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19/04/24, 16:38 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 19/04/24, 16:38 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto AINDA QUE ASSIM NÃO SE CONSIDERE, O QUE AQUI APENAS SE ADMITE POR
Processo: 335/10.4PIPRT.P1 DEVER DE PATROCÍNIO, A ACTUAÇÃO DO ARGUIDO CONFIGURA UM CASO DE
Nº Convencional: JTRP000 RETORSÃO PELO QUE NO CASO EM APREÇO A PENA DO ARGUIDO DEVE SER
Relator: ARTUR OLIVEIRA DISPENSADA DADO QUE SE ENCONTRAM REUNIDAS OS REQUISITOS LEGAIS
Descritores: LEGÍTIMA DEFESA PARA TAL, O QUE DESDE JÁ SE REQUER COM OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS.
EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA SEM PRESCINDIR, AINDA QUE ASSIM NÃO SE CONSIDERE, O QUE APENAS SE
MEIO USADO ADMITE AQUI POR DEVER DE OFICIO, O ARGUIDO AGIU CLARAMENTE EM
Nº do Documento: RP20121212335/10.4PIPRT.P1 EXCESSO INTENSIVO DE LEGITIMA DEFESA PELO QUE A PENA DO MESMO
DEVE SER ESPECIALMENTE ATENUADA O QUE DESDE JÁ SE REQUER.
Data do Acordão: 12-12-2012
NESTES TERMOS DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E A
Votação: UNANIMIDADE
SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA. FAZENDO ASSIM JUSTIÇA! (…)»
Texto Integral: S 3. Nas respetivas respostas, o Ministério Público e a assistente refutam todos os
Privacidade: 1 argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 328-3339 e 340-
Meio Processual: REC PENAL 344].
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE 4. Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-geral Adjunta subscreve a resposta apresentada
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO pelo MP junto da 1ª instância, salientando que o recorrente não cumpre os requisitos
Área Temática: . estipulados pelo artigo 412.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal. Emite parecer no sentido de ser
Sumário: I - A legítima defesa é encarada como uma forma primitiva de reação contra o injusto negado provimento ao recurso [fls. 360-361].
baseada numa exigência natural, aceite pela consciência jurídica coletiva, de reação 5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
instintiva que leva o agredido a repelir a agressão a um bem jurídico, seu ou de terceiro, 6. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos,
com a lesão de um bem do agressor. seguidos da respectiva motivação [fls. 218-224]:
II - A legítima defesa cor­responde, pois, ao impulso para a defesa dos bens jurídicos «(…) II - Fundamentação de facto:
perante uma agres­são a que o Estado, de imediato, não pode socorrer. Nessa medida, dá Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
expres­são ao princípio de autoproteção individual e a valores de cidadania e de solida­- A) O arguido C… e a assistente B… residem no …, nesta cidade, sendo vizinhos há
riedade na preservação do Direito e na defesa dos bens jurídicos. vários anos e existindo entre ambos conflitos de vizinhança;
III - Na averiguação concreta sobre se uma conduta deve ou não ser considerada como B) No dia 6.Março.2010, pelas 17h30m, no largo existente no …, nesta cidade, a ofendida
tendo sido praticada em legítima defesa são tidos em conta requisitos da situação de encontrava-se a conversar na via pública com D… e E…, quando surgiu o arguido, vindo
legítima defesa (comportamento agressivo, atualidade e ilicitude da agressão) e os da sua residência em direcção ao F… situado naquele …;
requisitos da ação de defesa (necessidade do meio, necessidade da defesa e animus C) Ao ver o arguido a aproximar-se, a ofendida, dirigindo-se às pessoas que a
defendendi). acompanhavam, afirmou “é este o ladrão, é este que me bate”, ao que o arguido retorquiu
IV- Age com excesso de legítima defesa o arguido que, com o pau de um guarda-chuva, “é mentira, ela é que é maluca”;
que trazia consigo, vibra uma pancada, de cima para baixo, na ofendida, de 74 anos, a D) Então, a ofendida dirigiu-se ao arguido, dele se aproximando com uma saca, tipo
qual, dirigindo-se às pessoas que a acompanhavam, afirmou: “é este o ladrão, é este que lancheira, na mão, encostando-a ao peito daquele por diversas vezes, sendo que, de
me bate”; ao mesmo tempo que dele se aproxima com uma saca, tipo lancheira, na mão, todas as vezes, o arguido dela se ia afastando, continuando a ofendida a dele se
