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LIBRARY
UNIVERSITY OF CALIFORNIA
DAVIS

4.2
-
4000

HISTORIA CONSTITUCIONAL
DA

REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL


.
FELISBELLO FREIRE

HISTORIA CONSTITUCIONAL
DA

REPUBLICA

DOS

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL


( SEGUNDA EDIÇÃO )

VOLUME I

RIO DE JANEIRO
TYP . ALDINA- RUA SETE DE SETEMBRO 79.

1894

LIBRARY
UNIVERSITY OF CALIFORNIA
DAVIS
Aos
Partido Republicano Sistorica do Brasiſ
OFFERECE

O Autor.
PREFACIO

Este livro é o resultado de uma convicção. Nos tempos


que passam , em que a proposito de tudo e de todos, appella-se
para a sabedoria e o patriotismo das instituições monarchi
cas e dos seus servidores entre nós, não
é fóra de propo
sito enfrentar essa propaganda com o inventario daquillo
que de util bom deve a civilisação brasileira á influencia
do regimen decahido e o que pode ella dever ás instituições
vigentes. O processo historico que instituiu a monarchia
como forma de governo ; o modo pelo qual na pratica ella
resolveu o problema do governo constitucional ; a liberdade
de acção e a amplitude que deu ao exercicio da justiça ; os
csforços com que empenhou- se para desenvolver o direito ;
a intervenção que exerceu para que o regimen da lei fosse
uma verdade ; sua contribuição na vida politica da nação,
em relação à liberdade do direito do voto ; as funcções do
soberano na engrenagem constitucional , na supremacia sobre
o parlamento , na organisação dos ministerios , tudo isto con
stitue assumpto de pesquizas deste livro , porque com estas
evoluções e através de todos estes factos , vê-se a causa histo
rica da idéa republicana , que por sua vez veiu obrar como
um factor do nosso desenvolvimento politico .
Ainda mais. As relações do regimen com os governos
locaes, prendendo -os pela centralisação ; o programma ti
mido e profundamente acanhado dos seus estadistas, em
relação á vida economica e financeira do paiz, tudo constitue
assumpto de estudo, por isso mesmo que affectam a origem
e o desenvolvimento da idéa republicana. E eis a razão por
que consideramos este nosso livro como o resultado de uma
convicção que toma corpo justamente no facto incontestavel
de que a Republica teve suas causas de origem, de desen .
volvimento, suas phases e seus periodos historicos. soffrendo
VIII

a influencia cultural do meio e reagindo sobre elle . Ella


constitue uma tradição historica em nossa vida politica.
Si esta convicção inspirou a obra que emprehendemos ,
de par com ella está o desejo de prestarmos um serviço á con :
solidação do novo regimen , contra o qual procura actualmente
reagir um conjuncto de causas. Comprehende-se que, eluci
cidado este passado e arrancado elle das duvidas em que
a reacção monarchica, pelo officialismo dos seus historiadores,
quiz sempre manter, fornece uma lição de experiencia e de
ensinamento ao futuro , devendo nelle inspirar - se os organi
sadores da Republica, para que se mantenha o encadeia
mento da evolução democratica, sem lhe abrir uma solução
de continuidade .
Em face disto se nos afigura um erro a affirmativa de
que a acção historica do principio republicano entre nós ,
chegando a conquista de modelar a actual organisação insti
tucional , é puramente contingente e accidental. Não veiu
sua victoria somente em consequencia da luta das classes
armadas da nação contra a autoridade constituida. Affirmal - o
não passaria de uma analyse superficial e sem criterio his
torico. Os attritos do exercito com a autoridade já são o
resultado deste estado subjectivo da nação, em relação aos
poderes constituidos , que pelo abuso do poder, pelas viola
ções da lei , tinham trazido ás instituições uma athmos
phera de descontentamento e de impopularidade .
O proprio exercito já tinha soffrido em seu seio a acção
emancipadora dos agentes de cultura intellectual, que lhe
fizeram alargar profundamente os horisontes democraticos
e quebrar os habitos de superstição para com os idolos da
instituição.
Si , materialmente fallando, foi o exercito quem fez a
revolução de 15 de Novembro , com o auxilio da marinha,
a nova ordem de cousas, que se instituiu em consequencia
d'ella, não se manteria com a efficacia de uma transforma
ção definitiva, si lhe falhassem favoraveis condições moraes
e sociaes como ponto de apoio . São ellas os seus elementos
de segurança, de estabilidade e manutenção, porque tra.
IX

duzem a assimillação que fez o espirito publico das vanta


gens do novo regimen e o enraizamento no coração do povo.
As bayonetas por si só seriam impotentes para substituir
a funcção deste factor de segurança.
As classes armadas não podiam isentar-se da acção
dos agentes que operaram a democratisação do espirito na
cional, ha longos tempos, dominado pelos defeitos e vicios
das velhas instituições. Representando ellas uma classe da
sociedade, em cujo seio reflectia - se a acção destes agentes,
não podiam abrir para si uma atmosphera propria, que
pudesse resistir contra a sua influencia. E, si as classes
armadas, agindo como factores da transformação radical por
que passaram as instituições politicas, não encontrassemo
terreno em via de preparação, a obra revolucionaria seria
de effeitos momentaneos e accidentaes, não podendo levar
a organisação politica, social e conomica do paiz á phase a
que tem chegado, com os melhores resultados, principal
mente para a economia dos Estados.
Não foi sob a suggestão de sentimentos pessoaes , de
aspirações egoisticas , transitorias e passageiras em seus
effeitos, que o exercito obrou como factor revolucionario.
Foi um agente consciente de transformação, chegando a
esta situação pelos seus progressos de cultura e de educação
democratica, sujeito ás causas da emancipação mental e
moral que agiam sobre si , de ha muito . Si ao lado disto
antevê -se a suggestão do espirito de classe, do sentimento
de interesse, para revoltar-se contra as instituições, o que
caracterisa, porém , sua situação revolucionaria, é a influen
cia de causas geraes que affectam o seu gráo de educação
moral e mental . E a prova disto temol -a justamente na
revolta de 6 de Setembro de 1893 , em que parte da esqua
dra nacional subleva-se para derrubar os poderes consti
tuidos da nação, dominada pela ambição pessoal de governo
e pela reacção contra as instituições republicanas.
Os sentimentos sanguinarios e deshumanos dessa re
volta, que não se inspira em uma aspiração nobre e na
defeza da justiça e do direito, chegando ao excesso de bom
X

bardear uma cidade indefesa, a unica força material de


resistencia que têm encontrado é justamente o exercito na
cional e os batalhões civicos, que se unificam tanto mais ,
como um corpo que obedece a uma só vontade, quanto sentem
os perigos que ella traz à estabilidade das instituições .
Quanto mais claro torna-se o plano occulto que nella en
volve-se, sob as apparencias de uma restauração da lei con
stitucional , mais unificadas ficam as forças de terra , que
apagam pequenas dissidencias que lavravam entre si , para
praticar actos de heroismo, inacreditaveis , na defesa da
Republica. A caudilhagem que na parte da armada revoltada
foi o virus que creou a endemia das revoltas, no exercito não
encontrou um plasma tão favoravel á sua ploriferação. E'
que a educação scientifica e ainda mais a social das duas
classes é muito diversa e essa diversidade de habitos , de
costumes , de orientação moral , faz com que os intuitos
que levaram o exercito a rebellar-se contra a autoridade e
as instituições não foram intuitos ligados a cogitações pes
soaes, ás suggestões do capricho : foram energias despren
didas por effeito do processo da democratisação que se
operou em seu seio .
O espirito acostumado á analyse dos factos não pode
estranhar que a revolução que instituiu entre nós a Repu
blica, como forma de governo, sendo feito pelo exercito,
em relação ao lado material , havia de trazer difficuldades á
politica do paiz . O elemento civil havia de ter um con
currente no desempenho de funcções publicas que o militar
almejou , em consequencia da posição em que a revolução
o collocou . A nação tem passado por estas intervenções , que
não deixam de ter trazido excessos de classes , preponderando
o elemento militar com certa energia nas deliberações dos
poderes publicos . Não ha contestal - o, nem era possivel evi
tal -o.o Ella recuará desse programma, por uma espontanei
dade de acção, porque em sua consciencia vão se gravando
as inconveniencias dessa atmosphera politica em que se tem
agitado .
XI

Esta revolta, em que, ao lado das suggestões ambiciosas


e das audazes tentativas da restauração do antigo regimen ,
sente- se uma luta, uma rivalidade entre as classes armadas ,
vai deixar uma experiencia dolorosa dessa politica militar
em que temos vivido.

Para a elaboração desta obra preparamo-nos de longo


tempo, reunindo os materiaes precisos para leval-a ao fim .
Dentre elles são de capital importancia as notas que tiramos
das sessões do Congresso Constituinte, do qual tivemos a
bonra de ser um dos membros , como representante do
Estado de Sergipe .
Sendo o seu objecto principal a historia constitucio
nal da Republica, comprehendemos ser preciso o estudo da
origem da idéa republicana e das leis de seu desenvolvi
mento, por isso que iriamos ahi encontrar importantes
factores da elaboração do direito constitucional e as causas
da revolução de 15 de Novembro. Este estudo preliminar
constitue o assumpto do primeiro volume, no qual estudamos
a evolução democratica no Brasil . A par disto estudamos
todos os factos que deram logar á dissolução do regimen
monarchico, catalogando-os em tres cathegorias de causas
causas economicas , politicas e sociaes.
Como o leitor verá , primeiro volume é uma intro
ducção á obra.
No segundo volume estudamos o governo provisorio.
E' um antecedente indispensavel do estudo da constituinte
de Novembro de 1890, por isso que das relações entre ella e
o governo dictatorial originaram - se questões em que não foi
indifferente o legislador constituinte. Ellas não deixaram de
exercer grande influencia na elaboração do direito consti
tucional . A necessidade deste estudo justifica -se no facto
incontestavel de que o governo provisorio obrou como um
factor da elaboração do direito, por meio do seu ministerio,
que, além de fazer parte da constituinte , offereceu ao seu jul
gamento um projecto de Constituição. Neste volume estu
damos tambem o papel da commissão nomeada pelo go
XII

verno para confeccionar o projecto de Constituição, a


funcção da imprensa da capital , e o vestigio deixado no
direito constitucional pelas bancadas dos diversos Estados .
No terceiro volume examinamos com a maior minuciosi .
dade possivel a constituinte. Procuramos, tanto quanto está
em nossas forças, não perder um só elemento que elucide
o problema dos factores da elaboração do direito, nem tambem
as mais simples opiniões que foram emittidas no recinto do
Congresso, como elemento historico indispensavel para firmar
a verdadeira interpretação da Constituição.
Não nos esquecemos tambem de traçar linhas de compa
ração entre o nosso direito e o de outros paizes, regidos por
instituições democraticas, no intuito de firmarmos o que de
original foi feito pela Constituinte da Republica no Brasil ,
em direito constitucional . Si nos problemas capitaes ella
teve de cingir-se ás soluções já dadas por outros povos ,
não deixa entretanto a nossa constituição de conter soluções
originaes, que são a expressão do nosso personalismo em
politica, de nossa educação, de nossa cultura, do nosso
cunho historico.
No quarto volume estudamos a organisação dos Esta
dos , levando em linha de conta suas condições de riqueza,
de cultura intellectual, de expansão territorial. Ahi analy
samos as duas phases de organisação por que passaram
elles, mostrando as differenças que as separam e as causas
que motivaram as resoluções que soffreram . Estudamos
ainda mais suas condições financeiras e economicas e as
vantagens que elles têm tirado da federação.
Eis ahi o plano geral da obra.
Não nos preoccupou , em sua confecção, senão a ver
dade da historia e a interpretação fiel e desappaixonada
dos factos .
Não attendemos para a belleza da phrase, nem á ri.
queza do estylo e da linguagem . Por este lado nada en
contrará o leitor que possa prender sua attenção.
Rio_Janeiro de 1894 .
FELISBELLO FREIRE.
PREFACIO Á SEGUNDA EDIÇÃO
Estava fóra de nossa previsão que em tão pouco tempo
se esgotasse a primeira edição deste volume.
Ligamos este facto ao valor ee á actualidade do assumpto
de que elle tracta . Ninguem mais do que nós tem consciencia
dos seus defeitos e omissões , que procuramos corrigir com os
conselhos da critica.
Elle é inteiramente despido de esplendores de estylo e
de riqueza de eloquencia.
Uma idéa, porém, dominou nosso espirito em sua elabo
ração — sermos justos e verdadeiros. A critica dirá si o
somos .

