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Urgências Traumáticas

Gestão para Educação Permanente dos


Profissionais da Rede de Atenção às Urgências

GEPPRAU

Urgências traumáticas

Módulo 2
Tema 4
Traumatismo cranioencefálico – TCE

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Urgências Traumáticas

Este conteúdo foi elaborado por Thiago Rodrigues Araújo Calderan,


médico, cirurgião geral e do trauma, mestre em ciências da cirurgia e
seus direitos foram cedidos ao Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC),
que desenvolveu este material em parceria com o Ministério da
Saúde (MS) no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento
Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS). A parceria
entre o Ministério da Saúde e as entidades de saúde portadoras do
Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social em Saúde
(CEBAS-SAÚDE) e de Reconhecida Excelência, a exemplo do HAOC, é
regulamentada pela Lei Federal nº 12.101, de 27 de novembro de 2009.

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Urgências Traumáticas

URGÊNCIAS
TRAUMÁTICAS
Neste material, serão apresentadas as
principais emergências na área da cirurgia
do trauma. O profissional de saúde que
atua na área terá informações importantes
sobre anatomia, fisiologia, manejo e
principais condutas a serem tomadas no
atendimento ao traumatizado.

Tema 4
Traumatismo cranioencefálico – TCE

Objetivos de
aprendizagem
• Conhecer a epidemiologia do TCE.
• Compreender a anatomia do sistema
nervoso central.
• Conhecer a fisiologia do sistema nervoso
central.
• Entender a fisiopatologia do TCE.
• Identificar aspectos da avaliação do TCE.
• Saber como proceder à investigação do TCE.

• Saber classificar o TCE.


• Identificar achados de fratura de crânio.
• Conhecer a morfologia das lesões
intracerebrais, correlacionando-a
aos achados clínicos, anatômicos e
tomográficos.
• Saber como proceder ao tratamento do TCE.
• Conhecer os princípios da
neuromonitorização.
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Urgências Traumáticas
Súmario

Trauma cranioencefálico – TCE 5


1. Introdução.........................................................................................6
2. Anatomia...........................................................................................7
3. Fisiologia.........................................................................................17
3.1. Pressão de perfusão cerebral (PPC)............................................... 17
3.2. Fluxo sanguíneo cerebral............................................................. 17
4. Fisiopatologia...................................................................................18
5. Avaliação.........................................................................................20
5.1. Avaliação pupilar........................................................................ 21
5.2. Escala de coma de Glasgow (ECG)................................................ 22
5.3. Sinais localizatórios.................................................................... 22
6. Investigação....................................................................................23
7. Classificação....................................................................................24
7.1. Fraturas de crânio...................................................................... 24
7.2. Hematoma epidural (extradural)................................................... 27
7.3. Hematoma subdural................................................................... 27
7.4. Contusão intraparenquimatosa..................................................... 28
7.5. Hemorragia subaracnóidea.......................................................... 28
7.6. Concussão................................................................................. 29
8. Tratamento......................................................................................31
8.1. Tratamento clínico....................................................................... 31
8.2. Tratamento cirúrgico................................................................... 31
9. Neuromonitorização..........................................................................32
9.1. Cuidados gerais.......................................................................... 32
9.2. Cuidados específicos................................................................... 33
10. Morte encefálica..............................................................................33

Síntese...............................................................................................38
Referências bibliográficas...................................................................... 39

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Urgências Traumáticas

Trauma
cranioencefálico – TCE

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Urgências Traumáticas

1. Introdução

O traumatismo cranioencefálico (TCE) é a segunda causa de admissão em


prontos-socorros por trauma, perdendo para o trauma de extremidades.
Representa cerca de 17,8% das admissões segundo o Ministério da Saúde,
com alta taxa de internação hospitalar (40,35%).
Com relação ao mecanismo de trauma, cerca de 88,9% dos casos decorrem
de eventos de trânsito e 10,68%, de violência interpessoal. Nos eventos rela-
cionados ao trânsito, a maioria (30,5%) é ocasionada por motocicletas, com
mais da metade sem uso de capacete (56%).

