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Qualidade

Sistemas

Fatores da pré-colheita influenciam


a qualidade final dos produtos
Ben-Hur Mattiuz*

acervo ceagesp

Produção de Mamão Papaya pelo Programa de Modernização da Embrapa; Cruz das Almas, BA, 2002

Um conjunto de diversos fatores da sabor. No entanto, é difícil determinar ambientais, destacam-se a temperatura, a
pré-colheita tem influência decisiva isoladamente a contribuição de cada umidade relativa do ar, a luminosidade,
para que as frutas e hortaliças expres- fator. Normalmente, eles interagem a textura do solo, os ventos e as chuvas.
sem sua qualidade máxima, exercendo de maneira complexa e dependem de Os fatores (ou práticas) culturais estão
forte influência em sua conservação características específicas de cada relacionados principalmente à nutrição
e interferindo em sua respiração, cultivar, e ainda do estádio de desen- mineral, manejo do solo, poda, raleio,
transpiração, composição química, volvimento do produto. Os fatores aplicações de produtos químicos, uso
aparências interna e externa, estrutu- pré-colheita podem ser classificados de porta-enxertos, espaçamento do
ra anatômica, processo degradativo e como ambientais e culturais. Dentre os plantio, irrigação e drenagem.

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Figura 1 | Técnica empregada para melhorar a qualidade de maçãs Gala

Luminosidade acontece o contrário: a técnica de uso Temperatura


A luminosidade é um dos fatores mais de materiais refletivos para aumentar A luminosidade e a temperatura na pré-
importantes, pois está relacionada aos a exposição dessas frutas aos raios colheita e seus efeitos na qualidade
eventos fotossintéticos. Além disso, é solares mostrou-se bastante eficaz na pós-colheita dos frutos não podem ser
vital para o desenvolvimento da maior melhoria de sua coloração (Figura 1). tratados isoladamente, pois altas tem-
parte dos frutos, exercendo grande A qualidade da luz é igualmente peraturas registradas no campo têm uma
influência sobre as qualidades físicas importante, como se pode verificar forte associação com a exposição direta
e químicas dos vegetais. No caso das por meio da formação de pigmentos ao sol. Essa exposição pode elevar a tem-
plantas folhosas, a baixa intensidade antocianínicos em berinjelas, cuja peratura da polpa dos frutos em até 15OC
luminosa faz com que as folhas se tor- coloração arroxeada é conseguida sob acima da temperatura do ar. Os efeitos
nem maiores e mais finas. Em bananas, ondas luminosas de comprimento espe- dessa elevação são proporcionalmente
a baixa luminosidade causa diminuição cífico, compreendido entre as regiões maiores em vegetais que apresentam
do cacho, afetando a qualidade e a con- do azul e do violeta. Em uvas viníferas, pigmentações escuras na epiderme. A
servação na pós-colheita. Em laranjas, o emprego do sistema de condução por temperatura é fator determinante para
a exposição à elevada luminosidade re- espaldeira, apesar de ser menos produ- muitos eventos fisiológicos durante a on-
duz o peso dos frutos, com conseqüente tivo, quando comparado ao sistema de togenia dos vegetais, e está diretamente
aumento dos teores de sólidos solúveis latada, melhora a exposição das bagas relacionada às suas propriedades qua-
e a diminuição da acidez, resultando em à luz e propicia aumento do conteúdo litativas, como o conteúdo de açúcares
frutas de melhor sabor. de sólidos solúveis e antocianinas, nos frutos. Para a maior parte das frutas
A coloração de alguns vegetais tam- desejável ao processo de vinificação e hortaliças, quanto maior a temperatura
bém depende da intensidade da ex- (Figura 2). A exposição excessiva à durante seu período de desenvolvimento,
posição à luz solar. Os tomates, quan- luz também pode provocar desordens maior será a antecipação da colheita.
do sombreados pela própria planta, fisiológicas nos vegetais, como as quei- Em São Miguel d’Arcanjo, SP, onde a
adquirem coloração avermelhada maduras de sol em maçãs, pêras (Figura temperatura média anual é de 20,1OC,
mais pronunciada do que os expostos 3) e abacates, e a podridão estilar, em a duração do ciclo poda/maturação
diretamente à luz. No caso de maçãs, limas ácidas. das videiras Itália é de 232 dias. No

