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Mas muitas vezes, a lei recorre a conceitos que não apresentam um conteúdo
definido ou determinado, e aqui temos os conceitos jurídicos indeterminados e
as cláusulas gerais que encontramos em inúmeros preceitos legais. Em virtude
disso poderá parecer que a lei quer desmentir a necessidade de clareza no que
respeita a conteúdo ou finalidade da norma e que desconsidera a exigência da
precisão quanto ao objectivo das suas formulações, gerando deste modo a ideia
de minar ou subverter a segurança jurídica que deve garantir em primeiro lugar.
1
Por isso, os textos antigos muitas vezes são acompanhados por um glossário que nos explica o
significado das palavras com significados mudados ou até fora de uso.
daquele em que a lei emprega, logo à partida, conceitos jurídicos sem o conteúdo
bem definido quando recorre a conceitos jurídicos indeterminados ou a cláusulas
gerais.
b) Também pertence aqui a “boa fé”, um conceito que exprime um princípio que
norteia toda ordem jurídica e que perpassa designadamente todo o articulado do
Código Civil, sendo a boa fé entendida como um padrão ou norma de conduta
(ver a este respeito os artigos 227.º, 334.º, 762.º, etc. em que a lei estabelece
diretrizes gerais a concretizar nos casos concretos que o juiz deve decidir). Assim
entendido, o conceito da boa fé é uma regra de conduta, uma norma de
2
“Terceiros, para efeitos do registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum
direitos incompatíveis entre si” e não quaisquer outras pessoas ou outros adquirentes.
comportamento (Treu und Glauben) e como tal é um critério normativo. Falamos
da boa fé objectiva.
Nem sempre é fácil dizer se uma dada formulação legal deve ser considerada um
conceito jurídico indeterminado ou uma cláusula geral (como sucede em relação
aos “bons costumes”, um conceito em que se reflectem concepções morais, mas
3
Pode ler-se a este respeito Raúl GUICHARD, À volta do princípio da boa fé, Revista de Ciências
Empresariais e Jurídicas, N.º 26, 2015, pp. 33-87.
ainda económicas, sociais, o sentir relativo à justiça, concepções que evoluem e
se modificam, como já sabemos.
3.3.3.4 Assim podemos tirar algumas conclusões quanto aos fins do direito:
4
Movimento das Forças Armadas que está na origem da Revolução democrática de 1974.
distribuição legítima dos bens em resultado da justiça comutativa (do ut des) é
de aceitar. Os direitos adquiridos legitimamente (isto é, de acordo com a ordem
jurídica) devem ser acatados. Neste sentido, a ordem jurídica protege o
adquirido, havendo naturalmente quem adquiriu mais e quem adquiriu menos.
No que respeita à justiça contributiva, deve haver igualdade da obrigação e
proporcionalidade na prestação das contribuições. Por fim, é de respeitar e
cumprir o princípio da justiça distributiva a favor dos realmente necessitados.
Por fim acrescenta-se ainda um aspecto que, embora não seja jurídico, é de
grande importância: as leis devem também ter em conta a eficiência económica
das suas normas com o objetivo de uma alocação optimizada dos recursos para
evitar o desperdício de meios, sendo certo, todavia, que a eficiência económica
não é um critério de justiça e ainda menos equivale à justiça nem a garante 5. A
explicação é simples: não se pode submeter o homem a raciocínios económicos
ou de eficiência económica.
4. O Estado e o Direito
Como sabemos é o Estado que decide se uma norma de conduta é juridificada, tendo
deste modo a natureza de uma norma jurídica; por isso, a fonte do Direito é estadual.
Em princípio o Estado moderno e soberano cria o Direito e neste sentido possui o
5
Esta problemática é objecto da chamada “análise económica do Direito”, uma doutrina que foi
desenvolvida – a partir dos ensinamentos do sociólogo e economista italiano Alfredo Pareto –
sobretudo nos Estados Unidos da América e ganhou adeptos também na Europa.
A matéria, colocada entre […] foi leccionada nas aulas práticas.
respectivo monopólio. Quanto ao direito cujas fontes não são estaduais, isto é o direito
internacional, é, todavia, novamente o Estado quem decide se e em que medida este
direito vigora na sua ordem jurídica interna. A este respeito o artigo 8.º da Constituição
da República tem nos seus números 1 a 4 soluções diferenciadas em atenção à origem
destas normas internacionais.