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2. Anatomia
Externamente ao osso, há o couro cabeludo, formado por cinco camadas:
1. couro cabeludo;
2. tecido subcutâneo;
3. gálea aponeurótica;
4. tecido areolar frouxo;
5. pericrânio.

Os vasos sanguíneos ficam na região do tecido areolar frouxo, onde são


formados os hematomas subgaleais.

Anotações:

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O sistema nervoso central é protegido pelos ossos cranianos e envolto por


membranas denominadas meninges. Produz uma substância líquida que o en-
volve, denominada liquor.
Os ossos que formam o crânio são:
• frontal;
• parietal;
Osso frontal
• temporal;
• occipital.

Osso parietal

Osso temporal

Osso esfenoide

Osso lacrimal

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Entre os ossos cranianos, há as suturas. Nas crianças de até dois anos de idade,
as suturas não estão completamente fechadas, formando duas bossas princi-
pais, uma anterior e outra posterior, denominadas fontanelas.

Crânio de um recém-nascido

Fontanela anterior

OSSO FRONTAL
OSSO PARIETAL

Fontanela esfenoidal

Fontanela posterior

OSSO OCCIPITAL
Osso temporal

Fontanela mastóidea

OSSO PARIETAL

Sutura frontal
Fontanela posterior

OSSO OCCIPITAL

Fontanela anterior

Sutura sagital

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A base do crânio é formada por ossos com formato irregular e conta com a
presença de forames (orifícios), por onde saem os nervos cranianos e vasos
sanguíneos. Esse assoalho craniano é dividido em fossas cranianas anterior,
média e posterior.

Base do crânio vista por dentro do crânio, onde se aloja o


cérebro.

Base do crânio vista por baixo dos ossos do crânio.

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As fossas anterior e média são separadas da fossa posterior pela tenda do cere-
belo. Em sua margem, percorre o terceiro par de nervos cranianos (nervo
oculomotor).

Nervo oculomotor (III par)


Elevador da pálpebra superior

Reto superior Gânglio


ciliar

Oblíquo inferior
Reto inferior

Reto medial
Nervo oculomotor
(terceiro par)

As camadas que envolvem e protegem o cérebro são as meninges:


dura-máter, aracnoide e pia-máter.
A dura-máter é localizada mais externamente, formada por um tecido fibroso
mais denso, aderido aos ossos do crânio e vértebras.
A aracnoide é uma fina membrana que microscopicamente lembra uma teia de
aranha (origem de seu nome).
A pia-máter é a mais interna das membranas, em íntimo contato com a super-
fície do cérebro e medula.

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Há uma delimitação de espaços formados pelas meninges.


Externamente à dura-máter, há o espaço extradural, também denominado
epidural, onde estão localizadas as artérias.
O espaço entre a dura-máter, mais externa, e a aracnoide é denominado espaço
subdural.
O espaço entre a aracnoide e a pia-máter é chamado espaço subaracnóideo,
e nele percorre o líquido cefalorraquidiano (líquor).
A pia-máter encontra-se completamente em contato com o cérebro.

Meninges

Seio sagital Crânio


superior

Face periosteal
Dura-máter
Face meníngea
Vilosidade
aracnóidea
Espaço subdural

Aracnoide

Espaço
subaracnóideo

Pia-máter

Substância
cinzenta
Substância Cérebro
Vasos sanguíneos branca
Foice do cérebro

O encéfalo é formado por cérebro, ce-


rebelo e tronco cerebral.
O cérebro possui uma porção mais exte-
rior denominada substância cinzenta e
uma mais interior (central) denominada
substância branca. Ele é dividido em
hemisférios frontal, temporal, occipi-
tal e parietal, através dos sulcos e das
circunvoluções.

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Urgências Traumáticas

No tronco cerebral, há o mesencéfalo, a ponte e o bulbo.


No mesencéfalo, está localizado o sistema reticular ascendente, responsá-
vel pela consciência. No bulbo, há os centros respiratórios vitais.

Secção medial do cérebro


Giro pré-central Sulco central Giro pós-central

Lobo límbico

Lobo frontal Lobo


parietal

Corpo
caloso Sulco Parieto-
occipital
Lobo
Tálamo occipital
Glândula
pineal
Hipotálamo

Quiasma
Quarto
óptico
Ponte ventrículo
Lobo temporal Cerebelo
Corpo mamilar

Medula oblonga

Anotações:

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Urgências Traumáticas

A irrigação sanguínea ce-


rebral se faz por ramos das
artérias carótidas e pelas
artérias vertebrais.

