, é, deixar por isso mesmo. ‘Ah, porque não é a
minha função. Eu não vou limpar a escola’. Então, eu acho que a escola educa, ensina a falar
‘muito obrigado’, ‘com licença’, ‘por favor’ e eu acho que isso anda junto...” (Fala da
professora da turma).

A professora demonstra preocupação com uma educação que não se restrinja ao


“bê-á-bá”. Neste sentido, aproxima-se dos autores estudados nesta pesquisa. O papel da
educação, para Vigotski, como já foi citado por Duarte (2000), é “promover o
desenvolvimento intelectual da criança, alcançando uma síntese que supere tanto a dificuldade
de abstração do pensamento cotidiano quanto o caráter inicialmente verbalista que os
conceitos científicos têm para a criança” (p. 202). Inicialmente, os conceitos científicos, como
expressou Vygotsky (1993), têm apenas função verbal para a criança, que desconhece seu
significado; aos poucos, vai adquirindo condições para compreender os conteúdos que lhe são
ensinados na escola.

4.3.2 Os alunos da turma pesquisada e as atividades lúdicas

Os alunos da turma pesquisada apresentam, conforme já foi dito no item 3.1,


momentos diferenciados de aprendizagem; no entanto, nas atividades propostas pela
pesquisadora, todos mostraram interesse. Ainda conforme o item 3.1, a participação não
ocorreu de forma homogênea, o que confirma a posição de teóricos que estamos utilizando
nesta pesquisa, tais como Vigotski (2000), que compreende que o processo de aprendizagem
ocorre de forma singular em cada criança.

O que pôde ser percebido durante a intervenção e as observações foi que, de


maneira geral, os alunos se mostraram atentos às atividades, participaram ativamente da
maioria delas, dedicavam-se ao máximo à realização das atividades, porém apresentaram,
conforme já foi dito, momentos diferenciados da leitura e escrita e da apreensão do sistema
numérico.

Durante a intervenção, foi possível observar que as atividades propostas


35

contribuíram para a aprendizagem dos alunos. Com relação às atividades do “Jogo do


Dominó”, “Tangran”, “Número certo” e “Qual é o número?”, elas serviram, de modo geral,
para diagnosticar, juntamente com a professora, as inúmeras possibilidades para reorganizar
atividades relacionadas a números, levando em consideração os diferentes momentos de
aprendizagem em que as crianças se encontram. No “Jogo do dominó”, verificou-se que
algumas crianças solicitavam o auxílio da professora e/ou da pesquisadora para fazer
operações de adição e subtração para, a partir daí, encaixar a peça correta no jogo; com este
jogo, foi possível verificar que, embora as crianças conheçam o sistema numérico, algumas
estão na fase inicial da compreensão das operações matemáticas.

O jogo do “Tangran”, que teve como objetivos trabalhar o raciocínio, a


imaginação e a criatividade, era também um desafio para os alunos, que deveriam criar
figuras a partir de sete peças em formas geométricas. Alguns criaram figuras embasadas em
desenhos que a pesquisadora mostrou, criadas a partir do Tangran. Outros, mesmo observando
as figuras, apresentaram dificuldades para criar, e outros conseguiam e criavam suas próprias
figuras. De modo geral, os objetivos da brincadeira foram alcançados, e pôde-se constatar que
as crianças desta idade têm potencial para aprender matemática brincando e se divertindo.

A brincadeira denominada “Número certo” tinha como objetivos desenvolver a


compreensão, a atenção e a memorização. Os alunos mostraram interesse e participaram com
empolgação, logo que compreenderam a brincadeira. Como deveriam dizer números de 1 a
23, teriam que pensar em qualquer número entre esses; às vezes demoravam a responder, mas
todos participaram. Os alunos deveriam usar a atenção e a memória para saber qual número
poderiam dizer. Participaram com interesse e empolgação, procurando sempre resolver suas
dúvidas.

Quanto à educação matemática, Brenelli (1996) aponta o seguinte:

Uma área de ensino que se tem voltado à questão do jogo é a matemática.


No entanto, ainda é comum a ênfase nos materiais concretos e no material
estruturado como recursos didáticos. Esta referência, no dizer de Moura
(1990), talvez se deva à oposição entre brincar e aprender. Pouco a pouco,
porém, foi-se tomando consciência de que ensinar matemática envolvia
variáveis que transcendiam ao simples ato de transmitir conhecimentos. [...]
As concepções epistemológicas e psicológicas voltadas a uma aprendizagem
real orientam uma definição mais precisa do que seja jogar e aprender em
matemática (ibid.), e o lugar do jogo neste contexto, valorizando, na
educação matemática, a concepção de que o conhecimento se constrói (p.
23).
36

Nas demais atividades da intervenção, foi possível perceber o interesse e o


“avanço” dos alunos em relação à aprendizagem da leitura e da escrita. Entretanto, nas
atividades denominadas: “Complete as frases”, “Qual é a palavra?”, “O que é, o que é?”,
“Bingo de sílabas e palavras”, “Jogo do alfabeto”, “Última sílaba”, “Telefone sem fio” e
“Produção de texto coletiva”, foi possível verificar oralmente a compreensão das crianças
quanto às sílabas, palavras e frases trabalhadas. Nas atividades “Carta de palavras” e
“Palavras complicadas”, pôde-se observar a compreensão dos alunos quanto à forma escrita
das palavras. As atividades “Jogo da memória”, “Adoleta”, “Corre, Cotia” e “Boneca de lata”,
além de desenvolver memória, atenção, raciocínio e agilidade motora, também serviram para
despertar prazer e alegria em brincar, ensinando conteúdos pertinentes à primeira série do
Ensino Fundamental.

Na atividade “Complete as frases”, os alunos deveriam, através do raciocínio,


organizar e relatar fatos em seqüência, trabalhando assim as palavras e frases oralmente,
continuando a ordem da brincadeira. Eles demonstraram interesse e participaram com
empolgação, de maneira satisfatória.

Na brincadeira “Qual é a palavra?”, os alunos, em grupos, deveriam reconhecer as


palavras que a pesquisadora escrevia no quadro, as quais foram escritas faltando algumas
letras. Alguns disseram que sabiam, reconheceram a palavra, diziam que queriam escrever no
quadro; outros reconheceram, mas não sabiam escrevê-la. Verificou-se, portanto, que muitos
alunos, embora reconhecessem as palavras, ainda não conseguiam transcrevê-las.

“O que é, o que é?” teve como objetivos desenvolver a criatividade, o senso de


humor, a agilidade mental e o vocabulário dos alunos. As crianças ficaram sentadas em
círculo, e uma delas deveria sair para que a palavra fosse dita ao grupo, e esta criança deveria
tentar acertar depois, fazendo perguntas aos colegas, que deveriam responder somente “sim”
ou “não”. Embora alguns alunos tentassem revelar a palavra ao colega, a brincadeira despertou
o vocabulário dos alunos e permitiu-lhes criar, imaginar.

No “Bingo de sílabas e palavras”, os objetivos foram: desenvolver o vocabulário,


atenção e raciocínio. Foi entregue uma cartela a cada aluno, dividida em seis partes, e cada
um deveria marcar as palavras sorteadas com tampinhas de garrafa. Os alunos mostraram
interesse e participaram com atenção, verificando suas cartelas. Visto que eles ainda
apresentam momentos diferenciados de leitura e escrita, seu desempenho foi favorável. Alguns
estavam distraídos e não marcaram algumas palavras, mas de modo geral conseguiram
37

acompanhar o desenvolvimento do jogo.

O “Jogo do alfabeto” teve como objetivos despertar o interesse, a atenção e a


agilidade das crianças. Os alunos deveriam dizer, um de cada vez, uma palavra com a letra
sorteada por algum aluno. Como eram muitos alunos, alguns não sabiam mais qual palavra
falar ou repetiam as palavras já ditas. Contudo, houve, como afirma Redin (2007), “[...] a
interatividade do grupo, acreditando que o respeito à diversidade, à diferença e à singularidade
fazem parte do mesmo processo” (p. 93). Os alunos, de forma geral, mostraram interesse e
agilidade em falar as palavras com as letras escolhidas.

“Última sílaba” teve os seguintes objetivos: desenvolver o raciocínio, a agilidade,


a atenção e criatividade. O quadro foi dividido em duas partes e os alunos em dois grupos (A
e B). A pesquisadora começou a brincadeira dizendo uma palavra (“escola”), e um aluno do
grupo A escreveu uma palavra com a última sílaba desta palavra, ou seja, com LA; outro aluno
do grupo B deveria escrever uma palavra com a última sílaba desta palavra, e assim por diante.
Os alunos demonstraram bastante empolgação com a brincadeira, participaram com interesse,
e isto serviu para perceber quais alunos realmente conseguiam escrever as palavras que
ouviam. Alguns ainda apresentavam certa dificuldade com a percepção de algumas palavras,
mas procuravam superá-la, tentando escrever novamente a palavra.

