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(e-STJ Fl.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 63960 - MG (2020/0170615-7)

RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER


RECORRENTE : HELVECIO MACEDO TEODORO
ADVOGADO : OLDAK PORTUGAL PINHEIRO - MG166229
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança, sem pedido liminar,


interposto por HELVECIO MACEDO TEODORO, contra v. acórdão proferido pelo
eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nestes termos ementado (fls. 179-
188):
“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA -
ANULAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 265,
CAPUT, DO CPP -IMPOSSIBILIDADE -DECISÃO QUE
COMPORTA RECURSO PRÓPRIO -INADEQUAÇÃO DA
VIA ELEITA -AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E
CERTO -NÃO CONHECIMENTO.-O reexame de decisão
que aplicou ao impetrante a multa disposta no artigo 265 do
Código de Processo Penal, por abandono de causa, reclama
a interposição de Correição Parcial, de acordo com o art.
11, XIII, do Regimento Interno do Conselho da
Magistratura.
-Tema pacificado pela Súmula 267 do STF.”
Daí o presente recurso ordinário, no qual a d. Defesa sustenta, em suma, que, “
enfermou-se e, por consequência não pôde comparecer à Sessão Plenária do Júri
designada para o dia 18 de dezembro de 2019, às 09h.Assim, a fim de resguardar os
direitos à ampla defesa de seu cliente e à sua própria saúde, no dia 12 de dezembro de
2019 requereu a redesignação do Júri, uma vez que se encontrava afastado de suas
atividades profissionais por atestado médico” (fl. 198).
Narra que lhe foi aplicada a multa de R$ 30.000,00.
Afirma que o próprio art. 265 do CPP ("Art. 265. O defensor não poderá
abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob
pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais
sanções cabíveis") é uma teratologia.
Aduz a falta de contraditório.
Invoca a inexistência de razoabilidade na fixação do quantum.
Requer, ao fim, a concessão da ordem, para anular a multa.
O d. Ministério Público Federal, à fl. 227, oficiou pelo desprovimento do
recurso, nos termos do r. parecer assim redigido:
“O Ministério Público Federal vem, nos autos do processo em epígrafe,
manifestar-se pelo conhecimento e improvimento do presente recurso. A decisão
impugnada não merece reparos. O writ não foi conhecido sob o fundamento de não ser
passível de mandado de segurança ato judicial impugnável por recurso ou correição, nos

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Publicação no DJe/STJ nº 2996 de 21/09/2020. Código de Controle do Documento: 32e9aa9b-9591-4bd7-b84e-08f8ef8dbcdf
(e-STJ Fl.230)

termos na Súmula 267 do STF.”


