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Quando me tornei Negra!

Dizem que não nascemos Negras, mas nos tornamos Negra , a medida que temos
nossas vivências, e é sobre isso, em que momento me tornei menina negra. Eu tinha
um pouco mais de 4 anos de idade, ou recém feito 5 anos, quando minha mãe mulher
negra, D. Lenira me informou que eu iria frequentar o “Jardim de infância”, pois naquele
tempo não existia CMEI’s ou creches públicas.
Estou falando do final dos anos 60, início de 70, na cidade de Curitiba, esse é o
contexto. Pra miim é necessário contextualizar, para que se entenda o pensamento da
“menina negra” em CWB.
Nesse período, no auge de meus 5 anos de idade, fervilhava no Brasil variados
movimentos sociais, o que denominamos “movimento negro” era um deles, já vinha
lutando contra o racismo e pela igualdade social e de direitos entre negros e brancos,
sobretudo dos povos escravizados com a colonização branca do mundo ocidental.
Então é esse o cenário em que me encontro aos tenros 5 anos de idade.
Minha mãe me matriculou no Jardim de Infância da Nossa Senhora do Guadalupe,
é sim, aonde atualmente é o Terminal rodoviário, do mesmo nome: Guadalupe.
Para mim, como criança era um dos primeiros eventos importantes fora do
ambiente familiar e residencial, que eu iria experienciar sozinha.
Na minha família, meu irmão mais velho dois anos, já frequentava esse espaço.
Na minha família todos éramos pretos, meu pai, minha mãe, meus irmão, tios, tias,
primos e primas, embora eu tivesse amigos não negros, não conseguia ver diferença de
tratamento, muito pelo contrário para mim era natural ver pessoas com mais melanina.
Para o contexto da época, vivíamos relativamente bem, condições sociais pobre, no
entanto meus pais eram funcionários públicos, meu pai do Municipio e minha mãe do
Estado do Paraná. Dois lutadores.
Continuando, minha mãe muito centrada e antenada, foi pouco à pouco; me
doutrinando com a ideia de que em algum momento, eu iria frequentar um outro espaço,
e foi me munindo de força, de orientações, explicações, para que eu chegasse nesse
novo ambiente mais confiante.
A cada dia, vinha com um material que eu ira usar, uniforme num dia, cadernos
no outro, penal, lápis de cor, lancheira, etc. Tudo para motivar minha ida a esse lugar,
chamado “Jardim de infância.”
Enfim, chegando finalmente o dia fatídico, coloquei meu uniforme, lancheira, bolsa
escolar, minha avô D. Laureana foi me levar, pois minha mãe estava no trabalho,
pegamos o ônibus e ::fui sentada na janela observando todo o trajeto e conversando
com minha avô. Descemos no Terminal do Guadalupe, chegamos.
Entramos no famigerado local, chamado Jardim de Infância. Nossa! Tinha várias
crianças, com a mesma roupa que eu, muitas crianças de cabelos amarelos,
avermelhados, lisos escorridos e encaracolados, meninos, meninas, mas não vi
nenhuma criança com as minhas características. Rapidamente, me virei para a
Professora, uma linda moça branca e perguntei:
- Aonde estão as outras crianças pretas?
Muito perspicaz e rápida, a Professora respondeu:
- Ahhhhh!! Não vieram pois estão doentinhas. Segurou minha pequena mão, e foi
me levando para dentro da salinha que tinha cadeirinhas e mesinhas, onde as outras
crianças brincavam e outras choravam.
Acredito que fui me entrosando pouco a pouco, com as outras crianças, mas senti
muita angustia e achei que minha mãe tinha me abandonado, hoje sei que era a angustia
de separação. Tive essa mesma sensação todas as vezes que um ano letivo se iniciava
até chegar na graduação de psicologia.
E foi assim, no auge dos meus 5 anos que reinvidiquei aonde estavam os meus.
Como a professora disse, que eles não vieram pois estavam doentinhos até hoje, em
qualquer curso que eu faço, dou aquela olhada para ver se tem outras pessoas negras,
senão as vejo, só penso, “estão doentinhas”.
Mas hoje sei que existe uma “doença contagiosa”, mas que pode ser combatida
que é o “Racismo”, um câncer que corrói as oportunidades daqueles que tem mais
melaninas. Não é a toa que nasci no auge dos movimentos sociais. E foi assim que me
tornei NEGRA!
Obviamente, que minha motivação maior, em ser quem em sou, vem de muito
longe, atravessa o oceano em séculos, mas aquela criança, cresceu tímida, e
desabrochou como uma mulher muito determinada, por conta da base que meus pais e
familiares, minhas tias e tios, os que me antecederam me proporcionaram ética pessoal,
mas a educação é um elemento forte no concreto da minha formação, hoje sou
psicóloga tenho duas especializações, tenho licenciatura Plena em História, sou
aposentada, mas continuo minha luta antiracista e por equidade todos os dias ao
acordar. Eu sou Maureen Reis, mulher preta e curitibana.

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