Na brincadeira do “Telefone sem fio”, os objetivos foram: exercitar a memória e


atenção, além de socializar os alunos. Esta brincadeira já era conhecida dos alunos, e alguns
quiseram explicar. A pesquisadora iniciou a brincadeira citando uma frase, que chegou
parecida ao final. Na segunda vez, aconteceu a mesma coisa, pouca coisa foi mudada, e, na
última vez, a frase chegou corretamente ao final. O que se percebeu com esta brincadeira é
que, conforme as crianças iam acertando, ou seja, conforme a frase ia chegando ao final o
mais parecida com a original, mais aumentava o interesse das crianças em continuar a
brincadeira. A brincadeira, como afirmou Brenelli (1996) em uma citação no item 4.2, deve
ser um desejo e não uma imposição ao aluno, pois o mais importante é ele mesmo se lançar
desafios, perdendo ou ganhando. Assim, os alunos demonstraram grande interesse com esta
atividade, pois sentiram-se desafiados pela tarefa de passar uma determinada frase adiante.

A “Produção de texto coletiva” teve como objetivos desenvolver o raciocínio, a


imaginação, atenção, criatividade e capacidade de formar frases e textos. A pesquisadora
levou uma história em quadrinhos colada em uma cartolina; a turma foi dividida em dois
grupos, e cada um deveria criar uma história para cada quadrinho, e os dois deveriam criar
38

juntos um final para a história. Os alunos ficaram empolgados com os quadrinhos, queriam
criar a história, falavam o tempo todo e usaram bastante a imaginação, que, de acordo com
Vigotski (1998), “[...] não repete em formas e combinações iguais impressões isoladas,
acumuladas anteriormente, mas constrói novas séries, a partir das impressões anteriormente
acumuladas” (p. 107). Neste sentido, foi possível perceber que as crianças, de fato,
conseguiram, com atenção, imaginar e criar histórias a partir de figuras, usaram sua
imaginação e criatividade, formularam frases com sentido, oralmente e em sequencia de fatos.

Na brincadeira denominada “Carta de palavras”, as crianças deveriam escrever,


numa folha repartida em três partes e entregue pela pesquisadora, o maior número de palavras
com a letra que fosse sorteada por ela. As crianças foram escrevendo as palavras que sabiam;
algumas escreveram mais palavras, outras menos, mas de modo geral todas conseguiram
escrever, ainda que com alguns erros comuns nessa idade. Por meio da interação com os
colegas mais experientes, conforme afirma Vygotsky (1993), a menina poderia se desenvolver
satisfatoriamente, ou poderá fazê-lo com o auxílio e cuidado da professora.

A brincadeira “Palavras complicadas” tinha os seguintes objetivos: desenvolver o


raciocínio, atenção, agilidade, coordenação, escrita e vocabulário. As crianças ficaram
sentadas no chão e em fila, divididas em dois grupos, e uma de cada grupo ia ao quadro
escrever a palavra que a pesquisadora pronunciava, sem copiar uma da outra. Quando o aluno
escrevia, ia para o final da fila, e a seqüência ia seguindo, terminando apenas quando o
primeiro da fila retornasse ao lugar, para haver a participação de todos. O grupo vencedor
escreveu corretamente todas as palavras, e o outro grupo errou apenas três, ou seja, de modo
geral os alunos mostraram considerável avanço quanto à escrita das palavras. Apesar do nome
da brincadeira, optou-se por dizer palavras fáceis, para estimular a participação e o interesse
dos alunos. Com esta brincadeira, os alunos demonstraram aquilo que estavam aprendendo,
mostraram seus avanços e suas dificuldades com as palavras na forma escrita.

Na brincadeira “Adoleta”, o que se percebeu é que alguns alunos estavam em


processo de aprendizagem da lateralidade, de coordenação e estavam atentos. À medida que a
roda ia diminuindo, aumentava a empolgação dos alunos, para ver quem iria ganhar. O “Jogo
da memória” teve como objetivos despertar a atenção e a memória das crianças, as quais
demonstraram bastante interesse em acertar, gostaram das figuras, e todas participaram. A
pesquisadora e a professora foram passando pelas mesas e mostrando a elas as regras do jogo.
Assim, com essas atividades, foi possível proporcionar às crianças momentos em que elas
pudessem, além de se descontrair, brincar, raciocinar, desenvolver a atenção e memória.
39

“Corre Cotia” e “Boneca de lata” foram as brincadeiras realizadas no último dia


da intervenção, como forma de descontrair as crianças e socializá-las. A brincadeira “Corre
Cotia” teve como objetivos desenvolver a coordenação motora e agilidade, além de observar a
participação e interesse dos alunos, que participaram com entusiasmo. Além disso, foi uma
brincadeira de culminância e de descontração. Já a brincadeira “Boneca de lata” serviu para
demonstrar quais alunos conseguiam formar mentalmente a seqüência dos números, a cada
vez que a música era cantada. Eles deveriam acrescentar uma parte do corpo e um número.
Foi possível, assim, desenvolver o conhecimento e a percepção das partes do corpo, a
seqüência numérica, a memória e a atenção dos alunos, que demonstraram prazer em
participar. A partir daí, pôde-se trabalhar os números com os alunos, a matemática. Brenelli
(1996) cita Moura, que afirma que “[...] a perspectiva do jogo na educação matemática não
significa ser a ‘matemática transmitida de brincadeira’, mas a ‘brincadeira que evolui até o
conteúdo sistematizado’” (p. 24).

Sobre as atividades lúdicas numa intervenção pedagógica, como no caso desta


pesquisa, Brenelli (1996) também afirma o seguinte:

As atividades lúdicas propostas na intervenção pedagógica relacionam-se ao


“fazer” e “compreender” visto que o jogo de regras implica a construção de
procedimentos e a compreensão das relações que favorecem os êxitos ou
fracassos. Assim sendo, o êxito no jogo depende da compreensão do mesmo
(p. 38).

Reiteramos que fica explícita, no nosso trabalho de pesquisa, a importância de


desenvolver atividades lúdicas com vistas ao aprendizado das crianças, sobretudo daquelas
que se encontram nos anos iniciais da escolarização, pois as atividades lúdicas fazem parte da
cultura e do cotidiano das pessoas, conforme expressam Vigotski (1998) e Heller (1997),
cabendo à educação escolar se apropriar didaticamente dessas atividades.

Finalmente, reiteramos o pensamento de autores como Vigotski (2000), Leontiev


(1978), Elkonin (1998) e Wallon (1975), entre outros, que enfatizam a idéia de que a presença
do lúdico contribui para o processo de ensino e aprendizagem.
5
Brinquedotecas
Maria Aparecida Lúcio Mendes

Licenciatura em Pedagogia

O Seminário Nacional sobre Brinquedoteca: A Importância do Brinquedo na


Saúde e na Educação, ocorrido em 10 de agosto de 2005, teve a coordenação
da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. O evento
foi um marco nacional, pois o Parlamento Brasileiro se debruçou sobre essa
temática, demonstrando o reconhecimento e a valorização de ações
multidisciplinares das políticas públicas e gestões governamentais relativas à
criança.

Neste sentido, para enriquecer nossa Unidade V, trago os anais da Primeira


Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional”, composta por
Dra. Edda Bomtempo - pesquisadora de brinquedos do Instituto de Psicologia da
USP; Sra. Sandra Kraft do Nascimento - Psicopedagoga e membro da Diretoria
da Associação Brasileira de Brinquedotecas, e Sra. Tânia Ramos Fortuna -
professora da Faculdade de Educação da UFRS. Trata-se de uma transcrição
das falas do evento, por isso, deixem-se levar pelas discussões e transportem-
se para lá!

Todas as discussões realizadas no evento trazem boas contribuições para o


conhecimento e entendimento desta temática, à medida que deixam evidente
que: “a brincadeira não é um mero passatempo. Ao contrário, todo ato de brincar
e de envolver-se com o brinquedo traz para a criança elementos simbólicos e
pedagógicos, elementos que podem ser libertários e curativos”.

Mãos à obra e boa leitura!

Profa Maria Aparecida Lúcio Mendes


5.1
A Brinquedoteca no
Processo Educacional
Edda Bomtempo, Sandra Kraft do Nascimento e Tânia
Ramos Fortuna

Licenciatura em Pedagogia

BOMTEMPO, Edda; NASCIMENTO, Sandra Kraft do; FORTUNA, Tânia Ramos.