Recebemos diversas cartas e rectificações, que aprovei


tamos nesta segunda edição, em que procuramos desenvolver
um assumpto sobre o qual fomos omisso na primeira edição
- a influencia historica do positivismo na propaganda demo
cratica entre nós .
Da polemica que se agitou em derredor do livro, uma
parte traduz o interesse historico da verdade e da justiça,
representado pela critica sensata e desapaixonada ; outra
parte traduz o sentimento local do partidarismo pessoal .
E comprehende-se facilmente que um livro que tão de
perto affecta a actualidade e que envolve o valor e as re
sponsabilidades dos contemporaneos, na politica da nação,
não podia deixar de abrir a valvula do partidarismo local .
Foi através desse prisma que foi lido o livro. Nada
temos a oppor, senão respeitar esse sentimento como uma
realidade .
Da exhibição da critica trasladamos para aqui o que de
mais sensato foi escripto na imprensa.
XIV

São dous estudos feitos pelo notavel jornalista Alcindo


Guanabara, actual deputado ao Congresso Nacional, e pelo
illustrado critico dr. Araripe Junior.
Eis o que disse o Sr. Alcindo Guanabara :
" Narrar mais ou menos fielmente os successos dos tempos
que correm , analysar friamente antecedentes historicos, jul .
gar a acção de contemporaneos, emittir juizo sobre persona.
lidades que ainda se agitam , obra é que reclama tão farto
quinhão de imparcialidade, de serenidade de animo, de des.
prendimento de paixões naturaes , que licito seria julgal - o
não existente em espirito humano. Difficilmente se consegue
julgar com justiça a propria obra ; difficilmente as gerações
podem aquilatar com rigor a verdade da acção que tenbam
exercido para o progresso da patria. A historia é forçosa
mente uma funcção da posteridade : o tempo é condição
essencial para que os factos se apresentem com a nitidez da
verdade, não da verdade dos pequenos detalhes , das minucias
insignificantes a que os contemporaneos de ordinario ligam
tão alta importancia, mas da verdade de suas origens , de
suas determinantes , de seus intuitos. Demais, a historia
escripta dia a dia, por imparcialissima que seja , póde não ser
verdadeira. Historia implica narração e julgamento, inquerito
de origens e juizo de fins.
E , para tal obra, o historiador entra com a massa de
idéas e opiniões de seu meio, da sociedade em que vive ,
quiçá do momento que atravessa, de modo que não raro
seria er as gerações vindouras reformarem a sentença por
elle proferida. Por superior que seja o espirito do histo
riador dos successos contemporaneos, esse escolho não está
em seu poder evitar. Cada facto , cada individualidade, cada
acção, elle o julgará segundo a corrente de ideas de que éé
filho, idéas em que foi educado, idéas que pairam no am
biente em que respira, idéas que são a base de sua propria
individualidade de pensador .
Artista, sabio, pensador, politico, ninguem escapa a
essa dominação absoluta do meio em que se agita ; de modo
que, si a historia dos successos contemporaneos não tem a
XV

virtude de se impor ao futuro como o julgamento definitivo ,


tem o merito altamente apreciavel de ser o depoimento de
uma geração em que tudo se encontra : as suas paixões , os
seus ideaes , as suas lutas , os seus preconceitos , os seus be
neficios e os seus erros .
Tal é o merito da obra emprehendida pelo Sr. Dr. Felis
bello Freire e de que acaba de ser peblicado o primeiro vo
lume. A Historia Constitucional da Republica está talhada em
largos moldes : é um vasto inquerito de causas que promo
veram a quéda das instituições monarchicas e é a analyse e
o julgamento dos homens e dos actos do Governo Provisorio,
da acção da Constituinte, da situação dos Estados , exame
minucioso, profundo, em que não raro o detalhe domina, mas
d'onde flagrantemente resalta a preoccupação do autor de
alcançar uma vista geral de conjuncto que dê ao seu julga
mento a força de quem o profere calma e despreoccupada
mente , alheio ás paixões, como si vivera muitos annos
depois d'estes tempestuosos tempos em que vivemos todos .
E' sem duvida curioso que um homem politico cuja
intervenção activa nos negocios publicos data do primeiro
dia da Republica, -governador de Sergipe, membro do Con
gresso, ministro d’Estado — se arrogue essa calma olympica
de julgar successos nos quaes magna pars fuit... Muitos ha
verá aos quaes só essa consideração fará com que repillam as
sentenças por elle formuladas. Serão, todavia, injustos. Ne
nhum escriptor, que eu conheça, tem entre nós as qualidades
e os defeitos do auctor da Historia Constitucional da Repu
blica ; nunhum espirito tambem é, como o d'elle, moldado a
geito para estudos deste genero.
Conheci -o em 19:10 . Funccionava a assembléa consti
tuinte ; e alli, n'um barracão do antigo pateo da Quinta da
Boa Vista, entreolhavam - se reservados, naturalmente receio
sos do pesado dever que lhes incumbia, recolhidos a um si
lencio prudente, os moços que pela primeira vez eram chama
dos á direcção activa da nação. O estado.maior do partido
republicano historico agitava-se, apressando votações , abre.
viando debates , dando aqui e alli batalhas decisivas de que,
XVI

generaes que eram, sahiam sempre vencedores. Eu tinha


recebido de meu Estado a honra inestimavel de ser enviado
a essa assembléa e julgava corresponder a essa confiança
limitando a minha intervenção a algumas, raras, emendas e
a minha acção ao voto meditado. A intervenção na primeira
linha, pensava eu, cabia principalmente aos que tiveram nos
Estados que se federavam a responsabilidade de propagar as
idéas que triumphavam . Do numero desses era o deputado
de Sergipe, que, entretanto, conservava-se na sua bancada
silencioso e cauto como eu. Não lhe comprehendi o silencio,
muitas vezes , ao abrirem- se discussões de theses sobre as
quaes sabia eu que tinha estudos e opinião firmada . O trato,
com o tempo, revelou-me a razão disso e, com ella, o homem
que é : desconfiado e cauto , examinava o terreno em que
pisava ; estudava o novo meio em que se achava ; sondava
homens e cousas , que o cercavam . Paciente, não hesitava em
sacrificar o triumpho incerto que o presente lhe podia offe
recer ; perseverante, tinha a convicção de que não perdia
por esperar. Creio que não erro dizendo que ahi estão as
duas caracteristicas dominantes de se!! espirito : paciencia e
perseverança, sinão pertinacia, tenacidade fria, obstinada,
de quem tem certeza de que ha de lograr attingir determi
nado desideratum , por longinquo que seja, sem se apressar
por isso .
São principalmente estas qualidades que geram n'elle o
investigador, o colleccionador estudioso de documentos que
a sua Historia de Sergipe revelou e que a sua recente obra
põe em plena luz.
Este poder de estudo que vale a concentração de espi
rito na procura, na inspecção, na analyse de documentos,
formando opinião pelas deducções que d'elles resultam, é o
que o habilita a emprehender a obra que está publicando :
raramente o seu juizo será emittido sem farto amparo de
provas e documentos . E' um estudioso e é um pensador :
não é um expositor destinado a agradar aos que amam esta
prosa de jornal, que se absorve no bond , entre um boato e
uma intriga bregeira. Sendo um artista, não tem a preoc
XVII

cupação, não tem o amor da fórma. Desde que emitte o pen


samento, pouco se lhe dá de brunir a phrase, de polir o estylo,
de colorir a palavra. D'ahi um defeito e uma qualidade : 0
defeito de não ser um escriptor senão para os pensadores ; a
qualidade de ser um pensador para os escriptores.
O primeiro volume da Historia Constitucional, que é o
unico até agora publicado, estuda a revolução ; e estou em
dizer que é o unico estudo sério, obedecendo ás leis da cri
tica historica , que se tenha feito do grande acto de 15 de
Novembro .
Nada mais curioso, realmente, do que o que a respeito
tenho visto impresso ; cada historiador, intencional ou acci
dental , desse acto, emprega os maiores esforços para de
monstrar que devemos a Republica a este ou aquelle, civil
ou soldado, que no dia 15 de novembro disse tal cousa ou fez
isto ou aquillo. Neste particular, a historia feita até hoje
não tem passado de um concurso de vaidades ou feira de
bajulação. Evidentemente a revolução de 89 não podia ter
sido obra de alguns homens , fossem quaes fossem . O acto
material da destruição do imperio consummou -se , sem
questão, alli, em face do quartel general , pela acção decidida
e decisiva dos homens cujos nomes estão para sempre ligados
a esse feito ; mas , si porventura a revolução já não estivesse
feita em toda a parte, reclamando apenas a consummação
material , esse pugilo de homens teria a força de impôr a
nova ordem de cousas a todas as provincias do Brasil , que a
ella adheriram , mal lhes foi notificada pelo telegrapho ?
Mais forte que o grupo dos que se armaram em novem
bro de 1889 , foi o que se armou contra a Republica em
setembro de 1893 ; e no emtanto ficou isolado , todos os
Estados negaram-lhe apoio e o governo legal esmagou - o.
O estudo d'este movimento pode ser- nem outro ha a fazer
um estudo de personalidades , analyse de caracteres , historia
de phrases e de actos ; o da revolução de 1889 é um estudo
profundo da acção de causas lentas agindo demorada e effi
cazmente sobre o conjuncto da sociedade, gerando um estado
d'alma especialissimo, sobre o qual , em determinado momento ,
ІІ
XVIII

reagiu um factor preponderante que occasionou a destruição


de quanto existia.
Essas causas o autor divide- as em economicas , sociaes
e politicas : o deficit e a escravidão ; a centralisação e o par
lamentarismo ; a força armada e a imprensa.
O estudo detalhado de todas estas causas feito pelo
auctor tem isto de curioso : é a documentação de que, ao
mesmo passo que taes males iam cavando de anno em anno a
ruina da monarchia, nunca deixou de subsistir viva aqui e
alli a idéa republicana. Nascida concurrentemente com a

revolução que os principios em voga na Inglaterra fomen


taram em França e com a independencia dos Estados Unidos
do Norte, a idéa republicana no Brasil foi a fórma em que
se quiz concretisar a aspiração de independencia que as
vexações exercidas pela metropole geraram no coração dos
patriotas .
Si, porém , a independencia realisou -se e si as duas
aspirações eram communs, porque não se fez o Brasil inde
pendente e republicano ? A isso responde o auctor accen
tuando que na época a preoccupação dominante do povo não
era a politica, mas a economia.
O desejo primordial , a necessidade inadiavel era liber
tação do jugo da metropole que se traduzia na limitação da
actividade dos brasileiros, no cerceamento de suas regalias
e direitos e no lançamento incessante de pesados tributos.
As revoluções dos fins do seculo XVI e do começo do seculo
XVII não eram mais do que revoltas contra tributos onero
sissimos lançados scbre generos de primeira necessidade ou
manifestações tendentes a arrancar á metropole a faculdade
de lançar impostos, sem conta nem medida, sobre os seus
povos do Brasil , aos quaes negava o direito de cultivar certas
plantas , de montar fabricas , de trabalhar o ouro, de fazer o
commercio inter-provincial , etc. A propria conjuração mi
neira no fim do seculo XVIII, na qual a idéa politica teve
preponderancia, não encontrou o seu fundamento senão no
facto de pretender Barbacena cobrar os atrasados quintos
do ouro .
XIX