a encosta ao peito daquele por diversas vezes, sendo que, de todas as vezes, o arguido aproximar, enquanto proferia a expressão “és tu, és tu”;
dela se ia afastando, continuando a ofendida a dele se aproximar, enquanto proferia a E) Então, quando distavam cerca de 15 metros do local onde se encontraram, o arguido,
expressão “és tu, és tu”. que trazia consigo um guarda-chuva que, na altura, se encontrava fechado, com o
Reclamações: respectivo cabo vibrou uma pancada de cima para baixo, atingindo, assim, a ofendida na
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) boca e na mão direita;
- no processo n.º 335/10.4PIPRT.P1 F) Em consequência da conduta do arguido, sofreu a ofendida solução de continuidade
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, localizada na metade direita do lábio superior, com 1cm de comprimento; solução de
- após conferência, profere, em 12 de dezembro de 2012, o seguinte continuidade localizada na metade direita do lábio inferior, com 1cm de comprimento;
Acórdão equimose de coloração arroxeada localizada no dorso da mão direita e face dorsal da
I - RELATÓRIO falange proximal do 3º dedo da mão direita, com 4cm por 4cm de maiores dimensões;
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 335/10.4PIPRT, 1ª secção do 1.º Juízo escoriação com crosta, localizada na face dorsal da articulação metacarpofalângica do 2º
Criminal do Tribunal da Comarca do Porto, em que é assistente e demandante civil B… e dedo da mão direita, com 0,5cm por 0,5cm de maiores dimensões; escoriação com crosta
é arguido e demandado civil C…, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos localizada na face dorsal da falange proximal do 2ºdedo da mão direita, com 0,5cm por
[fls. 228-229]: 0,5cm de maiores dimensões, lesões essas que demandaram, para a respectiva cura
Por todo o exposto, decido: clínica, 15 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral por um dia e,
a) julgando a acusação pública procedente, por provada, condenar o arguido C…, como como consequências permanentes, cicatrizes de pequenas dimensões ao nível dos
autor de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143, nº1 do CP, lábios, não desfigurantes e que tenderão a atenuar com o decorrer do tempo;
na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €6,00, no montante de €540,00; G) Ao actuar do modo descrito, o arguido agiu com o propósito, concretizado, de agredir
b) julgando o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, por parcialmente fisicamente a ofendida e de lhe provocar as lesões acima descritas;
provado, condenar o demandado C… a pagar à demandante B… a quantia de €350,00 a H) O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punida por
título de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros de lei;
mora à taxa legal contados desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo I) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida foi suturada ao nível dos lábios;
e integral cumprimento, absolvendo-o do demais peticionado. (…)» J) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sentiu dores, quer no momento
2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respetiva motivação um texto que da agressão, quer durante o período de cura médica;
designa como “conclusões” e em que, basicamente, impugna a decisão proferida sobre L) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sentiu incómodos na mastigação
matéria de facto, argui o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto de alimentos e na comunicação verbal;
provada, aponta a violação do princípio in dubio pro reo e invoca a existência de legítima M) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sentiu dificuldades na mobilidade
defesa e da retorsão, para conclui do seguinte modo [fls. 276]: da mão direita;
«NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO SUPRIDOS, NÃO RESULTAM N) A ofendida tem 74 anos de idade e vive sozinha;
PROVADOS OS FACTOS ELENCADOS NOS PONTOS C) G) E H) DO ITEM FACTOS O) O arguido não tem antecedentes criminais;
PROVADOS DA DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA E EM CONSEQUÊNCIA OS P) O arguido aufere pensão de reforma no montante de €700,00; vive sozinho em casa
ACTOS DO ARGUIDO AQUI EM DISCUSSÃO CONFIGURAM UM ACTO DE LEGÍTIMA arrendada, pela qual paga €71,11/mês.