Primeira Mesa de Debate: A Brinquedoteca no Processo Educacional. In:
Seminário Nacional sobre Brinquedoteca: A Importância do Brinquedo na Saúde
e na Educação. Anais... Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos
Deputados 2005, 67p.
39

1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no


Processo Educacional”

O SR. APRESENTADOR (Agnaldo Rayol) - Convidamos para


compor a Mesa a Dra. Edda Bomtempo, pesquisadora de brinquedos
do Instituto de Psicologia da USP; a Sra. Sandra Kraft do Nascimento,
psicopedagoga e membro da Diretoria da Associação Brasileira de
Brinquedotecas; a Sra. Tânia Ramos Fortuna, professora de psicologia
da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
Passamos a palavra à Dra. Edda Bomtempo, que disporá de 20
minutos para sua exposição.
A SRA. EDDA BOMTEMPO - Bom dia a todos. Agradeço à Câ-
mara dos Deputados, na pessoa da Deputada Luiza Erundina, que é a
alma deste evento. É um prazer participar desta reunião que destaca a
importância do brinquedo na saúde e na educação e, por conseguin-
te, da brinquedoteca, que é, por assim dizer, o espaço da criança.
Antes de entrar na palestra sobre a importância de brincar
para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, digo-lhes que
trabalho há muitos anos na área do brincar. Sou pesquisadora há
mais de 30 anos e vou apresentar-lhes a evolução que houve nesse
setor de brincar.
Sempre digo que brincar é assunto muito antigo e relativamente
novo. É muito antigo porque filósofos antigos assim já afirmavam.
Schiller, por exemplo, dizia que o homem só é totalmente homem
quando brinca. Rousseau dizia que a criança deve ser tratada como
criança. E Fröbel, que o trabalho da criança é brincar.
Daí as pesquisas foram evoluindo. E, nas décadas de 20 e 30, já
havia algumas pesquisas. Porém, a recuperação da pesquisa aconte-
ceu mesmo – depois do hiato entre as décadas de 40 e 50 – com os
trabalhos de Piaget, na década de 50. Recuperação mesmo ocorreu
40 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

na década de 70, quando aparecem mais pesquisas. Estourou para


valer nas décadas de 80 e de 90 e agora no início deste século.
O assunto é palpitante e interessa a todos, graças a Deus. Fico
muito feliz, porque todos sabem que brincar é muito importante
para a criança, não só para a criança, mas para o ser humano de
maneira geral.
Temos também o Estatuto da Criança e do Adolescente, que
completa 15 anos e que dá para o brincar o mesmo status que dá
para a saúde e para a educação.4
Agora, vou começar a falar sobre a importância do brincar na
saúde e na educação.
Brincadeiras e jogos são considerados fatos universais, pois sua
linguagem pode ser compreendida por todas as crianças do mundo.
Assim, se quisermos conhecer bem as crianças, devemos conhecer
seus brinquedos e brincadeiras. E isso é verdade.
Muitas crianças, às vezes, se encontram na Disney – crianças de
todos os países. Se você deixar duas crianças juntas, mesmo que elas
não falem a mesma língua, daqui a pouco elas estarão brincando,
porque elas se entendem, brincando elas se entendem.
Nesse sentido, brincar representa um fator de grande importân-
cia para a socialização da criança, pois é brincando que o ser humano
torna-se apto a viver num mundo social e culturalmente simbólico.
E brincar exige concentração durante grande parte de tempo, desen-
volve iniciativa, imaginação e interesse. É o mais completo dos pro-
cessos educativos, pois influencia o intelecto, a parte emocional e o
corpo da criança.
Quando disse que o brincar exige concentração, vocês também
repararam quando a Profa. Nylse passou aqueles slides das crianças.
Vocês puderam observar como as crianças estavam concentradas.
Então, quando a criança está interessada em alguma coisa, ela se con-
centra. Como ela disse: os professores reclamam que as crianças não
prestam atenção. Por quê? Porque aquilo que lhes foi passado não

4
Segue-se exibição de slides. Imagens não disponíveis.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 41

foi feito de maneira interessante. Elas têm de aprender Geografia,


História, Matemática, tudo isso, mas podem aprender brincando, e aí
estarão muito mais atentas, concentradas. Quer dizer, irão aprender
muito mais brincando.
Nos jogos e brincadeiras emergem valores que dizem respeito
à curiosidade, à coragem, à auto-aceitação, ao otimismo, à alegria, à
cooperação e à maturidade.
Curiosidade. A criança tem curiosidade quando recebe um brin-
quedo ou alguém sugere uma brincadeira. Ela tem curiosidade. Muitas
vezes a criança quer e consegue ter determinado brinquedo, nem que
não ganhe o brinquedo, mas tem acesso a ele na brinquedoteca, e ela
vai ficar muito curiosa até saber como brincar com aquele brinquedo.
E brincando, ela vai ter coragem. Por exemplo, o brincar no hos-
pital, onde as crianças têm de enfrentar procedimentos invasivos. Se
você prepara a criança para enfrentar aqueles procedimentos por
meio do brincar, das brincadeiras, utilizando muitas miniaturas –
podem ser usadas até sucatas do material utilizado pelo médico –,
como seringas e estetoscópios, ela terá mais coragem para enfrentar
aquelas dificuldades que o estar em um hospital acarreta.
Auto-aceitação. Quando ela brinca, ela vai ver o que pode e o
que não pode. Então, ela vai se aceitar como é. Assim, há o brinque-
do com o qual ela pode brincar mais e o que pode menos, porque
ou lhe interessa mais, ou porque é mais adequado ao seu nível de
desenvolvimento. Ela vai se auto-aceitar quando estiver brincando.
Muitas vezes crianças que estão brincando não deixam outra tomar
parte porque ela não conhece a brincadeira. É aquele caso do café
com leite. A criança fica olhando, não participa, mas aprende e de-
pois vai participar.
Vygotsky diz que é muito importante a influência do mais velho
sobre o mais novo. Muitas vezes a criança não consegue brincar, mas
o mais velho dá um empurrãozinho, dá umas orientações, e aí o mais
novo aprende a brincar – isso acontece na brinquedoteca.
42 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

Otimismo. Quando a criança brinca, fica muito alegre, muito


otimista, além de haver cooperação e competição. Vale dizer que a
competição também é muito importante, porque no mundo em que
vivemos a competição está aí mesmo. Não é só competir, mas tam-
bém cooperar. Cooperação e competição andam juntas. Exemplo:
num jogo em que várias pessoas dele participam, daquele brinquedo,
daquele esporte, é um grupo que, unido, vai lutar pelo mesmo obje-
tivo. Então, da mesma forma em que há competição existe também
cooperação entre os parceiros.
Maturidade. Vygotsky diz também que a criança, quando brin-
ca, mostra capacidade além daquilo que você espera, principalmente
nas brincadeiras de faz-de-conta. Ela diz coisas que você não espera
que ela diga no cotidiano.
Há uma autora que diz que “sem os rendimentos do saber que o
jogo provê a criança seria incapaz de aprender alguma coisa na escola
e ficaria irremediavelmente alienada do seu ambiente natural e social.”
O jogo encarna tudo isso. Ele possibilita, como mencionou a Profa.
Nylse, o desenvolvimento da sociabilidade, a parte cognitiva, a parte
emocional e também a parte corporal.
Então, brincando, a criança se inicia na representação de pa-
péis do mundo adulto que virá desempenhar mais tarde e desen-
volve capacidades físicas, verbais e intelectuais, além da aptidão
de se comunicar.
O jogo, como se vê, é um fator de comunicação mais amplo do
que a linguagem verbal e propicia o diálogo entre pessoas de origens
lingüísticas e culturas diferentes. Como disse aqui, o brincar tem lin-
guagem universal.
Melaine Klein, a grande fundadora da terapia pelos brinquedos,
dizia que a linguagem da brincadeira é, por excelência, da criança.
Quando fizemos essa observação, notamos que ela vai dizer muito
mais coisas brincando do que se fosse simplesmente falar.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 43

Por intermédio da atividade brincar é que a criança interioriza


os valores éticos da sociedade a qual pertence. À medida que brinca
ela vai aprendendo vários valores, como, por exemplo, num jogo de
regras, onde aprende a esperar a sua vez, aprende a cooperar com
o parceiro, aprende estratégias e também que, na brinquedoteca, o
brinquedo não é só dela, mas de todos que ali estão. Assim, ela apren-
de a cuidar daquele brinquedo para que possa ser usado por todas as
crianças que freqüentam a brinquedoteca.
Brinquedos, então, apresentam um conteúdo e transmitem uma
mensagem que pode ser percebida pelas crianças de forma diferente
e de acordo com o seu universo de valores, os costumes e as situações
que permeiam o seu cotidiano.
Podemos dizer, então, que o brinquedo é um produto cultu-
ral e, dependendo do seu nível de desenvolvimento, a criança irá
reagir diferentemente frente àquele brinquedo. Se ela tiver maior
interesse, certamente brincará mais. Se o brinquedo for muito di-
fícil para ela, tal como um jogo com regras complicadas, não con-
seguirá brincar e, conseqüentemente, ficará desinteressada. Se o
brinquedo for muito fácil, ela também não terá interesse. Por isso
dizemos que o brinquedo deve ter um nível ótimo, ou seja, aquele
em que a criança brinque com mais facilidade, que ela realmente
goste e se interesse.
Tudo isso tem a ver com o seu universo de valores, os costumes
e as situações que permeiam o seu cotidiano. De acordo com o am-
biente onde a criança vive, ela reagirá de maneira diferente àquele
mesmo brinquedo.
Fizemos uma pesquisa com a boneca Barbie, quando comemo-
rou-se os 40 anos de sua criação, para ver se o modo de pensar das
crianças de médio e baixo nível socioeconômico era igual. Assim,
pedimos para as crianças que fizessem de conta que a Barbie era uma
pessoa e perguntamos para elas o que imaginavam que a Barbie fazia,
qual era a sua profissão, se ela saía, se tinha namorados, se fazia com-
44 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