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No cérebro, há uma distribuição dessa irrigação através de vasos que


formam o polígono de Willis.
A artéria carótida origina seu principal ramo, a artéria cerebral média, que
fornece dois outros ramos menores, a artéria cerebral anterior e a artéria
comunicante posterior.
As artérias vertebrais originam seu principal ramo, a artéria basilar, que se
bifurca nas artérias cerebrais posteriores. Todo o sistema se comunica, fe-
chando um polígono.
As artérias meníngeas percorrem o espaço extradural, ou seja, externamente
à dura-máter, e a artéria meníngea média é o vaso meníngeo mais frequen-
temente lesado.

Polígono de Willis

Artéria comunicante anterior

Artéria cerebral anterior

Artéria cerebral
média

Artéria
carótida interna
Artéria comunicante
posterior
Artéria cerebral
posterior

Artérias pontinas

Artéria basilar

Artéria vertebral
Artéria espinhal anterior

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Microscopicamente, há as células do sistema nervoso central, denomina-


das neurônios, que possuem corpo celular; axônios, que percorrem a medula
levando e trazendo informações; e dendritos, que fazem a conexão entre um
neurônio e outro.
Os corpos celulares estão localizados na substância cinzenta e imprimem
essa diferenciação de tonalidade em relação à substância branca.

dendritos

axônio

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3. Fisiologia
O sistema nervoso é responsável por receber, transmitir, produzir e armazenar
informações provenientes do meio externo e dos órgãos internos através de es-
tímulos.
Os neurônios são as células do sistema nervoso responsáveis pela recepção e
transmissão desses estímulos através de impulsos nervosos.
Os neurônios podem ser sensitivos ou motores, e levam o impulso nervoso
através dos axônios até outro neurônio ou a uma célula executora da função.
Para a produção de energia necessária para o funcionamento dos neurônios,
deve haver a presença de glicose e obrigatoriamente de oxigênio, ou seja, o
funcionamento cerebral ocorre em meio aeróbico exclusivo.

3.1. Pressão de perfusão cerebral (PPC)


A pressão de perfusão cerebral (PPC) é a pressão arterial necessária
para perfundir o cérebro.
É calculada pela pressão arterial média (PAM) que o indivíduo apresenta
(pressão que circula pelo paciente e chega ao cérebro) menos a pressão intra-
cerebral (PIC), ou seja, a pressão do compartimento cerebral.

Fórmula:
PPC = PAM - PIC
Uma PPC ideal deve ser em torno de 60-65 mmHg.
As pressões dos compartimentos do paciente variam, dentro da faixa de norma-
lidade, entre 10 e 15 mmHg.

3.2. Fluxo sanguíneo cerebral


Os neurônios necessitam de um fluxo sanguíneo adequado. Para isso, são ne-
cessários um sistema de autorregulação que mantenha fluxo constante
independente da variação da pressão de perfusão e uma pressão adequada
para que o sangue adentre o sistema nervoso central.

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4. Fisiopatologia
O crânio é uma estrutura não expansível que contém alguns componen-
tes em volume estável:
• cérebro;
• sangue venoso;
• sangue arterial;
• líquor.
O aumento do volume de algum desses componentes ou o surgimento de
alguma massa resulta em compensação, inicialmente com a diminuição da
quantidade de algum outro componente, conforme a doutrina de Monro-Kellie.
Esse efeito de massa pode ocorrer, no contexto de trauma, por edema cerebral
ou surgimento de hematoma, por exemplo.
Os mecanismos compensatórios iniciais são:
• o deslocamento do líquor do compartimento intracraniano para o comparti-
mento intratecal;
• o deslocamento do sangue venoso para as veias jugulares;
• e o deslocamento do sangue arterial para o sistema carotídeo interno.
Porém, a persistência do efeito de massa, além dos mecanismos de compensa-
ção, faz com que o cérebro seja forçado a sair, herniando.