O fim do seculo XVIII , porém, viu ainda mais se


aggravar este estado de cousas . A protecção concedida pela
Inglaterra a D. João VI por occasião da invasão de Por
tugal por Junot foi paga pela abertura dos portos e rios ás
nações estrangeiras, o que só a ella aproveitava, favor que
logo depois foi completado com um tratado de commercio que
vigorou até 1840, em virtude do qual as mercadorias inglezas
7

pagaram apenas 15 % de direitos de importação quando as de


0

qualquer outra nação pagavam 24 % . Ao'A consequencia d'isto


foi a ruina absoluta da nossa marinha mercante , que no fim
do seculo XVIII era consideravel , e a aggravação das difficul
dades da vida com que já lutavam os brasileiros .
Sacudir esse jugo e fazer-se nação independente era ,
pois , naturalmente a preoccupação dominante : todas as es
peranças depositavam -se no principe que proclamara o im
perio .
Tivesse o imperio correspondido a essas necessidades
populares, ás apirações justissimas que o ampararam ao
nascer, e estaria evitada uma das causas de sua ruina, talvez
a mais forte, a mais energica, a mais vehemente.
Mas as finanças do imperio foram, ai de nós ! o deficit
continuo, persistente, aggravado de anno em anno . Os alga
rismos que o assignalam são conhecidos : fastidioso seria
repetil -os aqui . O auctor da d'elles synthetica noticia ee
aceentúa que, si o governo geral viveu lutando com os de
ficits e vegetou na politica dos emprestimos , os governos
provinciaes e municipaes por seu lado não tiveram vida nem
mais folgada, nem mais brilhante.
Como desenvolvimento de progresso economico, elle se
assignala pela chapa : " o Brasil é um paiz essencialmente
agricola." Dotado de innumeras riquezas naturaes, nenhuma
dellas foi explorada. Fomos durante todo esse largo trecho
de vida uma colonia commercial européa, como o Gabou ou o
Gongo. Produzimos o café e a borracha ; e importamos tudo,
desde o chapeu até a locomotiva, desde o navio até as perdizes
em conserva. Sem usinas, sem minerações , sem estaleiros ,
sem fabricas , somos forçosa e forçadamente tributarios da
XX

Europa. Assim o fomos durante os annos do imperio ; e


assim eis-nos chegados ao anno de graça de 1894 .
Centralisação e parlamentarismo, o regimen eleitoral e
o governo pessoal do soberanos eis, ao ver do auctor, as prin
cipaes causas politicas da revolução. A Constituição de 25 de
Março de 1824 caracterisava-se por uma organisação centra
lisadora em que “ o individuo era absorvido pelo Estado, as
provincias pelo centro, os municipios pelas provincias.
A organisação do poder judiciario, a somma de attribuições
dos poderes provinciaes , a acção profundamente centralisadora
do conselho de Estado pelas funcções interpretativas de que
estava in vestido agiam como elementos depauperantes das
provincias . Duas outras causas influiam ainda para o mau es
tado geral do paiz : a divisão administrativa e a discrimi
nação das rendas.
Realmente, a divisão adiministrativa do Brasil, que é
ainda hoje a mesma divisão em capitanias dos primeiros
tempos coloniaes , não obedece a nenhum espirito intelligente,
não se pauta por nenhum criterio, não tem siquer o merito
de ser clara. O auctor, que levantou perante o Congresso
Constituinte esta questão, assignala demoradamente os li
mites existentes entre quasi todos os Estados e accentúa que
a desigualdade de extensão entre elles é e será causa perma
nente de rivalidades politicas ee de predominio economico dos
grandes sobre os fracos, por pequenos.
Agora mesmo no Congresso a alliança das represen
tações numerosissimas de dous ou tres grandes Estados póde
terminar a asphixia das aspirações dos pequenos, tornando-se
meramente platonica a igualdade que a Constituição institue
entre elles. Erro do governo provisorio, que tanto reformou,
foi respeitar esta divisão, cuja alteração intelligente a pro
pria fórma federativa proclamada vigorosamente recla
mava .

Mas o que, sem questão alguma, mais vehementemente


contribuiu para fomentar as aspirações federalistas foi a cen
tralisação economica. A ausencia de delimitação da esphera de
acção tributaria em que deviam gyrar os governos pro
XXI

vinciaes e o governo central abriu margem ás invasões con


tinuas do centro que deixava em penuria as provincias e ás
represalias das provincias, entrando francamente pelo do
minio de impostos que feriam de frente a Constituição.
Esta luta, o auctor refere-a com larga cópia de dados e
informações, curiosos de serem compulsados ainda hoje em
que, sem embargo da discriminação de rendas feita na Cons
tituição, a mais de um imposto lançado pelos estados se po
deria acoimar de illegal .
O arróxo exercido pelo centro, impedindo o progresso
material das provincias, gerou naturalmente em cada uma
dellas aquella mesma sede de independencia que o autor
accentúa por parte da nação inteira, em relação á metropole :
n'este particular essa aspiração a fórma federalista, e, não
raro , aqui e alli , tal propaganda attingia o extremo do
separatismo. Nem foram sempre platonicas taes aspirações :
si a revolução de Pernambuco de 1817 obedecia ao ideal da
independencia, a de 1824 obedecia ao ideal federalista .
-

Republica federal foi tambem o programma da Republica de


Piratinim .
E' um dos mais curiosos capitulos desta obra o que se in .
titula – As fórmas republicanas da propaganda. O estudo dos
intuitos, a que obedeceram esses dous importantes movi
mentos politicos , apoiam - se em documentos pouco conhe
cidos , como sejam os votos proferidos por Frei Caneca na
camara municipal do Recife sobre a Constituição de 1824 ,
e o projecto de Constituição da Republica de Pira
tinim .
A individualidade de Frei Caneca destaca- se nestas pa.
ginas com a grandeza de um pensador profundo e com a
força de um estadista capaz de organisar. A sua analyse á
Constituição não é obra de critica vã : os seus ataques ori
ginam-se de suas opiniões sobre o direito constitucional a
crear, e essa organisação por ella sonhada outra não é senão
a que o Congresso Constituinte firmou na nossa Constituição
sessenta e sete annos mais tarde. E' a autonomia do governo
local attingindo o extremo da soberania ; é a independencia
XXII

e a harmonia dos poderes politicos sem supremacia de ne


nhum d'elles ; é a igualdade dos dous ramos do poder legisla
tivo ; é a prohibição dos ministros serem deputados e de
proporem ao parlamento leis e reformas. Caneca apparece
nos , pois, como o primeiro pensador brasileiro formulando a
solução no nosso problema politico pela republica federal e
presidencial. Essa solução veiu a tomar corpo posteriormente
no projecto da Constituição que foi debatido pela consti
tuinte da Republica de Piratinim e no qual a forma federal e
a fórma presidencial , si ainda não se apresentavam com o
rigor preciso com que surgiram no Congresso Constituinte
de 1891 , delineavam-se já assaz frisantemente, incorpo
rando as aspirações latentes ou expressas da época. Porque
si o desejo de assumir a autonomia pela federação trabalbava
de longa data o paiz, o desgosto causado pelo regimen par
lamentar era facto sobre o qual não se illudiam, nem se ca
lavam os principaes homens politicos dos antigos partidos .
Os tres capitulos que o auctor dedica ao estudo do par
lamentarismo não constituem somente obra de historiador,
senão de doutrinario . N'elles se encontra o estudo das ori
gens historicas dos dous regimens-o parlamentar e o presi
dencial—; a documentação de que este é de formação pos
terior e marca um progresso no governo das nações ; a prova
de que o regimen parlamentar entre nós não nasceu da le
gislação, mas de uma imposição do parlamento ao governo
do imperador e finalmente a analyse minuciosa da acção que
esse regimen exerceu sobre o paiz .
A synthese d'esse estudo é formulada n’estas palavras
que nunca serão assaz meditadas . ,, " O regimen representa
tivo em que a monarchia aspirou uma fórma de governo,
entre nós não passou de uma simples aspiração — que a reali
dade dos factos veio confirmar. Não passou de uma dictadura
pessoal dos representantes da dynastia que tiraram das ins
tituições o caracter de regimen constitucional. Appellar para
a verdade d'elle era appellar para a necessidade de res
tringir o individualismo dynastico ao qual o seu despotismo
nunca quiz acquiescer."
XXIII

Como causas sociaes, o autor estuda a cultura do espi


rito popular, a supremacia dos bachareis em direito na di
recção politica da nação e a intervenção da força armada.
O autor assignala a orientação metaphysica que domi
nava as nossas — escolas superiores , a aridez dos espiritos , a

nullidade para dizer a palavra — dos que sahiam das escolas


até 1870. D'ahi em diante o influxo das idéas hæckelianas , a
instituição do estudo das sciencias naturaes com seus me

thodos seguros de inquirição e analyse, vieram transformar


profundamente a orientação dos estudos, exercendo conse
quentemente sensivel influencia sobre as idéas democraticas .
Como o principal factor d'essa evolução intellectual aponta
e destaca o vulto do professor de direito do Recife, Tobias
Barreto .
E' curiosissimo o parallelo feito entre o caboclo do norte,
que é um dos nomes mais gloriosos do Brasil, e Benjamin
Constant, que tão profunda influencia exerceu na proclamação
da Republica. " A influencia mental de Benjamin Constant,
diz o autor, foi muito mais restricta que a de Tobias , por
isso que sua propaganda no seio dos alumnos obedecia ao ex
clusivismo de um systema philosophico, sem as larguezas e a
intuição scientifica do evolucionismo hæckeliano. Como uma
propaganda de emancipação intellectual, o positivismo não
podia operar no espirito popular o effeito de outro systema
em vista da intransigencia, da intolerancia , do espirito de
disciplina, do espirito de seita que impõe aos seus adeptos .
Se com elle alargava-se e disseminava-se a cultura, ao mesmo
tempo se faziam sentir os defeitos intrinsecos da doutrina e
que abrem uma direcção incompativel com os principios da
democracia . ”
si mais
A acção de Benjamin refere-se o autor como
tardia , mais politica , menos generalisada e coherente ” que
a de Tobias que, posto não visasse immediata e exclusiva
mente a instituição do regimen republicano , os firmou para
elle um programma essencialmente scientifico, profunda
mente coherente e sem o qual o intellecto nacional não se
podia preparar para adaptar - se á nova instituição ."
XXIV

E' nesta lucta das duas doutrinas que o autor vai


buscar a origem do desenvolvimento activo das idéas repu
blicanas nos ultimos tempos " Estas duas correntes intellec
tuaes — 0 evolucionismo hæckeliano e o positivismo a favor
das quaes bateram - se os moços das escolas e das academias ,
por iniciativa destes dous homens , pintaram -se francamente
na propaganda republicana. O grupo dos protestantes
scindiu -se, obedecendo cada uma das fracções á orientação
dos dous systemas." Facto curioso é que o primeiro mani
festo republicano , apparecido em 1870, era peça inteira
mente alheia ás idéas em voga quer de uma, quer de outra
escola : mas não era senão a expressão do desejo da elimi
nação da dynastia sem nenhuma affirmação de ideas philoso
phicas , sem o mais ligeiro indicio de programma de reconsti
tuição social ou politica .
Era natural suppor que se as correntes das doutrinas
philosophicas , a que o autor allude, exerceram tão accen
tuada influencia nos rapazes das escolas, ellas encontrassem
uma pronunciada repercussão na imprensa diaria e periodica.
De facto, o autor assignala o desenvolvimento dessas ideas
apresentando uma lista dos orgãos republicanos existentes
e acompanhando a progressão do desenvolvimento da im
prensa republicana.
Aqui, porém, ha uma lacuna que inquina de parcialidade
o julgamento sobre a acção da imprensa. Tenho para mim
que a imprensa confessadamente republicana pouca in
fluencia exerceu na propaganda da idéa. Por muitos annos,
raros jornaes que tal se confessavam , eram, por via de regra,
jornaes de academia, redigidos por estudantes , de vida por
conseguinte ephemera e de influencia limitadissima. Aqui,
na capital , a imprensa não tinha, por assim dizer, vida po
pular : era o reinado inconteste e absoluto do grande orgão,
como a blague, que aliás contastava um facto verdadeiro ,
appellidou por muito tempo o Jornal do Commercio. Nas pro
vincias medravam apenas os orgãos snstentados pelas in
nas suas co
fluencias dos dous partidos constitucionaes e
lumnas não se discutiam senão as questiunculas de puro
XXV