DEFESA O QUE EXCLUI A ILICITUDE DA MESMA COM A CONSEQUENTE *
ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO QUE DESDE JÁ SE REQUER COM AS DEVIDAS Produzida a prova e discutida a causa, não resultaram provados os seguintes factos:

https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/f981077d088daaf280257aed0057eeeb?OpenDocument 1/8 https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/f981077d088daaf280257aed0057eeeb?OpenDocument 2/8


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1) Que as cicatrizes apresentadas pela ofendida como consequência da conduta do que se encontrava no local, tendo, então, seguido o seu caminho; afirmou não ter ido ao
arguido produzam e produzirão um dano estético que a irá perseguir por muito tempo; encontro da ofendida, por a ter visto a sangrar e tal a impressionar, afirmando que ainda
2) Que, em consequência da conduta do arguido, a ofendida tenha sofrido lesões no se encontrava no local quando chegou a polícia e a ambulância do INEM; afirmou que, na
braço direito; altura, a ofendida trazia uma garrafa de água na mão; referiu-se ao estado físico e
3) Que em consequência da conduta do arguido, a ofendida viva aterrorizada com a emocional da ofendida decorrente da actuação do arguido;
possibilidade de ser novamente agredida por aquele; - no depoimento da testemunha H…, que habita no referido …, no bloco situado no
4) Que em consequência da conduta do arguido, a ofendida tenha medo de sair de casa; aludido largo, tendo afirmado que, quando se encontrava à janela de sua casa, situada no
5) Que em consequência da conduta do arguido, a ofendida não faça uma vida normal; rés-do-chão, viu o arguido a abeirar-se da ofendida e, de imediato, bateu-lhe com o
6) Que em consequência da conduta do arguido, a ofendida tenha sentido vergonha, guarda-chuva que trazia, atingindo-a na boca, não sabendo com que parte desse guarda-
humilhação e vexame. chuva foi desferida a pancada, sendo que a ofendida logo começou a sangrar; afirmou
* que a ofendida se encontrava acompanhada pelas testemunhas D… e E… e que o
III - Motivação: arguido, após tal agressão, seguiu na direcção do F…; referiu-se ao estado físico e
A convicção do tribunal apoia-se no conjunto da prova produzida em julgamento: emocional da ofendida decorrente da actuação do arguido;
- nas declarações do arguido, que afirmou que, quando se deslocava de sua casa para o - no depoimento da testemunha I…, vizinho do arguido e da ofendida, residindo em outro
F…, deparou com a ofendida a conversar com duas senhoras, tendo aquela proferido as bloco, não tendo assistido aos factos; afirmou ter visto a ofendida com um penso na boca,
expressões “olha o gatuno, olha o ladrão”, ao que ripostou: “a polícia é que diz que não 3 ou 4 dias após os factos; afirmou que entre o arguido e a ofendida existem conflitos de
estás boa da cabeça”, tendo prosseguido o seu caminho; afirmou que, então, a ofendida vizinhança;
veio no seu encalço a correr, trazendo um saco do lixo na mão, sendo que, quando fez o - nos doc. de fls. 15 a 17 (fotografias da ofendida, onde são visíveis as lesões por ela
gesto de o agredir com tal saco, pôs de permeio o guarda-chuva que estava a usar, o apresentadas);
qual se encontrava aberto, tendo tal saco de lixo batido no pano de tal guarda-chuva; - nos doc. de fls. 66 a 77 (autos de notícia e de denúncia, de onde se retira a existência
afirmou que, nessa ocasião, viu sangue no lábio da ofendida, presumindo que uma vara de conflitos de vizinhança entre o arguido e a ofendida);
do guarda-chuva a tenha atingido aí; afirmou ter continuado o seu caminho, tendo a - nos doc. de fls. 87 a 89 e de fls. 90 (relatório de exame médico efectuado à ofendida no
ofendido atirado contra ele, primeiro, uma garrafa de água e, depois, uma pedra, objectos IML e episódio de urgência do Hospital …, deles constando as lesões por aquela
esses que não o chegaram a atingir; afirmou que, nesse dia, de manhã, a ofendida se apresentadas, sendo certo que tal perícia concluiu que as cicatrizes de pequenas
queixou de estar a fazer um buraco na parede para aceder a sua casa, quando estava a dimensões ao nível dos lábios, não desfigurantes, tenderão a atenuar com o decorrer do
consertar um cano da água; referiu-se aos desentendimentos de vizinhança existentes tempo);
entre ambos; - a versão dos factos apresentada pelo arguido, no sentido de ter a ofendida ido no seu
- nas declarações da assistente B…, que afirmou que, quando se encontrava a conversar encalço e ter lançado contra si um saco de lixo, não o tendo atingido por ter posto de
com as testemunhas D… e E…, o arguido, que a havia seguido, afirmou “não façam caso permeio o guarda-chuva que estava a usar, o qual se encontrava aberto, tendo tal saco
do que ela está a dizer porque é maluca”, ao mesmo tempo que apontava na sua de lixo batido no pano de tal guarda-chuva, não é sustentada por qualquer prova