Doutrina de Monro-Kellie

Volume Volume
Encéfalo LCR
venoso arterial

Estado normal - PIC normal

Volume Volume
Encéfalo Massa LCR
venoso arterial

Estado compensado - PIC normal

Volume
Encéfalo Massa LCR
arterial

Estado descompensado - PIC elevada


Volume
venoso

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A região mais frequentemente herniada é o úncus, que sai pela incisura da


tenda do cerebelo, comprimindo o nervo oculomotor. Há paralisia das fibras
parassimpáticas responsáveis pela constrição da pupila, que ficará dilatada
(midríase).

Hérnia de úncus
Foice do cérebro

Ventrículo lateral

Massa supratentorial

Úncus

Tenda do cerebelo

Anisocoria

Fonte: Centro de Simulação da Faculdade de Ciências Médicas da Uni-


camp - acervo pessoal 2017.

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5. Avaliação
A avaliação do paciente com TCE respeita os mesmos princípios do atendimento
de qualquer vítima de trauma, seguindo a diretriz “ABCDE”.
Os achados da biomecânica do trauma a seguir podem auxiliar a suspeitar de
lesões intracranianas.
• “Olho de boi”, a marca no para-brisa do carro em forma estrelada, decorrente
da projeção da cabeça em direção ao para-brisa quando o indivíduo não está
usando o cinto de segurança.

Fonte: Centro de Simulação da Faculdade


de Ciências Médicas da Unicamp - acervo
pessoal 2017.

• Sinais sugestivos de ejeção do veículo, como a perfuração do para-brisa.

• Informações sobre o uso ou não do capacete e situação do capacete após o


trauma.

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Entre os princípios dessa avaliação, todo paciente vítima de TCE deve receber
medidas com o objetivo de evitar lesão secundária. Por isso, é necessário ao
paciente:
• ser submetido à via aérea definitiva se estiver inconsciente/comatoso, já
que esses pacientes não conseguem manter as vias aéreas pérvias;
• ser ofertado oxigênio (lembrando que o cérebro só funciona em metabolis-
mo aeróbico);
• ser mantida a normovolemia. O TCE não origina choque hipovolêmico,
visto que não há como caber volume suficiente dentro da caixa craniana
sem herniação cerebral. O choque, quando presente, é originado em outro
local e deve ser tratado agressivamente para manter a PPC através de uma
adequada PAM.
O exame neurológico é avaliado na letra “D” do atendimento inicial e consiste
em avaliar a pupila, a escala de coma de Glasgow (ECG) e a presença de
sinais localizatórios.

5.1. Avaliação pupilar


A reatividade pupilar à luz é determinada pelo terceiro par de nervos cranianos
(oculomotor), e deve ser investigada e comparada ao lado contralateral. O diâ-
metro pupilar pode estar influenciado por drogas e medicamentos.
A denominação ocorre conforme o tamanho do diâmetro da pupila, conforme a
descrição a seguir.

Miose: diâmetro pequeno


Pode ocorrer em caso de uso de drogas opioides (fentanil, morfina), antipsicó-
ticos (haloperidol), colinérgicos (tratamento de Alzheimer), maconha.

Midríase: diâmetro grande


Pode ocorrer em caso de uso de drogas anticolinérgi-
cas, cocaína, LSD e outras.

Anisocoria
A presença de assimetria entre as reativi-
dades pupilares é denominada anisocoria.
A presença de anisocoria denota gravidade,
já que representa a possibilidade de her-
niação cerebral. Não há como um pacien-
te apresentar anisocoria e estar consciente
Fonte: Faculdade de Ciências Médicas da Uni- e orientado, tendo que, nesses casos, ser
camp - acervo pessoal 2017.
descartado o trauma ocular direto.

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5.2. Escala de coma de Glasgow (ECG)


A Escala de coma de Glasgow (ECG) avalia a melhor resposta ocular, verbal
e motora através de uma pontuação, com escore variando entre 3 (pior) e 15
(melhor).

