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Aversões no campo da alimentação

Um elemento ficou muito nítido através da análise das entrevistas: uma quase
totalidade no que diz respeito à valorização excessiva da magreza, apenas quebrada
eventualmente por entrevistados em processo social de ascensão recente, ainda assim
não sem esforços de “correção alimentar” ou sentimento de culpa (também alguns
entrevistados com alto capital cultural não se filiam por completo em algo como uma
valorização excessiva da magreza, mas são bastante preocupados com o peso e saúde).

Em momentos mais informais, quando pode ir além da artificialidade dos


questionários, e tive condições de participar dos momentos de sociabilidade mundana,
foi possível melhor entender essa valorização do peso: o estar acima do peso e engordar,
é percebido como quase um grave desleixe que deve ser urgentemente combatido.
Assim, em uma vernisasse de artes, em que encontrei dois entrevistados (uma antiga
publicitária e hoje psicanalista e um pintor fora do mercado das artes – ambos vivem
majoritariamente da renda de bens herdados) ao iniciar uma conversa com eles, esses,
em determinado momento, teceram breves comentários irônicos sobre “os gordinhos da
pandemia”, ao se referirem a pessoas que haviam encontrado no evento e que eles
perceberam que haviam ganho peso durante o período de quarentena. Em outra ocasião,
em uma ida a um restaurante localizado na avenida Boa Viagem, acompanhando de dois
descendentes de importante família de ex-usineiros e antigos políticos do nordeste, estes
ao encontrarem pessoas da alta sociedade que também haviam engordado comentaram
com grande reprovação como “a barriga de fulano estava grande”. Um dos
acompanhantes, um diretor de televisão e cineasta, que passou boa parte de sua vida no
Rio de Janeiro, fazia questão de deixar claro o quanto incorporará a cultura de culto ao
corpo e a magreza próprio dos frequentadores de Ipanema (nota de rodapé sobre velho
– para ele, Ipanema era não uma segunda casa, mas seu próprio habitat, e, por
vezes destacou como o bar estava repleto de pessoas “feias”, “cafonas”, e malvestidas
ou em suas próprias palavras: “gordões usando mocassim com meia branca (...) gente
feia e malamanhada, berrantes e toscas” Enfim, não faltaram comentários aversões
visando a aparência e a falta de senso para se vestir, sobretudo quando os comentários
eram dirigidas aos “novos ricos”,como, por exemplo, ao ridicularizar aqueles que
estavam usando imitação de couro de jacaré, terem seus modos berrantes na forma de
falar, e falta de respeito quanta a privacidade da mesa alheia – era constante os
momentos em que ele manifestava sua irritação com pessoas que tentavam estabelecer
conversar, assim ao invés de se expor a estes comportamentos reprováveis, sugeriu que
melhor seria ir para sua casa, uma vez que a calçada, ou um espaço relativamente
público como as dependências de um restaurante forçaria um convívio com grandes
aversões de gosto. Contudo, além dos comentários depreciativos aos “novos ricos”, é
fundamental nos atermos a obsessão pela aparência, sobretudo uma grande atenção
dirigida ao peso. Em uma conversa entre duas amigas, já em outra ocasião, uma
comentou que havia ganho alguns quilinhos a mais nos últimos meses, também se
referindo ao período de quarentena, com muita naturalidade, a outra, também
pertencente aos altos extratos das classes altas do Recife, logo emendou, “mas você vai
perder vai perder esse peso, não é?”, como um imperativo a ser seguido.

Contudo, se nos momentos em que o microfone esteve desligado esse culto a


magreza e aversão ao corpo gordo apareceu mais livremente, nem por isso nas
entrevistadas, momentos em que o pesquisado tem melhores condições se mostrar mais
polido e livre de preconceitos, o culto a magreza, bem como aversões a alimentações
mais calóricas não deixaram de aparecer, contudo tais julgamentos sempre surgiam com
muitas mitigações, mais ainda assim, havia a vinculação da falta de ascese alimentar a
algumas classes sociais, e, dependendo da estrutura de capitais (quando se tratando de
pessoas com alto capital cultural e também mais que se colocavam mais sensíveis a
pobreza) os comentários, surgiam não em formato de uma crítica de classe, eram como
uma constatação de uma situação social, contudo, ao se falar sobre os novos ricos, e,
também a “classe média”,

Essa classe bem baixa tem uma diferença de alimentação e comem


errado. E o que come, come errado. B: Come errado? F: É. B: Como
assim? F: Veja... é... eu vejo... (incompreensível min 55:47) o menino
muito pequenininho, então sempre (incompreensível) olhe, não deixe
o menino comer isso. E ela é uma mãe super protetora, então ela
procura nutricionista no SUS para levar o menino. Quer dizer? A
pessoa é preocupada. . (acho q ela tava falando da empregada dela,
mas ela tem uma dicção péssima e fala quase sussurrando às vezes)
Mas é cuscuz com salsicha. Salsicha é... [tom negativo], né? “Não, eu
faço misturinha”. Eu vejo lá na praia misturinha, porque tem muita
gente que lá. Pronto, na praia que eu vejo muita miséria e é o que? É
cuscuz com peixe, com peixinho que eles comem, “manjurinha”, não
sei se tu conhece, como se fosse uma sardinha. É até gostoso. (...)Aí
eles comem muito isso que tem uma diferença muito grande de
alimentação de uma classe para outra. Até da média para baixo.
acompanhadas aos pobres ou aos famigerados novos ricos, e, também a “classe
média”. Ao mesmo tempo a alimentação ritualística, magra surgiu como quase um
princípio de vida, quebrado excerto por momentos de festa, estes, em que se permite
comer comidas pesadas e típicas da identidade nordestina.

Foi a hora do mamute desterrado de cinturão da cor do sapato. Até bolsa capanga vi,
imitação de couro de jacaré. Minha nossa senhora, que ajuntamento infeliz. Agora estou
isolado pensando em meus projetos

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