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Simone de Beauvoir e violência

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,


psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no
seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e castrado que qualificam de feminino
(BEAUVOIR, 1980, p. 9).

Simone Lucie Ernestine Marie Bertrand de Beauvoir nasceu em Paris, em 1908.


Estudou Literatura e Línguas no Instituto Sainte- Marie e Filosofia na Universidade de
Paris, Sorbonne, onde conviveu com outros jovens intelectuais e, entre eles, Jean-
Paul Sartre. Beauvoir escreveu muitos livros, contribuindo para campos políticos,
psicológicos, literários e outros. Sua obra mais difundida mundialmente foi O Segundo
Sexo, lançada em 1949. Neste livro, Beauvoir nega a ideia de uma natureza feminina
ou de um instinto biológico feminino, contrapondo a este outro conceito de mulher,
construído histórica e socialmente. Para a autora, o que consideramos e nomeamos
como “feminilidade” ou modos de vida das mulheres, são construídos culturalmente e
não características inatas comuns a todas as mulheres.

Do mesmo modo, rejeita a tese de uma natureza inferior da mulher, sendo a sua
submissão ao homem também culturalmente construída. Logo, não por sua natureza,
mas por causa do seu papel histórico e da invisibilidade resultante, é que a mulher
ganha a condição de segundo sexo. Com o termo segundo sexo, ela está dizendo de
um sujeito de direitos de segunda classe, que vem depois do homem. Não importa
quem ela seja, mãe, esposa, amante, a mulher foi e é definida em relação ao homem,
em relação ao “Outro”. Obviamente que a superação dessa situação passaria pelo
desenvolvimento da autonomia da mulher e pela conquista de sua liberdade
econômica. Beauvoir discute em seu livro a condição das mulheres na França pós-
guerra, retratando o cotidiano dessas mulheres, sobretudo no contexto conjugal. É
importante contextualizar, ao mesmo tempo em que é possível identificar a
proximidade dessas análises com o contexto atual no Brasil.

Para Beauvoir (1980), todas as características que tomamos como inatas precisam
ser desconstruídas, na medida em que elas não apenas reconhecem as diferenças
entre os sexos, mas reforçam desigualdades. A marcação das diferenças entre
homens e mulheres tem então servido para atribuir características inferiorizantes às
mulheres e torná-las subalternas. E age também na reafirmação do reconhecimento
dos homens como sujeitos universais e de primeira classe. Para a autora, quando se
ensina às mulheres a serem “maternais”, “dedicadas”, “dóceis”, “passivas”, entre
outras construções que podemos facilmente identificar, ensina-se a submissão e,
portanto, a se aceitar qualquer atitude de opressão e violência dos homens. Aos
homens são ensinados valores opostos, de “força”, “agressividade”, “dominação”. É
importante reconhecer que homens e mulheres são afetados por essas lógicas,
porém precisamos avaliar os efeitos e significados para cada um.
Como Beauvoir diz, o preço pago pelas mulheres é serem reconhecidas como
inferiores e como propriedade dos homens. Desde 1949, Beauvoir já alertava:

As mulheres de hoje estão destronando o mito da feminilidade; começam a


afirmar sua independência; mas não é sem dificuldade que conseguem viver
integralmente sua condição de ser humano. Educadas por mulheres, no seio
de um mundo feminino, seu destino normal é o casamento que ainda as
subordina praticamente ao homem; o prestígio viril está longe de se ter
apagado: assenta ainda em sólidas bases econômicas e sociais. É, pois,
necessário estudar com cuidado o destino tradicional da mulher (BEAUVOIR,
1980, p. 7).

Como seria de se esperar, Simone Beauvoir tornou-se símbolo do Movimento


Feminista e referência para a compreensão da história da mulher. Sua produção
teórica e seus fundamentos constituem contribuições importantes para a discussão e
luta contra a violência de gênero.

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