pras. Para nossa surpresa, as crianças de médio nível socioeconômi-


co responderam que a Barbie era empresária, cantora, professora de
inglês e que ela usava o computador e ia para a academia. Já as crian-
ças de nível socioeconômico baixo responderam que a Barbie era
empregada doméstica, frentista do posto de gasolina, que passava o
pano no chão, fazia comida – se bem que hoje em dia ser cozinheira é
importante. Aquele era o cotidiano delas. O modelo que elas tinham
era o mesmo das pessoas que conviviam e desempenhavam tais fun-
ções, não que tivessem menos percepção da boneca.
O que mais impressiona as crianças não é a riqueza da Barbie,
que tem carro, jóias e roupas feitas por costureiros, mas a beleza.
Quando perguntamos: Por que você quer ser igual à Barbie? Elas
responderam: Porque ela é muito bonita.
Agora, entre as crianças de baixo nível socioeconômico, não havia
claro conceito de adulto e criança. Elas atribuíam à Barbie as mais va-
riadas idades. Enquanto as meninas de médio nível socioeconômico
davam de 18 a 26 anos para a boneca, as meninas de baixo nível socio-
econômico davam 9 anos e diziam que ela era adulta; quando davam
20 anos, diziam que ela era criança. Por quê? Porque elas começam a
trabalhar muito cedo, já tomam conta dos irmãos menores.
A minha inferência é a de que essas crianças realmente não têm a
percepção entre adulto e criança, pois deixam de sê-lo muito cedo.
O brinquedo pode ser considerado como pedaço de cultura co-
locado nas mãos da criança e também o seu parceiro na brincadeira.
A partir daí, passa a ser portador de novos valores por meio da pene-
tração no mundo social.
Nessa pesquisa pudemos ainda constatar que os valores se divi-
dem: os que são importantes para determinada camada social não
são para outros; depende do ambiente, do valor no mundo em que
vivem. Mas brincando também vão desenvolver os valores presentes
na sociedade e no seu cotidiano.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 45

Um dos tipos de brincadeira que aparece muito, principalmente


na faixa da pré-escola, na educação infantil, é o jogo de faz-de-conta
ou o jogo imaginativo. Nesse tipo de brincadeira a criança progri-
de da necessidade de experimentar alguma coisa para a habilidade
de pensar sobre ela. Quando a criança é muito pequena, está muito
presa ao concreto, mas, na medida em que começa a internalizar as
coisas presentes num objeto ou numa situação, falará sobre elas sem
precisar da presença do objeto ou do modelo. Em geral, elas têm mo-
delos, os quais podem ser muitos bons ou não.
Segundo Winnicott, quando a criança se desenvolve precisa es-
pelhar-se em um modelo positivo. Se não for bom, ela desenvolverá o
falso self. Quer dizer, ela olhará o mundo de maneira deturpada. Não
será um adulto que pensará em desenvolver um mundo melhor.
Para incrementar a ocorrência da interação social na infância se-
ria interessante prover a criança de variedades lúdicas, oferecendo
oportunidade de desenvolver, por meio dos brinquedos, habilidades
básicas de cooperação, eficiente comunicação, competição honesta –
competição sempre vai existir, o nosso dia-a-dia mostra isso, mas
quando competimos, devemos fazê-lo de forma honesta – e redução
de hostilidade e agressão.
Já orientei muitas pesquisas e teses, inclusive uma em que intro-
duzimos os jogos cantados na pré-escola, pois havia muitas crianças
agressivas. E a brincadeira cantada não foi feita da noite para o dia,
houve uma longa pesquisa, durante vários meses. Com isso, houve
diminuição da agressividade. Algumas crianças de 6 anos simples-
mente não brincavam, só se socavam e brigavam. Mas com a intro-
dução dos jogos cantados, reduziu-se significativamente a violência.
O brincar e o currículo. Tudo indica que os professores têm di-
ficuldade para justificar a inserção das atividades lúdicas no ensino
porque, em primeiro lugar, a administração da escola sempre cobra
dele o ensino acadêmico, se foram ensinadas as disciplinas de ma-
temática, história e português. A criança, brincando, aprende todas
46 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

elas, mas nem a administração da escola nem os professores estão


preparados para tal.
Por outro lado, os pais dizem que os filhos estão na escola para
estudar, e não para brincar. Só que o brincar é essencial não só para
a educação, como também para a saúde e para o desenvolvimento.
A criança que não brinca, com toda a certeza, é doente. Se alguém
disser: “Professora, o meu filho está de tal jeito”. Pergunte logo: “Ele
brinca?” Se ele não brinca, provavelmente deve ter alguma coisa, o
buraco deve estar lá embaixo, não em cima.
Os professores não recebem formação que os capacitem a enten-
der o tipo de aprendizagem que provém do uso bem empregado das
brincadeiras e da oportunidade de brincar; ou seja, a formação deles
não é eficiente para isso. Por isso a dificuldade de inserir o brincar no
currículo. Na verdade, precisariam entrar no universo de brincadei-
ras das crianças. Costumo dizer que, quando lidamos com criança,
não podemos ter olhar de adulto. Devemos ter o olhar da criança,
devemos olhá-la como criança, do contrário, não iremos entendê-la.
Introduzir a brincadeira no ensino requer a compreensão das di-
ferentes formas de brincar, relevantes para cada criança, já que cada
uma tem o seu ritmo, elas não são iguais. Então, uma brincadeira que
leva algumas crianças a ficarem horas e horas brincando, para outras,
não é interessante. Com as novidades do video game, computador e
play station, a criançada fica brincando horas e horas. É preciso até
tirá-las dos brinquedos, porque para tudo tem de haver limite, tem
de haver equilíbrio. Não é que o video game não seja bom, ele é um
brinquedo como outro qualquer, só que a criança não pode ficar o
dia inteiro jogando.
Profundo conhecimento dos materiais lúdicos, para saber lidar
com eles, e estímulo à interação entre crianças. Quer dizer, o profes-
sor, como também o brinquedista, que em geral é professor, têm de
conhecer todos os materiais com os quais tem de lidar. O brinque-
dista, na brinquedoteca, tem de conhecer os brinquedos, a parte de
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 47

teatro, histórias infantis para contá-las às crianças, os cantos; ele tem


de prever tudo o que pode acontecer, tudo o que pode ser feito.
O que influencia a brincadeira? Os espaços, em primeiro lugar. A
cada dia os espaços para crianças estão ficando menores. Os aparta-
mentos são muito pequenos, a própria família diminuiu bastante, as
crianças têm poucos amigos e poucas oportunidades. Quando eu era
criança podia-se brincar nas ruas, agora já não se pode mais – pode
ser que no interior ainda possa –, a não ser que haja ruas de lazer, que
são fechadas nos fins de semana para as crianças poderem brincar,
parques e a brinquedoteca, que é o espaço da criança.
A brinquedoteca é o espaço privilegiado para a pesquisa. Lá se
pode observar a criança, como ela brinca, porque ela não brinca,
tudo isso que pode dar um feedback para a pessoa que trabalha na
brinquedoteca. Os jogos em grupo preparam a criança para integra-
rem uma sociedade adulta, porque com esses jogos ela vai aprender a
relacionar-se com o outro, vai se preparar para novos papéis.
Interação das crianças com os pais. Eu sempre digo que pais
têm de brincar com os filhos, porque nessas horas as relações de
poder desaparecem. Então, não está ali o pai, aquele que man-
da, a mãe, aquela que manda, mas os que estão no mesmo nível
que o filho. Nessa hora as crianças vão poder dizer para os pais
coisas que elas não diriam no dia-a-dia. Na hora em que estão
brincando com os pais, elas ficam mais relaxadas e conseguem
dizer muita coisa.
Facilitação direta ou indireta do brincar por parte do professor.
O professor tem de facilitar o brincar. A maneira participativa é a
melhor. Se as crianças começam a brigar, é hora de intervir. Se elas
têm uma dúvida e perguntarem, é hora de intervir. Ele pode abdicar
de ser organizador, mas não pode abdicar de ser animador.
Treinamento ou experiência com certos tipos de brinquedo. So-
bre isso já falei.
Preparação, planejamento cuidadoso e orientação.
48 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

O professor tem de planejar primeiro o que vai fazer. A mesma


coisa vale para o brinquedista. Numa creche ou numa escola de edu-
cação infantil, deve haver uma relação com o professor e o brinque-
dista. Se o professor quiser levar algum brinquedo para a sala de aula,
quando quer dar uma matéria nova, ele não pode usar o brinquedo
como mais uma tarefa. Ele vai deixar que a criança descubra, e, quan-
do isso acontece, ele aproveita para ensinar, para dar mais informa-
ções sobre o que pretende.
Avaliação e observação constantes. A avaliação e a auto-avaliação
têm de ser feita por ele. Nunca se pode deixar de avaliar, principal-
mente a si mesmo. Será que eu estou sendo um bom professor? Será
que eu estou fazendo tudo o que poderia para os meus alunos? Essa
avaliação tem de ser constante, assim como a observação.
Quando eu entrei na faculdade, lembro que o meu professor
dizia sempre: primeiro, vamos começar observando. Então, obser-
var é uma coisa importantíssima. Observar os alunos, observar as
crianças, observar as pessoas adultas. Agora há brinquedoteca para
adulto também.
À competência profissional é preciso acrescentar alegria, entu-
siasmo, aptidão para relações humanas, complementadas pela for-
mação continuada. O professor nunca pode deixar de estudar. Todos
nós, professores, nem que estejamos dando aula em cursos de pós-
graduação – e lá temos de estudar mais, porque os alunos são mais
exigentes –, temos sempre de nos reciclar, fazer cursos e melhorar.
A aprendizagem pode e deve ocorrer em contexto lúdico. Talvez os
bons professores sejam os que levam para a sala de aula o respeito
pelas crianças.
A criança é uma cidadã e tem de ser respeitada, tem de ser com-
preendida, tem de ser amada. Desta forma, poderemos reconhecer e
apreciar melhor o brincar das crianças, tão necessário para um de-
senvolvimento saudável.
Obrigada.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 49