direcção, para a zona dos olhos, um guarda-chuva, que se encontrava fechado, pelo que produzida em julgamento – nenhuma das testemunhas inquiridas referem tal facto; por
se afastou, tendo, então, o arguido a agredido com tal guarda-chuva, desferindo-lhe uma outro lado, a versão apresentada pelo arguido de que a ofendida lançou na sua direcção
pancada com a ponta do mesmo, atingindo-a nos lábios, bem como na mão quando se uma garrafa de água e uma pedra também não é confirmada por qualquer uma das
desviou; afirmou que o arguido se preparava para a agredir novamente com o guarda- testemunhas inquiridas e que se encontravam presentes no local;
chuva, quando foi interpelado por um vizinho que aí se encontrava a limpar o carro, pelo - por outro lado, o arguido admite que a ofendida foi atingida pelo guarda-chuva que
que não a agrediu nesse momento; afirmou que na altura não trazia consigo qualquer trazia – e dúvidas não há que a ofendida foi atingida pelo mesmo, face às lesões
saco de lixo, trazendo a carteira, uma garrafa de água de 1,5l e pão; referiu a existência apresentadas, descritas e examinadas no relatório de fls. 87 a 89 -, não sendo porém
de conflitos de vizinhança entre si e o arguido; aceitável, face à versão que apresentou, que tivesse sido atingida pelas varetas do
- no depoimento da testemunha D…, amiga da ofendida, que afirmou estar a conversar mesmo quando o pôs de permeio para evitar ser atingido pelo saco do lixo lançado pela
com esta e com a testemunha E…, quando surgiu o arguido, tendo aquela dito “é aquele”, ofendida: se tal saco de lixo, na sua versão, veio embater no pano do guarda-chuva,
sendo que, nessa altura, o arguido se abeirou da ofendida e, com o guarda-chuva que então as varetas do mesmo não se encontravam na direcção da ofendida – quando
trazia, o qual se encontrava fechado, desferiu uma pancada na ofendida, de cima para muito, a ofendida poderia ter sido atingida pela ponta do guarda-chuva;
baixo, atingindo-a nos lábios e na mão; afirmou não se recordar se a ofendida foi atingida - porém, as testemunhas D…, E… e G… são unânimes em afirmar que o arguido desferiu
com a parte de baixo ou de cima do guarda-chuva; afirmou que a ofendida não trazia uma pancada com o guarda-chuva fechado, de cima para baixo, atingindo a ofendida,
consigo um saco de lixo, trazendo uma garrafa de água e o telemóvel num saco de pelo menos, na boca;
plástico; afirmou que o arguido, ao ter sido interpelado por um vizinho que se encontrava - as declarações da assistente e o depoimento das testemunhas E…, G… e H…, no
no local, não agrediu novamente a ofendida; afirmou que a ofendida não atirou qualquer sentido de que o arguido desferiu, sem mais, tal pancada na ofendida são contrariados
saco, garrafa de água ou pedra na direcção do arguido; afirmou que, perante tal situação, pelo depoimento da testemunha E… – esta testemunha, cujo depoimento se revelou
não teve qualquer reacção, assim como a testemunha E…; referiu-se ao estado físico e consistente e desapaixonado, ao contrário das restantes testemunhas, que revelaram, à
emocional da ofendida decorrente da actuação do arguido; evidência, o “tomar as dores da ofendida” e a animosidade contra o arguido, referiu que a
- no depoimento da testemunha E…, que afirmou que, quando se encontrava a conversar ofendida se dirigiu ao arguido e, com o saco que trazia na mão, tipo lancheira, foi-se
com a ofendida, esta, ao ver o arguido a passar, disse “é este o ladrão, é este que me aproximando deste, encostando tal saco ao seu peito, sendo que o arguido se foi
bate”, motivo pelo qual interpelou o arguido, tendo este respondido que tal não era afastando e a ofendida sempre no seu encalço e que, quando se tinham distanciado
verdade e que a ofendida é maluca; afirmou que, então, a ofendida se dirigiu ao arguido cerca de 15 metros, o arguido desferiu a referida pancada na ofendida com o guarda-
e, com o saco que trazia na mão, tipo lancheira, foi-se aproximando deste, encostando tal chuva;
saco ao seu peito, sendo que o arguido se foi afastando e a ofendida sempre no seu - assim, da conjugação de toda a prova produzida em julgamento com as regras da
encalço; quando se tinham distanciado cerca de 15 metros, o arguido desferiu uma experiência, logrou o Tribunal formar a convicção de que, nas apontadas circunstâncias
pancada de cima para baixo com o cabo do guarda-chuva que trazia consigo, o qual se de tempo e lugar, a ofendida, ao ver o arguido a aproximar-se, dirigindo-se às pessoas
encontrava fechado, tendo atingido a ofendida nos lábios, não sabendo se a atingiu na que a acompanhavam, afirmou “é este o ladrão, é este que me bate”, ao que o arguido
mão ou no braço; afirmou que, após, o arguido prosseguiu o seu caminho; referiu não ter retorquiu “é mentira, ela é que é maluca”, tendo, então, a ofendida se dirigido ao arguido,
visto a ofendida a atirar na direcção do arguido qualquer garrafa de água ou pedra; dele se aproximando com uma saca, tipo lancheira, na mão, encostando-a ao peito