Na medida em que o Estado é criador do Direito dispõe de recursos para que as suas
normas sejam observadas, servindo-se para o efeito dos meios de coação necessários
(órgãos administrativos, policiais e judiciais). A este respeito o Estado tem o monopólio
do poder para impor as leis. Assim, passamos a referir em termos breves as funções do
Estado moderno e, neste contexto, devemos distinguir primeiro os conceitos de:
b) “Povo”: como conceito geral, não tem um sentido unívoco; como conceito no nosso
contexto significa o conjunto das pessoas ligadas ao seu Estado pelo vínculo jurídico da
nacionalidade [cidadãos ou nacionais]; o vínculo da nacionalidade não depende do
pressuposto de os cidadãos pertencerem à mesma etnia [= nação] de modo que um
Estado não precisa de ser etnicamente homogéneo6;
Dito isto, podemos dizer que os elementos do Estado moderno são: o povo, o território7
e o poder político. Para o exercício do seu poder o Estado necessita de estruturas
administrativas eficazes. Esta necessidade fez com que surgisse um funcionalismo
público profissionalizado que se desenvolveu em simultâneo com o advento do Estado
moderno, sendo a sua criação incentivada pelo poder político8.
6
Não obstante este facto, notamos que a partir da Revolução Francesa de 1789 e depois da 1.ª
Grande Guerra (1914-1918) e, novamente, depois da 2.ª Grande Guerra (1939-1945) procurou-
se em muitos Estados alcançar uma homogeneização étnica dos nacionais com efeitos nefastos
para as minorias étnicas atingidas pelas medidas correspondentes, ou seja, expulsões (=
“limpezas étnicas”), assimilações forçadas e proibições do uso das línguas minoritárias.
7
Por mais exíguo que seja, veja-se, por exemplo, o Estado do Vaticano.
8
Como nos mostra, por exemplo, a instituição da Universidade Estatal de Nápoles pelo rei e
imperador Frederico II em 1224, destinada a formar os quadros administrativos para o Reino da
A soberania não é um elemento essencial do Estado como o provam os Estados
federados, em que os Estados que compõem a Federação mantêm todos os elementos
essenciais que os caraterizam como Estados9.
Falta ainda ressalvar que não se poderá confundir o conceito de Estado com o conceito
de estado, pois este último define hoje as condições das pessoas, por exemplo, o estado
civil, familiar ou social ou insolvente.
Depois da Revolução Francesa de 1789 dá-se a evolução para o Estado de Direito liberal,
em que o próprio Estado – devido à separação dos poderes (legislativo, executivo e
judicativo) – fica submetido às leis. As tarefas do Estado ficam limitadas à esfera política,
à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança jurídica; os cidadãos têm
direitos de defesa (= os direitos, liberdades e garantias como direitos fundamentais)
contra o Estado que, em princípio, não interfere nas suas atividades económicas, aliás
na altura de dimensões bastante comedidas. Na realidade, porém, estas interferências
verificaram-se: as esferas políticas e económicas sempre se misturaram e nunca houve
uma delimitação estanque.
Ao Estado de Direito liberal segue-se o Estado de Direito social em que surgem os direitos
de protecção social dos cidadãos que complementam os direitos fundamentais e
intensificam-se as intervenções do Estado nas atividades económicas que, entretanto,
devido à industrialização, alcançaram grandes dimensões.
O Estado de Direito social, por sua vez, evolui depois para o Estado social ou de bem-
estar ou de providência social, empenhado na realização da “justiça social” que
corresponde, como alguém diz, a uma “utopia concreta” e uma “tarefa eterna”, com o
perigo de o homem livre ser encaminhado no sentido do homem tutelado, adquirindo
um estatuto de menoridade permanente face a um Estado( [omni)sapiente e
Sicília (que abrangia também o Sul da Itália onde se situa Nápoles). Em comparação: a primeira
universidade espanhola em Salamanca foi fundada em 1218.
9
Por exemplo, o Brasil, o México, os Estados Unidos da América do Norte, o Canadá, a Suíça
(Confederação Helvética), a Áustria, a Alemanha, a República Checa, etc. Convém esclarecer que
os Estados federados apresentam – nos que respeita às competências próprias dos Estados que
os integram e as competências concedidas à federação – grandes diferenças entre si.
(todo)previdente, correndo-se o risco de o Estado social se transformar numa
“democracia de favores” como variante moderna do clientelismo.