interesse partidario. N'esse periodo, que vai até depois de


1875 , a acção da imprensa quer na propaganda da nova
orientação do ensino superior, quer na disseminação da idéa
republicana foi nulla ou quasi nulla. Reinava a paz em Var
sovia... A acção da imprensa n'este terreno data da implan
tação dos jornaes populares , data, do apparecimento da Ga
zeta de Noticias, que tomou o seu logar definindo -se " imprensa
neutra ”, isto é, indifferente e alheia ás questões dos dous
partidos constitucionaes que eram o campo exclusivo da acti
vidade jornalistica. D'esse ponto de partida, a sua acção as
sumiu dous caracteres : quebrou os moldes convencionaes do
dogmatismo solemne da imprensa da época, abrindo assim
caminho no seio das massas populares e atacou as instituições
agindo como um elemento dissolvente. Em pouco tempo ,
todos os jornaes que aqui se fundaram revestiram a mesma
fórma ; e em virtude da influencia decisiva d'esta capital , a
pouco ee pouco os jornaes provincianos foram perdendo os
velhos tons solemnes com que se debatiam nomeações de sub
delegados, e toda a imprensa deste paiz proclamou-se
neutra .
Durante um certo periodo, essa neutralidade traduziu-se
pelo ataque a todos os partidos , a todas as instituições e a
todos os homens publicos, ataque cuja fórma era a indiffe
rença bonancheirona de quem não vê nas cousas sérias senão
a face que faz rir. Concurrentemente com essa acção, releva
destacar a da imprensa illustrada. Nos dias que atraves
samos, é curioso folhear as collecções da Revista Illustrada :
não houve quem escapasse ao ridiculo vibrado pelo lapis, nem
sempre subtil, de seu desenhador. Todos os aspectos da vida
politica ou administrativa, todos os homens , desde o mais
obscuro subdelegado até o imperador, eram expostos in
exoravel á risota da galeria. Iam -se, d'est'arte, desthronando
a tradição, dissolvendo o respeito publico , alluindo as insti
tuições ...
Quando a situação creada no paiz por esse conjuncto de
causas , que a obra analysa, apresentou -se com o caracter
agudo que lhe adveio da intervenção decisiva do exercito nos
XXVI

negocios do Estado, foi ainda a imprensa neutra que lhe pre


stou o mais decidido apoio.
Neutro, bem que redigido pelo chefe do partido repu
blicano, era o Paiz, de cujas columnas os marechaes Deodoro
e Pelotas declaravam ao imperio “ que não conheciam o ca
minho por onde se recúa sem honra ” ; neutro, bem que redi .
gido por um membro proeminente do partido liberal, era o
Diario de Noticias, que proclamava a indisciplina, a insubmis
são e a rebeldia do exercito como o primeiro de seus deveres ;
neutra, era a Gazeta de Noticias, em cujas primeiras colum .
nas o Imperador era denunciado como decahido da plenitude
de suas faculdades mentaes .
Não julgo, não condemno : aponto os factos. E não é
verdade que a acção dessa imprensa foi muito mais relevante
do que a dos jornaes rubros, cheios de tropos bebidos nas
edições baratas da revolução franceza ?

A segunda parte deste primeiro volume está destinada a


suscitar muitas réplicas e contestações ; é o estudo rapido do
desenvolvimento da propaganda republicana nos Estados ;
e como citam-se factos e pessoas, a maioria das quaes vive
em plena actividade politica, impossivel seria que essa ex
posição a todos agradasse. E' o perigo inevitavel que nasce
da historia dos successos do dia. Como dizer a verdade , se
nem ao menos nos é dado saber onde ella pára, mascarada
que anda de ambições, de vaidades , de interesses de toda a
casta ?
A politica dos Estados , sobretudo , anda tão baralhada
desde o golpe de estado de 1891 , assumio um cunho tão ac
centuadamente pessoal, que difficilimo será a qualquer, nesse
emmaranhamento de factos e de nomes em luta, destrinçar o
papel exacto que cada qual representou n'um tempo em que
a Republica era ainda de realisação problematica.
Confesso que sei pouco desse traballo nos Estados ,
principalmente nos do norte ; mas pelo pouco que sei , quero
XXVII

crer que o autor se inspira na verdade. Que é imparcial no


reconhecimento da acção exercida por cada um, a mais ligeira
leitura dos nomes citados sobejamente o prova.
Todo esse estudo é feito escrupulosamente sobre factos ,
documentos e datas citados em profusão. Quem conhece o que
custa recolher documentos sobre a vida dos Estados , póde
avaliar do trabalho que taes capitulos representam .
Penso, todavia, que essa é justamente a parte menos
interessante da obra. Depois da analyse philosophica, da
critica historica do conjuncto de causas superiores que pro
duziram a situação social , economica e politica que gerou a
Republica, que interesse podemos ter em saber que em tal
dia fundou- se tal club ou o Sr. Fulano fez tal discurso ?
Uma affirmativa resulta, entretanto , desse estudo : a de
que de 1868 em diante, com mais ou menos lentidão, em
todas as provincias do Brasil a idea republicana foi lançada
e encontrou terreno propicio a seu crescimento. Que os agen
tes immediatos da propaganda fossem estes ou aquelles
desenganem-se os que disso esperam a apotheose da historia !
-é absolutamente indifferente ; o facto só tem o valor de
provar que a situação do paiz se havia tão profundamente
modificado, que não só as idéas republicanas , em profundo
antagonismo com a ordem politica estabelecida, eram acceitas
quasi sem impugnação, mas ainda que tal propaganda podia
ser feita com a ostentação espectaculosa com que a fez revo
lucionariamente o mallogrado Silva Jardim, sem que o imperio
ousasse sequer impor-lhe as restricções estatuidas em lei ;
isto é, a monarchia só se conservava pela força da inercia.
A força das armas venceu- a, e o imperio morto cahio, como
um fructo podre, a 15 de Novembro de 1889 .

Eis em linhas bem definidas o primeiro volume da obra


de Felisbello Freire. O trabalho que elle revela, trahe-se
bastante nesta resenha : a somma e a complexidade dos pro
blemas que elle encara demonstram bem quanto para elle se
preparou o autor.
XXVIII

Não estamos diante de um narrador servil de factos ba


naes ; o que se nos depara nessas paginas é a manifestação
de um pensador que se soccorre dos factos para documentar
opiniões .
Se em Tacito -60 homem nunca abandona o historiador ” ,
não temos muito que extranhar que aqui encontremos o
historiador forrado pelo homem politico, senão pelo partida
rio. Evidentemente, dia virá em que contra elle reverta a
critica muitas accusações e censuras formuladas com asperesa.
Mas o que sem favor podemos assignalar, é que o tom geral
desta obra é o de uma superioridade de vista e de uma ana
lyse de conjuncto em que não entra o estudo de personali
dades, mas o julgamento de causas e de effeitos.
Esta obra representa, portanto, um duplo serviço : o ser.
viço ás lettras patrias são folhas de trabalhos deste genero, ab.
sorvidas que andam todas as actividades n'uma litteratura este .
ril de contrafacção franceza ; o serviço politico á situação
republicana que, vendo nella os erros que conduziram a mo
narchia á inutilidade, como elemento de progresso para o
paiz, e á propria ruina, póde ver claro diante de si o trilho
que deve seguir (1 ).

Eis o bello estudo do Sr. Araripe Junior :


Conhecido o criterio de um escriptor, póde -se anteci
padamente prevenir o publico das linhas geraes de qualquer
livro que por elle seja annunciado.
Esta é a regra ; e em critica entende- se que este facto
constitue uma das fontes de influencias mesologicas mais
poderosas : - a educação philosophica do autor -- a escola.
Como, porém , não ha regra absoluta, succede que taes
influencias são tanto mais fracas quanto se mostra forte a
individualidade do escriptor. Ainda se observa que essa in
dividualidade se apresenta tanto mais independente quanto
o systema a que se houver filiado fôr liberal ou tolerante .

(1) Gazeta de Noticias de 6, 8 e 9 de Maio .


XXIX

Se o Dr. Felisbello Freire pertencesse á escola positi-


vista, a critica da sua obra seria uma redundancia ; bastaria .
cotejar o livro, capitulo por capitulo, com os programmas
de Augusto Comte. Lá encontrariamos tudo previsto ;
e o cuidado do critico cingir-se -hia á verificação dos erros
commettidos contra esses mesmos programmas, que princi
piam por considerar a funcção da critica independente
como um dos maiores elementos de dissolução da sociedade,
para não dizer da doutrina. Felizmente, porém, para a “ bis
bilhotice " dos criticos , o autor da HISTORIA DA REPUBLICA
não pertence ao positivismo ; a sua orientação é liberal e pro
duzio -se na escola evolucionista, que não é dogmatica, offerece
nuanças e permitte ao espirito certas franquias justamente
odiosas ao processo pedagogico do notavel philosopho
francez .
Se me fosse licito uma comparação, eu accrescentaria .
que a escola, a que se filiou o Dr. Felisbello está para a
opposta na mesma razão que o “ break ” de um carro des
cendente está para os brails” de uma estrada de ferro. O
primeiro não embaraça desvios e digressões, mas evita o
precipicio, ao passo que os ultimos impõem uma linha de
progressão invariavel e um termo fatal.
Acompanhemos, pois , o autor do livro na sua exploração
de engenbaria social ; e, atravessando as picadas novamente
abertas na vida republicana, não nos descuidemos do “ break”
e tenhamos o sentido sempre firme no caminho accidentado
que percorre o troly do explorador.
Ι

O methodo adoptado pelo Dr. Felisbello para a composi


ção da sua obra parece ter sido o de Taine, com pequenas
modificações.
O autor desprezou a descripção, que repugna inteira
mente aos seus habitos mentaes . Mais philosopho do que
poeta, preferio provar a suggerir ; de sorte que se illudirá
completamente quem abrir o livro na esperança de achar
XXX

quadros pittorescos, nos quaes se possa ver a sociedade em


marcha : -os homens, cada um com o seu caracter, em movi
mento , a cata de idéas, ou da realisação de programmas, uns
tratando dos proprios interesses, outros intrigando, e prepa
rando “ guet-apens ” até as idéas, os dotados de instinctos
destruidores ; os partidos se degladiando ; as religiões e seitas
accumulando forças ; os clubs conspirando ; e finalmente a
massa amorpha, sem caracter, bestialisada hoje, allucinada
amanhã, a consultar OS seus amuletos e a exigir, em
revolta, nos momentos criticos , um messias ou um car
rasco .
Nada disto se encontra nas paginas escriptas pelo
illustre sergipano. Não o seduziram as glorias de Michelet,
de Carlyle, de Landor ; a sua educação de pesquizador e os
seus habitos de analysta o inclinaram para outros mestres ;
e aquelle que mais servio aos seus intuitos foi o autor das
ORIGENS DA FRANÇA CONTEMPORANEA .
Deste modo omeça elle classificando os acontecimentos
por categorias, por assumptos como se diz vulgarmente ;
e na impossibilidade de desemmaranhar os factos da com
plicação crescente em que vai a vida nacional , e de con
struir uma synthese completa, é encontrado entregue ao
improbo trabalho de classificar os factos, sob cada aspecto
em que logicamente se lbe tenha apresentado o movimento da
vida publica no Brazil .
E' a esses aspectos que Spencer chama dados da so
ciologia e que Augusto Comte inclue na parte estatica da
sciencia .
O Dr. Felisbello Freire, pelo menos no volume que
tenho debaixo dos olhos , emprega todo o seu esforço na
discriminação de taes elementos, no seu encadeiamento logico,
tanto no tempo como no espaço ; mas propositalmente se
abstem de syntheses absolutas ou de exposições figurativas.
Parece-me, outrosim , que o escriptor não perdeu de vista
o eixo que forçosamente devia prender o seu espirito.
Nos capitulos que se referem á propaganda republicana
XXXI

elle procurou condicionar tudo quanto se pode relacionar


com a dynamica social .
Assim, pois, neste primeiro volume , temos as funcções
somaticas ou automaticas do organismo nacional estudadas
isoladamente, como pedia o processo analytico, e por sua vez
as indirectas, psychicas ou conscientes , indicadas ou do .
cumentadas tanto quanto permitte o estado actual dos estudos
historicos no Brazil .
Todavia, ao chegar ao momento historico, no qual o
partido republicano pôde, livre das fatalidades , irradiar e
compôr-se em nação, havia um lugar para um capitulo
em que o autor, de um modo synthetico , apresentasse,
em séries, a contar de 1789 , o " consensus” democratico .
As correlações de ordem democratica que se estabe
leceram entre aquellas funcções em etapas diversas da nossa
historia, encontram-se dispersas pelos capitulos do livro ;
e ao leitor intelligente não escaparão um só instante , porque
ellas constituem incontestavelmente a alma da obra. Mas ,
por amor á perfeição e obediencia á propria indole do tra
balho, o Dr. Felisbello deveria tel -as reunido em repartição
distincta e immediatamente antes de narrar o desastre da
realeza a 15 de Novembro.
O plano e as theses do livro são, pois , de primeira ordem
e revelam a superioridade de vistas do autor, que antes de
tudo revela duas funcções caracteristicas do historiador phi
losopbo : paciencia e serenidade.
Terminando aqui este lance de olhos sobre o que se pode
chamar a compostura esthetica do 1º volume da Historia
DA REPUBLICA , ser -me- ha licito perguntar se esse volume não
comportaria ainda um desdobramento, que aliás póde ser
executado pelo autor, e que seria uma especie de " prova
dos noves fóra” da apuração já feita .
Esse desdobramento consistiria nas respostas ás se
guintes interrogações :
Porque não veio a Republica mais cedo ?
Qual a razão porque , dados os factores conhecidos e a
XXXII

pacificação dos caracteres, não tiveram os habitos força suffi


ciente para manter o imperio ?