O SR. COORDENADOR (Deputado Leonardo Monteiro) -


Agradeço à Sra. Edda Bomtempo os esclarecimentos e as informa-
ções.
Passo a palavra à Sra. Sandra Kraft do Nascimento, psicopedagoga
e membro da Diretoria da Associação Brasileira de Brinquedotecas.
A SRA. SANDRA KRAFT DO NASCIMENTO - Eu vou falar
um pouco da minha área. Trabalho em consultório, sou psicopeda-
goga clínica. Vou dividir o meu tempo para falar de uma questão
importante, que são os espaços e a organização que se faz dentro de
uma brinquedoteca e de como esse espaço pode ser usado no traba-
lho de uma brinquedoteca terapêutica. Vou tentar fazer essa ponte.5
Enfim, qualquer tipo de brinquedoteca, por mais simples que
seja, é o espaço em que as crianças têm o direito de brincar e, con-
seqüentemente, de aprender, porque ela aprende enquanto brinca.
Brincar é a forma que tem a criança para conhecer o mundo.
A Sra. Edda exemplificou que muitas vezes ouvimos alguém falan-
do que uma criança está na escola, mas ainda não está lá aprendendo,
está só brincando. Inclusive, na condição de mãe, ouvi muito: “Nossa,
mas você paga tudo isso só para suas filhas brincarem? Economize esse
dinheiro. Quando elas estiverem na primeira série você as coloca numa
escola, que elas vão estudar bastante”. Eu ficava atordoada com essa
fala, porque se trata de total desqualificação do brincar. Sim, pago
isso porque elas estão lá brincando e aprendendo, sim. A forma que
a criança tem de conhecer o mundo é brincando. Ela não sabe disso,
mas é assim que acontece. É a forma que ela tem de conhecer como
os objetos funcionam, como as relações sociais funcionam.
Observando uma criança – não só uma criança, mas um ser hu-
mano – brincar, conhecemos muito dessa pessoa. Às vezes podemos
conhecê-la muito melhor observando-a brincar do que ficando anos
a seu lado. Basta observarmos alguns itens e termos o olhar focado e
o ouvido aguçado para ver e ouvir o que elas fazem.

5
Segue-se exibição de slides. Imagens não disponíveis.
50 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

Vou voltar à questão do que podemos observar enquanto uma


criança brinca, até porque é o meu trabalho dentro do consultório,
um pouco mais adiante.
Para que tudo isso possa acontecer numa brinquedoteca, tera-
pêutica ou não, ela necessita organizar-se. Um dos espaços – não
em todas, estou falando da Indianópolis – é o Centro de Recursos
Pedagógicos. Embora não seja utilizado para as crianças brincarem,
esse espaço existe dentro da brinquedoteca. Um adulto entra, tira o
brinquedo que a criança escolheu, e ela sai para brincar. Esse espaço
tem organização própria.
Para que temos um Centro de Recursos Pedagógicos? Ele não
precisa ser criado dentro de uma brinquedoteca, pode ser feito numa
escola que nem tenha uma, mas que tenha a proposta de trabalhar
com o lúdico também. O importante é a criação do espaço.
Um dos objetivos do Centro de Recursos Pedagógicos é organi-
zar o acervo de brinquedos, jogos e materiais.
Outro objetivo é fazer a análise e classificação dos jogos e dos
brinquedos de forma a facilitar o acesso a eles e possibilitar sua lo-
calização atendendo a solicitações específicas. Por quê? O Centro
de Recursos Pedagógicos recebe muitas visitas de profissionais que
queiram pesquisar sobre brinquedos – há várias pessoas fazendo
monografias, teses etc. que falam do brinquedo e do brincar –, sen-
do, portanto, também um espaço de pesquisa. Recebe terapeutas que
queiram associar-se a ele, no molde de uma biblioteca, e utilizar seus
recursos e materiais no consultório. Portanto, o Centro atende tam-
bém o público adulto.
É também objetivo do Centro pesquisar a exploração pedagógica
de todos os materiais e criar adaptações necessárias a sua melhor
utilização. Sobre adaptação dos brinquedos a Darcy e a Sônia vão
falar mais tarde.
Organizar banco de dados é outro objetivo. É muito importante
essa organização. É preciso haver uma estrutura administrativa den-
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 51

tro de uma brinquedoteca. Em que consistem os bancos de dados?


Em catálogos dos brinquedos, endereço de fabricantes e lojas, cópia
de regras e de modelos de construção que às vezes vêm dentro dos
brinquedos. É importante termos isso à parte. Quando chega à Brin-
quedoteca Indianópolis um brinquedo ou um jogo que tenha regra,
imediatamente as meninas tiram uma cópia, que é guardada numa
pasta. Eventualmente, se houver alguma brincadeira em que isso se
perca, teremos uma cópia das regras, do catálogo, dos modelos de
construção, evitando maiores problemas.
Zelar pela conservação do acervo é outro objetivo, também im-
portante. Sempre há alguém que faça a manutenção. Na Brinque-
doteca Indianópolis temos brinquedos de muitos anos atrás. Com
sua utilização, as caixas vão deteriorando-se; não há como evitar. Por
isso, tem de haver uma pessoa que cuide da manutenção: faça novas
caixas, aumente-as ou as diminua, coloque o brinquedo em embala-
gens e lugares mais adequados etc.
Outro objetivo é coordenar o empréstimo desses materiais, cujo
funcionamento expliquei há pouco.
No primeiro slide5 vocês viram a foto de um canto pequeno, mas
o Centro é bem maior. Nós focalizamos uma estante só para os se-
nhores terem uma idéia melhor. No Centro de Recursos Pedagógicos
da Briquedoteca Indianópolis, há várias estantes. Cada estante tem
uma letra, como os senhores podem observar no slide. Então, há a
estante A, B, C, D e assim por diante.
Cada prateleira recebe uma cor diferente. Fizemos isso com pa-
pel Contact, mas pode ser feito com qualquer outro material. A esco-
lha da ordem das cores foi totalmente aleatória, mas todas as outras
estantes seguem essa mesma ordem. Então, se na primeira estante
colocamos vermelho, todas as primeiras serão vermelhas, as segun-
das amarelas e assim por diante.
No caso da Brinquedoteca Indianópolis, utilizamos a organi-
zação por área de desenvolvimento. A estante que vocês vêem tem
52 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

“coordenação motora fina”, ou “visomotora”. Colocamos no meio da


prateleira o nome porque organizamos por área de desenvolvimento.
Há outro jeito de organizar os jogos e os brinquedos.
O brinquedo é recebido na brinquedoteca – as fábricas man-
dam, a Dra. Nylse compra, algumas crianças doam, não importa
de onde venha –, recebe um número de entrada e, dependendo
da área em que se insira, vai para determinada estante. Ele recebe
uma letra. Por exemplo, todos os brinquedos que estão na estante
que vocês vêem têm a letra D – todos, sem exceção – e têm a le-
tra na cor da prateleira em que fica. Então, todos os brinquedos
que estão na prateleira vermelha têm o D vermelho, além do nú-
mero de entrada. Por que isso? Às vezes são muitas as crianças
que estão brincando, e depois, para guardar tudo isso, teríamos
de identificar em cada um os termos “visomotora”, “linguagem”,
“pensamento matemático” etc. Demoraria muito mais, se gastaria
muito mais tempo para guardar o material. Olhando a letra e sua
cor, basta colocá-lo na estante e na prateleira correspondentes. É
muito mais rápido, muito mais fácil.
Este slide mostra um dos livros de registros que contém a análise
e a classificação de todos os itens – são mais de 3 mil. Colocamos pri-
meiro o número do brinquedo, a localização, o nome, o ano, o código –
nem sempre o brinquedo vem com ano e código, geralmente os jogos
de caixa têm, mas nem todos; o local onde foi feito – também nem
sempre está declarado; os componentes, a fábrica e a data em que
entrou na brinquedoteca. Até a data, chamamos de classificação; do
tipo em diante, de análise do brinquedo.
Na análise, temos o tipo: de afeto, de construção, de manipula-
ção, de perguntas e respostas, de estratégia, enfim, uma infinidade; a
atividade proposta, em que descrevemos as atividades propostas do
brinquedo – neste exemplo há uma, mas há brinquedos com muito
mais; área de desenvolvimento em que está inserido; proposta curri-
cular; tema e idade, às vezes aproximada.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 53