É o relatório.
Decido.
Conheço do recurso.
Pretende o recorrente, em síntese, a reforma das decisões proferidas pelas
instâncias ordinárias, que aplicaram a multa processual por abandono de causa, no valor
de R$ 30.000,00, nos termos do art. 265, caput, do Código de Processo Penal.
Para melhor entender a dinâmica dos fatos, aqui, a manifestação do eg.
Tribunal de origem, no v. acórdão acostado, às fls. 179-188:
“Em juízo de admissibilidade, observo a inadequação da via eleita, pois a
decisão contra a qual se insurge o impetrante desafia recurso próprio.
A súmula 267 do STF é taxativa ao dispor que não cabe mandado de
segurança contra ato passível de recurso ou correição, apesar de existir entendimento
jurisprudencial no sentido de uma flexibilização da supramencionada súmula, mas,
apenas, em algumas situações concretas, quando não existir recurso adequado para
evitar dano à parte causado por decisão judicial ilegal, o que não é o caso dos autos.
Extrai-se dos autos que, ao impetrante, a d. autoridade indicada coatora
aplicou multa no importe deR$30.000,00 (trinta mil reais), nos termos do artigo 265 do
CPP, em virtude de sua ausência na sessão plenária do Tribunal do Júri, a qual ocorrera
dia 18 de dezembro de 2019. Dessa decisão, o i. causídico impetrou o presente
mandamus.
O Mandado de Segurança é um dos remédios constitucionais mais
importantes do ordenamento jurídico brasileiro, destinado à proteção de direito líquido e
certo de pessoa física ou jurídica, ameaçado ou violado por ato manifestamente ilegal de
autoridade pública.
[...]
Dessa forma, para a concessão da segurança, ressalta-se que se faz
necessária a comprovação da manifesta ilegalidade ou do abuso de poder do ato
jurisdicional, ofensivo a direito líquido e certo, não bastando argumentação fundada
acerca do periculum in mora e no fumus boni iuris.
Como já mencionado, o Mandado de Segurança não figura como meio
hábil a funcionar como substitutivo de eventual impugnação recursal. Não se presta o
mandamus como remédio para todos os males e, existindo recurso processual próprio
para discussão de ato judicial, afastada está qualquer possibilidade de impugnação pelo
mandado de segurança, sob pena de desvirtuamento de sua finalidade.
Logo, para reformar decisão que aplicou multa prevista no art. 265, do
CPP, deve o impetrante impugná-lo pela via própria, qual seja, a Correição Parcial,
consoante previsão do art. 11, XIII, do Regimento Interno do Conselho da Magistratura.
Realmente, não vislumbro no caso presente o preenchimento de qualquer
das hipóteses que admitem o mandado de segurança, dispondo o ordenamento jurídico
de recurso específico, que não o mandado de segurança, para a impugnação pretendida
pelo impetrante, que tem à sua disposição instituto previsto no Regimento Interno do
Conselho da Magistratura.
Ademais, não vislumbro, in casu, direito líquido e certo violado por ato

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ilegal ou abusivo praticado, a amparar o pleito.


A impetração da ação mandamental busca assegurar direito líquido e
certo, que deve estar ameaçado, ou ainda violado, por ato de autoridade manifestamente
inconstitucional ou ilegal, o que não ocorre nos autos.
Ora, verifica-se que o código processual penal autoriza a aplicação de
multa ao defensor em caso de abandono do feito em seu art. 265:
[...]
Desta feita, tendo a MM Juíza a quo entendido que tal hipótese restou
caracterizada, a questionada decisão não pode ser considerada manifestamente ilegal ou
teratológica.
Não bastasse, tenho que a MM. Juíza de Direito externou
fundamentadamente os motivos para a sua decisão que aplicou a supramencionada
penalidade diante de fatos concretos, não havendo correção a ser efetuada em sede de
mandado de segurança.
Nesse sentido, extraí-se das informações prestadas pela d. autoridade
indicada coatora todos os fundamentos pelos quais adotou tal medida:
[...]
Por tudo isso, NÃO CONHEÇO DA SEGURANÇA pretendida.”
Pois bem.
Inicialmente, diante da existência de medida judicial específica a albergar a
pretensão do recorrente, tem-se que, prima facie, o entendimento consignado pelas
instâncias ordinárias guarda harmonia com a orientação firmada na Súmula 267, pelo
col. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “não cabe mandado de segurança
contra ato judicial passível de recurso ou correição”.
Consoante se extrai das informações, às fls. 184-186:
“(...) “o Dr. Helvécio Macedo Teodoro, OAB/MG 38.771, apresentou
novamente pedido de adiamento da sessão de julgamento, pedido protocolizado após
intimação sobre a revelia, ou seja, em 12/12/2019, SEIS DIAS ANTES DO ATO, ao
fundamento de que encontrava-se enfermo, por patologia que lhe acomete desde atenra
idade, qual seja CID N40. (...) Pois bem, EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR
RELATOR, pasme qual não foi minha surpresa ao receber o pedido de adiamento do
Impetrante que declarou desde a mais tenra idade ter a patologia, patologia esta que
nunca havia informado ao juízo pois é diferente daquela alegada no primeiro pedido do
Impetrante por razões de saúde e que, por coincidência, o defensor do acusado William
Margarida que antecedeu ao Impetrante no processo, o que lamentavelmente teve os
autos subtraídos de seu veículo em uma carga para cópia retida indevidamente, Dr.
Oldak Portugal Pinheiro, OAB/MG 166.229, também era portador e, às vésperas da
sessão plenária, em face da mesma, adiou a sessão por estar impossibilitado de
comparecer ao julgamento, patologia registrada sob CID N40. Somente para fins de
registro, os pedidos de adiamento do impetrante Dr. Helvécio Macedo Teodoro e do Dr.
Oldak Portugal Pinheiro são praticamente o mesmo texto. Como dito e já reconhecido
em acórdão do e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de Relatoria do Eminente
Desembargador Furtado de Mendonça, foram inúmeros os pedidos protelatórios nesse
processo, e mais uma vez contatado pedido nesse sentido, vez que se o Dr. Helvécio
Macedo Teodoro estivesse agindo com o devido zelo e boa-fé, sendo acometido, como