II

No primeiro capitulo do livro I da HISTORIA DA REPU


BLICA 0 Dr. Felisbello Freire faz a proposta da questão e
traça um esboço das causas da revolução de 15 de Novembro.
Remontando -se aos tempos coloniaes e descendo rapida
mente pelo fio dos acontecimentos capitaes da historia, o
autor divide o movimento organico da nacionalidade em duas
secções distinctas-antecedentes historicos que deram origem
á idéa republicana, e tradição republicana.
Esta divisão se impunha substancialmente, porque antes
de 1789 os brazileiros não podiam pensar em divisão de
poderes , e todo o nacionalismo se reduzia a uma especie de
idealisação de um sentimento correspondente aos despeitos
do escravo .
Se é verdade que todos os nacionaes não eram physica
mente captivos , é certo que o seu espirito não podia aspirar
a
uma fórmula sequer de pensamento autonomico. Bastava
o ridiculo para abafar qualquer tentativa de rebellião neste
sentido ; os donos da terra chamavam os nacionaes spés
de cabra " ; estes reagindo mal conseguiam traduzir o seu
odio no vocabulario com o auxilio do “ folk lore ” , onde por
habito as naturezas mais vividas iam buscar o " pé de
chumbo ", o " maroto " e os termos chulos de desabafo , bem
?

6
como as historias grotescas do “ passaro veado” , do “ com
padre Tamanduá " , dos “ piolhos de ema" e de tantas outras
imaginosas lendas, que as velhas patriotas de 1824 ainda
hoje narram as crianças.
O sentimento , pois, a que alludo , na ausencia da cul
tura, muito tarde veio identificar-se com a comprehensão
nitida de que o Brasil era um povo. A primeira vez que
com effeito se pensou em Republica entre nós, no sentido
restricto da palavra, foi em Villa Rica no fim do seculo pas
sado ; esse pensamento ,porém , não exprimia uma necessidade
XXXIII

ethnica, nem mesmo uma transplantação de sentimentos


democraticos agitados pelo soffrimento. A Inconfidencia ,
como bem diz o Dr. Felisbello Freire, revestio a fórma do
sentimento do interesse ; e do mesmo modo que na revolução
da independencia dos Estados Unidos da America do Norte,
appareceu em consequencia de vexações tributarias .
Homens especulativos, impulsionados por um enthusiasta
da idéa democratica, cogitaram nos meios de converter a
agitação economica em movimento politico ; mas a massa
popular faltou com o seu apoio, e os elementos intermedios ,
por immobilidade estupida, não se quizeram comprometter.
O pavor da realeza era muito grande, e as distancias, que
isolavam os homens e as terras , ainda maiores ; de sorte que
tiravam -lhes todos os sentimentos de rebeldia no desam .
paro dos altos sertões da Patria inculta.
Sancbo Pansa venceu o enamorado da alma do futuro ;
e o patibulo fechou na negridão do tumulo aquelle sonho
aureo , que o exemplo da Republica do Norte caldeara pri
meiramente na cabeça de alguns parnasianos.
O povo, portanto, não comprehendera ainda d'esta vez
o que significava a palavra democracia. Essa idéa só es
boçou-se no cerebro da collectividade brazileira, a meu
ver, no momento em que as embarcações , que conduziam
D. João VI e sua côrte , aportaram ao Rio de Janeiro.
Parece incrivel que esse phenomeno se operasse justa
mente quando a monarchia desabava com todo o seu es
plendor sobre a cidade de S. Sebastião, que então não
passava de uma aldeia, apenas distincta de outras do mesmo
genero por possuir um vice-rei e achar-se situada á margem
da mais bella bahia do mundo . A presença da real comitiva
no Rio de Janeiro assignala o primeiro choque verdadeira
mente collectivo recebido pela futura nação brazileira .
Como se pode verificar, relendo os documentos e chro
nicas daquelle tempo, o estabelecimento da côrte portugueza
nesta cidade, se por um lado constituiu deslumbramento para
a população pelo apparato, por outro teve o effeito de uma
verdadeira praga egypciaca .
II
XXXIV

O povo nos dias das festas do desembarque viu desenro


lar-se a frota pela bahia no meio de galhardetes e salvas ,
depois applaudiu as vistosas roupagens da familia real e da
fidalgaria expostas nas janellas do antigo palacio do conde de
Bobadella e embriagou-se inconsciente no delirio das mani
festações officiaes, que o senado municipal dispoz para uma
recepção condigna de um principe fugitivo.
Não tardou , porém, que o reverso da medalha se mos
trasse .
As flores e os risos se fizeram substituir pelos dissabores
de visitantes incommodos . A adulação dos aulicos da terra
exacerbou-se rapidamente e a população desta terra dos
brazis teve de assistir e soffrer o mais cruel dos espectaculos.
Imagine-se uma praça em estado de sitio e ameaçada de
bombardeio . Pois bem : os effeitos da presença da comitiva
real , das guardas da pessoa do principe e da criadagem pala
ciana, foram tão crueis como os que resultassem da intimação
feita por uma esquadra inimiga. Era preciso alojar a essa
infinidade de fidalgos do reino, e os quartos baixos do paço e
a “ Ucharia ” eram insufficientes para acommodar tantos
sybaritas exigentes .
Os primeiros que sentiram o attrito dessa turba esfai
mada foram os frades descalços do Carmo, os quaes muito
delicadamente abandonaram o seu convento e se asylaram na
Lapa, afim de que no edificio se alojase D. Maria I. Em se.
guida despejaram-se as casas mais luxuosas para dar- se
locanda aos nobres de maior jerarchia. Isto, porém , não era
tudo, porque, não se contentando todos com os quartos estrei
tos em que primeiramente se albergaram , passaram a cobiçar
as casas boas que restavam .
Então o conde d'Arcos ordenou que o intendente puzesse
em vigor a lei das aposentadorias.
D'ahi por diante bastava que um fidalgo manifestasse o
capricho de melhorar de commodos para que incontinente o
inquilino ou proprietario da casa indicada fosse posto no olho
da rua. Os processos de despejo tornaram- se tão summarios,
dizem os chronistas, que o meirinho já não tinha outro traba
XXXV

lho senão de proceder á intimação escrevendo a giz na porta


do predio as letras : P. R. (principe regente) , que o povo
traduziu na phrase fatidica — PONHA-SE NA RUA .
Este iniquo procedimento deu logar a scenas verdadeira
mente desoladoras. Pessoas abastadas, que tinham contas a
ajustar com o intendente, ficaram de subito privadas de suas
confortaveis residencias , simplesmente por coincidirem os
appetites dos fidalgos com os bons desejos da mesquinha poli
tica da colonia. As intrigas abriram o seu caminho em todas
as classes ; imaginou-se logo que no Rio de Janeiro havia
amigos do Ogre da Corsega, do monstro Napoleão, desse
tyrano que tantos desastres occasionara á familia do
santo principe D. João ; e assim a lei das aposentado.
rias se transformou em poucos dias n'uma finissima rede
de arrastão, dentro da qual cairam todos quantos não se
mostravam identificados com o genio da adulação do conde
d'Arcos , que nem por isso deixou de receber o troco dos
seus bons officios.
Affirmam historiadores , fundados em documentos , que
as cercanias da cidade ficaram cheias de desalojados , e que
até houve quem durante a crise soffresse fome.
Este é o primeiro periodo do terror causado pela corte
zania e pelo riso alvar do principe regente. Posteriormente,
a pretexto de que os fidalgos estavam caindo na malandra
gem, surgio o segundo periodo e mais atroz. Era necessario
que esses peralvilhos ganhassem a vida e recuperassem o
perdido. D. João foi quem mais applaudic a idéa , porque
era sovina do que lhe pertencia ; e a criadagem pesava-lhe.
Começou, então, por utilidade aulica o processo de des
apropriação dos poucos empregos que existião na terra e da
creação de mais outros. Esse facto teve duas consequencias:
primeira - a tristeza e a irritação dos esbulhados ; segunda
o augmento das taxas com vexame publico. Entontecidos
pelo perfume da terra, não só o regente, como os conselheiros
que o cercavão, cuidaram como bons politicos do reino unica
mente de delapidar e destruir a obra encetada nos primeiros
momentos pelo eminente Cayrú. Perfeitos porcos, revolve
XXXVI

ram o paiz, atraz das riquezas, e estragaram tudo que esteve


ao seu alcance. Uma coisa, porém, não attingiram : a nação
que se formava. Felizmente não a enxergaram, de sorte que
a simples presença da côrte no Rio de Janeiro bastou para
curar por influencias inversas todos males immediatamente
della derivados .
Quando, em 1815 , o Brazil subio á categoria de reino
>

unido, uma profunda revolução se havia operado na conscien


cia da collectividade. O espectaculo das festas de 1808 e os
esbulhos consecutivos não foram improficuos. Ficara como
residuo uma impressão augusta. O povo tivera finalmente
idéa concreta do que era o exercicio da soberania. Vira um
rei com todo o seu apparelno de governo, dispondo de tudo, e
sentira a impressão que resulta do contacto de um orga
nismo bem definido. Até ali estavam todos acostumados a
obedecer a um governador, que pouco differia do capataz de
engenho de assucar, mais cheio de ouropeis , mais limpo,
mais cercado de agentes e da vara do meirinho, no fundo,
porém , um capataz sem significação politica.
O rei vivo, expressão tradicional de todos os elementos
constitutivos da sociedade, a que pertenciam , já era um facto
por si só grandioso.
Afastaram- se perseguidos para que tivesse in
gresso a magestade ; esses perseguidos, todavia, soffre
ram o choquede uma satisfação infusa resultante da pro.
ximidade daquillo que todos reputavam o symbolo da
lei ; e concomitantemente tomaram a posse virtual do
symbolo da soberania .
Quem conhece a historia do peloirinho nas villas do
Brazil, não extranhará que eu neste momento compare a si
tuação psychologica do Brazil de 1808 em diante á de certas
povoações a que o rei mandava conceder as insignias do foral
de villa e de onde depois tentava alguma outra povoação de
cahida arrebatar as ditas insignias. Entre nós , como nação ,
si parva licet, deu- se a mesma disputa. A primeira luta nos
espiritos, nos desejos, nas aspirações, transportou-se para a
questão da posse do emblema da soberania.
XXXVII

O que se passou depois é assumpto da parte especial


do livro do Dr. Felisbello Freire, cuja leitura estou fazendo.
O commentario, pois , que acabo de desenvolver, tomando
por ponto de apoio um facto concreto, apenas serve para de
monstrar a verdade dos pensamentos infundidos pelas pro
posições do capitulo I da obra, na qual noto que a expressão
sidéa da Republica " , adoptada em um dos ultimos paragra
phos, se immiscue indevidamente com a “ idéa de reacção ” ,
se bem que o intuito do escriptor, não só nessa parte do .
livro, mas tambem em todo elle, não seja outro não separar
e discriminar essas duas modalidades do caracter das na

ções.