Avaliação Escore
Abertura ocular
Espontânea 4
Estímulo verbal 3
Estímulo doloroso 2
Ausente 1
Resposta verbal
Orientado 5
Confuso 4
Palavras inapropriadas 3
Sons incompreensíveis 2
Ausente 1
Resposta motora
Obedece a comandos 6
Localiza dor 5
Flexão normal (retirada) 4
Flexão anormal (decorticação) 3
Extensão (descerebração) 2
Ausente 1

5.3. Sinais localizatórios


Alguns achados podem indicar o traumatismo craniano, como a presença de
cefaleia, vômitos incoercíveis (três ou mais episódios), sonolência e falas
repetidas.
A presença de sinais corpóreos neurológicos é denominada sinais loca-
lizatórios.
A ausência de movimentação de um dos lados do corpo (hemiplegia)
pode ser secundária à compressão do sistema piramidal (trato cortiço-espinhal)
pela herniação do úncus, sendo um sinal de gravidade.

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6. Investigação

A investigação do traumatismo craniano envolve, prioritariamente, a realização


de tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste e, para
isso, o paciente precisa apresentar estabilidade hemodinâmica.
A TC de crânio deve ser realizada nos seguintes casos (sendo repetida se houver
qualquer alteração no exame físico, neurológico ou surgimento de novos sinais
e sintomas):
• glasgow alterado (ECG ≤ 14);
• perda de consciência;
• perda da memória (amnésia);
• vômitos incoercíveis (mais de três episódios);
• convulsão pós-trauma;
• sonolência;
• presença de sinais localizatórios;
• abaulamento de fontanelas em crianças;
• sinais de fratura de base de crânio (sinal de Battle, sinal de guaxinim, perda
de líquor);
• presença de fratura craniana;
• sinais de intoxicação (álcool, medicações e drogas ilícitas);
• uso de anticoagulantes (varfarina, por exemplo);
• uso de antiagregantes plaquetários (AAS, clopidogrel);
• idosos (maiores de 65 anos).

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7. Classificação
O TCE pode ser classificado quanto ao mecanismo de lesão, à gravidade e à
morfologia da lesão apresentada.

Fechado
Mecanismo de lesão
Penetrante

Leve: ECG 14 e 15 (80%)


Gravidade, com base na escala
Moderado: ECG 9 a 13 (10%)
de coma de Glasgow (ECG)
Grave: ECG ≤ 8 (10%)

Fraturas de crânio

Hematoma epidural

Hematoma subdural
Morfologia da lesão
Contusão intracerebral (intraparenquimatosa)

Hemorragia subaracnóidea

Concussão

7.1. Fraturas de crânio


A presença de fraturas de crânio indica mecanismo de alta energia e, devido a
isso, necessita de complementação com tomografia de crânio. Neste caso,
aumenta-se o risco de hematomas e lesões cerebrais.
Clinicamente, existem alguns sinais que indicam a presença de fratura de base
de crânio. São eles:
• Equimose periorbital (olhos de guaxinim)

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• Equimose retroauricular (sinal da Batalha ou de Battle)

Fonte: Faculdade de Ciências Médicas da


Unicamp - acervo pessoal 2017.

• Presença de fístula liquórica pelo nariz (rinorreia) ou ouvido (otorreia)

Fonte: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp -


acervo pessoal 2017.

Anotações:

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• Disfunção do sétimo e oitavo pares de nervos cranianos, respectivamente,


facial e vestibulococlear.

Nervo vestibulococlear (audição e equilíbrio)

Osso
temporal
Ductos semicirculares

Nervo vestibular

Nervo
coclear

Cóclea

Canal auditivo

Orelha externa Orelha média Orelha interna

Anotações:

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7.2. Hematoma epidural (extradural)


Os hematomas epidurais representam 9% dos TCEs graves e decorrem de
sangramento exteriormente à dura-máter. O principal vaso lesado é a artéria
meníngea média, localizada no espaço extradural, no sulco dos ossos tem-
porais.
Clinicamente, o paciente pode apresentar quadro de consciência com rebai-
xamento posterior. Esse achado é denominado intervalo lúcido.

TC do crânio: imagem formada aparece


como lente biconvexa.
Fonte: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - acervo pessoal 2017.

