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(e-STJ Fl.

261)

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 160991 - SP (2022/0050266-0)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA


RECORRENTE : ALISON DIEGO SANTOS SIMOES (PRESO)
ADVOGADOS : ALAN LUTFI RODRIGUES - SP306685
THIAGO TREFIGLIO ROCHA - SP436978
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário interposto por ALISON DIEGO SANTOS


SIMÕES contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no
julgamento do HC n. 2249854-13.2021.8.26.0000.

O paciente foi preso em flagrante no dia 9 de outubro de 2021, na posse


de cerca de 740g de maconha. A prisão preventiva foi decretada, ensejando a impetração
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de habeas corpus perante a Corte local, aduzindo, em síntese, a desnecessidade da


custódia e ausência de fundamentação jurídica suficiente para justificar sua manutenção.

O Tribunal de origem denegou a ordem (e-STJ, fls. 189-194). Neste


recurso ordinário (e-STJ, fls. 199-217), a defesa argumenta que a prisão em flagrante é
nula, pois a prova teria sido obtida de maneira ilícita a partir do ingresso forçado de
policiais no interior de sua residência. além disso, assevera ser desnecessária a custódia
cautelar, que pode ser substituída por medidas diversas, nos termos do art. 319 do Código
de Processo Penal.

Diante disso, requer, liminarmente, a revogação da prisão preventiva,


com eventual imposição de cautelares menos restritivas, e, no mérito, que se reconheça a
ilicitude das provas obtidas mediante ingresso forçado em domicílio e que seja trancada a
ação penal movida em desfavor do recorrente.

O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 244-246).

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento deste recurso


(e-STJ, fls. 251-259).

É o relatório. Passo a decidir.

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(e-STJ Fl.262)

O presente recurso é tempestivo e atende aos demais requisitos formais


para o seu conhecimento, razão pela qual passo ao exame do mérito.

O recorrente busca obter provimento judicial favorável ao trancamento


da Ação Penal n. 1506756-34.2021.8.26.0577, ajuizada perante a 4ª Vara Criminal de
São José dos Campos, destinada a apurar a suposta prática do crime de tráfico de drogas
por parte do ora recorrente.

O pedido de trancamento se sustenta na falta de justa causa para o


prosseguimento da ação penal, tendo em vista que as provas de materialidade e autoria
foram obtidas mediante entrada forçada de policiais no domicílio do recorrente.

No caso concreto, o recorrente foi abordado por policiais militares, que,


ao realizarem busca pessoal, encontraram 33 invólucros contendo maconha. Em seguida,
os agentes se dirigiram à residência do custodiado, onde encontraram mais três invólucros
contendo maconha, totalizando 746g de entorpecente.

A disciplina legal a respeito da busca pessoal exige fundada suspeita de


que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito, ou, ainda, quando a medida for determinada no curso de busca
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domiciliar.

Por fundada suspeita, entende-se a desconfiança alicerçada em elementos


fáticos plausíveis e reais, não podendo se sustentar unicamente na avaliação subjetiva dos
agentes policiais, sujeitos à toda sorte de preconceitos e estigmatizações, pelos mais
diversos motivos. A presença de elementos concretos, tangíveis e demonstráveis é
exigida em razão da garantia constitucional de proteção à privacidade e à intimidade e
também justifica a exigência de prévias e fundadas razões para mitigar a garantia de
inviolabilidade domiciliar, também de índole constitucional.

Não se admite, portanto, que a polícia realize abordagens e revistas de


natureza exploratória, amparadas unicamente no tirocínio dos agentes públicos, sem
qualquer justificativa e sem amparo em elementos ou circunstâncias fáticas antecedentes
que deem suporte ao procedimento invasivo.

O caso narrado nestes autos não permite inferir a presença de qualquer


circunstância fática anterior à abordagem policial que a justificasse. Conforme
mencionado no auto de prisão em flagrante, os policiais realizavam patrulhamento de
rotina, na tarde do dia 9 de outubro de 2021, quando avistaram o recorrente trafegando
pela rua, de bicicleta, carregando uma sacola plástica.