As funções do Estado consistem em garantir, a partir das suas estruturas, a paz social
interna e a segurança externa bem como em legislar e fazer cumprir as leis. O conceito
de Estado não coincide com o de Direito, é do Estado que emana o Direito10.
Da relação geral de poder bem como das várias relações especiais de poder
resultam para o cidadão direitos subjectivos públicos diferenciados e obrigações
específicas face ao Estado e também obrigações do Estado em relação aos seus
cidadãos. Quer dizer quando falamos de direitos subjectivos públicos estamos em
face de relações entre cidadãos (indivíduos) e o Estado (ou outras entidades que
fazem parte da organização estadual). → Estas relações são reguladas pelo
direito público.
Na verdade, quando até agora temos falado do Direito, isto é de todo o direito
objectivo e das suas normas como um conjunto comum, vimos apenas o mare
magnum, o mar imenso das leis e das normas que o enchem e ficámos ainda a
saber que é este direito objectivo que reconhece ou atribui às pessoas os seus
direitos subjectivos e que estabelece as correspondentes obrigações e agora
podemos precisar que os direitos subjectivos atribuídos ou reconhecidos ou são
direitos subjectivos públicos ou são direitos subjectivos privados.
5. Os ramos de Direito
Temos assim o direito objectivo como o conjunto das normas jurídicas em geral
dividido entre Direito Privado (direito subjectivo/obrigações privadas) e Direito
Público (direito subjectivo/obrigações públicas).
Por sua vez, tanto o direito privado e como o direito público encontram-se
divididos em vários ramos.
11
Por exemplo, a Soberana Ordem de Malta e a Santa Sé. Contudo, nem todos os sujeitos de
Direito Internacional Público reconhecem estas entidades neste sentido. – O Estado de Vaticano
é um sujeito de direito internacional público próprio.
12
Pertencem aqui Convenções, o Costume internacional, que tem grande relevância sobretudo
no direito marítimo, Tratados, a Carta das Nações Unidas, os Princípios Gerais de Direito comuns
às nações civilizadas, os Princípios de Direito Internacional Geral.
Finalmente, falta referir a União Europeia que não é uma Federação, uma vez
que é composta por Estados soberanos, mas um fenómeno sui generis assente
numa base contratual entre vários Estados soberanos que passou a ser sujeito
do Direito Internacional Público. O Direito Comunitário, baseado nos contratos
celebrados entre os soberanos Estados-Membros da União, tem uma relevância
cada vez mais crescente para o direito interno dos seus Estados-Membros na
medida em que prevalece sobre as leis nacionais desde que se mantenha dentro
dos limites contratuais em que assenta.
Finalmente, falta referir a União Europeia que não é uma Federação, uma vez
que é composta por Estados soberanos, mas um fenómeno sui generis assente
numa base contratual entre vários Estados soberanos que passou a ser sujeito
do Direito Internacional Público. O Direito Comunitário, baseado nos contratos
celebrados entre os soberanos Estados-Membros da União, tem uma relevância
cada vez mais crescente para o direito interno dos seus Estados-Membros na
medida em que prevalece sobre as leis nacionais desde que se mantenha dentro
dos limites contratuais em que assenta.
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Por exemplo, a Soberana Ordem de Malta e a Santa Sé. Contudo, nem todos os sujeitos de
Direito Internacional Público reconhecem estas entidades neste sentido. – O Estado de Vaticano
é – ao lado e diferente da Santa Sé – um sujeito de direito internacional público próprio.
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Pertencem aqui Convenções, o Costume internacional, que tem grande relevância sobretudo
no direito marítimo, Tratados, a Carta das Nações Unidas, os Princípios Gerais de Direito comuns
às nações civilizadas, os Princípios de Direito Internacional Geral.
