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Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO

PAULO e Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo, protocolado em 02/05/2023 às 17:42 , sob o número WPRO23030191265.
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SUBPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA JURÍDICA

PARECER

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 2004314-52.2023.8.26.0000 e código 1FB138D7.
Processo n. 2004314-52.2023.8.26.0000
Ação Direta de Inconstitucionalidade
Requerente: Procurador-Geral de Justiça
Requerida: Câmara Municipal de Holambra

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

EXPRESSÕES “SOB A PROTEÇÃO DE DEUS” E “SAGRADO” DO ART. 6º E

ART. 139 DA RESOLUÇÃO N. 236, DE 25 DE ABRIL DE 2022, DA CÂMARA

MUNICIPAL DE HOLAMBRA. OBRIGAÇÃO DE QUE O VEREADOR ELEITO

PRESTE O SAGRADO COMPROMISSO DE EXERCÍCIO DO MANDATO SOB A

PROTEÇÃO DE DEUS NO ATO DA POSSE E DE QUE O PRESIDENTE DA

CÂMARA MUNICIPAL DECLARE ABERTAS AS SESSÕES LEGISLATIVAS SOB A


PROTEÇÃO DE DEUS. VIOLAÇÃO À LAICIDADE ESTATAL.

INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS DE IGUALDADE, FINALIDADE E

INTERESSE PÚBLICO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 43, 111 E 144 DA CE E AOS


ARTS. 5º, VI, E 19, I, E 78 DA CF. PROCEDÊNCIA.

1. Não compete ao Poder Legislativo criar preferência por


determinada religião, como a instituição de “sagrado”
compromisso e a obrigação de que seus membros vocalizem que
se encontram “sob a proteção de Deus”, por afrontar a laicidade
estatal.

2. Legislação que, por seu caráter discriminatório, não se coaduna


com igualdade, finalidade e interesse público.

3. Procedência do pedido.

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Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO e Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo, protocolado em 02/05/2023 às 17:42 , sob o número WPRO23030191265.
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Douto Desembargador Relator,

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 2004314-52.2023.8.26.0000 e código 1FB138D7.
Colendo Órgão Especial:

1. Relatório

É ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo douto Procurador-


Geral de Justiça do Estado de São Paulo em face das expressões “sob a proteção
de Deus” e “sagrado” do art. 6º e do art. 139 da Resolução n. 236, de 25 de
abril de 2022, da Câmara Municipal de Holambra, em razão da violação aos
arts. 43, 111 e 144 da Constituição Estadual e aos arts. 5º, inciso VI, e 19, inciso
I, e 78 da Constituição Federal (fls. 01/11).

A Câmara Municipal de Holambra defendeu a constitucionalidade dos


preceitos impugnados, ressaltando que o Brasil tem forte tradição religiosa e
garante os valores cristãos, assim como os de qualquer outra crença. Acrescentou
que a expressão “sob a proteção de Deus” não configura ofensa à laicidade ou
a liberdade de crença, e, ainda, não ocasiona qualquer ofensa ao princípio da
impessoalidade da Administração Pública (fls. 226/232).

Por fim, citada (fl. 236), a douta Procuradora-Geral do Estado deixou de


apresentar manifestação (fls. 237).

É o relatório.

2. Fundamentação

O pedido é procedente.

Em síntese, as expressões “sob a proteção de Deus” e “sagrado” do art. 6º


e o art. 139 da Resolução n. 236, de 25 de abril de 2022, da Câmara Municipal
de Holambra, conferem aos Vereadores locais a obrigação de prestar explícito
“sagrado” compromisso de exercício do mandato “sob a proteção de Deus” no
ato de posse. Também obrigam o Presidente da Câmara Municipal a declarar

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abertas as sessões legislativas com as seguintes palavras: “Sob a proteção de


Deus, iniciamos os nossos trabalhos”.

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Apesar dos argumentos expostos pela Câmara Municipal de Holambra, a
laicidade importa na absoluta neutralidade do Estado, no sentido de não se
adotarem posturas em benefício ou em detrimento das diversas igrejas ou
religiões estabelecidas no território nacional

Não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por


determinada religião – como o faz pela instituição de compromisso
expressamente tido como “sagrado” e pela vocalização de que os seus membros
se encontram “sob a proteção de Deus” – voltado exclusivamente aos seguidores
dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no
tecido social brasileiro como a judaica, a muçulmana etc., bem como de outras que
não ostentem essa percolação, justamente à vista da laicidade do Estado
brasileiro.

Se tanto não bastasse, os dispositivos impugnados são incompatíveis com os


princípios de igualdade, finalidade e interesse público contidos no art. 111 da
Constituição Estadual.

Além de implantar discriminação injustificada pelo tratamento privilegiado


descrito, o ato normativo comunal não persegue finalidade de interesse público
primário, senão atende a outros interesses.

Ora, se o Estado pode colaborar, de forma indistinta com todos os credos,


não lhe é dado introduzir no cotidiano da atividade legislativa reflexão e
invocação relacionada ao cristianismo, ou subvencioná-lo, direta ou indiretamente,
visto que a liberdade de religião abrange inclusive o direito de não ter religião,
do qual emana o impedimento ao Poder Legislativo invocar a proteção de Deus
e caracterizar o compromisso de posse como “sagrado”, adjetivo definido na

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Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE SAO PAULO e Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo, protocolado em 02/05/2023 às 17:42 , sob o número WPRO23030191265.
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língua portuguesa como “relativo, inerente ou dedicado a Deus, a uma divindade,


religião, culto ou rito; sacro, santo”1.

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Os preceitos normativos em análise contêm preferência religiosa, o que não
se admite, seja porque o Estado brasileiro é, no aspecto religioso, conforme a
ordem constitucional vigente, neutro, seja porque não considera aqueles que não
se orientam pela Bíblia cristã, tendo ou não uma religião, faceta essa que
descende da própria liberdade religiosa.

Nesse sentido, cumpre rememorar que a Suprema Corte assentou com


clareza que o “Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro
quanto às religiões. (...)” (STF, ADPF 54 – DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco
Aurélio, 12-04-2012, DJe 30-04-2013).

Não bastasse, a petição inicial transcreveu diversas ementas em que o


colendo Órgão Especial corroborou esse entendimento (fls. 07/10).

Portanto, as disposições contestadas, além de vulnerarem os princípios


mencionados, violam a laicidade do Estado, uma vez que esse deve se manter
neutro, não podendo favorecer religiões ou desfavorecê-las, em respeito a todos
os que compartilham de alguma fé e a todos que não compartilham de qualquer
fé.

Com essa fórmula normativa, violam, ainda, o art. 43 da Constituição


Estadual e, por força do art. 144 dessa Carta, o art. 78 da Constituição Federal,
que culminam na lógica de que os agentes políticos prestam compromisso de
cumprir e fazer a cumprir as Constituições Federal e do Estado. Não devem,
portanto, fidelidade a uma ou outra religião.

1 Definição dada pelo Dicionário Brasileiro Michaelis da Língua Portuguesa. Disponível em: <
https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/sagrado/>. Acesso em 13
de dezembro de 2022.
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Diante de tal quadro, as expressões “sob a proteção de Deus” e “sagrado”


do art. 6º e o art. 139 da Resolução n. 236, de 25 de abril de 2022, da Câmara
Municipal de Holambra, devem ser reputados inconstitucionais.

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3. Conclusão

Face ao exposto, opino pela procedência do pedido, nos exatos termos da


exordial.

É o parecer.
São Paulo, 24 de abril de 2023.

Wallace Paiva Martins Junior


Subprocurador-Geral de Justiça
psv/gaf

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