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(e-STJ Fl.263)

Ainda que se diga que o recorrente apresentou atitude suspeita, é


impossível extrair dos documentos carreados aos autos quaisquer elementos fáticos que
justifiquem a decisão de realizar a abordagem e a busca corporal. De mais a mais, a mera
referência ao comportamento do abordado, sem explicação que contenha elementos
objetivos e aferíveis acerca das causas da suspeição, não serve de suporte para a
abordagem e a busca pessoal. O posicionamento jurisprudencial tem se alinhado no
sentido de só considerar válida a busca pessoal sem autorização judicial quando os
agentes públicos estiverem diante de fundadas suspeitas, aferíveis objetivamente, de que
alguém oculte consigo arma proibida, coisas achadas ou obtidas por meios criminosos,
instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; ou
objetos necessários à prova de infração, na forma do disposto no § 2º do art. 240 e no art.
244, ambos do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA


PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO
VAGA DE “ATITUDE SUSPEITA”. INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE
DA PROVA OBTIDA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO
PROVIDO.
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1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou


veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita
(justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a
maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente
justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o
indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou
papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de
se executar a diligência.

2. Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita


a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja
relacionada à “posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito”. Vale dizer, há uma necessária
referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória,
a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e
revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição
genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem
relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga,
por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal. O
art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como
“rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo, com finalidade
preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais
com finalidade probatória e motivação correlata.

3. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de


fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e
impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira

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clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio


policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em
elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude
ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão
corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de
“fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP.

4. O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos –


independentemente da quantidade – após a revista não convalida a
ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento “fundada
suspeita de posse de corpo de delito” seja aferido com base no que se
tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a
pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou
papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a
mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista
do indivíduo, justifique a medida.

5. A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta


na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das
demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem
prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s)
que tenha(m) realizado a diligência.

6. Há três razões principais para que se exijam elementos sólidos,


objetivos e concretos para a realização de busca pessoal – vulgarmente
conhecida como “dura”, “geral”, “revista”, “enquadro” ou “baculejo” –,
além da intuição baseada no tirocínio policial:

a) evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a


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restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade,


à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da Constituição Federal),
porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora –
mesmo se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre
ocorre –, também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves
instantes;

b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto


possa ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade
controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que
se inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos,
intangíveis e não demonstráveis;

c) evitar a repetição – ainda que nem sempre consciente – de práticas que


reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o
caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural.

7. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o


policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e
considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos
por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social,
local da residência, vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de
justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes
públicos –– diante da discricionariedade policial na identificação de
suspeitos de práticas criminosas – pode fragilizar e tornar írritos os
direitos à intimidade, à privacidade e à liberdade.

8. “Os enquadros se dirigem desproporcionalmente aos rapazes negros

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moradores de favelas dos bairros pobres das periferias. Dados similares


quanto à sobrerrepresentação desse perfil entre os suspeitos da polícia são
apontados por diversas pesquisas desde os anos 1960 até hoje e em
diferentes países do mundo. Trata-se de um padrão consideravelmente
antigo e que ainda hoje se mantém, de modo que, ao menos entre os
estudiosos da polícia, não existe mais dúvida de que o racismo é
reproduzido e reforçado através da maior vigilância policial a que é
submetida a população negra”. Mais do que isso, “os policiais tendem a
enquadrar mais pessoas jovens, do sexo masculino e de cor negra não
apenas como um fruto da dinâmica da criminalidade, como resposta a
ações criminosas, mas como um enviesamento no exercício do seu poder
contra esse grupo social, independentemente do seu efetivo engajamento
com condutas ilegais, por um direcionamento prévio do controle social na
sua direção” (DA MATA, Jéssica, A Política do Enquadro, São Paulo:
RT, 2021, p. 150 e 156).