romano, designadamente no Corpus Iuris Civilis (533/534) do Imperador do
Império Romano Oriental Justinianus. O Corpus Iuris Civilis é, ao lado da Bíblia,
o livro mais relevante no mundo ocidental. O Direito Civil é hoje um ramo do
direito privado, mas continua a consagrar, como direito privado comum, as regras
fundamentais para todo o direito privado, ou seja, todos os vários direitos
privados especiais que, ao longo do tempo e em sintonia com a evolução
económica e social, se vieram a diferenciar do direito civil. A fonte principal do
Direito Civil é o Código Civil, contudo, ao lado deste, existem leis civis
complementares muito relevantes cuja matéria, todavia, o legislador (ainda) não
quis integrar no Código como, por exemplo, o regime das cláusulas contratuais
gerais ou a legislação que pretende proteger quem viva em união de facto ou o
regime do arrendamento rural ou o direito real de habitação periódica. A
estrutura do Código Civil obedece a critérios jurídico-sistemáticos que o
pretendem tornar praticável e por isso, exceptuado o direito da família, não se
baseia nas realidades sociais (instituições). Nas suas linhas essenciais segue a
sistematização adoptada pelo Bürgerliches Gesetzbuch alemão (BGB) de 1900
que, por seu lado, é, além das suas raízes germânicas, tanto no seu conteúdo
como na sua estrutura, devedor do Corpus Iuris Civilis. Há numerosos conceitos,
institutos e soluções do direito romano que encontramos no BGB donde passaram
para o Código Civil português. Este é, tal como o BGB, dividido em cinco Livros
(ver infra → ponto 5.4).
No que respeita à sistematização do Corpus Iuris Civilis e sua relevância como exemplo para as
legislações civis posteriores segue um Anexo a este Sumário, tendo este Anexo fins meramente
informativos.
15
Por exemplo a partir das cidades de Veneza e Génova e das cidades da Liga Hanseática ou
ainda devido à expansão marítima.
condições de trabalho condignas com vista à proteção do trabalhador como a
parte contratual mais fraca.
Para concluir a análise dos vários ramos de Direito, cumpre ainda aflorar, e
apenas aflorar, os critérios de delimitação para saber se uma dada relação
pertence, ou é regulada, pelo Direito Público ou pelo Direito Privado.
Nas relações entre o Estado (ou outras entidades públicas) e o cidadão existe,
por regra, uma estrutura vertical (de desigualdade, visto o Estado estar munido
de um poder de autoridade, um poder de império, a publica potestas, que se
impõe ao cidadão) e aplica-se o direito público.
(1) temos a teoria dos interesses (a mais antiga, já vem referida nos textos
romanos16; a relação pertence ao direito público ou privado conforme o interesse
[único ou prevalecente] em questão ser público ou privado);
(3) a teoria que atende ao critério da posição dos sujeitos na relação (se as
normas em causa são invocáveis igualmente por todos, tendo assim de aplicação
geral, e utilizáveis por todos, sendo eles particulares ou entidades públicas, a
relação pertence ao direito privado; se, pelo contrário, as normas conferem
prerrogativas ou competências próprias apenas de entidades públicas, quer dizer
quando se trata de um exercício de poder público, com autoridade pública, a
relação pertence ao direito público).
(I) O Livro I, tem a Parte Geral dividida em dois Títulos, sendo certo que a matéria
do Título I “Das leis, sua interpretação e aplicação” bem podia ter sido regulada
numa lei autónoma, uma Lei de Introdução, uma vez que contém regras que vão
para muito além do Direito Privado e Civil.
16
Publicum ius est quoad statum rei Romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem
spectat.
Esta matéria colocada entre […], essencialmente descritiva, mas importante, não foi leccionada
nas aulas teóricas, mas ensinado devidamente nas aulas práticas.
todos os restantes livros e também para todo o direito privado. Este Título II está
subdividido em quatro Subtítulos de acordo com os elementos da relação jurídica,
ou seja, “Das pessoas”, “Das coisas”, “Dos factos jurídicos” e “Do exercício e da
tutela dos direitos”. Contudo, é de mencionar que em Março de 2017 o legislador
entendeu oportuno acrescentar no Título II um Subtítulo Ia com a epígrafe “Dos
animais”.
(II) o Livro II, o Direito das Obrigações, também está subdividido em dois títulos,
ou seja, “Das obrigações em geral” e “Dos contratos em especial”. Esta divisão
obedece à mesma lógica que preside à inserção de uma parte geral na
codificação: no título I temos regras comuns para todas as obrigações, inclusive
dos contratos em especial que são regulados nos 16 capítulos que compõem o
título II, sendo o contrato de compra e venda o mais importante. O direito das
obrigações refere-se a direitos relativos (ver o artigo 397.º que define a obrigação
como um vínculo jurídico entre as partes);
(III) o Livro III, o Direito das Coisas, regula sucessivamente em cinco títulos a
posse, a propriedade e os direitos reais limitados (usufruto, uso e habitação, o
direito de superfície, e as servidões prediais). O direito da propriedade é um
direito sobre uma coisa própria enquanto os direitos reais limitados são direitos
sobre uma coisa alheia. Estão em causa direitos absolutos, direitos de domínio
sobre uma coisa;
(IV) o Livro IV, o Direito da Família, tem primeiro um título I com disposições
gerais e nos quatro títulos subsequentes regula o casamento (a sua celebração,
os seus efeitos e a sua dissolução), a filiação (o seu estabelecimento e os seus
efeitos), a adopção (seus pressupostos e efeitos) e os alimentos (determina quem
deles carece e quem é obrigado para os prestar). O direito da família é um direito
institucional (= assenta na instituição social “família”, já referida) em que temos,
em consequência da Concordata celebrado em 2004 entre o Estado Português e
a Santa Sé, ainda a particularidade da aplicação do Direito Canónico (quanto à
celebração, validade e dissolução [por dispensa papal]) aos casamentos
celebrados catolicamente;