Existem diferentes tipos de análise e classificação propostas por


alguns autores. A que utilizamos na Brinquedoteca Indianópolis é a
elaborada por Nylse Cunha. Já trabalhamos há muito tempo com ela,
que, para nós, é a mais eficaz e tem respondido muito bem às neces-
sidades da brinquedoteca. Vale a pena conhecer. Um dos livros que
Nylse escreveu, Brinquedoteca, um Mergulho no Brincar, tem descrita
essa análise e classificação.
Tiramos uma foto de um dos brinquedos da brinquedoteca.
Está em um dos livros lançados pela Editora Vozes, de autoria da
Dra. Nylse. Nesse livro está a foto do brinquedo, o fabricante, a des-
crição, e fazemos a exploração desse brinquedo. O que ele favorece
ao desenvolvimento infantil? Como ajuda aquela criança no seu
desenvolvimento?
Depois, há a possibilidade de exploração. Em primeiro lugar, vem
a regra como o brinquedo propõe, e, em seguida, outras que fomos
inventando. O trabalho foi muito rico. Eu, por exemplo, tive a opor-
tunidade de levar esses brinquedos para a minha casa – chegavam
cada vez mais e mais – e reunia várias crianças para brincar. Eu pen-
sava em algumas possibilidades de exploração e as crianças pensa-
vam em outras, que eu nem imaginava. Fomos acrescentando. No
consultório, a mesma coisa: “Olha um outro jeito de explorar”. Então,
aprendemos também observando as pessoas brincando.
A Sônia tem um brinquedo em que fez 38 explorações. Não cabia
nem no papel. Esse é um dos jogos que nós temos.
Os livros estão divididos em 3 volumes. O Hora do Rush está no
livro de matemática.
Esse é outro de que gosto muito. Simples, superantigo, e as crianças
pequenas gostam muito. Está no outro livro, que são brinquedos para
educação infantil. Então, pegamos esses potinhos e alguns dizem: “Que
coisa boba ficar ali amontoando, empilhando”. O quanto uma criança
pode pensar enquanto está brincando com esse brinquedo?
54 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

Ela está trabalhando com discriminação de cores, com conceitos


espaciais – dentro, fora, em cima, embaixo, no meio, cabe, não cabe,
mais alto, mais baixo. Há até conceitos de física, se formos pensar,
porque para ela poder empilhar precisa fazer uma base maior. Se
começa com uma base menor, não vai conseguir empilhar. Então,
até perceber isso, ela vai ficar fazendo um exercício durante muito
tempo. Não é tão simples assim. É simples para nós, mas, para uma
criança de 1 ano e meio ou 2, isso não é tão simples. Fora o equi-
líbrio que ela tem de ter. Embora se encaixem, até se encaixarem,
tem de equilibrar direito, senão cai. Vejam o quanto um brinquedo
de caneca de plástico pode favorecer uma criança enquanto ela está
simplesmente brincando.
Com tudo isso disponibilizado, organizado, de acordo com as di-
ficuldades de cada criança – estou me referindo a uma brinquedoteca
terapêutica –, temos inúmeras possibilidades de auxiliar uma crian-
ça na sua dificuldade de aprendizagem. Observamos o que aquela
criança está precisando mais.
Curiosamente, o nosso encontro é sobre a importância do brin-
quedo. E todos nós falamos sobre alma, sobre a nossa disponibilida-
de para brincar, sobre estar presente, sobre o perceber – um toque,
um olhar. Então, os brinquedos são coadjuvantes mesmo. Estamos
com a alma presente. Damos à criança, como o Dr. Dráuzio disse,
qualidade de vida.
Exemplificando anteriormente, disse que podemos conhecer
muito uma pessoa através das brincadeiras. Anotei algumas coisas
que podemos observar enquanto uma criança ou pessoa brinca. Por
exemplo, como é a participação dela na brincadeira? Tensa, relaxada,
atenta, concentrada, inquieta, displicente, interessada, entusiasmada
e outras tantas.
Organização. Qual é o grau de autonomia que essa pessoa tem
na organização de uma brincadeira, qual é o ritmo de trabalho
dela e a ordem?
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 55

Atitudes sociais. Quais são as atitudes sociais mais freqüentes em


uma brincadeira com determinada criança?
Nível de solução de problemas. Ela soluciona problemas?
Temos de conhecer profundamente o desenvolvimento infantil
para não achar que uma criança de 3 anos tem total habilidade de
articular vários pensamentos e aspectos ao mesmo tempo. Ela não
tem, porque realmente não tem de ter com essa idade. Então, é o nível
de solução de problemas de acordo com sua faixa etária.
Qual é a forma de enfrentar situações novas? Se é que ela enfrenta.
Qual é o nível de atenção e de foco na atividade que está fazendo?
É muito dispersiva ou é concentrada demais? Fica absorta só naquele
brinquedo o tempo inteiro, todas as vezes sempre com o mesmo? O
que ela está dizendo com isso para nós? As crianças dizem muitas
coisas enquanto estão brincando.
Memorização dos comandos e das seqüências, se ela memo-
riza ou não.
Como ela lida com o erro? Ela indaga, corrige, compara, relacio-
na o erro com alguma outra coisa? Ela elabora hipóteses a respeito
desse erro? Ela se inibe, oculta, descobre o erro? Ou precisa que ele
seja assinalado, porque não tem capacidade de observar sozinha? Ela
consegue elaborar suas produções? O erro serve para paralisar ou
para avançar?
Eu, que trabalho em consultório, recebo muitas crianças total-
mente capazes. Em termos de estrutura, está tudo preservado, mas o
pavor de errar é tão grande que elas não conseguem fazer.
Grau de persistência nas atividades, o quanto elas persistem ou não.
Aceitação ou rejeição das atividades propostas.
Para nós, que trabalhamos com grupo, é bastante interessante
observar: há criança que quer sempre ser a primeira, ao passo que há
outra que quer ficar por último, quer observar primeiro para ver se
quer entrar ou não.
56 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

Desejo e determinação em realizar, como bem disse a Dra. Nylse.


O prazer de realizar aquela atividade.
Quais são as ansiedades e medos presentes diante das propostas
que nós fazemos ou que as próprias crianças fazem entre elas?
O processo decisório de escolha, o tempo e a forma. Para algu-
mas crianças, qualquer coisa serve, é aleatório ou é uma escolha mais
refletida? E o tempo que demora para escolher – se escolhe, porque
muitas crianças não conseguem escolher.
A exploração ou não das possibilidades do que ela está fazendo;
o nível de resistência à frustração por não atingir a meta planeja-
da. Como é essa frustração? Como expressa isso? Se segue ou falha
nas etapas de uma atividade que, grosso modo, seriam planejamento,
organização e execução. Muitas atividades não dão certo porque as
pessoas vão direto à execução. Não fazem o planejamento, muito me-
nos a organização desse planejamento.
Como ela lida com o sucesso e com o fracasso?
O mais importante é perceber, olhar, compreender o outro, por-
que, conforme vamos conhecendo o ser humano, mais próximos po-
demos ficar dele e mais vamos nos conhecendo também.
Os brinquedos e os jogos são instrumentos para um fim. Acredi-
to que esse fim seja sempre afetivo. Não escapamos disso.
Quero compartilhar com os senhores fatos que considero impor-
tantes, os quais fui aprendendo em todo o meu tempo de trabalho.
Peço, por favor, que liguem o som.
O SR. COORDENADOR (Deputado Leonardo Monteiro) -
Agradecemos à Sra. Sandra pelos esclarecimentos, pelas informações,
pela apresentação, e passamos a palavra à Sra. Tânia Ramos Fortuna,
que terá 20 minutos.
A SRA. TÂNIA RAMOS FORTUNA - Bom dia a todos. Eu es-
tou muito contente por estar aqui esta manhã. Espero que a fome e
o cansaço não os afugentem. Espero que me ouçam embalados na
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 57

ternura, na beleza da apresentação da Sandra e na seriedade da apre-


sentação da Profa. Edda.
Confinada nos 20 minutos que cada um de nós recebeu como
pena, mesmo que fossem 5 minutos, ou 2, ou 1, ainda estaria muito
grata pela oportunidade.
Expresso a minha gratidão pelo convite e especialmente pela in-
dicação feita pela Profa. Nylse à Comissão de Legislação Participati-
va, ao Deputado Leonardo Monteiro e à Deputada Luiza Erundina.
Ao expressar minha gratidão a essas pessoas, aproveito para
mencionar meu tributo à Profa. Nylse. Ao dizer isso é como se eu
estivesse também mencionando todas as pessoas que no campo do
brincar têm contribuído com a minha formação. Obrigada, Nylse.
Sou professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Edu-
cação da UFRGS, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Lá, há vá-
rios anos, estamos empenhados em formar para brincar, em formar
educadores capazes de brincar. Não é um trabalho fácil. Aqueles que
estão aqui, por certo, têm experiências nessa direção. De um lado, na
dificuldade de encontrar espaços de formação, e, de outro, em com-
preender e implementar essa formação – as especificidades, a singu-
laridade de formar, educar alguém para a brincadeira.
Organizei a minha fala situando o tema O Brincar, a Brincadeira
e a Brinquedoteca na Universidade, mas, antes de detalhar essa expe-
riência, quero provocá-los, quem sabe, fazer eco a algumas indaga-
ções que existem lá no fundo.
Depois de tantas certezas que desenvolvemos esta manhã
acerca da importância do brincar e das brinquedotecas, quero
provocar essas certezas, quero polemizar essas idéias. Como? Va-
mos começar pensando no fascínio e no desprezo que sentimos
pelo brincar e pela brincadeira que, por conseguinte, muitas vezes
alcança as brinquedotecas.
Fascínio. Cada um de nós se mostra encantado até mesmo quan-
do vê um gato e um cão brincando, quanto mais quando vê um
58 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