9. A pretexto de transmitir uma sensação de segurança à população, as


agências policiais – em verdadeiros "tribunais de rua" – cotidianamente
constrangem os famigerados “elementos suspeitos” com base em
preconceitos estruturais, restringem indevidamente seus direitos
fundamentais, deixam-lhes graves traumas e, com isso, ainda prejudicam
a imagem da própria instituição e aumentam a desconfiança da
coletividade sobre ela.

10. Daí a importância, como se tem insistido desde o julgamento do HC


n. 598.051/SP (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI, 6ª T., DJe
15/3/2021), do uso de câmeras pelos agentes de segurança, a fim de que
se possa aprimorar o controle sobre a atividade policial, tanto para coibir
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práticas ilegais, quanto para preservar os bons policiais de injustas e


levianas acusações de abuso. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é
pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635
("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o
Pretório Excelso – em sua composição plena e em consonância com o
decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP – reconheceu a
imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e
determinou, entre outros pontos, que "o Estado do Rio de Janeiro, no
prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS
e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas
dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos
respectivos arquivos".

11. Mesmo que se considere que todos os flagrantes decorrem de busca


pessoal – o que por certo não é verdade –, as estatísticas oficiais das
Secretarias de Segurança Pública apontam que o índice de eficiência no
encontro de objetos ilícitos em abordagens policiais é de apenas 1%; isto
é, de cada 100 pessoas revistadas pelas polícias brasileiras, apenas uma é
autuada por alguma ilegalidade. É oportuno lembrar, nesse sentido, que,
em Nova Iorque, o percentual de “eficiência” das stop and frisks era de
12%, isto é, 12 vezes a porcentagem de acerto da polícia brasileira, e,
mesmo assim, foi considerado baixo e inconstitucional em 2013, no
julgamento da class action Floyd, et al. v. City of New York, et al. pela
juíza federal Shira Scheindlin.

12. Conquanto as instituições policiais hajam figurado no centro das


críticas, não são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os

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(e-STJ Fl.266)

integrantes do sistema de justiça criminal façam uma reflexão conjunta


sobre o papel que ocupam na manutenção da seletividade racial. Por se
tratar da “porta de entrada” no sistema, o padrão discriminatório salta aos
olhos, à primeira vista, nas abordagens policiais, efetuadas
principalmente pela Polícia Militar. No entanto, práticas como a
evidenciada no processo objeto deste recurso só se perpetuam porque, a
pretexto de combater a criminalidade, encontram respaldo e chancela,
tanto de delegados de polícia, quanto de representantes do Ministério
Público – a quem compete, por excelência, o controle externo da
atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal) e o papel de
custos iuris –, como também, em especial, de segmentos do Poder
Judiciário, ao validarem medidas ilegais e abusivas perpetradas pelas
agências de segurança.

13. Nessa direção, o Manual do Conselho Nacional de Justiça para


Tomada de Decisão na Audiência de Custódia orienta a que:
"Reconhecendo o perfilamento racial nas abordagens policiais e,
consequentemente, nos flagrantes lavrados pela polícia, cabe então ao
Poder Judiciário assumir um papel ativo para interromper e reverter esse
quadro, diferenciando-se dos atores que o antecedem no fluxo do sistema
de justiça criminal".

14. Em paráfrase ao mote dos movimentos antirracistas, é preciso que


sejamos mais efetivos ante as práticas autoritárias e violentas do Estado
brasileiro, pois enquanto não houver um alinhamento pleno, por parte de
todos nós, entre o discurso humanizante e ações verdadeiramente
transformadoras de certas práticas institucionais e individuais,
continuaremos a assistir, apenas com lamentos, a morte do presente e do
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futuro, de nosso país e de sua população mais invisível e vulnerável. E


não realizaremos o programa anunciado logo no preâmbulo de nossa
Constituição, de construção de um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos.

15. Na espécie, a guarnição policial "deparou com um indivíduo


desconhecido em atitude suspeita" e, ao abordá-lo e revistar sua
mochila, encontrou porções de maconha e cocaína em seu interior, do
que resultou a prisão em flagrante do recorrente. Não foi
apresentada nenhuma justificativa concreta para a revista no
recorrente além da vaga menção a uma suposta “atitude suspeita”,
algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a jurisprudência
deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.

