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(e-STJ Fl.

502)

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 167319 - MG (2022/0205418-0)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA


RECORRENTE : LUCAS HENRIQUE DA SILVA SALES (PRESO)
ADVOGADO : WAGNER FERNANDO SAFE - MG035865
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

DECISÃO

Cuida-se de recurso em habeas corpus com pedido de liminar interposto por


LUCAS HENRIQUE DA SILVA SALES contra decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DE MINAS GERAIS (HC n. 1.0000.22.100308-0/000).

Consta dos autos que o recorrente encontra-se segregado cautelarmente, em


decorrência de prisão em flagrante, convertida em preventiva, pelo suposto cometimento
dos delitos previstos no art. 33, caput, e no art. 35, caput, c/c o art. 40, inciso VI, todos da
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Lei n. 11.343/2006.

Alega o recorrente ocorrência de constrangimento ilegal decorrente de excesso


de prazo da instrução criminal, a que a defesa não deu causa, uma vez que foi lavrado
termo de prisão em flagrante em 16/11/2021, apresentada Defesa Preliminar em
23/3/2022, mas até o momento não foi dada vista ao parquet para manifestação, nem
determinada a intimação dos corréus para apresentação das defesas.

Aduz que o recorrente é primário, de bons antecedentes, menor de 21 anos,


com endereço fixo e ocupação lícita. Argumenta, ainda, que, em caso de eventual
condenação, a hipótese seria de cometimento de tráfico privilegiado, com fixação de
regime aberto para cumprimento da reprimenda e substituição por pena restritiva de
direito.

Diante disso, requer, inclusive liminarmente, a revogação da prisão provisória


com aplicação das medidas cautelares do art. 319 do Código de Processo Penal e,
subsidiariamente, a concessão de prisão domiciliar.

O pleito urgente foi indeferido (e-STJ, fls. 489/490).

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(e-STJ Fl.503)

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento do recurso (e-


ST,J fls. 493/500).

É o relatório. Decido.

Busca-se, em síntese, a revogação da prisão preventiva do recorrente, sob a


alegação de indevido excesso de prazo para a formação da culpa.

Quanto ao tema, a Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXXVIII, prescreve:


"a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." No entanto, essa
garantia deve ser compatibilizada com outras de igual estatura constitucional, como o
devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório que, da mesma forma, precisam
ser asseguradas às partes no curso do processo.

Mencione-se, por outro lado, que, com o fim de assegurar que a prisão não se
estenda por período superior ao necessário, configurando verdadeiro cumprimento
antecipado da pena, a alteração promovida pela Lei n. 13.964/2019 ao art. 316 do Código
Penal estabeleceu que o magistrado revisará a cada 90 dias a necessidade da manutenção
da prisão, mediante decisão fundamentada, sob pena de tornar a prisão ilegal.
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Necessário, porém, considerar que, cumprido tal requisito, eventual


constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de
uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a
evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional.

In casus, em relação à matéria, o Desembargador Relator concluiu que após


detido exame dos autos, não verifiquei a dilatação indevida dos prazos, uma vez que a
demora no desfecho da ação penal originou-se das necessidades e complexidades
próprias do caso, o qual envolve 5 (cinco) réus, além de ter sido necessário o
desmembramento do feito. Apontou, ainda, que de acordo com as informações prestadas
pela autoridade dita coatora, os autos aguardam a realização da audiência de instrução
e julgamento designada para o dia 19/7/2022. (e-STJ, fls. 451/452).

