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ADVOCACIA & DIREITOS HUMANOS


Membros do Comitê Contra a Tortura, Prisão e Perseguição Política no Brasil
Membros da Frente Internacionalista dos Sem-Teto - Fist
MEMBROS DA ANISTIA INTERNACIONAL

EXCELENTÍSSIMO JUÍZO DA 27a VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL– RJ.

Processo: 0056859-04.2018.8.19.0001

TJRJ CAP CARQU 202002862882 08/05/20 16:32:14137786 PROGER-VIRTUAL


JOSÉ HENRIQUE BRAGA PEIXOTO vem, pelo advogado infra-
assinado, apresentar

A P E L A Ç Ã O,

com efeito suspensivo e devolutivo

com arrimo no artigo 513 do Código de Processo Civil e no artigo


17 da Lei n. 1.060/50, pugnando pela concessão da gratuidade de justiça para fins
recursais, pelo recebimento da presente em seu duplo efeito e na posterior remessa ao
Egrégio Tribunal de Justiça .

Termos em que
Espera Deferimento.

André Luiz Costa de Paula


OAB-RJ 33.926

Rua Acre, n. 32 – sobrado, Centro – Rio de Janeiro/RJ CEP 20081-000


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RAZÕES DE APELAÇÃO

Apelante: JOSÉ HENRIQUE BRAGA PEIXOTO


Advogado: André Luiz Costa de Paula (OAB-RJ 33.926)

Apelados: PAULO SÉRGIO DE CASTRO CARDOSO e outros


Advogado: Erenaldo Alves da Conceição (OABRJ72944)

Juízo de 1a instância: 27ª Vara Cível da Comarca da Capital-RJ

Processo n. 0056859-04.2018.8.19.0001

Egrégio Tribunal,
Colenda Câmara,

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I. TEMPESTIVIDADE :

Tempestivo é o presente recurso de apelação, uma vez que a intimação


eletrônica ocorreu no dia 2/3/2020, começando o prazo a correr no dia 3/3/2020(terça-
feira), prosseguindo a contagem somente nos dias úteis até o dia 17/3/2020(terça-feira),
quando os prazos eletrônicos foram suspensos até o dia 31/3/2020, pelo Ato Normativo
Conjunto n.5/2020 do TJRJ. Posteriormente, a suspensão dos prazos processuais
eletrônicos foi prorrogada pelas Resoluções n.313, de 19 de março de 2020, e n.314, de
20 de abril de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, voltando o prazo eletrônico a correr
a partir do dia 4/5/2020, conforme determinado pela Resolução n.318/2020 do CNJ.
Tempestivo, portanto, o recurso de apelação.

II. RESUMO DA LIDE :

PRELIMINARMENTE, afirma que fará recurso apenas por amor ao


debate, uma vez que os Apelados são revéis, o que, por si só, deveria decretar a
manutenção de posse do Apelante, manso, pacífico, antigo e de boa-fé, já que os
Apelados deixaram de contestar, sendo protegidos de tal modo que sequer foram
condenados por essa ausência .

O apelante ajuizou Ação de Embargos de Terceiros, almejando ser


garantido na posse do imóvel, uma vez que mora já há mais de 5 (cinco) anos no imóvel
localizado na Ladeira do Castro, n. 84, Santa Teresa (denominado Ocupação Frei Lency,
em homenagem ao frade franciscano da Teologia da Libertação, Lency F. Smaniotto,
morto em 2014), sendo turbado e ameaçado de esbulho da sua posse por parte dos ora
Apelados, a pretexto de serem eles herdeiros de Manuel Alves Cardoso, antigo
proprietário do imóvel, falecido há mais de 10 (dez) anos.

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Em razão do justo receio de ser turbado e esbulhado, propôs esta ação,


visando ser manutenido na posse, inclusive mediante a concessão liminar de interdito
proibitório, cominando aos Embargados, ora Apelados, as sanções cabíveis para o caso
de se continuar a, manu militari, tentar a autocomposição ou autotutela, perturbando o
Apelante em sua moradia sem prévia ordem judicial.

Subsidiariamente, postula pelo reconhecimento do direito à retenção das


benfeitorias levantadas, e pela devida indenização pelo valor das mesmas, uma vez que
se trata de ocupante de boa-fé.

Não seria possível exigir conduta diversa de quem não tem um teto para
se abrigar. O Embargante entrou no imóvel, já há mais de dois anos, complementando a
posse que já existia, inclusive com outros posseiros, uma vez que ele estando vazio
perdeu a sua função social e deixou de merecer proteção jurídica. E o Apelante fez do
imóvel a sua moradia, não estando, por sinal, a exercer nenhuma atividade comercial no
lugar, o que atrai, além da proteção possessória contra ato judicial inerente ao instituto
dos Embargos de Terceiro, o direito social à moradia previsto no artigo 6º da
Constituição da República.

O ocupante, ora Apelante, e as demais famílias são ocupantes posseiros,


todos eles mansos, pacíficos, antigos e de boa-fé.

Esclarece o Apelante que o imóvel onde reside constitui uma Ocupação


Urbana ou, como antigamente se dizia, uma cabeça-de-porco, onde residem hoje 18
(dezoito) famílias (incluída a família do Apelante) e que pertencia ao Sr. Manuel Alves
Cardoso, falecido há mais de 10 (dez) anos.

Durante muitos anos o imóvel esteve abandonado, tendo o Apelante e


outros ocupantes adentrado o mesmo em idos de 2014, quando o viram vazio de coisas e
pessoas e fizeram dele a sua morada.