16. Recurso provido para determinar o trancamento do processo.

(RHC 158.580/BA, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta


Turma, julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022) – Negritei.

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM


FLAGRANTE. BUSCA PESSOAL. INVASÃO DE DOMICÍLIO.
ILICITUDE DAS PROVAS. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES.
JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO

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(e-STJ Fl.267)

ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Considera-se ilícita a busca pessoal e domiciliar executada sem a


existência da necessária justa causa para a efetivação da medida
invasiva, nos termos do art. 240 do CPP, bem como a prova dela
derivada, não sendo razoável considerar que o nervosismo do
acusado ao avistar a autoridade policial, por si só, enquadre-se na
excepcionalidade da revista pessoal ocorrida em seguida.

2. O que veio depois, em termos de suposta permissão de entrada no


domicílio, deixa de ter relevância penal, porque não constatado
adredemente o caso flagrante delito a que se refere a Constituição (art. 5º,
XI), que precisa ter eficácia sob pena de tornar-se letra morta, ou um
pedaço de papel (Konrad Hesse).

3. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa


para autorizar a medida invasiva, deve ser reconhecida a ilegalidade por
ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do
art. 157, caput e § 1º, do CPP.

4. Concessão do habeas corpus. Declaração de nulidade da apreensão da


droga. Absolvição do paciente em relação ao delito previsto no art. 33,
caput, da Lei n. 11.343/2006 (art. 386, II e VII - CPP).

Efeito extensivo em relação ao corréu (art. 580 - CPP). Expedição de


alvará de soltura, se por outro motivo não estiverem presos.

(HC 704.803/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador


convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe
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7/4/2022) – Negritei.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM


HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE
DA BUSCA PESSOAL REALIZADA NO RÉU. ILICITUDE DAS
PROVAS. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA
NÃO VERIFICADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.

1. Considera-se ilícita a busca pessoal e domiciliar executada sem a


existência da necessária justa causa para a efetivação da medida
invasiva, nos termos do art. 240 do CPP, bem como a prova dela
derivada, não sendo razoável considerar que o nervosismo do
acusado ao avistar a autoridade policial, por si só, enquadre-se na
excepcionalidade da revista pessoal ocorrida em seguida (HC
680.214/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador
convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 14/10/2021,
DJe de 5/11/2021).

2. Na hipótese, não houve a indicação de nenhum dado concreto e


objetivo sobre a existência de justa causa para autorizar a busca
pessoal, visto que a simples existência de denúncia anônima sobre o
deslocamento de pessoas para o local dos fatos no intuito de
exercerem a venda de drogas, bem como o fato de que o suspeito
aparentava suposto nervosismo diante da aproximação dos policias
(parâmetro subjetivo dos agentes policiais), não constituem

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(e-STJ Fl.268)

fundamento idôneo para autorizar a busca pessoal, o que impõe o


reconhecimento da ilicitude da prova obtida com a medida invasiva,
bem como das provas dela derivadas.

3. Agravo regimental do Ministério Público Federal a que se nega


provimento.

(AgRg no AgRg no HC 706.522/SP, Rel. Ministro REYNALDO


SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe
25/2/2022) – Negritei.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE


DROGAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. PROVA ILÍCITA.
OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS IDÔNEOS PARA
A BUSCA PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE
DESENTRANHEMENTO. PARECER FAVORÁVEL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DECISÃO MANTIDA.

Conforme jurisprudência consolidada no âmbito deste Superior Tribunal


de Justiça, "Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá
de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa
esteja na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo
de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar" (AgRg no AREsp n. 1.403.409/RS, Sexta Turma, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe de 4/4/2019).

Agravo regimental desprovido.


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(AgRg no REsp 1.928.223/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta


Turma, julgado em 25/5/2021, DJe 4/6/2021)

Seguindo a mesma ordem de ideias, qual seja, a necessidade de


circunstâncias factuais antecedentes que, por fornecerem elementos seguros acerca da
prática criminosa, justifiquem a decisão de mitigar uma garantia constitucional, não há
como ser reconhecida a licitude da busca domiciliar.