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alegado por ele próprio, desde a mais tenra idade com a patologia indicada, teria
devidamente honrado os poderes conferido, se antecipando no pedido de adiamento ou
até mesmo substabelecendo a outro colega em condições de saúde para proceder o
julgamento, pois o mesmo não poderia ficar paralisado aguardando seu
restabelecimento, motivo pelo qual foi mantida a sessão plenária designada para o dia
18/12/2019, havendo de ser novamente ressaltada a gravidade do delito diante da
eventual motivação preconceituosa e da data de sua ocorrência, 1998. Ademais,
conforme despacho exarado às fls. 1327/1328, os defensores foram devidamente
advertidos que atitudes procrastinatórias ensejariam, em obediência ao princípio
processual da cooperação e boa fé (art. 5º e 6º do CPC, aplicado subsidiariamente ao
processo penal), aplicação de multa, sujeita à majoração no caso de reincidência, bem
como responsabilização criminal a ser apurada e ofício perante a Ordem dos Advogados
do Brasil acerca da conduta ética e profissional, e em que pese essas advertências, de
que a plenitude de defesa hoje se confunde como um “vale tudo”, insistiu o impetrante
na prática de atos já inadmitidos por essa presidente por serem contrários a legalidade,
boa-fé e cooperação processual.” (...) (doc. único fls. 43/45). - grifei
Ocorre que, compulsando os autos, contudo, vislumbro que o causídico
protocolou pedido de adiamento da sessão plenária em 12/12/2019, cerca de uma
semana antes da sua efetiva realização (em 18/12/2019 - fls. 16-20), pedido este que foi
acompanhado do respectivo atestado médico, com data de 12/12/2019 (fl. 15).
Embora zeloso o d. Juízo a quo com a causa e os prazos processuais, não há
nos autos nenhum motivo para que não se dê credibilidade ao atestado médico que
afastara o patrono de suas atividades até data posterior à sessão plenária - que, de
fato, havia sim sido marcada com muita antecedência.
Diante disso, não obstante a total inadequação da via eleita e a conduta
escorreita do d. Juízo a quo ao não remarcar a sessão pelas razões que expôs, até
mesmo porque o réu não estava desassistido, tem-se que o abandono da causa não
restou configurado, pela antecedência do pedido supra, que estava também
acompanhado da documentação hábil.
Assim, sem adentrar a conduta técnica/moral do patrono como um todo e
sem prejuízo de qualquer diligência pela Ordem dos Advogados do Brasil, no caso
concreto, pontualmente, não se vislumbra o abandono da causa apto à aplicação da
multa do art. 265, caput, do CPP.
Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso ordinário em
mandado de segurança para afastar a multa aplicada com amparo no art. 265,
caput, do CPP.
P. I.
Brasília, 18 de setembro de 2020.

Ministro Felix Fischer


Relator

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