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Dos ocupantes, o primeiro a chegar foi Paulo Santos Campos, ainda em


2014, com a sua família; aos poucos, novos ocupantes chegaram, oriundos de outras
ocupações urbanas que se desfizeram; no ano (2016), houve um considerável acréscimo
com a chegada de moradores sobreviventes de um incêndio no prédio onde moravam,
também no Centro do Rio de Janeiro.

Ocorre que após encerrar o inventário do Sr. Manuel Alves Cardoso, os


seus herdeiros encheram-se de ganância de fazer alguma especulação com o imóvel, e
passaram a molestar os ocupantes, entre eles, o ora Apelante, inclusive com o envio de
prepostos em seu nome, dizendo que “o prédio tem dono, vocês são invasores e têm que
sair”.

Houve até o caso de prepostos enviados pelos herdeiros (aqui Apelados)


chegarem com a POLÍCIA, querendo que os policiais militares expulsassem a todos os
moradores do prédio; no entanto, após cerca de meia hora de negociação, os policiais
militares que atenderam ao chamado dos Apelados se aperceberam de que não existia
nenhuma ordem judicial determinando o desalijo, razão pela qual se retiraram, deixando
em paz aos moradores.

No entanto, estes fatos vêm insuflando o receio de que, como os


Apelados não conseguiram induzir a Polícia Militar a expulsar os moradores da Ocupação
Frei Lency, possam então empregar de algum expediente violento, como invadir o imóvel
com o concurso de homens armados e pagos, ou simplesmente incendiar o prédio para
forçar a saída dos seus ocupantes.

O Apelante, assim como os demais moradores da Ocupação Frei Lency,


são a rigor, uma comunidade carente com muitas crianças, idosos, doentes e deficientes.

Daí a presente ação, onde se requer a concessão da proteção

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possessória ao Embargante, ora Apelante, mormente com a liminar concessão de


interdito proibitório, cominando-se sanção pecuniária aos Embargados/Apelados na
hipótese de reiterarem os atos de turbação e esbulho, inclusive por atos de seus
prepostos.

Em resumo, decretada a revelia dos apelados, a Douta Juíza da 27a Vara Cível
da Comarca da Capital, entendeu pela não produção dos efeitos da revelia quanto à
presunção de veracidade dos fatos alegados, afirmando não ter o ora Apelante se
desincumbido de seu ônus probatório, apesar da documentação consistente nos recibos
de fls. 46/51, nos termos seguintes:

“ S E N T E N Ç A . Processo: 0056859-04.2018.8.19.0001. Trata-se


de embargos de terceiros opostos por JOSÉ HENRIQUE BRAGA
PEIXOTO, nos autos da ação de reintegração de posse, em face de
PAULO SÉRGIO DE CASTRO CARDOSO, FERNANDO OTÁVIO DE
CASTRO CARDOSO e ROSÂNGELA DE CASTRO CARDOSO em
que pretende o reconhecimento de seu direito à moradia no imóvel
localizado na Ladeira do Castro, n. 84, Santa Teresa (nominado
Ocupação Frei Lency). Afirma que mora há mais de 2 (dois) anos no
imóvel. Aduz que está sendo turbado e ameaçado de esbulho da sua
posse por parte dos ora Embargados, a pretexto de serem eles
herdeiros de Manuel Alves Cardoso, antigo proprietário do imóvel,
falecido há mais de 10 (dez) anos. Não houve manifestação dos
embargados. Instados a especificarem provas, nenhuma das partes se
manifestou. É RELATÓRIO. DECIDO. Julgo antecipadamente a lide,
com fulcro no artigo 355, inciso II, do Código de Processo Civil, face
à ocorrência da revelia dos embargados, que ora decreto, sem,

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contudo, a produção de seus regulares efeitos quanto à presunção de


veracidade dos fatos alegados. Não obstante a revelia, de modo que
poderiam ser reputados como verdadeiros os fatos narrados na
inicial, certo é que o embargante não trouxe indício de prova mínima
quanto aos fatos articulados na demanda, atraindo a regra do artigo
345, IV, do CPC, o qual dispõe que a revelia não produzirá o efeito
mencionado se as alegações de fato formuladas pela parte autora
forem inverossímeis ou em contradição com as provas produzidas nos
autos. A discussão posta em sede de embargos de terceiro tem objeto
limitado à discussão da posse do imóvel. O embargante alega que
reside no imóvel há mais de 02 (dois) anos. Todavia, da análise dos
autos, vê-se que o embargante não se desincumbiu de seu ônus
probatório, uma vez que se limitou a acostar recibos às fls.46/51,
referente a materiais de construção, os quais não são suficientes para
comprovar suas alegações. Portanto, uma vez que o autor não logrou
êxito na comprovação do exercício de sua posse, e quando instado a
se manifestar em provas manteve-se inerte, tem-se pela
improcedência dos pedidos. Nesse sentido: "APELAÇÃO CÍVEL.
EMBARGOS DE TERCEIROS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE EM APENSO JULGADA PROCEDENTE. ALEGAÇÃO DA
EMBARGANTE POSSUIR A POSSE DO IMÓVEL HÁ MAIS DE
OITO ANOS, SÓ TOMANDO CONHECIMENTO DA AÇÃO APÓS A
EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE REINTEGRAÇÃO. AUSÊNCIA
DE PROVAS. ÔNUS DO EMBARGANTE EM PROVAR OS FATOS
CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO, NOS EXATOS TERMOS DO
ART. 373, I, E ART. 677, AMBOS DO CPC. MANUTENÇÃO DA
SENTENÇA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO."