Isto porque, no caso apresentado, a busca domiciliar decorreu da


abordagem policial em via pública que, como já mencionado, não foi amparada por
quaisquer elementos objetivos que justificassem a decisão de realizar a busca pessoal.

Assim, não é possível extrair os motivos que levaram os policiais à


decisão de entrar na casa do recorrente. Não há qualquer elemento indiciário obtido
licitamente que justifique a tomada da decisão nem informações a respeito de
investigações mínimas para constatar a prática do crime de tráfico de drogas.

Diante disso, constata-se que deve prevalecer, neste caso, o entendimento


no sentido de que o ingresso de policiais na residência é permitido apenas quando os
agentes tiverem, antes de qualquer providência, a certeza da presença de causa provável

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(e-STJ Fl.269)

que autorize a medida, o que não se verifica no caso.

A mera suspeita autoriza, em linhas gerais, a observação do local, como


forma de recolher outros elementos sobre a existência do delito ali apurado. Nesse caso,
se demonstrada a existência de fundadas razões acerca da situação de flagrante,
autorizados estão os policiais a ingressar no imóvel.

No ponto, destaco os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INGRESSO


FORÇADO NA RESIDÊNCIA A PARTIR DE DENÚNCIA ANÔNIMA.
POSSÍVEL ILEGALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE
DROGAS ILÍCITAS. QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIAS
APREENDIDAS COMO ÚNICO ELEMENTO ADOTADO PARA
AFERIR O PERICULUM LIBERTATIS. INIDONEIDADE. AGRAVO
REGIMENTAL DO MPF NÃO PROVIDO.
1. Conforme registrado na decisão ora impugnada, que nesta
oportunidade se confirma, estava configurada a ilegalidade flagrante
que autoriza a excepcional cognição de ofício da matéria posta nestes
autos.
2. Consta que policiais ingressaram na residência do ora paciente depois
de receberem denúncia anônima de que ali haveria drogas ilícitas; e
constatarem que uma pessoa teria entrado correndo na casa depois de
avistar a viatura.
3. Não se extrai informação de outros indícios de traficância além da
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denúncia anônima ou anteriores à apreensão das drogas, nem de que a


entrada no imóvel tenha acontecido sob a égide de mandado judicial.
4. Em casos análogos, esta Corte tem declarado ilícitas as provas
derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a
denúncia anônima e o fato de alguém "correr depois de avistar policiais"
não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de
fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.
5. Isso porque a sabida permanência do delito de tráfico de drogas
ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso
forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. 5º, XI, da
CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante
delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial.
6. Ainda que assim não fosse, o único indício de periculum libertatis
apontado pelas instâncias ordinárias foi a quantidade de substâncias
apreendidas.
7. Na esteira de incontáveis precedentes desta Corte, a prisão cautelar é
invariavelmente excepcional, subordinando-se à demonstração de sua
criteriosa imprescindibilidade, à luz dos fatos concretos da causa, e não
em relação à percepção do julgador a respeito da gravidade abstrata do
tipo penal.
8. Desse modo, o cometimento do delito, por si só, não evidencia
"periculosidade" exacerbada do agente ou "abalo da ordem pública", a
demandar a sua segregação antes de qualquer condenação definitiva.
9. Sobre o reflexo da quantidade de substâncias apreendidas na prisão
preventiva, colhem-se diversos julgados, de ambas as turmas
especializadas em Direito Penal, dos quais se depreende que
determinadas porções de tóxicos ilegais, ainda que não possam ser