7.3. Hematoma subdural


Os hematomas subdurais representam 30% dos TCEs graves e decorrem de
lesões em veias do córtex cerebral, abaixo da dura-máter, no espaço sub-
dural, com consequente maior lesão do cérebro adjacente à lesão.
Em pacientes mais idosos ou em uso de anticoagulantes, há uma natural atrofia
cerebral, de forma que a presença de hematoma subdural após uma queda não
apresenta qualquer clínica inicialmente, pela ausência de efeitos de massa. Es-
ses pacientes apresentam quadro de alteração do nível de consciência dias após
o trauma e, muitas vezes, não se lembram do ocorrido.

TC do crânio: imagem que segue ao


redor da circunferência do cérebro,
côncavo-convexa.
Fonte: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - acervo pessoal
2017.

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7.4. Contusão intraparenquimatosa


As contusões intraparenquimatosas representam de 20 a 30% dos TCEs gra-
ves e são lesões hemorrágicas dentro do parênquima cerebral. As contu-
sões podem expandir ou coalescer, formando um grande hematoma, motivo pelo
qual se deve repetir a tomografia após 12 a 24 horas.

TC do crânio: pode ser normal inicialmente.


Quando visível, surge como uma lesão hiper-
densa dentro do parênquima cerebral.
Fonte: Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - acervo pessoal 2017.

7.5. Hemorragia subaracnóidea


As hemorragias subaracnóideas decorrem de sangramento no espaço suba-
racnóideo, abaixo da membrana aracnoide. É uma fina camada de sangue que
dificilmente apresenta efeito de massa, porém se encontra frequentemente
associada a contusão intraparenquimatosa (63 a 73%) e hematomas
subdurais (44%).

TC do crânio: observado sangramento que percorre os sulcos


e ventrículos.

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7.6. Concussão
A concussão decorre de um quadro de “chacoalhar” do cérebro, que colide
com a calota craniana. O paciente pode apresentar amnésia, falar repetida-
mente e não ter lesões graves à tomografia.
Entre as lesões decorrentes da concussão, está a lesão axonal difusa (LAD),
uma lesão dos axônios dos neurônios. Pela localização na substância branca, é
difícil confirmar por tomografia, que pode apresentar pequenos focos hemorrá-
gicos. A confirmação seria por ressonância magnética, mas não há indicação de
realizar rotineiramente por não mudar a conduta.

Lesão axonal difusa (LAD)

Ruptura do axônio

Osso

Substância
cinzenta

Substância
branca

29
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Lesão de golpe e contragolpe

Anotações:

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8. Tratamento
O tratamento inicial do paciente com TCE consiste na manutenção dos sinais
vitais através de uma adequada reanimação, mantendo oxigenação e perfusão
cerebral. Tais medidas devem ser adotadas para todos os pacientes, indepen-
dentemente da gravidade, a fim de não agravar a lesão presente, prevenindo
uma lesão secundária.
Nos traumatismos leves (ECG 14 ou 15), o paciente pode ser observado por
12 a 24 horas se estiver completamente assintomático, acordado, alerta e neu-
rologicamente normal, sem realização de tomografia de crânio.
Nos traumatismos moderados (ECG 9 a 13), deve ser repetida a tomografia
em 24 horas, mesmo se a TC inicial se mostrar normal.

8.1. Tratamento clínico


As medidas clínicas para um paciente com TCE devem ser adotadas quando hou-
ver um quadro de degeneração aguda, como sinais de herniação cerebral,
evidenciado por anisocoria ou sinal localizatório.
Nesses casos, as medidas poderão ser realizadas somente após oferta adequada
de oxigênio e após quadro hemodinâmico normal.
• Soluções salinas hipertônicas (NaCl 3%): visam aumentar o sódio (Na)
no intravascular de forma a aumentar a osmolaridade do plasma em relação
à do cérebro, “puxando” líquido deste e diminuindo o edema.
• Manitol: é um diurético osmótico que visa diminuir a pressão intracraniana.
Não deve ser usado em pacientes em choque por agravar o quadro devido à
diminuição do conteúdo intravascular.
• Hiperventilação: objetiva diminuir o CO2 do intravascular que age como vaso-
dilatador, de forma a diminuir o extravasamento de sangue e líquidos. Deve ser
feito com pCO2 mínima de 35mmHg e por pouco tempo para não gerar isquemia.