- no depoimento da testemunha G…, que afirmou que, quando se dirigia para a paragem daquele por diversas vezes, sendo que, de todas as vezes, o arguido dela se ia
de autocarros existente no local, após ter vindo de casa da ofendida e ter constatado que afastando, continuando a ofendida a dele se aproximar, enquanto proferia a expressão
a mesma lá não se encontrava, apesar de terem combinado aí se encontrar para lhe levar “és tu, és tu”, sendo que o arguido, que trazia consigo um guarda-chuva que, na altura, se
um medicamento, viu a ofendida a conversar com as testemunhas D… e E…, tendo visto encontrava fechado, com o respectivo cabo vibrou uma pancada de cima para baixo,
o arguido a desferir naquela uma pancada, de cima para baixo, com o cabo do guarda- atingindo, assim, a ofendida na boca e na mão direita, agindo com o propósito,
chuva que trazia, o qual se encontrava fechado, atingindo-a nos lábios, não sabendo se concretizado, de a ofender corporalmente, tendo agido livre e conscientemente e
também a atingiu no braço ou na mão; afirmou que o arguido tentou novamente agredir a sabendo a sua conduta proibida e punida por lei;
ofendida com tal guarda-chuva, não o tendo feito por ter sido interpelado por um vizinho - da conjugação de toda a prova produzida em julgamento com as regras da experiência,

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não logrou o Tribunal formar a convicção de que, em consequência da conduta do (…) à frente da aqui assistente no intuito de a afastar e fazer com que esta cessa[s]se a
arguido, a ofendida viva aterrorizada com a possibilidade de ser novamente agredida por agressão e as injúrias” [conclusão XXXIX]. Ou seja: “brandiu” o guarda-chuva e ao
aquele, tenha medo de sair de casa, não faça uma vida normal e tenha sentido vergonha, brandi-lo… causou à assistente as lesões descritas no ponto F) dos Factos Provados.
humilhação e vexame; Não nega, em absoluto, a ação praticada. Que o recorrente desferiu com o guarda-chuva
- no doc. de fls. 203 (CRC do arguido). uma pancada na assistente é facto (também) reconhecido pelas testemunhas D…, E…,
(…)» G… e H…. Pelo que, nesta parte, improcede a impugnação.
16. A segunda parte da impugnação prende-se com o aditamento de um facto que dê
II – FUNDAMENTAÇÃO conta que o arguido só desferiu a pancada referida para afastar a assistente e, assim,
7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir fazer cessar a agressão que esta, no momento, lhe dirigia.
as seguintes questões: 17. Aqui, o recorrente tem razão. Segundo a sentença, o depoimento da testemunha E…
● Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; foi o mais consistente e desapaixonado [ver Motivação]. Tanto assim que a linha
● Violação do princípio in dubio pro reo; essencial da dinâmica dos factos dados como provados é a que resulta do seu
● Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto; depoimento, corroborada, em muitos aspetos, pela restante prova testemunhal e
● Legítima defesa e da retorsão. documental. Do depoimento desta testemunha resulta, com clareza, que a assistente se
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada dirigiu ao arguido proferindo determinadas expressões de cariz insultuoso e que o obrigou
8. O recorrente alega que a sentença, ao não dar como provado que “o arguido apenas a recuar, encostando-lhe ao peito, por diversas vezes, um saco [pontos C) e D)]. Até que,
usou o guarda-chuva para fazer cessar a actuação ilícita da assistente, como resultado quando já tinha recuado cerca de 15 metros, o arguido lhe desferiu a pancada com o
depoimento da testemunha E…” incorre no vício da insuficiência para a decisão da guarda-chuva [ponto E)]. E esclarece a testemunha E…, em depoimento sereno e
matéria de facto provada, previsto pela alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Cód. Proc. pormenorizado: “(…) ela sempre assim, com a mão na saca e ele sempre a andar e ele
Penal [conclusão XLIII]. quando lhe dá com o guarda-chuva já foi no meio da rua. Porque ela foi sempre fazendo
9. Não tem razão. Em primeiro lugar, não é pelo facto de uma testemunha “afirmar” algo aquilo e ele foi sempre desviando, ele chegou a um ponto que lhe deu com o guarda-
que tal se converte em matéria provada. É necessário verificar a credibilidade que o chuva [2’] (…) ele bateu-lhe com o guarda-chuva, a meu ver (eu estou aqui para dizer a
tribunal atribui a essa testemunha e, sobretudo, confrontar a totalidade do depoimento verdade) foi para ele se defender com o guarda-chuva. É que ela tanto insistiu em lhe dar
prestado com as restantes provas produzidas. É essa súmula criteriosa, assente numa com o saco, ao cimo da rua, porque aquilo é a subir, ao cimo da rua foi que lhe deu com o
lógica de razoabilidade comum, que constitui a decisão do tribunal. guarda-chuva [3’30’’] (…) ele chegou ao cimo da rua ela não o largava ele deu-lhe com o
10. Por outro lado, como se tem afirmado, de forma reiterada e uniforme, este vício não guarda-chuva (…) [Defensor: Para a afastar?] Com certeza ou para se defender [15’15’’].