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(e-STJ Fl.270)

consideradas insignificantes, não autorizam, isoladamente, a conclusão


de que o réu apresenta periculum libertatis.
10. A rigor, a quantidade de drogas ilícitas, por si só, não inviabiliza
sequer a configuração do tráfico privilegiado, aquele em que, segundo a
dicção legal, não há dedicação a atividades criminosas.
11. Com efeito, não há notícia de vínculo com organização criminosa nos
autos, tratando-se ainda de réu primário, menor de 21 anos e com
carteira de trabalho assinada, tudo a evidenciar a desproporcionalidade
do cárcere.
12. Por fim, a teor do art. 8º, § 1º, I, "c", e mais explicitamente do art. 4º,
I, "c", ambos da Recomendação/CNJ n.º 62, de 17/3/2020 - a qual foi
editada em resposta à pandemia da COVID-19 -, o reconhecimento de
que o suposto crime em tela não envolve violência ou grave ameaça,
associado ao fato de que a prisão processual dura mais de 90 dias,
reforça a necessidade de relaxamento desta custódia cautelar.
13. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n.º 606.221/MG, de
minha Relatoria, Quinta Turma, DJe de 15/10/2020)

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.


FLAGRANTE. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. TEMA 280/STF. FUGA
ISOLADA DO SUSPEITO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE
DE PROVAS CONFIGURADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO.
1. No RE n.º 603.616/Tema 280/STF, a Suprema Corte asseverou que a
flagrância posterior, sem demonstração de justa causa, não legitima o
ingresso dos agentes do Estado em domicílio sem autorização judicial e
fora das hipóteses constitucionalmente previstas (art. 5º, XI, da CF).
2. Apesar de se verificar precedentes desta Quinta Turma em sentido
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contrário, entende-se mais adequado com a jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal o entendimento que exige a prévia realização de
diligências policiais para verificar a veracidade das informações
recebidas (ex: "campana que ateste movimentação atípica na
residência").
4. Recurso em habeas corpus provido para que sejam declaradas ilícitas
as provas derivadas do flagrante na ação penal n.º 0006327-
46.2015.8.26.0224, em trâmite no Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca
de Guarulhos/SP. (RHC n.º 89.853/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
Quinta Turma, DJe de 2/3/2020).

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE.


DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE.
ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA
POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS
PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. HABEAS
CORPUS CONCEDIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o
ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela
legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno -
quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas
circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no
interior da casa, situação de flagrante delito (RE n.º 603.616/RO, Rel.
Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ,
REsp n.º 1.574.681/RS.
2. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento
ou campanas no local. Não houve, da mesma forma, menção a eventual

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(e-STJ Fl.271)

movimentação de pessoas na residência típica de comercialização de


drogas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e
atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Há apenas a
descrição de que, em razão de o réu não portar nenhum documento de
identificação, o policial militar o acompanhou até a sua residência e
nela ingressou. Aliás, antes disso, o policial, ao se dirigir até o bar,
deparou-se com o paciente, o qual "possuía as mesmas características
passadas pelo informante", de maneira que, até aquele momento, não
havia, portanto, nem sequer certeza de quem era, efetivamente, o
indivíduo denunciado anonimamente - se o paciente ou se terceira
pessoa.
3. Uma vez que não há nem sequer como inferir - de fatores outros que
não a simples notícia anônima de que um indivíduo, procurado pela
justiça, mantinha drogas depositadas em sua casa - que o paciente, de
fato, estivesse praticando delito de tráfico de drogas, ou mesmo outro ato
de caráter permanente, no interior da residência, não há razão séria
para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha
havido posterior descoberta e apreensão, em sua residência (mais
especificamente dentro de um guarda-roupas), de 108 porções de
maconha, uma balança de precisão, duas facas utilizadas para fracionar
entorpecentes e quantia de dinheiro em espécie.
4. Uma vez reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da
medida invasiva, bem como de todas as que delas decorreram, fica
prejudicada a análise das demais matérias aventadas na impetração.
5. Ordem concedida, para reconhecer a ilicitude das provas obtidas por
meio de invasão de domicílio, bem como de todas as que delas
decorreram, e, por conseguinte, absolver o paciente, com fulcro no art.
386, II, do Código de Processo Penal. (HC n.º 502.470/SP, Rel. Ministro
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ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe de 23/9/2019)