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Qualidade

Figura 2. Condução de uva Cabernet Sauvignon em espaldeira

Município de Petrolina, PE, que registra Vento e porta-enxerto nutrientes ou possibilitando adaptações
uma temperatura de 26,3OC, o ciclo é A alta incidência de ventos, por sua vez, a diferentes condições edafo-climáti-
de apenas 133 dias. Em frutas cítricas, o pode danificar as folhas das hortaliças cas, o que pode viabilizar e ampliar a
gradiente de temperatura entre o dia e a ou causar lesões em frutos novos, devi- exploração de determinadas culturas.
noite favorece a degradação da clorofila do ao atrito provocado entre as partes De acordo com o porta-enxerto usado,
e a síntese de pigmentos carotenóides, da planta. Essas abrasões originam le- os frutos podem sofrer modificações em
conferindo aos frutos coloração alaran- sões que ganham, depois de cicatrizadas, seus aspectos físicos (peso, diâmetro,
jada característica. Já em condições tro- coloração marrom, depreciando a apa- altura, coloração, firmeza) e químicos
picais, onde esse gradiente é pequeno, rência do produto, especialmente em (acidez, teor de sólidos solúveis e índice
os citros permanecem com coloração frutos. Os espinhos de algumas fruteiras
verde (condição favorável ao cultivo podem ocasionar puncturas nos frutos,
de limas ácidas). Trabalhos de pesquisa formando cicatrizes corticosas. Ventos
Figura 3 | Queimadura de sol em pêra
demonstraram que a exposição de frutos também podem causar fendilhamento Williams
a elevadas temperaturas no campo pode nas folhas de bananeiras, o que causa
induzir a produtos com maior capacida- prejuízos ao desenvolvimento normal
de de tolerância às condições da pós- da planta e à qualidade dos frutos, de-
colheita. Abacates Hass expostos à luz vido a comprometimentos do processo
solar demonstraram mais tolerância ao fotossintético.
tratamento térmico (50OC) e ao armaze- Muitas características apresentadas
namento a 0,5OC que abacates expostos pelos frutos na pós-colheita estão tam-
ao sombreamento. Esse efeito é atribu- bém ligadas ao tipo de porta-enxerto e
ído à maior produção de proteínas de à cultivar da copa empregada. O porta-
choque de calor (heat shock protein) no enxerto exerce influência sobre o po-
campo, que promovem tolerância dos tencial vegetativo das copas, tamanho
tecidos vegetais às condições de altas e e qualidade dos frutos, favorecendo ou
baixas temperaturas na pós-colheita. dificultando a absorção de determinados