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(APELAÇÃO n.º 0003832-78.2015.8.19.0206 - Des(a). EDUARDO


DE AZEVEDO PAIVA - Julgamento: 28/03/2018 - DÉCIMA OITAVA
CÂMARA CÍVEL). Como já foi observado, o acervo probatório
trazido aos autos não se mostra suficiente para demonstrar os fatos
constitutivos da pretensão da parte autora, o que deve acarretar a
rejeição dos pedidos deduzidos na inicial. Assim, surge o
consignatário lógico da improcedência dos pedidos autorais. Diante
do exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO. Em
consequência, julgo extinto o feito com resolução do mérito, na forma
do art. 487, I, CPC. Condeno o embargante no pagamento das
despesas processuais. Deixo de condenar a parte autora em
honorários sucumbenciais diante da ausência de contestação. Na
forma do inciso I do art. 229-A da Consolidação Normativa da
Corregedoria-Geral de Justiça, acrescentado pelo Provimento
20/2013, ficam as partes cientes de que os autos serão remetidos à
Central de Arquivamento. Certificado quanto ao trânsito em julgado,
não havendo requerimento das partes, dê-se baixa e arquivem-se,
encaminhando-se ao DIPEA. P.R.I Rio de Janeiro, 11/11/2019.
Elisabete Franco Longobardi - Juiz Titular.”

Em seguida, em função de embargos de declaração opostos, às fls. ,


sentenciou:

“Sentença Recebo os Embargos de Declaração ofertados pelo autor, às fls.


103/104, porquanto tempestivos e por indicarem omissão no julgado de fls.
92/94, eis que não apreciado o pedido de gratuidade de justiça.

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Considerando que os documentos de fls.23/29 atestam a hipossuficiência


alegada, defiro a gratuidade de justiça à parte autora. Face ao exposto,
ACOLHO PARCIALMENTE os embargos declaratórios ofertados,
reconhecendo a omissão existente na sentença e, por consequência,
retificá-la para que passe a constar a seguinte redação na parte final:
"Condeno o embargante no pagamento das despesas processuais,
observada a gratuidade de justiça que ora defiro. Deixo de condenar a
parte autora em honorários sucumbenciais diante da ausência de
contestação..." Mantenho a sentença, quanto ao mais, tal como se encontra
lançada, sendo certo que a irresignação da parte deverá ser formulada na
via recursal própria. ANOTE-SE a gratuidade de justiça no sistema DCP.
P.I Rio de Janeiro, 17/02/2020. Elisabete Franco Longobardi - Juiz
Titular.”

Com a devida vênia, merece reforma a sentença, pelos fundamentos que


seguem:
III. DO DIREITO:

III.1. REVELIA DOS APELADOS RECONHECIDA, INCLUSIVE, NA SENTENÇA


PARCIAL, ABSTRUSA E TERATOLÓGICA ORA ATACADA

III.2. DA NECESSÁRIA REFORMA DA SENTENÇA - O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO


SOCIAL DA POSSE E A EXCEÇÃO DE NÃO FUNCIONALIZAÇÃO SOCIAL DO
DOMÍNIO ( §§ 4º e 5o DO ART. 1.228 DO CÓDIGO CIVIL)

Vários autores discorrem sobre a função social da posse. Merecem destaque


as palavras do ex-defensor público e atual Desembargador do TJRJ Marco Aurélio
Bezerra de Melo:

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“ A densidade axiológica da posse, mormente em uma sociedade


que oscila entre a pobreza e a miséria e que adota como modelo
tradicional para a aquisição de bens a compra e venda e o direito
hereditário, a posse deve ser respeitada pelos operadores do direito
como uma situação jurídica eficaz a permitir o acesso à utilização
dos bens de raiz, fato visceralmente ligado à dignidade da pessoa
humana (art.1o, III, da CFRB) e ao direito constitucionalmente
assegurado à moradia (art.6o, da CRFB). Importa, por assim dizer,
que ao lado do direito de propriedade, se reconheça a importância
social e econômica do instituto”. ( MELO, Marco Aurélio Bezerra de.
Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.p.23-24.)
(GRIFOS NOSSOS)

Ainda em sede doutrinária, a ideia de função social da posse consta de


enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, de 2011, com a seguinte redação: “ A
posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o
aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais
merecedores de tutela”. (Enunciado n.492). Exemplifica-se com o contrato de gaveta, em
que o possuidor tem um direito autônomo à propriedade, merecendo proteção pela
utilidade positiva que dá à coisa.

O tema da posse como um direito autônomo foi objeto de dissertação de


mestrado desenvolvida por Marcos Alberto da Rocha Gonçalves e defendida na PUCSP.
Segundo as conclusões finais do trabalho, “ a valorização da função social da posse
representa o rompimento do formalismo individualista diante das demandas sociais.
Compreende-se, a partir desse modelo, a construção de possíveis pontes entre as
necessidades de uma sociedade multifacetada (e desigual) e o caminho rumo a um
efetivo Estado democraticamente organizado, afastando-se da dogmática estruturada na
ficção da igualdade formal. Titularidades formais e fruição real das possibilidades
emergentes de bens que atendam às necessidades é, ainda, um caminho a percorrer. Se
historicamente o discurso jurídico aproximou a propriedade e posse, é tempo, pois, de

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desvincular forçosa construção, pois, consoante há muito tempo anunciou José


Saramago, ' ter não é possuir ' ”. (GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. A posse como
direito autônomo. Rio de Janeiro. Renovar, 2014. p.269-270). Em complemento, conforme
as precisas lições de Paulo Lôbo, “ a autonomia da posse cada vez mais se afirma, tendo
sido fortalecida pelas investigações iluminadas pelo direito civil constitucional. Os
fundamentos da posse precisam ter em conta a promoção dos valores sociais
constitucionalmente estabelecidos (Tepedino, 2011, p.44) e sua relação com os direitos
fundamentais”. (LÔBO, Paulo. Direito civil. Coisas. São Paulo: Saraiva, 2015.p.52.