Por conseguinte, não obstante a apreensão de entorpecentes na residência


do paciente com base exclusivamente em denúncia anônima, as circunstâncias do caso
não permitem inferir a existência de fundadas razões para justificar as providências
tomadas pelos policiais, as quais culminaram na prisão em flagrante do acusado e na
posterior instauração de ação penal, o que justifica o acolhimento do pleito defensivo.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO
SUPRIMIDA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. BUSCA
DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE
FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. PROVA ILÍCITA.
ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em situação de flagrante
quem estiver cometendo uma infração penal; quem tenha acabado de
cometê-la; quem tiver sido perseguido após a prática delitiva ou
encontrado, logo depois, com objetos, instrumentos ou papéis que façam
presumir ser o autor do crime. E, de acordo com o art. 303 do CPP, nas
infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto
não cessar a permanência. Com efeito, a posse ilegal de arma é crime
permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua

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(e-STJ Fl.272)

residência. Em regra, é absolutamente legítima a entrada de policiais


para fazer cessar a prática do delito, independentemente, portanto, de
mandado judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n.º 280 da
sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE
n.º 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência
policial - denúncias anônimas, afirmações de 'informações policiais'
(pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais
mediante compromisso de não se serem identificadas), por exemplo, e,
em geral, elementos que não têm força probatória em juízo, não servem
para demonstrar a justa causa.
3. Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio
depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas
razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do
direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto
fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de
crime no interior da residência, é que se mostra possível sacrificar o
direito à inviolabilidade do domicílio.
4. No presente caso, em momento algum, foi explicitado, com dados
objetivos e concretos, em que consistiria eventual atitude suspeita por
parte do acusado. Há uma denúncia anônima e o fato de o acusado ter
adentrado rapidamente no hotel em que estava hospedado quando
avistou a viatura. Não existe qualquer referência a prévia investigação, a
monitoramento ou a campanas no local. Os policiais, portanto, não
estavam autorizados a ingressar na residência sem o devido mandado
judicial.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1466216/RS, de
minha relatoria, Quinta turma, DJe 27/5/2019).
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Conforme noticiado no informativo n.º 666 do STJ, entendeu-se que a


existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do
acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o
ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação
judicial (RHC n.º 89.853/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de
2/3/2020).

No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado do Superior Tribunal de


Justiça:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS.
PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
DE ENTORPECENTES. CORRUPÇÃO DE MENORES. ENTRADA EM
DOMICÍLIO SEM ORDEM JUDICIAL E SEM ELEMENTOS MÍNIMOS
DE TRAFICÂNCIA NO LOCAL. PRISÃO PREVENTIVA ILEGAL.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS
PROVIDO. 1. Ainda que esta Sexta Turma tenha admitido como
fundamento para a prisão preventiva a relevante quantidade
entorpecente apreendidos em poder da paciente, tratando-se de 132
pedras de crack, 84 papelotes de cocaína e ainda 26 trouxinhas de
maconha, não foi apontado nenhum elemento idôneo para justificar a
entrada dos policiais na residência da paciente, citando-se apenas a
verificação de denúncias de tráfico de drogas que receberam através do

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(e-STJ Fl.273)

"Disque Denúncia", e a fuga do adolescente. 2. Verifica-se ofensa ao


direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, determinado no art.
5°, inc. XI, da Constituição da República, quando não há referência a
prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das
informações recebidas, não se tratando de averiguação de informações
concretas e robustas acerca da traficância no domicílio violado. 3.
Recurso em habeas corpus provido, para a soltura da recorrente,
TEREZA RODRIGUES, e de ofício determinar o trancamento da Ação
Penal n.º 0001783-23.2016.8.26.0695. (RHC n.º 83.501/SP, Rel. Ministro
NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe de 5/4/2018)

Por conseguinte, configura-se a ilegalidade da diligência policial


realizada sem observância das formalidades legais. Assim, devem ser reconhecidas como
ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão em questão, provas essas que, pelo
que se depreende da leitura dos autos, constituem o único indício de materialidade do
crime imputado.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso ordinário para determinar


o trancamento da Ação Penal n. 1506756-34.2021.8.26.0577, relaxando a prisão cautelar
do paciente, salvo se estiver custodiado por outro motivo.

Intimem-se.
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Brasília, 03 de maio de 2022.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA


Relator

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