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de maturação). Programas de melhora- na pós-colheita. Ele tem papel impor- um fator não garante nível equivalente
mento estão constantemente criando tante na manutenção da estrutura das para todos os outros. A recomendação
novas variedades que melhorem a paredes celulares e na permeabilidade da prática de raleio em pêssegos é in-
qualidade dos vegetais. Especialistas das membranas, conferindo resistência teressante para a melhoria dos frutos;
consideram a resistência a doenças uma mecânica aos tecidos, diminuindo a sus- entretanto, à medida que essa prática se
das mais importantes características ceptibilidade ao ataque de patógenos. intensifica, os frutos obtidos tornam-se
varietais a serem incorporadas a frutas Aplicações desse nutriente por meio demasiadamente grandes e mais sensí-
e hortaliças. As doenças diminuem a de calagem ou via foliar são práticas veis a distúrbios fisiológicos no armaze-
qualidade e a conservação pós-colheita amplamente difundidas para a melhoria namento. Esse efeito se dá pela diluição
da maioria dos vegetais, sendo respon- da qualidade dos frutos, minimizando de cálcio nos tecidos dos frutos.
sáveis por uma fatia grande das perdas desordens fisiológicas durante e após o Portanto, não é tarefa fácil alcançar,
ocorridas após a colheita. armazenamento, com eficácia compro- com precisão, nível ótimo para a maior
vada em maçãs e pêras. A pontuação parte dos fatores que afetam o rendi-
Nutrientes amarga (bitter pit) das maçãs, a mancha mento e a qualidade dos frutos e das
Dentre as práticas culturais, a manuten- de cortiça das pêras, o coração negro hortaliças na pós-colheita, assim como
ção do estado nutricional das plantas do aipo, a podridão de fundo preto dos manter interação entre eles. É necessá-
exerce grande influência na qualidade e tomates e as rachaduras das cenouras rio caracterizar bem o sistema de pro-
conservação pós-colheita. Deficiências, são exemplos de desordens fisiológicas dução a ser empregado, direcionando-o
excessos ou desbalanços de nutrientes vinculadas à deficiência de cálcio que ao alcance de qualidades que atendam
são conhecidos por resultarem em de- causam depreciação e perda da qualida- ao destino do produto, que pode ser o
sordens limitantes da conservação de de comercial desses produtos. consumo imediato ou o armazenamen-
várias frutas e hortaliças. Dos nutrientes to de curto, médio e longo prazo; ou,
estudados, o nitrogênio é o que apre- Solos e podas ainda, o processamento. Desse modo,
senta maior efeito individual. Elevados A umidade está relacionada à textura do pode-se eleger o conjunto de medidas
níveis desse nutriente estimulam o solo. Trabalhos mostram antecipação da mais apropriado para cada uma dessas
crescimento vegetativo das plantas, em colheita de frutas cujas árvores foram situações.
detrimento da qualidade dos frutos. Em plantadas em solos mais “leves” (ou seja,
* Ben-Hur Mattiuz é professor do Depar-
pêssegos, por exemplo, o excesso de N arenosos), quando comparadas a solos
tamento de Tecnologia da Unesp FCAVJ
atrasa a maturação dos frutos e inibe o argilosos. Em solos mal drenados, os es- (benhur@fcav.unesp.br).
desenvolvimento da cor de fundo (de paços de ar são preenchidos por água e,
verde para amarelo). Já a sua deficiên- com isso, há redução da aeração e da ab-
cia induz à produção de poucos frutos, sorção de água e dos nutrientes. A poda
pequenos e pouco saborosos. tem, entre outros, o objetivo de regular
Em hortaliças, o excesso de N retarda a produção, distribuí-la conveniente-
o desenvolvimento e aumenta a suscep- mente e dar à planta e a outros frutos a
tibilidade a desordens fisiológicas, res- luminosidade necessária, contribuindo
ponsáveis por perdas na pós-colheita. para diminuir a fonte de inóculo de
Referências bibliográficas
O escurecimento interno dos tomates, patógenos, que irão se manifestar na CHITARRA, M. I. F.; CHITARRA, A. C. Pós-colheita de
a haste oca dos brócolis, o baixo teor etapa de armazenamento dos frutos. O frutas e hortaliças: fisiologia e manuseio. 2. ed.
de sólidos solúveis das batatas, as ra- desbaste é outra prática cultural empre- rev. e ampl. Lavras: UFLA/FAEPE, 2005. 785 p.
chaduras em brócolis, o “coração oco” gada em fruteiras, nas quais o tamanho, KADER, A. A. (Ed.). Postharvest technology of horti-
cultural crops. 3. ed. Oakland, Calif.: University
da couve-flor, assim como as perdas a coloração e a qualidade organoléptica
of California, Division of Agriculture and Natural
de massa fresca, verificadas em alguns dos frutos são diferenciais importantes Resources, 2002. 535 p. (Publication, 3311).
vegetais durante o armazenamento, para a obtenção de melhores preços na PANTASTICO, ER. B. (Ed.). Fisiología de la posre-
são desordens associadas a adubações venda do produto. colección, manejo y utilización de frutas y
elevadas de N. O cálcio está envolvido Para se obter produção elevada com hortalizas tropicales y subtropicales. Ciu-
dad de Mexico: Continental, 1979. 663 p.
em numerosos eventos bioquímicos frutos de alta qualidade, é necessário
WOOLF, A. B.; FERGUSON, I. B. Postharvest
e morfológicos responsáveis pelo de- que todos os fatores ambientais ou de
responses to high temperatures in the field.
sencadeamento de várias desordens cultivo estejam em nível ótimo. Entre- Postharvest Biology and Technology, v. 21, p.
fisiológicas de considerável importância tanto, a obtenção de nível ótimo para 7-20, 2000.

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