8.2. Tratamento cirúrgico


Deve ser adotada a intervenção cirúrgica para
esvaziar o hematoma ou descomprimir o
cérebro edemaciado através de craniotomia
(orifício no cérebro) ou craniectomia (abertura
com retirada de osso) em situações de efeito de
massa ou elevação persistente na pressão intra-
craniana.

Faculdade de Ciências Médicas da


Unicamp - acervo pessoal 2017.

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9. Neuromonitorização
Em um paciente com TCE, há diversas medidas que devem ser adotadas para
monitorização, a fim de não agravar a lesão e identificar a degeneração aguda,
mesmo nos pacientes submetidos a intervenção cirúrgica.

9.1. Cuidados gerais

• Manter volemia adequada, oxigenação, glicemia e temperaturas adequadas.


• Manter decúbito elevado a 30ºC para otimizar o retorno venoso.
• Não comprimir o pescoço com colar cervical ou fixador de tubo para não redu-
zir o retorno venoso.
• Manter sedação adequada: diminui a dor, ansiedade e agitação, reduzindo o
metabolismo cerebral.
• Manter PPC por volta de 60-65 mmHg, o que exige uma PAM mais elevada. Se
houver a monitorização de PIC por dispositivo, basta adotar o cálculo: 60-65
mmHg + PIC = PAM alvo.
• Usar medicações anticonvulsivantes em todos pacientes comatosos (fenitoí-
na), já que convulsões podem ocorrer em 5% dos TCEs, agravando o quadro.

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9.2. Cuidados específicos


• Manter sódio (Na) mais elevado, entre 145 e 150 (Na normal: 135 a 145).
• Manter capnografia com pCO2 no limite inferior da normalidade, entre 35 e 40.
O CO2 é um vasodilatador, de forma que valores maiores aumentam o edema
e a permeabilidade capilar. Não deixar valor abaixo de 35 para não originar
isquemia decorrente da vasoconstrição (pCO2 normal: 35 a 45).
• Monitorização da PIC através de cateter específico introduzido através de pro-
cedimento cirúrgico minimamente invasivo por neurocirurgião.
• Barbitúricos podem ser indicados em pacientes com PIC persistentemente
elevada a despeito de todas as outras medidas.
• Oximetria do bulbo jugular. O sangue venoso cerebral se dá para os seios da
dura-máter, que confluem para a base do crânio, formando os bulbos. Como
esses bulbos recebem 97% do fluxo sanguíneo cerebral e somente 3% extra-
cerebral, ao avaliar a sua saturação é possível saber como foi o consumo de
oxigênio pelo cérebro, refletindo seu metabolismo. Esse cateter deve ser in-
troduzido por médico capacitado em procedimento beira-leito através da veia
jugular. Deve ser coletada gasometria, comparando a saturação de oxigênio
dele dosada com a arterial (o que chega no cérebro).
• Doppler transcraniano é um método que usa as ondas ultrassonográficas do
sistema Doppler para avaliar o fluxo cerebral. É um procedimento não invasivo
e beira-leito que permite avaliar a vasoconstrição e o vasoespasmo das arté-
rias intracranianas.

10. Morte encefálica


Morte encefálica é definida como perda da função cerebral definitiva e irreversí-
vel, sendo o traumatismo craniano uma das principais causas.

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O conceito de morte envolve diversas condições que podem dificultar a real com-
preensão do quadro apresentado. Segundo o dicionário, morte é a interrupção
definitiva da vida de um organismo.
Porém, com o avanço do conhecimento, notou-se que existe uma condição ir-
reversível em que o cérebro não funciona mais, incluindo todas as funções do
tronco cerebral. Essa condição foi denominada morte encefálica (ME).
Para ocorrer um quadro de ME, é necessária alguma situação que gere destrui-
ção definitiva das células neuronais, através de um quadro de associação de au-
mento da pressão intracraniana com hipóxia do tecido cerebral. O traumatismo
craniano é uma das condições que leva a esse quadro.