adulto e uma criança brincando. Surpreende-se, comove-se, fica in-


trigado. A brincadeira nos arrebata, mas é também objeto de franco
desprezo na nossa cultura. A ponto de dizermos “é só de brincadei-
rinha”, desqualificando a brincadeira. E quantos talvez não tenham
feito alguma brincadeira com a idéia de estarmos aqui, sob convite
desta Comissão, a debater sobre este tema? Será um tema que merece
atenção? Será um tema sério?
Aliás, essa é uma discussão que atravessa o campo do brincar.
Muitos crêem que a brincadeira não é uma atividade séria. Então,
desenvolvemos sentimentos paradoxais, ambivalentes em relação à
brincadeira. E insisto: isso se estende, atinge a vida das brinquedote-
cas. Essa contradição pode tanto colocar a vida das brinquedotecas
em movimento, renovar essa vida, transformá-la e principalmente
ampliar o seu potencial de transformação da vida dos outros, como
também a nossa confusão entre fascínio e desprezo pode nos parali-
sar, engessar e esvaziar a riqueza da experiência lúdica e, inclusive, o
potencial transformador das brinquedotecas.
Vamos entender o que estou falando, vou esmiuçar essas idéias.
No que diz respeito ao fascínio, não há atividade humana que
seja tão radical quanto a brincadeira. E aqui emprego conceito que
Marx usava para falar de radical. O que é uma coisa radical? É aquela
coisa que tomamos pela raiz. E o que é radical para o homem, senão
o próprio homem? A brincadeira é uma experiência radical, porque
nos institui como seres humanos. Brincando nós nos tornamos quem
somos, mas brincando também nós expressamos quem somos. É
uma condição para nosso desenvolvimento. Brincando nós nos tor-
namos e mostramos quem somos, fundamentamos nosso processo
de socialização. É uma experiência radical em termos de humanida-
de. E, por isso mesmo, com potencial transformador e revolucionário
muito fecundo. E porque é revolucionária e transformadora é, claro,
ameaçadora também.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 59

A própria idéia de pensar na brincadeira na universidade ou en-


tre adultos ou reunir adultos para discutir esse tema já é intrigan-
te e provoca em nós, muitas vezes, um sentimento de desconforto.
Quantos não se questionam a respeito da dúvida que experimentam
sobre dedicar tempo e estudo a alguma coisa que, afinal, todos os
que brincaram quando crianças a princípio sabem brincar? O que
mais é preciso saber além da recuperação da capacidade infantil que
tínhamos quando crianças de brincar? Esse é um dos temas que nos
provoca e intriga nesse domínio do brincar.
Mas dizia que levaria adiante essa problematização porque quero
refletir, juntamente com vocês, os limites, os riscos de espacializar a
brincadeira, isto é, definir um contorno no qual ela ocorre, um ter-
ritório no qual ela é estimulada e transcorre, sendo o lugar do brin-
quedo e da brincadeira a brinquedoteca. Dar o lugar para brincar,
chamado brinquedoteca, tem o condão de valorizar a brincadeira,
porque chama a atenção para as necessidades específicas de lugar,
de tempo de brincar, porque consagra o direito à brincadeira no
momento em que se legitima essa brincadeira num lugar para que
ela aconteça. Se, de um lado, ao criar lugares legítimos para brincar
valorizamos a brincadeira, de outro, corremos o risco de confiná-la,
de segregá-la, de enquanto responsabilizamos alguns para brincar,
desresponsabilizamos outros.
Traduzo o que estou dizendo e que é bem conhecido de vocês.
Aqueles que conhecem a experiência de brinquedotecas escola-
res sabem dos esforços que, bem-intencionadas, algumas escolas
fazem no sentido de mobiliá-la, de equipá-la. Como? Retirando
todos os brinquedos das salas de aula e colocando-os apenas na
brinquedoteca, que passa a ser o único lugar autorizado para que a
brincadeira se desenvolva, com um profissional que – ainda bem!
– é especialmente qualificado para isso, mas que dispensa a parti-
cipação dos demais professores, que passam inclusive a não brincar
mais, porque têm tempo e hora para brincar. Os hospitais também
60 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

sofrem desse mesmo efeito. Confinados em determinado espaço,


a duras penas conquistados nos hospitais, os brinquedos passam
a não ter mais o direito de avançar daquele espaço em direção aos
quartos, aos corredores.
Como fugir desse risco? Como evitar que as brinquedotecas se
tornem cavalos de Tróia, verdadeiros presentes gregos, que, no lugar
de valorizar a brincadeira, acabam por diminuir sua importância,
desvalorizá-la, asfixiar a riqueza que, conforme vimos durante toda
esta manhã, possui o lúdico?
Indubitavelmente, o caminho possível é o da formação. É preciso
formar para brincar. E é preciso reconhecer que a universidade é um
dos lugares – não o único e seguramente não o mais importante –
nos quais essa formação deve ser garantida.
Contudo, embora esteja envolvida há tanto tempo com o debate
desse tema e a busca de métodos e procedimentos relacionados a
essa formação, ainda me questiono sobre como formar para brincar.
Nós não formamos para brincar como formamos os profissionais de
outras áreas de conhecimento. Há uma especificidade na formação
para brincar que ainda nos escapa, porque ela é tão desobediente, tão
teimosa, tão espontânea quanto a brincadeira. É muito difícil adap-
tá-la ao formato acadêmico, por exemplo, sem que se encarregue de
paralisá-la, conforme tanto mencionei aqui.
Eu quero mostrar aos senhores a experiência que tenho desen-
volvido lá no Rio Grande do Sul nessa direção de formar para brin-
car. Estamos tateando, temos cometido muitos erros, mas hoje vou
enaltecer os acertos. Em outra ocasião talvez tenhamos possibilida-
de de compartilhar também os nossos erros, dificuldades e o modo
como acabamos encontrando soluções para esse objetivo.
Brincar na universidade.6 Será que a universidade é lugar de
brincar? Eu sou sempre acolhida com surpresa quando faço essa
afirmação. E mesmo entre meus colegas, na Faculdade de Educação

6
Segue-se exibição de slides. Imagens não disponíveis.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 61

de uma universidade, há quem torça o nariz com relação à presença


barulhenta, buliçosa e incômoda dos brinquedos.
A fecundidade ideativa da brincadeira é incômoda. O movi-
mento que ela engendra nos desestabiliza e nos impõe nova forma
de relacionamento com o espaço, com o outro, com nós mesmos.
Essa desestabilização responde, na vida universitária, muitas vezes
por rejeição a iniciativas dessa natureza. Nada que os senhores não
conheçam na sua escola e no seu bairro. Nós entramos tão bem-in-
tencionados com proposta que julgamos benéfica e, muitas vezes,
encontramos rejeição e dúvida acerca do seu mérito.
Mas eu penso que a pergunta que farei a seguir nos norteia a
resposta quanto à maneira pela qual defender a universidade como
um lugar de brincar. Como garantir o direito da criança de brincar se
ela não brinca na escola, local em que passa a maior parte do tempo?
E mais: a brincadeira é desvalorizada. Como construir uma men-
talidade que redimensione e valorize o lazer como decorrência da
brincadeira infantil na nossa vida social? Como lidamos com experi-
ências remanescentes da “ludicidade” infantil, da brincadeira infantil,
quando nos tornamos gente grande? Nós acantonamos esse brincar
ou ele se dilui e se espalha na nossa vida inteira, transformando o
nosso modo de ser e se configurando, como bem disse a Profa. Nylse,
numa atitude existencial, numa nova forma de ser?
Qual é a contribuição da universidade para isso? Como eu disse,
formar educadores capazes de brincar e de valorizar o brincar. Foi
assim que pensamos a criação desse programa de extensão universi-
tária. E o que é a extensão universitária? É aquela formação que se faz
na universidade para a comunidade como um todo. É uma formação
continuada. Transborda o limite dos muros da universidade. Aceita
pessoas que não são necessariamente seus alunos e avança para fora
do seu espaço físico, inclusive. Essa é a idéia da extensão universitá-
ria, mas sobretudo a idéia de que ela produz desenvolvimento mútuo.
Ganham a comunidade e a própria universidade com essa troca.
62 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