se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, nem com a 18. A forma como o arguido reagiu à atuação da assistente, recuando e procurando evitar
divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em o confronto direto dá consistência à ideia de que ele desferiu a pancada com o guarda-
audiência e a convicção que o tribunal firmou [AcRP 10.12.2003]. A insuficiência para a chuva para que se defender e para a obrigar a cessar tal comportamento. Assim, ao
decisão da matéria de facto provada tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si abrigo do disposto no artigo 431.º, alínea b), do Cód. Proc. Penal, determina-se a
ou conjugada com as regras da experiência [artigo 410.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Cód. modificação do ponto G) dos Factos Provados que passa a ter a seguinte redação: Ao
Proc. Penal] e traduz-se na exiguidade [insuficiência] dos factos provados para as atuar do modo descrito, o arguido agiu com o propósito de se defender da assistente e de
conclusões jurídicas que deles se extraem: verifica-se quando a solução de direito, seja fazer cessar o comportamento desta, descrito em C) e D).
ela condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro e bastante nos elementos de Legítima defesa e excesso de legítima defesa
facto dados como provados [nesse sentido, v.g., o Ac.STJ de 22-04-2004, in CJ-STJ, Ano 19. Apoiado no enquadramento factual resultante da modificação da factualidade
XII, tomo II, pp. 166-167; e, desta Relação, entre os mais recentes, AcRP de 24/2/2010, provada, o recorrente sustenta que o facto não é punível uma vez que atuou em legítima
AcRP de 10/2/2010, AcRP de 13/1/2010, AcRP de 18/11/2009, AcRP de 21/1/2009, AcRP defesa [conclusão LIX]: “embateu o mesmo [guarda-chuva] na face da assistente, tendo o
de 1/10/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt]. arguido admitido o seu uso unicamente com o propósito de se defender e afastar a
11. No caso presente, a decisão final de condenação do recorrente apoia-se no quadro assistente assim como a testemunha E…, mas nunca com a intenção de atingir a
factual dado como provado que se revela cabal e suficiente para a impor. Pelo que integridade física da assistente [conclusão LVII].
improcede este primeiro fundamento do recurso. 20. A Lei diz que não é ilícito – e portanto, não é punível – o facto praticado em legítima
Violação do princípio in dubio pro reo defesa [artigo 31.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Cód. Penal]. E elucida com precisão: “Constitui
12. Diz o recorrente que a sentença recorrida violou o princípio in dubio pro reo legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e
[conclusão XLII]. Volta a não ter razão. Como também tem sido dito, repetidas vezes, a ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros” [artigo 32.º, do
violação do princípio in dubio pro reo ocorre quando, após a produção e a apreciação dos Cód. Penal].
meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida 21. A legítima defesa é encarada como uma forma primitiva de reação contra o injusto
razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, decida “contra” o arguido. Não se baseada numa exigência natural, aceite pela consciência jurídica coletiva, de reação
trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese sugerida pela instintiva que leva o agredido a repelir a agressão a um bem jurídico, seu ou de terceiro,
apreciação da prova feita pelo recorrente, mas de uma dúvida assumida pelo próprio com a lesão de um bem do agressor. A legítima defesa corresponde, pois, ao impulso
julgador. Assim, haverá violação do princípio in dubio pro reo se for manifesto que o para a defesa dos bens jurídicos perante uma agressão a que o Estado, de imediato, não
julgador, perante essa dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que pode socorrer. Nessa medida, dá expressão ao princípio de autoproteção individual e a
o desfavorece [Ac. STJ de 27.5.2010 e de 15-07-2008; e Ac.RP de 22.6.2011, valores de cidadania e de solidariedade na preservação do Direito e na defesa dos bens
17.11.2010, 2.12.2009, 9.9.2009 e de 11.1.2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt]. jurídicos [teses defendidas, de formas distintas, por Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte
13. Ora, em momento algum a decisão impugnada revela que o tribunal recorrido tenha Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo I, 2ª ed., pág. 405 e
experimentado uma hesitação ou indecisão em relação a qualquer facto. Bem pelo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais – Teoria Geral do
contrário, afirma convictamente a matéria dada como provada. E do conhecimento que Crime, 2ª ed., pág. 354].