Protocolo ME
Um paciente entra no protocolo de ME quando apresentar coma, sem
uso de medicações depressoras do sistema nervoso central (SNC).
Cada medicamento sedativo tem um determinado tempo para ser completa-
mente eliminado do organismo. Por isso, deve-se esperar esse tempo para se
considerar abertura do protocolo.
Além disso, o paciente não pode estar hipotérmico, já que a baixa tempera-
tura por si só já reduz o metabolismo cerebral.
Após o tempo de metabolização das drogas depressoras do SNC e o paciente
sem hipotermia, são realizadas duas avaliações clínicas por médicos diferen-
tes com intervalo de tempo entre eles, conforme a idade do paciente (quadro
abaixo). Essa avaliação clínica é um exame neurológico minucioso em que são
avaliadas diversas funções do SNC, principalmente do tronco cerebral.

Idade Intervalo

7 dias a 2 meses incompletos 48 horas

2 meses a 1 ano incompleto 24 horas

1 ano a 2 anos incompletos 12 horas

Acima de 2 anos 6 horas

Após a realização dos exames clínicos, com achado positivo para ME, ou seja,
ausência de funcionamento do SNC, deve ser realizado um exame complemen-
tar confirmatório.

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Exame neurológico
O exame neurológico consiste na confirmação do coma aperceptivo (ausência de
resposta à dor) e da ausência de reflexos de tronco e de movimentos respirató-
rios aparentes.

Elementos do exame neurológico

1. Coma aperceptivo

2. Reflexo fotomotor e consensual

3. Reflexo corneopalpebral

4. Reflexo oculocefálico

5. Reflexo vestibulocalórico

6. Reflexo de tosse

7. Teste de apneia

1. Coma aperceptivo: é avaliada a arreatividade supraespinhal. Pode haver


alguns reflexos medulares e não exclui o diagnóstico de ME como osteotendí-
neos, cutaneoabdominais, cutaneoplantar, arrepio, tonicocervical, flexores e
de retiradas de membros superiores ou inferiores.
2. Reflexo fotomotor e consensual: avaliação da resposta e reatividade das
pupilas à luz, que se encontram fixas e arreatavas na situação de ME.
3. Reflexo corneopalpebral: na situação de ME, estão ausentes o fechamento
dos olhos e o lacrimejamento com o estímulo mecânico da córnea.
4. Reflexo oculocefálico: também conhecido como “olhos de boneca”. Em ME,
os olhos acompanham o movimento da cabeça.
5. Reflexo vestibulocalórico: estímulo no canal auditivo com 50 mL de líquido
a 0 grau após descartar obstrução do canal auditivo com otoscopia. O pacien-
te com ME não apresenta movimentos oculares.
6. Reflexo da tosse: o paciente em ME não apresenta tosse à movimentação
do dispositivo intratraqueal ou aspiração de vias aéreas.
7. Teste de apneia: no paciente em coma, o estímulo sensorial para desenca-
dear a respiração é alto, com pCO2 de até 55 mmHg. Para isso, é necessária
a integridade da região ponto-bulbar. O paciente deve ser ventilado por 10
minutos com oxigênio a 100%; depois, deve-se desconectar o ventilador e
manter um cateter intratraqueal com fluxo de 6 litros/minuto por 10 minu-
tos. O paciente em ME não possui movimentos respiratórios, e a dosagem de
pCO2 encontra-se acima de 55 mmHg.

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Exames complementares

O exame complementar deve demonstrar a ausência de circulação sanguínea


intracraniana, atividade elétrica cerebral ou atividade metabólica cerebral. Basta
um exame para finalizar o protocolo.

Exames disponíveis

Angiografia

Cintilografia radioisotópica

Atividade circulatória cerebral Doppler transcraniano

Tomografia computadorizada com xenônio


SPECT - Tomografia computadorizada por emissão
de fóton único
Atividade elétrica cerebral Eletroencefalograma

PET
Atividade metabólica cerebral
Extração de oxigênio

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Anotações:

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Síntese
O traumatismo craniano é uma das condições em trauma que merece atenção,
desde o reconhecimento dos sinais no atendimento pré-hospitalar para levan-
tar suspeitas de lesão, bem como dos achados clínicos à avaliação. Conhecer
a anatomia com os achados tomográficos é imprescindível para o diagnóstico
e tratamentos das lesões, bem como saber quais os cuidados que devemos ter
para um melhor prognóstico.
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