Por sua vez, em seu parecer, o órgão ministerial assim destacou (e-STJ, fls.
498/499):
Ante o assinalado, observa-se que, embora o Paciente esteja preso
preventivamente há razoável período de tempo, não há que se falar em inércia
na condução do caso. A alegada demora na tramitação do feito, deve-se,
como ponderado pela Corte de origem, às particularidades do caso concreto,

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(e-STJ Fl.504)

dentre elas, o número considerável de Réus que respondem à mesma ação


penal.
Ademais, vale destacar que, em consulta do sítio do TJ/MG (Processo nº
5001323-43.2021.8.13.0175), colhe-se a informação de que o feito foi
desmembrado em relação ao ora Recorrente justamente para promover
maior celeridade do seu julgamento, uma vez que ele é o único que se
encontra segregado cautelarmente entre os Réus da ação penal, sendo a
audiência de instrução e julgamento designada para a data próxima de
19/07/2022, o que evidencia o trâmite regular do feito que, provavelmente,
brevemente será sentenciado.
Assim, não obstante o razoável tempo de prisão cautelar, não é possível
reconhecer, à vista dos trechos acima transcritos, bem como das informações obtidas em
consulta ao andamento processual no site do Tribunal de origem, a existência de retardo
abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, de forma a caracterizar excesso de
prazo na formação da culpa.

Observa-se que a ação se desenvolve de forma regular, sem desídia ou inércia


do Magistrado singular, podendo eventual retardo na instrução decorrer da complexidade
do feito, que envolve uma pluralidade de réus (5), além da necessidade de expedição de
carta precatória e de desmembramento do feito em relação ao recorrente, visando justa
mente a celeridade na instrução do feito, circunstâncias essas que colaboram com um
razoável e inevitável, ainda que indesejável, prolongamento da marcha processual.
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Ademais, do andamento processual, verifica-se que, em 19/7/2022, foi


realizada a audiência de instrução e julgamento anteriormente designada, tendo sido dado
prazo à defesa para a apresentação das alegações finais. Nota-se, portanto, que o feito se
encaminha cada vez mais para o seu encerramento, não havendo que se cogitar de
desídia ou negligência do Juízo.

A propósito do tema, confira-se:


HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO
CABIMENTO. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. PRISÃO
PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. SUPRESSÃO. SENTENÇA
CONDENATÓRIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE EM SEDE DE
APELAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DO JUÍZO.
EVENTUAL MORA DECORRENTE DAS PECULIARIDADES DO FEITO.
RÉU FORAGIDO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. RECOMENDAÇÃO DE
CELERIDADE.
[..]
3. Constitui entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça que
somente configura constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação
da culpa, apto a ensejar o relaxamento da prisão cautelar, a mora que
decorra de ofensa ao princípio da razoabilidade, consubstanciada em desídia
do Poder Judiciário ou da acusação, jamais sendo aferível apenas a partir da
mera soma aritmética dos prazos processuais.
4. Na hipótese, eventual mora na tramitação do processo não pode ser

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(e-STJ Fl.505)

atribuída ao Juízo, mas às peculiaridades do caso e à complexidade do feito,


considerando a pluralidade de réus (2) com advogados distintos, a
expedição de cartas precatórias para a oitiva de testemunhas, pedidos de
liberdade provisória analisados, prestação de informações em habeas
corpus bem como, pelo fato de a sentença ter sido declarada nula em virtude
de o paciente não ter sido regularmente citado.
5. Ademais, o "Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que a
condição de foragido do recorrente afasta a alegação de constrangimento
ilegal por excesso de prazo" (RHC 95.844/RS, Rel.Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 13/6/2018).
6. Habeas corpus não conhecido. Recomendação ao Juízo de primeiro grau
para que imprima maior celeridade no julgamento da Ação Penal n.
0003130-84.2017.8.24.0025 (ou 0003310-32.2019.8.24.0025), e que observe
a análise da custódia à luz do disposto no art. 316, parágrafo único, do
Código de Processo Penal - CPP.
(HC 566.239/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA,
julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO


PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. TESE DE AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO PARA A DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA.
PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA COM 28 (VINTE E
OITO) ACUSADOS. GRAVIDADE CONCRETA. FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.
MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA.
EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA NÃO
EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. A hipótese trata de suposta organização criminosa, que envolve um elevado
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número de pessoas que se dedicam, "cada um deles com suas funções bem
definidas, e sob uma rígida cadeia hierárquica de comando", à "atividade
intensa do tráfico de drogas", na cidade de Salvador/BA, a justificar a
segregação cautelar do Paciente decretada em 08/11/2018 para a garantia da
ordem pública.
2. A peça acusatória aponta o Paciente como "proprietário de um ponto de
vendas" e responsável "também por receber as drogas, cortá-las e embalá-las
para venda, além de exercer a função de liderança em relação aos jóqueis da
suposta organização criminosa".
Perfeitamente aplicável, no caso, o entendimento de que "[n]ão há
ilegalidade na decisão que decreta a prisão preventiva com base em
elementos concretos aptos a revelar a real necessidade de se fazer cessar ou
diminuir a atuação de suposto integrante de organização criminosa para
assegurar a ordem pública" (STF, RHC 144.284 AgR, Rel. Ministro EDSON
FACHIN, SEGUNDA TURMA, DJe 27/08/2018).
3. Excesso de prazo não configurado, diante da complexidade do processo
com pluralidade de réus e necessidade de expedição de cartas precatórias. O
processo-crime encontra-se na fase de manifestação do Ministério Público
com relação às preliminares arguidas nas defesas prévias, circunstância que
indica a breve designação da audiência de instrução e julgamento. Além
disso, em decisão proferida no dia 18/02/2020, o Magistrado de primeiro
grau manteve a prisão preventiva do Paciente, tendo em vista a nova redação
do art. 316 do Código de Processo Penal.
4. Ordem de habeas corpus denegada.
(HC 551.239/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em
05/05/2020, DJe 21/05/2020)
Noutro vértice, não se olvida, como bem apontou o acórdão impugnado, que,

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no caso vertente, está evidenciada a gravidade concreta do crime, consubstanciada nas


razoáveis quantidade e diversidade das drogas apreendidas com o Recorrente e no fato
de ele ostentar outras duas passagens por envolvimento com a prática de igual delito
(...). (e-STJ, fl. 497).

Nessa direção, o entendimento da Suprema Corte é no sentido de que "a


periculosidade do agente e a fundada probabilidade de reiteração criminosa constituem
fundamentação idônea para a decretação da custódia preventiva" (AgRg no HC n.
150.906/BA, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
13/4/2018, DJe 25/4/2018).

Ademais, oportuno lembrar que, segundo este Tribunal, “a presença de


condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão
preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela.” (HC n. 472.912/RS,
Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe
17/12/2019).

Por fim, em relação à alegação de desproporcionalidade da prisão em cotejo à


futura pena a ser aplicada, trata-se de prognóstico que somente será confirmado após a
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conclusão do julgamento da ação penal, não sendo possível inferir, nesse momento
processual e na estreita via ora adotada, o eventual regime prisional a ser fixado em caso
de condenação (e consequente violação do princípio da homogeneidade). A confirmação
(ou não) da tipicidade da conduta do agente e da sua culpabilidade depende de ampla
dilação probatória, com observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o
que não se coaduna com a finalidade do presente instrumento constitucional.

Note-se que “a jurisprudência do STJ é firme em salientar a inviabilidade da


análise da tese de ofensa ao princípio da homogeneidade na aplicação de medidas
cautelares, por ocasião de sentença condenatória no âmbito do processo que a prisão
objetiva acautelar, ante a impossibilidade de vislumbrar qual pena será eventualmente
imposta ao réu, notadamente o regime inicial de cumprimento.” (HC n. 507.051/PE,
Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 22/10/2019,
DJe 28/10/2019).

Dessa forma, não se vislumbra constrangimento ilegal a ser reparado por este
Superior Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

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(e-STJ Fl.507)

Intimem-se.

Brasília, 01 de agosto de 2022.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA


Relator
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