sobre tal decisão tomámos, concluímos que a mesma é linear e objetiva, cumpre os 22. Na averiguação concreta sobre se uma conduta deve ou não ser considerada como
pressupostos decorrentes do princípio da livre apreciação da prova [art. 127.º, do CPP] e tendo sido praticada em legítima defesa são tidos em conta requisitos da situação de
não acolhe espaço para dúvidas ou incertezas relevantes. Com o que improcede este legítima defesa (comportamento agressivo, atualidade e ilicitude da agressão) e
segundo fundamento do recurso. requisitos da ação de defesa (necessidade do meio, necessidade da defesa e animus
Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto defendendi) [sistematização seguida pelo Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 408 e
14. O recorrente impugna a decisão de dar como provados os factos constantes dos 418].
pontos C), G) e H). Para tanto, invoca as suas próprias declarações, em audiência de 23. Recuperamos, então, o essencial da matéria de facto provada (já com a alteração
julgamento e o depoimento da já referida testemunha E…, procurando evidenciar que decidida). Foi dado como provado que a assistente, quando viu o arguido aproximar-se,
ficou provado que a atuação do arguido teve como único objetivo “fazer cessar” a disse: “é este o ladrão, é este que me bate”, ao que o arguido retorquiu “é mentira, ela é
agressão da assistente [conclusão XXXIX]. que é maluca” [ponto C) dos Factos Provados]; “Então, a ofendida dirigiu-se ao arguido,
15. Está em causa, por um lado, saber se o arguido desferiu ou não uma pancada com o dele se aproximando com uma saca, tipo lancheira, na mão, encostando-a ao peito
cabo do guarda-chuva, atingindo a assistente na boca e na mão direita. Num notável daquele por diversas vezes, sendo que, de todas as vezes, o arguido dela se ia
esforço semântico, o recorrente admite que “brandiu o guarda-chuva que trazia consigo afastando, continuando a ofendida a dele se aproximar, enquanto proferia a expressão

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19/04/24, 16:38 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 19/04/24, 16:38 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
“és tu, és tu” [ponto D)]; a agressão com o guarda-chuva acabou por ocorrer “quando Penal. O que se passou foi que, a uma atividade inócua do ponto de vista criminal, o
distavam cerca de 15 metros do local onde se encontraram (…)” [ponto E)], tendo o recorrente respondeu com a prática de um crime.
arguido atuado “com o propósito de se defender da assistente e de fazer cessar o 33. Há, aliás, uma clara incoerência ao invocar a retorsão a par da legítima defesa. A
comportamento desta descrito em C) e D)” [ponto G]; “Em consequência da conduta do legítima defesa e a retorsão são realidades incompatíveis [AcRP, de 10.10.2012, Eduarda
arguido, sofreu a ofendida solução de continuidade localizada na metade direita do lábio Lobo].
superior, com 1cm de comprimento; solução de continuidade localizada na metade direita 34. A segunda nota, para rejeitar a estranha argumentação do recorrente em defesa da
do lábio inferior, com 1cm de comprimento; equimose de coloração arroxeada localizada dispensa da pena, sustentando que só com o trânsito em julgado da sentença se poderia
no dorso da mão direita e face dorsal da falange proximal do 3º dedo da mão direita, com concretizar a reparação dos danos causados. Não é isso que a alínea b) do artigo 74.º do
4cm por 4cm de maiores dimensões; escoriação com crosta, localizada na face dorsal da Cód. Penal diz, ao estabelecer que o tribunal pode declarar o arguido culpado mas não
articulação metacarpofalângica do 2º dedo da mão direita, com 0,5cm por 0,5cm de aplicar qualquer pena se “o dano tiver sido reparado”. O que se compreende: não faria
maiores dimensões; escoriação com crosta localizada na face dorsal da falange proximal sentido dar como verificada a reparação do dano “pressupondo” ou “com base na
do 2ºdedo da mão direita, com 0,5cm por 0,5cm de maiores dimensões, lesões essas que suposição” de que o arguido se prestará a indemnizar o lesado depois de conhecida e
demandaram, para a respetiva cura clínica, 15 dias de doença, com afetação da transitada a decisão condenatória.
capacidade de trabalho geral por um dia e, como consequências permanentes, cicatrizes 35. Com o que improcedem ambas as argumentações.
de pequenas dimensões ao nível dos lábios, não desfigurantes e que tenderão a atenuar A responsabilidade pela taxa de justiça
com o decorrer do tempo” [ponto F]. Sem tributação – provimento parcial do recurso [artigo 513.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal].