O princípio da função social da posse está implícito no CC/2002 pela


valorização da posse-trabalho, constante dos seguintes dispositivos legais:

Art.1238, parágrafo único, do CC: Reduz o prazo de usucapião


extraordinária de quinze para dez anos se o possuidor tiver
estabelecido sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou
serviços de caráter produtivo;

Art.1.242, parágrafo único, do CC: O prazo para a usucapião é


reduzido de dez para cinco anos, se os possuidores tiverem
estabelecido no imóvel sua moradia ou nele realizado investimentos
de interesse social e econômico;

Art.1.228, parágrafos 4o e 5o, do CC: Consagra a desapropriação


judicial privada por posse-trabalho.

Além dessas previsões legais, a função social da posse vem sendo aplicada
pela melhor jurisprudência, conforme o seguinte julgado do Tribunal Mineiro:

“ Agravo de Instrumento. Imissão de Posse. Natureza Petitória. Não


aplicação do art.928 do CPC. Restrição aos Interditos Possessórios.
Tutela Antecipada. Art.273 do Codex. Possibilidade. Terceiro
Possuidor. Comodato Verbal. Não comprovação. Ausência de prova

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inequívoca. Direito de Moradia. Função Social da Posse. A ação de


imissão de posse possui natureza petitória, a partir da qual se tem
como consequência a “ impossibilidade de concessão de liminar de
posse, pois o referido provimento satisfativo é restrito aos interditos
possessórios”, sendo possível, todavia, a antecipação dos efeitos
da tutela ( art. 273 do CPC). Ausente prova inequívoca conducente
à verossimilhança das alegações, eis que omissa a comprovação da
natureza jurídica do vínculo alegado entre as partes (vendedor e
pretenso comodatários), sendo temerário acolher a afirmação
contida na exordial de existência de comodato verbal, sem qualquer
indício concreto a corroborá-lo, imperioso o indeferimento da
medida liminar. Omissa prova idônea acerca da existência de
comodato verbal e correlata consumação da precariedade, torna-se
impossível retirar o réu (colono rural) de sua moradia, direito social
de relevante valor para o ordenamento jurídico pátrio, consagrado
pelo art. 6o da Carta Magna, o que acabaria por vilipendiar o devido
processo legal, a função social da posse e a materialização da
dignidade humana” (TJMG, Agravo de Instrumento
a
1.0112.08.080619-6/0011, Campo Belo, 13 Câmara Cível,
Rel.Desig. Des. Claúdia Maia, j.30.10.2008, DJEMG 01.12.2008).

Certo é que a propriedade tem uma função social reconhecida na Constituição;


mas, igualmente a tem a posse. Assim, é mais correto afirmar que o CC/2002 não adota
a tese de Ihering pura e simplesmente, mas sim a tese da posse-social, sustentada por
Perozzi, Saleilles e Hernades Gil. Uma mudança de paradigma inegável atingiu o
Direito das Coisas, razão pela qual pode ser afirmado que o debate entre Ihering e
Savigny encontra-se superado, segundo lições de Flávio Tartuce (TARTUCE, Flávio de.
Manual de direito civil: volume único.7 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,
2017).

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III.3. DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

É notório que a função social da propriedade constante da Constituição


Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 sofreu forte influência da clássica doutrina de
Leon Duguit, “ para quem a propriedade já não é o direito subjetivo do indivíduo, mas uma
função social a ser exercida pelo detentor da riqueza”. Assim, com observa o o Professor
Titular da USP Carlos Alberto Dabus Maluf, “Ao antigo absolutismo do direito,
consubstanciado no famoso jus utendi et abutendi, contrapõe-se, hoje, a socialização
progressiva da propriedade- orientando-se pelo critério da utilização social para maior e
mais ampla proteção aos interesses e às necessidade comuns” . (MALUF, Carlos Alberto
Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. 3.ed.São Paulo: RT, 2011. p.73-74).

Em recente obra lançada em 2015, o jurista Paulo Lôbo traz conclusões


interessantes sobre a função social da propriedade em diversos trechos de seu
precioso livro. Inicialmente, afirma, com razão, que “a propriedade é o grande foco de
tensão entre as correntes individualistas e solidaristas. O direito de propriedade, no
Estado democrático e social de direito, como o da Constituição brasileira de 1988, termina
por refletir esse conflito”. (LÔBO, Paulo. Direito civil. Coisas. São Paulo: Saraiva, 2015.
p.95)

Mais à frente, Paulo Lôbo assevera que, “ na contemporaneidade, a função


social afastou-se da concepção de limites externos, passando a integrar os próprios
conteúdos da propriedade e da posse”. E alerta: “ a interpretação das normas
infraconstitucionais não pode levar ao equívoco, ainda corrente, da confusão entre
função social e aproveitamento econômico. Pode haver máximo aproveitamento
econômico e lesão à função social da propriedade ou da posse. Na situação
concreta, não há função social quando, para a maximização dos fins econômicos,
o titular de imóvel urbano não atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade (CF, art.182, parágrafo 2o) ou o titular de imóvel rural não promove o

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aproveitamento racional e adequado da terra, ou não utiliza os recursos naturais


disponíveis, ou não preserva o meio ambiente, ou não cumpre a legislação trabalhista, ou
não promove o bem-estar dos trabalhadores(CF, 186). Não são, portanto, a
produtividade ou os fins econômicos que orientam a aplicação da função social da
propriedade ou da posse.