III

Como no Brazil se desenvolveu o espirito de reação du


rante os tres periodos que antecederam o " 15 de Novem
bro” ? Eis a pergunta a que responde o capitulo do livro do
Dr. Felisbello Freire, que se inscreve CAUSAS ECONOMICAS.
Não ha quem hoje ponha em duvida que, em periodos
historicos illetrados, os povos sublevam- se unicamente esti
mulados pelo principio da salvação da alma ou do corpo.
" Não toqueis nos meus fetiches ! não me mateis de fome !"
Todo o governo sagaz, que nas condições alludidas tiver
sabido respeitar o equilibrio desses sentimentos, terá conse
guido manter-se a despeito de quaesquer erros politicos pra
ticados .
Obedecendo a direcção, imprimida no livro ao pensamento
da critica, vê-se que até 1775 , anno no qual foi expedido o
alvará de 5 de Janeiro que extinguio todas as fabricas aqui
existentes , o Brazil não passou de uma feitoria sem admi
nistração intelligente, mal acondicionada, e onde o branco
vivia no meio dos escravos por muito favor da ambição ou
da bocalidade dos governadores e capitães generaes, que
para cá eram enviados, ás vezes deportados.
Plano intelligente de desenvolver as riquezas naturaes
nunca houve, que pelo menos se fizesse sentir. Extrahir e
XXXVIII

extrahir do sólo quanto fosse possivel e com os apparelhos


que menos intellectualisassem os colonos que para esse lado
do Atlantico se transportavam : eis toda a economia politica
dos regedores da monarchia portugueza.
" Em grande periodo de nossa vida colonial,diz o Dr. Fe
lisbello, vemos focos de população restricta, distanciados,
em condições difficeis de communicação. Ella progredia len
tamente. A parte pue entregava -se ao trabalho material era
justamente aquella cujas condições sociaes collocavam na
situação a mais prejudicial para activar a formação da riquesa
porque ella se fazia á custa do trabalho escravo, que domi
nou a nossa economia por mais de tres seculos e que por isso
mesmo emprestou- lhe um cunho especial , não podendo dei
xar de reflectir- se profundamente na vida politica e social e
ser a causa de graves e profundos acontecimentos. Esta cir
cumstancia de capital importancia e que aqui assignalamos ,
obrou como uma força retardativa na formação da riqueza.
A classe operaria era o escravo. Si sobre este lado do nosso
desenvolvimento material elle foi um agente retardador, não
deixou de exercer uma influencia prejudicial na distribuição
da riqueza, que não obedeceu á marcha das influencias nor
maes,, distribuindo- se mais ou menos equitativamente por
entre as camadas sociaes, porque as leis da distribuição da
riqueza acham-se affectas ao desenvolvimento da liberdade e
do direito de propriedade que não pôde existir com a " escra
9
vidão. "
Entregue o paiz ao regimen da lavoura insonte e das
minas de diamantes em que todo o movimento intelligente
vinha das suggestões da abundancia da natureza , porque os
homens só faziam contrarial- a ou brigar entre si sobo
fundamento do — " fui eu que achei primeiro ", como

succedeu durante o periodo dos “ descobertos” ; entregue o


paiz, repito, ao automatismo da acanhada technica de um
povo que nunca soubera lavrar as altas terras, nem dirigir
grandes machinas de exploração, mas que se habituara na
India a arrancar dos rajahs os seus haveres a troco de
missangas européas, comprehende -se que muito difficil seria
XXXIX

obter os fermentos dessa reacção, que serviu sempre de


supporte ou preparou as grandes transformações sociaes.
A abundancia por toda a parte não dava cabimento
senão á apathia social , que o governo da metropole nunca
se esqueceu de manter, negando todos os estimulos ainda os
mais rudimentares .
A maxima 0 SEGURO MORREU DE VELHO é uma

maxima de cunho profundamente lusitano . Até ao advento


do marquez de Pombal parece que a monarchia e OS mem
bros do Conselho Ultramarino não tiveram maxima que mais
quadrasse ao genio do chefe da nação. Justamente ao con
trario do — laissez faire, laissez passer — dos physiocratas ,
aqui a regra era não consentir na espontaneidade de coisa
alguma. O Brasil devia produzir tão somente aquillo que se
pedisse, tanto na quantidade, como na qualidade. E por
isso as producções e industrias correlatas e resultantes
naturaes do augmento da cultura do assucar e do fumo
foram perseguidas e esmagadas.
O Dr. Felisbello Freire, quando trata do nosso desen
volvimento economico no seculo XVI e principios do XVII
cita a autoridade de André Antonil, o autor da " Opulencia
e riquezas do Brazil ” . Esta obra é de uma eloquencia admi
ravel quanto a factos e de uma sagacidade estupenda quanto
a processos administrativos e economicos. Padre, segundo se
suppõe, e jesuita, o individuo que compoz esse precioso
livro, profundamente não só versado nos segredos das terras
brasileiras , mas tambem iniciado nos da vida philosophica,
ainda mais imbuido dos principios de Machiavel , que acon
selhava todas as ousadias ás organisações fortemente con
stituidas, tentou, com muita habilidade, ensinar aos senhores
de engenho e capatazes do Brazil o meio de transformar cada
estabelecimento em uma potencia feudal de nova especie.
Digna de ler- se, essa obra é um prodigio de astucia, além de
conter uma collecção de maximas refinadas de politica inte
rior, que seriam sufficientes para crear no Brazil apparelhos
de progresso invenciveis .
XL

O governo portuguez, infelizmente, presentiu a impor


tancia daquelle canto de sereia e fez desapparecer o livro ; o
que demonstra ainda uma vez a preoccupação que consumia
os politicos de Portugal relativamente ao perigo virtual
que existia nas fontes de abundancia destas terras brazi
leiras .
Em taes condições, pois , é claro que o espirito de revolta
pelos motivos de ordem economica, perfeitamente caracteri
sado, não podia surgir no Brazil senão muitissimo tarde.
O illustre historiador cita, entretanto, tres movimentos
dessa ordem anteriores ao predominio do Marquez de Pombal :
o do “ Maneta ", na Bahia , ao começar do seculo XVIII ; O
motim dos "Mascates ", em Pernambuco ; e a revolução do
“ Bequimão", no Maranhão, em fins do seculo anterior.
Não me parece que o primeiro mereça a consideração
que lhe quiz dar oo historiador, sendo como foi um ruge-ruge
puramente local . E' verdade que esse tumulto teve começo
" em virtude da elevação do preço do sal que passou de re
pente ”, diz Varnhagen, “ de 480 réis a 720, e do augmento
de 10 por cento em todos os artigos de importação, que fôra
pelo governo decretado , a pretexto de com o producto manter
uma armada de guarda costa contra os inimigos que infes
tavam os nossos mares ” . Mas dos relatos historicos se veri
fica que o Brazil, isto é, os naturaes da terra nenhuma parte
tomaram nessa rusga de mercadores entre si. “ A ’ frente dos
sublevados” , accrescenta ainda o autor citado, " em geral
constantes do vulgacho europeu, estáva o juiz do povo, e um
João Figueiredo, alcunhado o Maneta” . O principal obje
ctivo do tumulto era a aggressão do contratador do sal
Manoel Dias Ferreira, homem opulento e faustoso , cuja casa
bem como a do seu socio foram arrombadas e incendiadas
sob a suggestão dos brados de um agitado.
Quanto á chamada “ Guerra dos Mascates” , sem negar o
seu valor historico, onde se denuncia a vitalidade que o
elemento nacional adquirira como succedaneo inevitavel das
lutas dos pernambucanos com os hollandezes , tenho duvida
Dr. Felisbello
em aceitar a caracterisação que lhe deu o Dr.
XLI

Freire. A esse movimento faltou a pressão da necessidade


economica, nem houve durante elle sequer allusão a questões
concernentes a distribuição de qualquer especie de riqueza.
Todo interesse que nos desperta essa guerra nasce de
outras circumstancias .
A luta girou em torno de uma questão de competencia.
Os bons matutos e agricultores de Olinda irritaram-se contra
os mercadores do Recife por uma questão de attribuições,
uma questão de pelourinho ; e não era a primeira disputa
dessa natureza que se travava no paiz. Pela mesma época
entre as villas de Aquiraz e Fortaleza, no Ceará, agitavam- se
rixas semelhantes . Em Pernambuco a luta tomou simples
mente maiores proporções ; o que foi devido não só á ri
queza dos comparsas , mas tambem á differenciação dos dois
orgãos, de producção e distribuição, que se esboçavam , um
perfeitamente caracterisado por familias indigenas e outro
por portuguezes. O governo da metropole, procurando cortar
essas intrigas , ateou - as com a declaração do Recife villa
independente . A questão do pelourinho transformou- se em
questão de limites. As autoridades portuguezas naturalmente
favoreceram os mascates, e, como no meio das paixões não
achassem paradeiro a represalias , autorisaram prisões entre
as familias pernambucanas, de tal natureza, que se não pude
ram evitar as desgraças posteriores. Bacamartadas , fuga do
governador, intervenção do bispo : tudo quanto se seguiu
exprime bem o espirito que então se levantava, mostrando a
necessidade de entregar-se ás familias nacionaes o direito de
regular certos assumptos.
Em todo o caso essas lutas de preponderancia de chefes
de familias, dos ricos homens do Brazil, generalisaram -se
durante o seculo passado, tendo por ponto de apoio o engenho
de assucar e a fazenda de gado. No Ceará, por exemplo, duas
familias, Montes e Feitosas , ensanguentaram o sólo da pro
vincia pelo mesmo motivo, chegando nas suas guerras a em
penhar bandos de indios , escravos e forças em numero não
muito inferior ás que oppugnaram o Recife na sublevação
de 1710 .
XLII

No que toca ao motim do denominado Beckman ou Be


quimão, no Maranhão, em 1684-85, este sim, apresenta todos
os caracteristicos, se bem que accidentaes , de uma convulsão
popular de ordem economica. Houve miseria, falta de braços
para moagem dos engenhos, e tudo devido ao estabelecimento
de um monopolio odioso, o do estanco, o qual , sendo a prin
cipio exercido por conta do governo, depois passou a uma
companhia de tratantes de Lisboa. Esse monopolio, que
abrangia o commercio do Estado do Grão Pará ee Maranhão,
foi uma exploração feroz, mantida á custa de medonhas de
vassas, que o governador ordenava na qualidade de maior
interessado, accionista, como se diz hoje, da companhia
exploradora. A estupidez da época produziu seus effeitos : 0
desespero autorisou represalias energicas, e até o espirito
religioso, representado então pelos frades capuchos de Santo
Antonio, soprou a agitação popular, que por fim resolveu- se,
como todas as tentativas daquella ordem , na paralysia dos
conjurados, na traição dos fracos e no triumpho da força or
ganizada.
Igual a este movimento, flagellados é incontestavelmente
o de Villa Rica , em 1789 , e o Dr. Felisbello o assignala mui
tissimo bem .
As causas das duas tentativas são identicas , embora
de permeio se encontre a época do marquez de Pombal, que
durante todo o tempo em que agiu procurou systematisar a
economia do Brazil como parte consideravel da monarchia e
não obscura feitoria . Convem , entretanto, lembrar que com a
queda do grande estadista e o advento de D. Maria I restau
rou -se o mesmo regimen que fizera desapparecer o livro de
Antonil ; e os capatazes da colonia tornaram a apertar vio
lentamente as cravelhas,que retezavam o espirito de iniciativa
atrophiando a vida continental.
Voltando, pois, ao que affirmei em começo , até á ultima
época citada, póde- se dizer que as lutas verdadeiramente
serias travadas no Brazil corvejavam em torno do uti possi
detis, exceptuado o hiato aberto pelo illustre marquez.
XLIII

Lutas do governo com os francezes, com os piratas in


glezes , com os hollandezes , e por ultimo, nas Missões , com os
jesuitas , que aliás tinham concorrido poderosamente para a
unidade moral da região, estrangulada pelas distancias que
separavam os diversos nucleos de população e pela direcção
errada, muitas vezes aconselhada pelo atrazo da sciencia em
Portugal e pela inaptidão dos portuguezes para as concepções
abstractas : eis a historia colonial em sua feição ethica.
Com umn factor vigorosissimo, entretanto, nunca se

contou. Esse factor, já enunciado e mui justamente posto em


relevo pelo Dr. Felisbello, era a uberdade variada do solo e a
violencia da producção. Esse factor tem sido a providencia
divina do Brazil .