6.2 Características
6.2.1 As normas são gerais e abstractas.
17
Cf. os artigos 1.º, n.º 2, 397.º, 402.º, 464.º, 666.º, 712.º, 874.º, 1251.º, 2039.º, etc. todos
do Código Civil.
18
Cf. os artigos 9.º a 13.º do Código Civil.
19
Ver artigo 7.º.
20
Cf. os artigos 483.º, n. 1; 798.º ou também 334.º.
21
Por isso se diz que, ainda que a norma apenas se aplique a uma pessoa, ela não se dirige nem
foi redigida para essa pessoa individualmente considerada, mas antes tendo em atenção à posição
ou cargo que a dita ocupa.
22
Cf. a redacção do artigo 483.º que refere: “Aquele que …”, isto é, qualquer um.
função pública (officium), por exemplo, o Presidente da República ou o Primeiro
Ministro ou o Chefe do Estado Geral das Forças Armadas, ou o Presidente do
Conselho de Estado.
bb) São estabelecidas regras para orientar quaisquer condutas humanas e estas
normas, logicamente, só podem referir-se a comportamentos presentes ou
ocorrentes no futuro, mas não a comportamentos ou condutas já ocorridas no
passado. No caso das condutas humanas a norma, além de abstracta, ainda é
hipotética, pois só se aplica se os casos previstos pela hipótese legal realmente
se venham a verificar, como por exemplo, só se efectivamente ocorrer um
comportamento ilícito e culposo previsto no artigo 483.º, a norma será
aplicável23. Ao contrário do que sucede com situações criadas, não é possível
orientar ou prever condutas já verificadas (é logicamente impossível).
Uma lei, uma norma, não pode ser individual e concreta. Uma norma que visa
uma situação específica ou um sujeito determinado não tem a característica da
generalidade mesmo que, formalmente, possa ter sido redigido em termos gerais
e abstractos. As leis limitadas ao caso individual são inconstitucionais por violação
do princípio da igualdade. Deste modo, não se pode dissimular um acto individual
e concreto, ou seja, um acto administrativo, por meio de uma formulação que é
redigida – como uma lei – em termos gerais e abstractos. Aqui estamos perante
um disfarce pelo qual – além da violação do princípio da igualdade – é violado o
princípio da separação dos poderes. Com este procedimento o legislador, por
23
Portanto, é necessário que se verifique em concreto a situação nela descrita de forma abstracta,
pois de outra maneira ela não será nunca aplicável. Um outro exemplo dá-nos o artigo 798.º do
Código Civil, num contrato, o devedor apenas se torna responsável pelo prejuízo que causar ao
credor se tiver faltado culposamente ao cumprimento da obrigação a que se encontrava adstrito.
exemplo, o Governo “resolve” o caso por meio de um decreto-lei, e invade as
competências da Administração.
Contudo, uma norma, ao ser criada, pode ter sido motivada perfeitamente por
um caso individual e concreto que acaba por contemplar, mas ao mesmo tempo,
a sua previsão, sendo formulada em termos gerais e abstractos, alcança também
outros casos da mesma categoria que no futuro podem vir a suceder. Nestas
circunstâncias o caso individual e concreto desperta o legislador para a
necessidade de regular este tipo de casos. Agora já não se trata de uma lei
limitada a um único caso individual e concreto e nenhuma violação dos princípios
da igualdade e da separação dos poderes aconteceu.
Ler: J. Baptista Machado, pp. 50-52, (63-65), 65-77, 92/93; Ángel Latorre, pp.
207-249. Como leitura meramente informativa segue um Anexo a respeito da
sistematização do Corpus Iuris Civilis.