Diante de tais lições, é possível afirmar que a função social pode confundir-se
com o próprio conceito de propriedade, diante de um caráter inafastável de
acompanhamento, na linha do preconizado por Duguit. Assim, a propriedade deve
sempre atender aos interesses sociais, ao que almeja o bem comum, evidenciando-se
uma destinação positiva que deve ser dada à coisa. Nesse sentido, o enunciado aprovado
na V Jornada de Direito Civil, com a seguinte redação a respeito da propriedade rural: “
Na aplicação do princípio da função social da propriedade imobiliária rural, deve ser
observada a cláusula aberta do parágrafo 1o do artigo 1.228 do Código Civil, que, em
consonância como o disposto no art.5o, inciso XXIII da Constituição de 1988, permite
melhor objetivar a funcionalização mediante critérios de valoração centrados na primazia
do trabalho” (Enunciado n.507).

A função social é componente não só da propriedade rural ou agrária, mas


também da propriedade urbana. Em ambos os casos, deve-se compreender a função
social da propriedade com dupla intervenção: limitadora e impulsionadora, como
bem leciona José de Oliveira Ascensão. Segundo ele, Professor Catedrático da
Universidade de Lisboa: “como se deduz das próprias expressões, no primeiro caso, a lei
pretenderia apenas manter cada titular dentro de limites que se não revelassem
prejudiciais à comunidade, enquanto que no segundo interviria activamente, fomentaria,
impulsionaria, de maneira a que de uma situação de direito real derivasse um resultado
socialmente mais valioso. Esta distinção é útil para a compreensão do material
legislativo. Nomeadamente, podemos verificar com facilidade que, enquanto no século
passado a lei quase se limitava a certo número de intervenções de caracter restritivo,
agora multiplicam-se as intervenções impulsionadoras, de modo a aumentar o proveito

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que socialmente se pode extrair do bem”. (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil.
Reais. Coimbra: Coimbra, 2000.p.192 )

As palavras do jurista português igualmente servem para explicar a realidade


brasileira. A própria Constituição Federal de 1988 traz vários preceitos que seguem a linha
da intervenção impulsionadora, como o seu art. 186, que traça caracteres para o correto
preenchimento da função social da propriedade. Tais requisitos servem para a
propriedade rural ou agrária, inexistindo qualquer impedimento para que incidam à
propriedade urbana, até porque o art.182 da CF/1988, ao tratar da função social da
propriedade urbana, não traz critérios tão claros e definidos. São eles os seguintes: a)
aproveitamento racional e adequado da propriedade; b) utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c) observância das disposições que
regulam as relações de trabalho; d) exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.

III.4. DA DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL PRIVADA POR POSSE-TRABALHO


(ART.1.228, PARÁGRAFOS 4o E 5o, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002)

O Código Civil de 2002 introduziu nos parágrafos 4o e 5o , do seu artigo 1,228,


instituto inédito e bastante comentado.

“ Art. 1.228. (…).


Parágrafo 4o. O proprietário também pode ser privado da coisa se o
imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta
e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de
pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou
separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de
interesse social e econômico relevante.
Parágrafo 5o. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença
como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”.

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Esta categoria constitui outra importante restrição ao direito de propriedade,


trazendo como conteúdo a função social da posse e do domínio. Tais dispositivos e o
instituto, além de não encontrarem correspondentes na codificação anterior, também não
estão previstos em qualquer outra codificação do Direito Comparado. Constitui, assim,
uma criação brasileira, conforme lições de Flávio Tartuce.

O próprio Miguel Reale, na Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código


Civil de 2002, esclarece que “ trata-se, como se vê, de inovação do mais alto alcance,
inspirada no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo conceito
desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo de
posse-trabalho, expressão pela primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer
sobre projeto de decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo, quando
membro do Conselho Consultivo”.( Destaques são nossos).

As palavras de Reale justificam a terminologia desapropriação judicial privada


por posse-trabalho, que deve ser considerada a melhor a ser empregada, pois de uso
pelo criador do instituto. Trata -se de cláusula geral, um conceito aberto e
indeterminado a ser preenchido caso a caso. Representa tal conceito a efetivação
da função social da posse, pelo desempenho de uma atividade positiva no imóvel,
dentro da ideia de intervenção impulsionadora, já defendida.