IV

Nunca se cogitou em Portugal , até uma época não muito


distante , que o Brazil pudesse ser mais do que uma feitoria
incumbida da funcção automatica de celeiro da metropole.
Essa idéa, depois que D. João VI foi obrigado a tran
sportar-se para este lado do Atlantico, e ainda posterior
mente á transformação politica do paiz, eclipsou -se, mas não
desappareceu : ella adaptou -se ao novo regimen , e, mudando
de fórma, reviveu na politica economica do segundo reinado
para continuar a sapa de nossa vida interna.
Até ao 667 de Abril”, não é necessaria muita perspicacia
de historiador para indicar os pontos culminantes , que assi
gnalam os erros economicos praticados pelos ministros de
D. João VI ee depois pelos aulicos de Pedro I, no intuito uni
camente de dar vasão ao sentimento de recolonisação do
Brazil . São flagrantes as reacções consequentes dos actos
então praticados.
A distribuição dos impostos, a creação, organização e
fraudulenta direcção do Banco do Brazil, o tratado commer
cial dando o monopolio da marinha mercante á Inglaterra, o
esvasiamento das arcas daquelle estabelecimento de credito,
que entregou todo o dinheiro aos fidalgos que se ausentaram
XLIV

a troco de papel sem o minimo valor, e outros desbarata


mentos semelhantes tornavam o sequito cortezão comparavel
1

a um bando de peraltas, que, terminado longo festim , que


brassem as taças de champagne e, atirando os restos á cria
dagem, se retirassem sem pagar a lista com os bolsos cheios
de talheres de prata e de paliteiros de ouro.
Factos dessa ordem eram mais que sufficientes para
crear no paiz esse sentimento de ruina , a que pouco depois
alludiu Pedro I dirigindo uma carta, cheio de lastima, ao pai
desolado .
Uma atmosphera assim viciada e uma pressão de vexame
tão violenta, durante o periodo do aulicismo, tornaram possi
vel a revolução de 1817 ; o vacuo financeiro, complicado
pelas ambições que surgiram depois de 1821 , gerou de modo
inelutavel o sentimento do desamparo e avolumou a vertigem
da independencia .
Feita a independencia, o balanço do thesouro, a repar
tição das prezas , os ajustes de contas, as pretenções dos
auxiliares portuguezes , que haviam concorrido com seus
capitaes para organização da esquadra e para outras despezas
de guerra, collocaram o governo do principe portuguez no
meio de difficuldades invenciveis.
A sua situação economica póde-se deduzir do seguinte
facto caracteristico. Os portuguezes de cá, porque tinham
empenhado haveres na guerra contra os de lá , entendiam que
a nação novamente creada devia- lhes obediencia céga.
O meu rico dinheiro ! diziam elles .
E por causa desse rico dinheiro e das exorbitantes pre
tenções de negociantes, os quaes chegaram a arrancar aos
tribunaes de prezas indemnisações por navios que nunca
tinham existido ou evidentemente pertenciam a outros , suc
cedeu que a liquidação dos interesses da luta da indepen
dencia chegou a emarar har-se tanto que só o “ 7 de Abril”
pôde pôr-lhe termo.
Os homens do periodo da regencia, incontestavelmente
o mais brilhante da nossa historia, porque foi durante elle
que surgiram as maiores individualidades politicas de nossa
XLV

terra, não tiveram tempo para organizar a economia do paiz


em razão das lutas que foram obrigados a sustentar por todo
o territorio na defesa da organização liberal decorrente do
acto addicional .
Em 1842 começou-se então, sob a morna temperatura da
monarchia, a consolidar a obra do que chamavam a regene
ração pela paz e que com a diuturnidade do tempo deu em
resultado essa economia politica de cafesistas , que reduzio o
Brazil por largos annos a cogitar somente na defesa de uma
classe, esquecendo todos os interesses dos que pelas condi
ções territoriaes ou pelas aspirações de desenvolvimento
moral não deviam sacrificar - se a esse novo Minotauro .
Estou de inteiro accôrdo com o historiador na parte de
sua obra que se refere á influencia exercida pela questão do
trabalho livre nos ultimos tempos do imperio.
A resistencia feudal dos senhores de escravos por um
lado, o sentimentalismo dos philantropos por outro, e a vai
dade, imprevidencia ou fraqueza do ex-imperador por outro,
foram sufficientes para renovar o impulso sopitado por lar
gos annos no coração dos brazileiros ; e, dado esse impulso
uma vez, era inevitavel que elle se convertesse em democra
cia ou fizesse resurgir as antigas idéas de autonomia, paci
ficadas por um longo regimen administrativo, no qual figu
rava sempre como regra inalteravel um sorites , cujo primeiro
>

termo estava no negro e o ultimo no emprestimo europeu ..


Finanças de Bertholdo; mas que, entretanto, para passarem
como expressão legitima da verdade, obrigaram a gastar
muita tinta e muita oratoria durante quasi quarenta annos.
Não ha quem ignore que na decadencia do imperio ro
mano tambem houve finanças ; e escriptores existem que as
gabam muito. As nossas talvez não estivessem muito longe
dellas. Todo segredo da manutenção dos governos naquelles
tempos consistia no seguinte : ter ao pé de si boa guarda
pretoriana, generaes sem prestigio nas provincias e nas
fronteiras, alimentar a plebe regularmente de modo que se
tornasse impossivel nas classes superiores sobreviventes
qualquer organisação de resistencias , ou revivescencia de
XLVI

partidos pelo recrutamento de soldados avidos de uma resur


reição do movimento que terminara em Pharsalia. Segredo
instinctivo, não é muito difficil pôl -o em execução. Quando
sobrevem o cansaço após grandes lutas de nacionalismo,
quando surgem ilotas ou colonias bem arregimentadas que
forneçam o numerario, o grão e o vinho, quaesquer appare
lhos, por mais grosseiros que sejam, bastam para o exito.
Ora, mutatis mutandis, foi o que tivemos durante mais de
30 annos .
O negro dava o café e o café decompunha-se na politica
que subia ao solio imperial e no dinheiro que se cunhava em
Londres e regressava com o feitio do emprestimo. A meta
physica do credito, envolvendo o Brazil ein uma só atmosphera,
presidida pelo genio dos Rothschilds, obscurecia toda visão
politica, unindo e arregimentando em um movimento unico o
imperio e os interesses subterraneos do monopolio europeu.
Anniquilado o negro, todo esse systema sentiu o perigo que
se antolhava ; mas não pôde de prompto reagir. A Republica
chegava como chegou ou por qualquer outro caminho ; mas
chegaria sempre .
Seria, entretanto , muito curioso ouvir o que em Londres,
antes, durante e depois da revolução, esses mesmos inglezes,
que debellaram o trafico de africanos, teriam dito a proposito
dos pupillos da America que assim delapidavam o patrimonio.
Seria tambem muito curioso verificar a natureza das notas
que tomaram nessa occasião relativamente ao modo de
accomodar os seus capitaes no Brazil , respeitando a Re.
publica, mas respeitando ainda mais as tradicionaes ten
dencias do seu commercio nas colonias. E os seus 84 milhões
de libras ? e as suas estradas de ferro ? e as suas minas de
ouro ? e os prazos dos seus monopolios ? e tantos ovos
obtidos por um real nestas innocentes terras do Brazil ?
Acaso era -lhes permittido cruzar os braços como quaes
quer politicos fim de seculo ?
Os carthaginezes do seculo XIX não dariam com certeza
tão triste prova da sua fecundidade de commerciantes
politicos.
XLVII

Detive-me talvez de mais na apreciação dos dados de


ordem econmica que o Sr. Felisbello Freire procurou syste
matisar no intuito de pôr em relevo a importancia que teve
entre nós o desenvolvimento da riqucza como factor da
democracia . Não podia, entretanto, deixar de estender-me
sobre esse factor, não só porque é o unico que abrange o pe
riodo da nossa historia colonial , mas tambem porque envolve
acontecimentos menos conhecidos e a parte propriamente
inconsciente da vida nacional .
Seguem-se os factores politicos e sociaes .
O Dr. Felisbello Freire dá o nome de causas politicas
áquellas que se prendem á intervenção directa do poder pu
blico na vida nacional por meio da legislação, ao desenvolvi
mento do regimen estabelecido, e á fórma de governo.
Segundo sua opinião todos os males que affligiram o
Brasil durante o periodo monarchico nasceram da imperfeita
constituição, que nos foi outorgada em 25 de Março de 1824 ,
e do espirito mau que se occupou em tirar dessa imperfeição
toda a obra infernal do segundo imperio, depauperando as
provincias, anniquilando o municipio e atrophiando comple
tamente a iniciativa individual . Os instrumentos dessa obra
surda foram a centralisação politica e administrativa, o
parlamentarismo, o regimen eleitoral e o governo pessoal do
soberano. O capitulo em que são desenlvidas essas theses sae
triumpbante de todas as objecções.
No que respeita á centralisação politica e administrativa
ahi está o drama do Acto addicional. Como se suffocou essa
aspiração nacional ? Voltando -se ao conselho politico de que
usaram os proceres da colonia quando o Brasil pensou em
proclamar -se livre : -
- a menoridade e a incapacidade. As
Côrtes de Lisbôa, por orgão dos energumentos Fernandes
Thomaz e Borges Carneiro, quando se dizia que o Brasil
podia ter uma constituição propria, berravam que seria re
matada loucura consentir que uma colonia illetrada e sem
conhecimentos praticos de economia politica dirigisse os seus
negocios . Pois bem, mutato nomine, igual procedimento, no
XLVIII

Brasil - imperio, teve a monarchia ou a Côrte do Rio de Janeiro


relativamente ás provincias que sentiam necessidade de
crescer. O crescimento foi reputado um crime ; e para que tal
crime não se propagasse, passada a agitação benefica que
decorreu do 67 de abril ", a sagacidade dos politicos, apparen
temente vencidos nas lutas patrioticas , se encarregoude de
molir a obra liberal de 1834, desmoralisando na pratica a
autonomia das provincias , asphyxiando-as em orçamentos
impossiveis, dando-lhes as honras de governos por decretos e
tirando -lhes todo alento por avisos , até chegar, graças ao
horror da anarchia, á lei de interpretação de 12 de Maio de
1840, que, por uma vez, subtrahiu aos homens o desejo de
viverem segundo suas proprias forças .
Os documentos , que o Dr. Felisbello Freire enfileirou
para illustrar essa luta curiosa, a mais curiosa de nossa his
toria, são translucidos ee dão-nos a sensação verdadeira de um
drama passado nas trevas psychicas da nação. Lembram-nos
Yago, frio, calculista e dissimulado, suggerindo á ingenui
dade impetuosa de Othelo os furores que o haviam de perder.
O autonomismo de 1834 cahiu na esparrella. As paixões
locaes foram fustigados ; os partidos anarchisados ; todas as
idéas politicas baralhadas ; as provincias asphyxiadas pela
falta de recursos ; até com as raças e com a ameaça de uma
restauração se especulou. As lutas sangrentas desse periodo
agitado são bastante conhecidas ; e é preciso ser destituido
de todo senso critico para não reconhecer o causador de todos
os fiascos das reformas no sebastianismo daquelle tempo, isto
é, na colligação dos velhos interesses semi-coloniaes, que
não se resignavam a ceder o passo á nação.
A consequencia de tudo isto foi o profundo desalento de
homens como Feijó e de outros que o quizeram substituir.
Depois veio o acoroçoamente da ficção de que o Brasil só
podia reconquistar a paz recolhendo-se ao molde atrasado da
monarchia assessoriada por um conselho de Estado composto,
com raras excepções, de advogados natos daquelles velhos
e impatrioticos interesses. Buscou-se levar todo mundo á
convicção ou pelo menos fingio-se que todo mundo estava
XLIX

convicto de que a reforma da reforma se tinha apresentado


como indispensavel á tranquillidade do imperio ; e assim
geraram-se as leis de 1840 e 1842, leis inspiradas n'um pro
fundo odio ao progresso e que acabaram por extinguir nas
instituições patrias as poucas valvulas por onde deviam
expandir-se as forças vivas da nação. Juntem- se agora a esse
facto a gestação do parlamentarismo e o seu desenvolvimento
extra-constitucional, devido a principio a excessos de vita
lidade das camaras e depois aos esforços dos centralistas, e
ter -se -ha o quadro completo do movimento deprimente da
influencia moral da monarchia nos costumes publicos, ope
rado primeiramente por um regimen eleitoral adaptado a dar
maiores na comformidade dos pedidos , e em segundo pela
hypertrophia da vontade imperial , que se ia alargando na
razão directa da incompetencia manifestada pelos estadistas.
Esse capitulo é um dos mais nitidos da obra do Dr. Fe
lisbello Freire ; e no que toca á refutação da propaganda
parlamentarista, irrespondivel , não só pelos argumentos
tirados das mais circumspectas autoridades que tem tratado
da materia, mas tambem pela analyse dos resultados produ
zidos entre nós , durante longo periodo, por aquelle regimen
e pelo estudo do regimen presidencial feito á luz do criterio
dos autores do Federalista, os mais sensatos de quantos esta
distas hão trabalhado para a formação de uma nação .
O Dr. Felisbello arredou a objecção ethnica como futil e
até contraproducente.
" Si se appella, diz elle , para questão do nosso elemento
ethnico, sem aquelle espirito puritano, sem aquella autori
dade, scm aquella moralidade da raça dos Estados Unidos ,
que, na opinião de Laveleye, é o sal que conserva as institui
ções , temos a responder com a profunda autoridade de Blunt
schli, que da raça anglosaxonica nasceram as duas principaes
fórmas de estado moderno, a monarchia constitucional na
Inglaterra e a democracia presidencial na America. Que
influencia exclusiva, pois, exerce a questão ethnica, quando a
historia apresenta- nos este facto ? Causa identica aquella que
na America do Norte contribuiu para ser um freio contra as
L

tendencias divergentes da revolução entre nós como força


historica — a grande extensão territorial.”
Na subordinação irracional dessas necessidades de
ordem mesologica ao typo de phantasia que nos impuzcram
os interesses coloniaes e o egoismo dos estadistas residia
precisamente a causa de todos os nossos males.
E' verdade que a monarchia com os seus apparelhos
parlamentaristas deu-nos a paz por periodo não pequeno.
Essa tranquilidade, porém , não era a ordem como condição
de progresso. A prova mais evidente disso encontra- se no
facto por todos reconhecido de que a nação estava profunda
mente infiltrada do sentimento da propria incapacidade. O
tempo incumbio-se de mostrar que esse sentimento não
passava de um sentimento falso e oriundo da inactividade
dos orgãos que mantem a vida de uma nação.