24. Perante estes factos estamos em condições de afirmar que a conduta do arguido se
inscreve no quadro da atuação em legítima defesa. Na verdade, a ação da assistente, III – DISPOSITIVO
dirigindo-lhe as expressões injuriosas e enfrentando-o com o saco que lhe encostou ao Pelo exposto, os Juízes acordam em:
peito, obrigando-o a recuar, configura uma investida, um ataque – no sentido de violência ● Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido C… e revogam a
exercida sobre a pessoa [ver nosso acórdão de 12.1.2011] – um gesto molestador [AcRL sentença na parte em que fixou a pena de multa, condenando-o na pena de
12.4.2011 (Jorge Gonçalves), in www.dgsi.pt] e corresponde à noção de agressão atual admoestação. No mais, mantém-se o decidido.
e ilícita. Agressão, na medida em que é um comportamento agressivo que lesa e põe em Sem tributação.
perigo interesses do defendente [direito ao bom nome, à integridade física e à liberdade [Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]
de circulação]; atual, na medida em que ainda persiste; e ilícita, uma vez que atinge
objetivamente a ordem jurídica em função do seu resultado [“[P]odem, por conseguinte, Porto, 12 de dezembro de 2012
repelir-se em legítima defesa agressões violadoras não apenas do direito penal, mas Artur Manuel da Silva Oliveira
também do direito civil, do direito de mera ordenação social, do direito constitucional, etc.” José Joaquim Aniceto Piedade
– Figueiredo Dias, ob cit., pág. 414].
25. Quanto aos requisitos da ação de defesa (necessidade do meio, necessidade da
defesa e animus defendendi): julgamos verificados a necessidade da defesa, face à
insistência e persistência da assistente e o animus defendendi, ou vontade de se
defender [ponto G] – elemento que a jurisprudência vem reafirmando como necessário à
verificação da legítima defesa [ver AcRG de 27.9.2010, Nazaré Saraiva].
26. Já a necessidade do meio utilizado para repelir a agressão não ficou demonstrada.
Temos presente que a assistente tem 74 anos de idade [ponto N] e que o seu
comportamento, apesar de determinado e quase compulsivo, ainda assim, não
representava um potencial de ofensa e de lesão que justificasse a necessidade do uso de
um instrumento contundente (guarda-chuva) com que o arguido lhe vibrou a pancada na
face. Estamos seguros que o simples gesto de repelir a aproximação da assistente seria
suficiente para pôr fim à sua investida.
27. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2011 [Cons.
Isabel Pais Martins]: “IV - A justificação pressupõe, ainda, a necessidade da defesa e
que, na ação de defesa, seja usado o meio necessário. Necessário é todo o meio idóneo
para deter a agressão e que seja o mais benigno no caso de serem vários os meios
adequados de resposta” [disponível em www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios].
28. Chegamos, pois, à conclusão que há excesso de legítima defesa: os meios de defesa
empregados pelo arguido na legítima defesa foram para além do necessário e como tal, o
facto é ilícito, mas a pena deverá ser especialmente atenuada em resultado da
diminuição da culpa [artigo 33.º, n.º 1, do Cód. Penal].
29. Na síntese que extraímos da lição do Prof. Figueiredo Dias: o uso de meios mais
gravosos para o agressor do que aqueles que teriam sido necessários para a defesa não
impede a afirmação da ilicitude da atuação, pode, todavia, determinar uma diminuição da
culpa e permitir uma atenuação especial da pena ou, inclusivamente, a própria exclusão
da culpa, nos casos em que o excesso dos meios fique a dever-se a “perturbação, medo
ou susto não censuráveis” (artigo 33.º, n.º 2, do Cód. Penal) [ob. cit.].
30. De acordo com o disposto no artigo 73.º, alínea c), do Cód. Penal, em resultado da
atenuação especial da pena, o limite máximo da multa é reduzido de um terço [240 dias],
mantendo-se no mínimo legal [10 dias]. Atenta o diminuto grau da ilicitude do facto, a
inexistência de antecedentes criminais e as condições pessoais do agente e a sua
situação económica, julgamos justa e adequada a pena de admoestação [artigo 60.º, do
Cód. Penal].
31. Esta pena será executada pelo tribunal recorrido [artigo 497.º, n.º 1 e 3, do Cód. Proc.
Penal].
32. A terminar, duas breves referências. A primeira, relacionada com a figura da retorsão,
que o recorrente invoca na motivação [conclusão LXXII]. Sem razão. A retorsão
pressupõe uma reciprocidade de ofensas, coisa que não se verificou. Como vimos, a
atividade da assistente não constitui crime, desde logo porque não preenche o elemento
objetivo do crime de Ofensa à integridade física simples, do artigo 143.º, n.º 1, do Cód.

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