O parágrafo 4o do art. 1.228 do CC traz outros conceitos que são legais e


indeterminados e que devem ser analisados de acordo com a situação concreta
(expressões “extensa área”, “considerável número de pessoas”, “boa-fé”, e “interesse
social e econômico relevante”). Certamente, trata-se de novo instituto que demanda da
comunidade jurídica e dos operadores do direito um estudo aprofundado para eficaz
aplicação. Neste sentido, nas Jornadas de Direito Civil foram aprovados os seguintes
enunciados, entre outros:

- Enunciado n. 82 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil,

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prevê que “ É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade


imóvel prevista nos parágrafos 4o e 5o do art. 1228 do novo Código
Civil”. O enunciado, à época, tinha interessante relevância prática,
pois alguns doutrinadores defendiam, e ainda defendem, que a
desapropriação judicial privada é inconstitucional, por incentivar a
invasão de terras. Não se filia entendimento da
inconstitucionalidade, mas muito ao contrário, eis que o instituto
tende a dar uma função social à propriedade em situações nas
quais a posse já não vem atendendo a essa finalidade de interesse
da coletividade;

- Ainda da I Jornada de Direito Civil, dispõe o importante


Enunciado n. 84 que “ A defesa fundada no direito de aquisição
com base no interesse social (art.1.228, parágrafos 4o e 5o, do novo
Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória,
eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”. De
imediato, constata-se que a desapropriação judicial privada é
matéria de exceção, a ser alegada pelos réus da ação reivindicatória
proposta pelos proprietários do imóvel. Além disso, em relação à
indenização, o entendimento constante do enunciado acabou sendo
o majoritário nos primeiros anos de vigência do CC/2002.
Entretanto, na IV Jornada de Direito Civil, aprovou-se outro
enunciado, que traz a alternativa de pagamento de indenização pelo
Estado, e que teve como um dos seus proponentes Lucas Abreu
Barroso. (BARROSO, Lucas Abreu. Hermenêutica e operabilidade
do art. 1.228, parágrafos 4o e 5o do Código Civil. Revista de Direito
Privado n.21, jan.-mar.2005). Assim, eis a redação do Enunciado n.
308 do CJF/STJ: “ A justa indenização devida ao proprietário em
caso de desapropriação judicial (art.1.228, parágrafo 5o) somente
deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das
políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de
possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção
daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de
baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado n.84 da I
Jornada de Direito Civil”. Ora, este último entendimento doutrinário
visa dar efetividade prática ao instituto da desapropriação privada,
pois dificilmente os possuidores terão condições financeiras de arcar

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com a indenização. E assim, novamente é valorizada a função


social da posse.

- Nos termos do Enunciado n.305 do CJF/STJ, da IV Jornada de


Direito Civil, “ tendo em vista as disposições dos parágrafos 3o e 4o
do artigo 1.228 do CC, o Ministério Público tem o poder-dever de
atuação nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que
envolvam relevante interesse público, determinado pela natureza
dos bens jurídicos envolvidos”. Em havendo desapropriação privada
de um imóvel que interessa à coletividade, caso dos bens públicos
dominicais, o MP tem o dever de atuação, o que confirmava a
redação do art. 82, inc. III, do CPC/1973 (“Compete ao Ministério
Público intervir: (…).III- nas ações que envolvam litígios coletivos
pela posse da terra rural e nas demais causa em que há interesse
público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”). A
ideia é mantida com o Novo CPC, pois o seu art. 178, inciso III,
determina a intervenção do Ministério Público nas demandas
de litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. Repise-
se que, também com o Novo CPC, nas demandas petitórias
coletivas será obrigatória a realização de uma audiência de
mediação ou de conciliação antes da concessão de liminar,
com a presença não só de Ministério Público, mas da
Defensoria Pública, nos termos do art. 565, parágrafo 5o do
CPC.

- Em relação ao conceito de posse de boa-fé, constante no


parágrafo 4o do art. 1.228, de acordo com o Enunciado n.309, este
não é o mesmo que trata o art. 1.201 do CC. Por tal conteúdo, a
boa-fé da posse dos ocupantes na desapropriação privada não
é a boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano intencional;
mas a boa-fé objetiva, relacionada às condutas dos envolvidos.
A partir desse entendimento, pode-se pensar que ocupantes do
imóvel têm a seu favor a aplicação do instituto da
desapropriação privada, o que não seria possível caso a boa-fé
objetiva a ser considerada fosse a subjetiva. Em casos assim,
devem ser confrontadas as posses dos envolvidos,
prevalecendo a melhor posse, aquela que atenda à função

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social. Foi justamente o que ocorreu no caso da Favela Pullman.

- De acordo com o Enunciado n.310, também da IV Jornada, “


Interpreta-se extensivamente a expressão 'imóvel reivindicado'
(art.1.228, parágrafo 4o), abrangendo pretensões tanto no juízo
petitório quanto no possessório”. O enunciado é perfeito, uma vez
que estende a aplicação do instituto para os casos de ação de
reintegração de posse proposta pelo proprietário, visando também a
sua efetividade prática. O que se percebe, relembre-se, é que não
houve a absoluta e total separação dos juízos petitório e
possessório, como propõe o Enunciado n. 79 do CJF/STJ.

- Nos termos do Enunciado n. 311 do CJF/STJ, “ caso não seja


pago o preço fixado para a desapropriação judicial, e ultrapassado o
prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará
autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade
em favor dos possuidores”. O entendimento doutrinário tende a
proteger os possuidores, pois permanecendo inerte o proprietário na
cobrança da dívida, poderá ocorrer a consolidação do domínio a
favor dos primeiros. Deve-se deduzir que o enunciado não tem
aplicação nos casos de o pagamento estar a cargo da
administração pública.