Nós criamos esse programa em 1999, a partir do reconhecimento


da necessidade de implementação de medidas institucionais e for-
mais nessa direção que prestigiem a presença do jogo na educação.
Acreditamos que o desenvolvimento da dimensão lúdica na edu-
cação é uma alternativa de promoção da inclusão social. Essa é uma
idéia importante. E o que tem a ver inclusão social com jogo? Tem
muito a ver, mas vou detalhar apenas um aspecto aqui apresentado.
A partir da experiência lúdica, da brincadeira, podemos dar novos
sentidos à aprendizagem escolar, não na direção sobre a qual tanto
advertiu a Profª. Edda, de transformar o jogo em recurso que direcio-
ne a aprendizagem, mas para dar, como disse, um novo significado
à aprendizagem e às competências experimentadas por quem brinca
e aprende.
Ao mesmo tempo, tenho observado que educadores que abordam
o ensino pela brincadeira também dão novo significado ao seu traba-
lho. Têm eles outro modo de se ligarem à educação. Isso produz su-
cesso escolar, e sabemos que o sucesso escolar é uma das expressões
da inclusão social. Esse, portanto, é um dos caminhos que nos leva a
perceber a relação que existe entre a inclusão escolar e social e o jogo.
Vários são os objetivos desse programa.
Vejo que muitos dos senhores já possuem cópia desta exposição.
Aqueles que não obtiveram este material, podem solicitá-lo na entrada
do recinto. A Comissão fez cópias. Por isso, permitam-me apressar-me
neste momento, para me deter nas imagens que trouxe ao final.
Aqui temos alguns objetivos, entre eles o de reunir interessados
nessa área de estudo, criando um fórum em que se pesquise e se apro-
funde a discussão sobre o tema. Nossas ações são diversas, porque
nos demos conta de que a formação para brincar não é unívoca. Não
nos iludamos: não basta um curso nem uma palestra, por mais bem
dada e maravilhosa que ela seja. Temos de agir em diversas direções.
Tal como a brincadeira, a formação é diversificada.
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 63

No nosso caso, desenvolvemos oficinas lúdicas, palestras, grupos


de estudo; propomos a formação do brinquedista; realizamos ofici-
nas lúdicas avançadas nas escolas que nos solicitam essa atividade –
no próprio Museu da UFRGS nós realizamos atividades; prestamos
assessoria na criação e na manutenção de brinquedotecas e outros
espaços lúdicos, e assim temos prestado e espalhado pelo Rio Grande
do Sul, por meio da ação pública e gratuita da universidade, orienta-
ções para a criação de brinquedotecas; enfim, recebemos educadores
nesse espaço e propiciamos a eles a experiência do adulto numa brin-
quedoteca universitária.
Este é o ponto que quero enfatizar, encaminhando-me, ao mes-
mo tempo, para o final da minha exposição: a brinquedoteca univer-
sitária. A quem ela contempla? Como se organiza? No nosso caso,
ela se destina exclusivamente a adultos, o que causa sempre algu-
ma estranheza. Quando visitantes entram na nossa faculdade, logo
vêem, como os senhores verão agora, muitos brinquedos num lugar
bastante colorido, e perguntam: “Onde estão as crianças?” Respon-
demos: “Aqui, são os adultos que brincam”. Se mesmo na Faculdade
de Educação isso causa desconforto, imaginem quando recebemos
profissionais de outras áreas.
A brinquedoteca universitária é voltada para o adulto porque
fizemos algumas escolhas em relação ao espaço físico e às nossas
necessidades. Também experimentamos o pessoal de que dispomos.
Mas não há nenhum problema quanto a abrigar crianças também, e
se pudéssemos o faríamos, mas é uma escolha centrada na afirmação
de que é uma ação formativa de educadores que praticamos ali.
A nossa brinquedoteca constitui-se de um acervo de brinque-
dos, de jogos e de textos sobre jogo e educação. Todo o acervo foi
doado pela comunidade universitária. Temos um sistema que está
sendo implementado (Sistema Catavento), um gerenciador de dados
da brinquedoteca, e estamos tentando informatizar o acervo. Temos
sucatoteca e zona de criação e de recuperação dos brinquedos, sobre
64 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

a qual infelizmente não falarei hoje, mas é um dos pontos que consi-
dero altos na nossa experiência, que é justamente ensinar a recuperar
o brinquedo deteriorado, degradado, e a valorizá-lo.
Temos um informativo eletrônico mensal. Todos aqueles que nos
escreverem dizendo: “Eu também quero ser amigo de brinquedo, de
vocês”, vai receber o nosso informativo mensal, que já vai para o seu
quarto ano de edição contínua com notícias na área do brincar. Tam-
bém o nome do nosso site está aí.7
Interagimos com o ensino. Temos disciplinas na graduação e na
pós-graduação. Desenvolvemos pesquisas; uma delas é sobre o po-
tencial pedagógico dos brinquedos do acervo, e com a outra tenta-se
entender o que os educadores pensam sobre jogo e educação. O que
eles sabem a respeito?
Essa é uma vista breve, muito simples, da nossa brinquedoteca.
Faço questão de apresentá-la porque muitas vezes idealizamos as
brinquedotecas como espaços caros, fartos, amplos. Quero mostrar
que em espaços muito simples e com escassos recursos também é
possível criar um lugar no qual se brinca e há comprometimento
com a brincadeira, e não com o seu confinamento e a sua limitação.
Essa é uma vista da entrada. Aqui os senhores vêem um ângu-
lo da zona de empréstimo da brinquedoteca. Ela funciona como
brinquedoteca de empréstimo, prioritariamente, e secundariamente
como lugar de brincar, por meio das visitas lúdicas. Sublinho: lugar
de brincar de adultos.
Esse é um ângulo da nossa zona de trabalho interno, onde a equi-
pe se reúne, organiza os materiais, faz os seus relatórios, trabalha com
a recuperação e a criação de brinquedos.
Esse é um ângulo da nossa zona de armazenamento dos brinque-
dos. No canto esquerdo da imagem, onde se vêem alguns fantoches
e um jipe em cima, está a nossa zona de recuperação e de constru-
ção dos brinquedos. Nas caixas que os senhores vêem acima estão
armazenados os brinquedos. Não temos como mantê-los expostos,

7
www.ufrgs.br/faced/extensão/brincar
1ª Mesa de Debate: “A Brinquedoteca no Processo Educacional” 65

nem queremos mantê-los expostos o tempo todo. Esse revezamento


inclusive faz parte do modo de se convidar à brincadeira.
Esse é um ângulo da zona de exposição.
Aqui, um levantamento dos itens que temos. Chegamos a
2.600 itens.
Aqui, dados do nosso volume de empréstimos. Em 2004 foram
quase 500 usuários e mais de 2 mil empréstimos.
Aqui, um levantamento do número de participantes das nossas
ações de formação. Foram quase 500 participantes só nas oficinas
lúdicas. Quase 600 professores participaram das visitas lúdicas.
Há conversas, palestras abertas à comunidade, gratuitas. São
dias de encontro marcado com o brinquedo e com a brincadeira,
em que convidados dão o seu testemunho acerca do brinquedo e
da brincadeira na sua área de estudos. No ano de 2004, Falando com
brinquedos, uma dissertação de mestrado de uma fonoaudióloga; A
infância contemporânea: o brincar e a cultura nos espaços da cidade,
uma dissertação de mestrado na área de Psicologia; e finalmente um
trabalho de mestrado de um analista de sistemas, da área da informá-
tica: Jogos computadorizados na educação.
Esse é o programa do nosso curso de brinquedista. Ministramos
muitas oficinas. As avançadas permitiram-nos alcançar mais de 700
educadores. Esse é o caso, como eu disse, em que vamos às escolas.
Por que tudo isso? Pensem um pouco antes de eu apresentar a
resposta que dou a essa pergunta. Cada um dos senhores decerto
teria outra resposta.
Vejam: acreditamos no potencial transformador da ludicida-
de no cotidiano das instituições educativas, de modo a contribuir
para tornar o ato de ensinar e o ato de aprender mais prazerosos
e significativos. Ao mesmo tempo, esse ato de brincar expande as
perspectivas de vida e as possibilidades de modificar as condições
objetivas de existência.
66 “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO”

Tenho a convicção de que a revolução será lúdica. E a grande


transformação, para mim, vem dessa experiência que a ludicidade
nos propicia, esse contato com nós mesmos.
Antes de terminar a exposição, quero mostrar os dados para que
os senhores entrem em contato conosco, e-mail, site8, e menciono o
que disse Edgar Morin: “Rir, brincar, fazer piada é uma forma de resis-
tir, é uma forma de resistir à crueldade do mundo, a tudo que separa,
que desune. E essa forma de resistir tem um nome: esperança”. Isso que,
por certo, anima a todos que estão aqui no dia de hoje.
Muito obrigada, com muita esperança.
O SR. COORDENADOR (Deputado Leonardo Monteiro) - So-
mos nós que agradecemos.
Aproveito a oportunidade para agradecer à Sra. Edda, à Sra. San-
dra e à Sra. Tânia, que acabou de fazer a apresentação.
Quero dizer da alegria de ter tido a oportunidade de coordenar
esta Mesa. Pessoalmente, aprendi muito. Foi uma ótima brincadeira
que fizemos nesta manhã.
Informo que teremos agora uma pausa para o almoço, até as
14h30. Durante esse intervalo, será apresentado o filme Patch Adams –
O amor é contagioso. Vamos encerrar os nossos trabalhos, mas antes
agradecemos às delegadas e aos delegados neste seminário e aos nos-
sos palestrantes a presença.
Na parte da tarde, a partir das 14h30, será discutido o tema “A
brinquedoteca na promoção da saúde”.
Muito obrigado e uma boa tarde a nós todos.

8 quemquerbrincar@edu.ufrgs.br
www.ufrgs.br/faced/extensao/brincar

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