- Por fim, na V Jornada de Direito Civil, do ano de 2011, foi


aprovado enunciado que amplia a construção, possibilitando que o
instituto da desapropriação privada seja alegado em petição, inicial,
ou seja, em ação autônoma (Enunciado n.496). Assim, pela nova
interpretação doutrinária que se tem feito, não é cabível apenas
alegar a categoria como matéria de defesa, o que representa
notável avanço a respeito do instituto.

Os enunciados doutrinários expostos tentam resolver uma série de situações


práticas que devem ser enfrentadas pela jurisprudência para a aplicação do novo instituto.
Certo é que já há alegações e debates sobre a desapropriação judicial privada por
posse-trabalho na realidade prática nacional.

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No caso em tela, o Ministério Público sequer foi chamado ao feito, o que torna
por mais essa razão, nula a sentença. Sequer perícia ou inspeção judicial foi determinado
pelo juízo, de modo a garantir o contraditório e a ampla defesa.

O que se pretende fundamentar aqui é a urgência de uma nova leitura da


posse que tome como paradigma normativo a Constituição. Deve ser superada a
interpretação que conduza à proteção meramente patrimonial para atingir e
considerar como padrão de proteção aquele contido nos princípios fundantes de
todo sistema jurídico brasileiro, aplicando-se diretamente a Constituição.

No sentido da tese formulada, o Judiciário, tomando nova postura


hermenêutica, deverá rechaçar os pedidos de reintegração ou manutenção de
posse, seja em caráter liminar ou na própria análise do mérito, toda vez que o autor
da ação não provar que cumpre com a função social do seu direito, seja ele
decorrente da titularidade dominial, como ocorre na maioria das situações, ou não.

Deste modo, o direito consubstanciado no § 4º do art. 1228 do Código Civil é


uma exceção material, a exceção de não funcionalização social do domínio. A posse
funcionalizada diante do confronto com a propriedade sem função social gera uma
exceção de caráter material que não elimina o direito de propriedade, mas o encobre.

Como explica Pontes de Miranda, “ a exceção não é o direito de exceção,


como a pretensão e a ação não são o direito a que se ligam. Excepcionar é exercer
direito de exceção. Há direitos cuja eficácia se estende para além dos limites
estabelecidos pelo alcance da eficácia de outro direito. A exceção é a possibilidade
jurídica de prevalecimento da eficácia de algum direito sobre a de outro,
“encobrindo-a”. A exceção somente nasce depois de ter nascido o direito, a
pretensão, a ação, ou a exceção, a que se opõe. Porque ela supõe uma eficácia que
recubra toda ou parte de outra eficácia. Não se pode pensar em recobrimento de

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eficácia de uma norma que ainda não projetou seus efeitos sobre a realidade.
Portanto, pode já ter nascido o direito, ou a pretensão, ou a ação, a que se oporia, e
a eficácia dele estar elidida, ou ainda em suspenso. Do lado do eventual excipiente,
há eficácia, porém falta, do outro lado, eficácia, que ela recubra.

Na hipótese do § 4º do artigo 1228 do Código Civil, há um encobrimento


do direito de propriedade. O proprietário reivindicante, confrontado pelos
possuidores, por meio da posse qualificada pela realização de obras e serviços por
considerável número de pessoas, em conjunto ou separadamente, tidos pelo juiz
como de interesse social e econômico relevante, fica com seu direito em um estado
de apatia ou quiescência. Com a quiescência, a relação torna-se inoperante. Como
esclarece Roberto de Ruggiero:

A eficácia de um direito pode ser diminuída por surgir, contra a ação


que o tutela, uma exceção que constitua um obstáculo ao seu
desenvolvimento (a reivindicação encontra um obstáculo na exceção
do possuidor que reclama o reembolso dos gastos feitos com a
coisa) ou porque a lei não o proteja com ação, mas somente, por
modo indireto, com exceção.

Teori Zavascki, em situações de confronto entre o direito de propriedade


e a função social da posse (que é o conteúdo da função social da propriedade),
também preconiza, em tese, por soluções como a da quiescência do direito, que,
não eliminando do mundo jurídico nenhum dos direitos colidentes, fazem
prevalecer aquele que se evidencia preponderante em face dos valores jurídicos e
sociais envolvidos:

“ Assim também pode ocorrer, eventualmente, entre direito de


propriedade e função social da propriedade. Não obstante sua
inegável relação de complementaridade e, quando vistos no plano

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normativo, da natural aptidão para sua convivência harmônica, pode


ocorrer que, em determinadas situações concretas, não seja possível
o pleno atendimento de um deles sem comprometer, ainda que em
parte, o outro, ou vice-versa.

É o que ocorre, por exemplo, quando, em relação a determinado


bem, o detentor da titulação jurídica é omisso no desempenho da
função social, a qual, todavia, vem sendo exercida por longo tempo e
em sua plenitude por outrem, possuidor não-proprietário. Em casos
tais, atender pura e simplesmente à eventual reivindicação do bem
pelo proprietário representará, certamente, garantir seu direito de
propriedade, mas significará também, sem sombra de dúvida,
comprometer a força normativa do princípio da função social. Já a
solução contrária aos interesses do reivindicante operará em sentido
inverso: atenderá a função social, mas limitará a força normativa do
princípio norteador do direito de propriedade.

Para situações concretas dessa natureza, o legislador, como se verá,


tem buscado soluções harmonizadoras, formulando regras de
superação do impasse que, sem eliminar do mundo jurídico nenhum
dos princípios colidentes, fazem prevalecer aquele que, segundo o
critério de política legislativa, se evidencia preponderante em face do
momento histórico e dos valores jurídicos e sociais envolvidos.”

O encobrimento do direito de propriedade perdura enquanto os


possuidores estiverem cumprindo com a função social do bem objeto da posse, e
isso impede ao titular do domínio desfuncionalizado sua retomada. Se, porém, o
tempo da posse qualificada perdurar por tempo hábil para a usucapião, o
encobrimento será definitivo, pela conversão da posse em propriedade,
considerando a natureza declaratória da sentença que reconhece a usucapião.

Contudo, se antes do prazo previsto na lei para a usucapião do imóvel, ocorrer


a demissão voluntária, negocial ou não, da posse, a eficácia de encobrimento da exceção
– posse funcionalizada – cessa, restabelecendo na íntegra o direito do titular de tomar

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posse da coisa e passar a exercer o seu direito obedecendo aos ditames de sua função
social, para que nova situação não ocorra que lhe impeça o exercício do direito.

Em conclusão, é possível afirmar quanto à natureza jurídica que o direito


consubstanciado no art. 1228, § 4º, do Código Civil, expressão do princípio da função
social da posse, constitui uma exceção material, a exceção de não funcionalização
social do domínio. A posse funcionalizada, diante do confronto com a propriedade
sem função social, gera uma exceção de caráter material, que não elimina o direito
de propriedade, mas o encobre. O proprietário reivindicante, confrontado pelos
possuidores, exercentes de posse qualificada pela realização de obras e serviços,
tidos pelo juiz como de interesse social e econômico relevante, fica com seu direito
em um estado de apatia ou quiescência.

O encobrimento do direito de propriedade perdura enquanto os


possuidores estiverem cumprindo com a função social do bem objeto da posse, e
isso impede ao titular do domínio, desfuncionalizado sua retomada. Se, porém, o
tempo da posse qualificada perdurar por tempo hábil para a usucapião, o encobrimento
será definitivo, pela conversão da posse em propriedade, considerando a natureza
declaratória da sentença que reconhece a usucapião.

Contudo, se antes do prazo previsto na lei para a usucapião do imóvel, ocorrer


a demissão voluntária, negocial ou não, da posse, a eficácia de encobrimento da exceção
– posse funcionalizada – cessa, restabelecendo na íntegra o direito do titular do domínio
de tomar posse da coisa e passar a exercer o seu direito obedecendo aos ditames de sua
função social, para que nova situação não ocorra que lhe impeça o exercício do direito.

Enfatize-se a temporalidade do exercício do direito à indenização, previsto no


art. 1228, § 5º, do Código Civil. Proposta pelo proprietário a ação reivindicatória

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assecuratória, em princípio, do seu direito de propriedade sem função social, e,


obstaculizada a eficácia desta pela exceção material da posse coletiva qualificada
pela moradia ou pela realização de obras e serviços de interesse social e econômico
relevante, nasce, nesse momento, do reconhecimento judicial da quiescência, em face da
prevalência da posse com função social sobre o direito de propriedade sem função
social, o direito à justa indenização devida ao proprietário. Se os possuidores forem
indivíduos com bom cabedal econômico e tiverem condições de efetuar tal pagamento, a
solução se imporá, para que não haja um enriquecimento sem causa de uma parte em
detrimento da outra. Pago o preço, sob essas circunstâncias e nesse momento
determinado, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos
possuidores (art. 1228, § 5º, in fine).

Presentes determinados pressupostos, excepcionalmente, se admitirá o


pagamento da indenização, prevista no artigo 1228, § 5º, do Código Civil, por eventual
desapossante com responsabilidade indireta, como a Municipalidade, desde que o
comportamento desta tenha sido deflagrador ou possibilitador efetivo da manutenção da
posse qualificada dos possuidores.

Há de se romper com o formalismo individualista diante das demandas sociais.


Necessárias são as construções de pontes entre as necessidades de uma sociedade
multifacetada (e desigual) e o caminho rumo a um efetivo Estado democraticamente
organizado, afastando-se da dogmática estruturada na ficção da igualdade formal.

Titularidades formais e fruição real das possibilidades emergentes de bens que


atendam às necessidades é, ainda, um caminho a percorrer. É tempo, pois, de
desvincular forçosa construção que vincula a posse à propriedade. Ter não é possuir ! A
autonomia da posse cada vez mais se afirma, fortalecida pelas investigações iluminadas
pelo direito civil constitucional. Os fundamentos da posse precisam ter em conta a
promoção dos valores sociais constitucionalmente estabelecidos e sua relação com os
direitos fundamentais, entre eles, o de moradia.

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IV — DO PEDIDO:

Por todo o exposto, requer seja:

a) concedida ao apelante a gratuidade de justiça ;

b) concedido efeito suspensivo ao presente recurso, para após exame e


análise, seja declarada nula(pela não participação do Ministério Público e da Defensoria
Pública nesta ação possessória coletiva) ou reformada a sentença, determinando-se ao
juízo, por economia processual, a determinação de inspeção ou perícia judicial no imóvel
objeto da lide, sendo garantido o contraditório e a ampla defesa ;

c) sejam fixados honorários sucumbenciais.

Prequestiona-se o acórdão com as teses e fundamentos jurídicos acima


expostos para que fiquem abertas as vias recursais excepcionais, com o que mais uma
vez este Egrégio Tribunal fará a mais lídima

JUSTIÇA !

Termos em que
Espera Deferimento.

André Luiz Costa de Paula


OAB/RJ 33.926

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