VI

No capitulo dedicado ao estudo das causas sociaes o Dr.


Felisbello Freire descreve o atrazo da nossa educação durante
o segundo imperio. O historiador assignala o anno de 1870
como tendo sido a epoca em que surgiram os primeiros
protestos contra o abatimento em que jazia a intelligencia
brazileira.

Na opinião do Dr. Felisbello Freire foi Tobias Barreto


de Menezes o primeiro que se animou a aggredir os velhos
moldes da sciencia official e , em nome da escola evolucionista ,
condemnar, como expressão de mais deploravel decadencia,
o beotismo da magistratura brazileira e o emperramento das
nossas faculdades de direito .
Incontestavelmente naquelle anno começaram a ter curso
entre nós as ideas de Ihering, de Gneist, de Spencer, de
Hækel , etc. Si bem que a medo, os bachareis formados dessa
epoca em diante, foram- se convencendo da necessidade de
reagir contra o espirito metaphisico, rotineiro e obscuran
tista, que reinava em todos os institutos scientificos.
LI

Todavia, o naturalismo scientifico produziu apenas um


effeito visivel que foi penetrar a mocidade iniciada nas
theorias novas de um profundo desprezo pelos homens que ,
na cadeira de professor, no parlamento ou nos tribunaes ,
representavam a illustração nacional ; e como raros desses
adiantados conseguiram, a exemplo de Tobias e Sylvio
Roméro, entrar no professorado, na administração ou na
magistratura, a acção daquellas ideas ficou muito circum
scripta ou se esterilisou , fazendo proselytismo tão somente
aonde pareciam inoffensivas na litteratura . Entretanto, ao
passo que no norte os espiritos da nova geração tomavam
esse forte impulso, no sul se fazia um outro movimento que
veio a produzir resultados mais proficuos, não só por effe
ctuar-se no centro, na capital , mas tambem porque buscava
discipulos no seio de uma classe que tudo podia querer,
porque tudo podia fazer, estando de armas na mão.
O fautor dessa propaganda era o então tenente -coronel
Benjamin Constant, que, sem propositalmente immiscuir -se
em politica, ensinando mathematicas aos seus discipulos , ao
mesmo tempo incutia- lhes amor pelas doutrinas de Comte, e
portanto pelas instituições republicanas.
Concedendo a cada um destes movimentos o papel que
lhes compete o Dr. Felisbello Freire diz o seguinte :
• Postos em confronto Benjamin Constant e Tobias
Barreto, vemos que a propaganda do primeiro foi mais
tardia, mais politica, menos generalisada e coherente, ao
passo que a do segundo, ainda que franca e directamente não
instituisse a concepção republicana como seu caracteristico,
como sua nota vibrante, firmou para ella um programma
essencialmente scientifico, profundamente coherente e sem a
qual o intellecto nacional não podia preparar -se para ada
ptar -se á nova instituição politica para que os propagandistas
da republica encaminhavam o paiz.”
E' forçoso aqui chamar a attenção para um facto, aliás
tangenciado pelo historiador. Se é certo que essas duas
propagandas scientificas preparavam muitos espiritos extra
nhos á politica para aceitar a Republica de braços abertos
LII

e deffendel - a depois como se defende uma presa preciosa,


não é menos exacto que essa renovação, conservando o seu
caracter esoterico, não transpirou senão como eminente aos
acontecimentos. A imprensa republicana em geral permaneceu
no doutrinarismo antigo e um ou outro jornal academico ou
de associação litteraria deixou-se impressionar pela direcção
que a sciencia vinha imprimir nas concepções politicas. Os
bachareis em direito, neste ponto dou razão ao Dr. Fe.
lisbello , foram de todos os mais refractarios a bôa nova,
porque para conservarem a coherencia tinham não só de
abrir luta com o fôro, mas tambem de renunciar as suas
pretenções politicas ; e como elles , de ordinario pela natureza
dos estudos, eram os que estavam mais á mão do governo e
da imprensa, para discutir assumptos que se prendiam á
legislação, por um motivo que é obvio retardaram a sua
collaboração em favor dos novos ideiaes. Desta maneira os
medicos e os engenheiros, tambem por uma razão de contagio,
o contagio das sciencias naturaes cujos methodos então se
procuravam applicar ás sciencias sociaes, tornaram - se mais
encontradiços na propaganda republicana.
Ora, como grande parte da imprensa democratica era
inspirada pelos doutrinaristas da escola velha, póde -se, sem
medo de erro, affirmar que essa imprensa pouco fez em
proveito da concepção republicana tal qual ella devia existir
e triumphar.
A educação da escola militar na idéa republicana , por
tanto, permanece como um dos factores mais importantes da
revolução, tendo -se em vista principalmente o momento
historico e a maneira por que lhe foi permittido intervir.
Essa orientação scientifica , agindo sobre a classe inteira,
desviou-a do que seria natural que succedesse n'uma cor
poração formada de membros pouco instruidos. O exercito
" não constituiu- se, diz o Dr. Felisbello Freire, como um
factor que obedecendo ao sentimento de classe, obrasse como
uma força consciente da evolução democratica. Como uma
classe da sociedade, no seio qual agiam as forças de cultura,
não poude isentar- se da influencia desse meio ; e seguiu o
LIII

curso que lhe traçou a orientação scientifica , da qual as


escolas militares foram uma das forças mais activas . Para
ellas affluiam os moços, menos pelo gosto da carreira militar
do que pelo desejo de illustrarem-se, não podendo fazel-o nas
academias civis em vista de suas condições de fortuna.
Reuna-se a isto a circumstancia do excesso de ensino theorico,
e ainda mais , o facto de não termos tido guerras a sustentar
e que fizessem crear o espirito guerreiro, e veremos que esta
geração militar educada nas escolas approximou-se muito da
educação civil."
Assim pois surge como verdade irrecusavel que, na
direcção tomada pelo exercito, desde o instante em que este
desconheceu a antiga disciplina, pesou consideravelmente a
illustração republicana das escolas, sem a qual é bem pro
vavel que outra fosse a solução dada ao conflicto de 15 de
Novembro de 1889 .
De que modo, porém , essa corporação poude tão depressa
desprender-se dos velhos habitos e chegar ao extremo de se
deixar conduzir até a transformação republicana concebida
na cabeça de moços ardentes e que nem sempre conseguem
ser ouvidos ?
O Dr. Felisbello Freire para explical.o offerece uma
distincção ; mas , neste ponto, ou eu não comprehendi bem
o historiador, ou ainda é cedo para apurar taes factos.
A distincção consiste em que, não tendo o exercito bra
zileiro se mostrado em todo o periodo constitucional muito
adheso á monarchia , fôra, todavia, nacionalista no primeiro
reinado e classista no fim do segundo. O classismo do exercito
nos ultimos tempos é deduzido da chamada questão militar.
Resta saber, entretanto, si a substituição do sentimento
nativista pelo que o Dr. Felisbello denomina sentimento
classista melhorou ou peiorou as condições do exercito como
um dos factores da nossa nacionalidade .
Que pretendiam os militares na epoca da nossa indepen
dencia ? Que pretenderam hontem , e pretendem hoje ? Na
quelle tempo é obvio que o seu intuito era excluir dos postos
militares os portuguezes , e nacionalisar as fileiras, que mais
LIV

de uma vez viram-se invadidas pelo cosmopolitismo, isto é,


pelo soldado engajado. No ultimo periodo, porém, que é que
em synthese exigia essa mesma classe ?
Eis a questão .
O Dr. Felisbello Freire affirma que o exercito, depois da
guerra do Paraguay, pelo movimento adquirido, sentindo
carencia, cada vez mais crescente, de actividade, ao mesmo

tempo que se via excluido da representação politica, e não


achando nas promoções e nos incrementos da propria classe
um derivativo á vaidade que de ordinario nestas condições,
se accumula no amago de uma corporação, principal .
mente quando essa corporação presume-se dispensavel
por inutil ; o exercito, sentindo-se uma energia no vacuo,
acabou por precipitar-se na primeira questão militar, que
se lhe offereceu, e d'aki nasceram todas as complicações que
o levaram a buscar na politica o objectivo indispensavel á
vida da classe .

Estas ponderações, comquanto verdadeiras, referem -se


a influencias de ordem psychologica tão longinquas , que
esvaem -se diante das determinantes oriundas de um facto
mais positivo, — a extincção no exercito dos ultimos repre
sentantes da aristocracia . As influencias a que allude o
historiador não seriam bastantes para exaltar a classe até ao
ponto a que chegou e mantel-a em um estado de irritação
quasi permanente. As collectividades, que constituem uma
nação, tendem sempre a predominar por meio de seus chefes
O
umas sobre as outras ; e de ordinario o que as limita é ou
receio instinctivo de levantarem contra si o mundo ambiente,
ou a subordinação a um principio de ordem superior ao
arranjo particular do gremio ou classe, aonde tentam agitar
se elementos insurreccionaes. Ora, eu estou convencido de
uma verdade, e é que o exercito brazileiro nunca deixou de
ser virtualmente nativista. Essa minha convicção nasce de
uma circumstancia importantissima, a da sua composição
intima nos dois ultimos periodos. Basta lançar as vistas para
suas fileiras, basta olhar para os seus officiaes para reconhe
LV

cer-se a natureza profundamente avessa dos nossos corpos


militares á nobiliarchia .
Recrutados nas classes mais desprotegidas da sociedade
brazileira, muito raros eram os officiaes que se podessem
dizer desaffectos da organisação que defendiam , pois não
passavam de infimos do povo, com todos os seus defeitos e
virtudes seinpre promptos a remoquear a fidalguia impro
visada e a chasquear de uma engrenagem politica, cuja
attitude senhoril penetrava como uma ameaça no fundo
d'alma. Todavia, esse exercito quasi paisano, emquanto exis
o duque de Caxias, foi governado e respeitado na pessoa
do vello general, em quem todos viam o exemplo da pruden
cia militar. Morto Caxias, deram -se dois factos gravissimos
que não podiam deixar de tornar a crise inevitavel : a
acephalia militar e a acephalia monarchica.
A acephalia militar verificou-se por uma razão muito
simples, á qual acompanhou de perto a queda do espirito de
D. Pedro II .

O imperio não encontrou mais um general dynastico


capaz de substituir Caxias - um general de prestigio e ao
mesmo tempo de tradicções hieraticas. Desta maneira o
exercito, entregue a si mesmo, teve de collocar á sua frente
um dos seus filhos. Surgiu então Deodoro, o qual embora não
fosse desaffecto ao monarcha tarimbava com toda a officiali.
dade. Desde este instante pode - se dizer que se dissolvera a
força armada para constituir- se um fragmento de partido
nacional.
Com o velho duque baixara ao tumulo o prestigio da
corôa e o ultinio apoio dos Braganças no Brazil .
Diz o proloquio que boi solto lambe-se todo. Que poderia,
pois, querer o exercito nestas condições ? Um chefe com
certeza. E foi nesse momento que , entrando em contacto com
o poder publico, extranhou a ordem , principalmente por
encontrar a soberania deslocada, se não no ar.
A irritação , portanto, que se traduziu em questões por
natureza insoluveis, e que deu com a monarchia em terra
LVI

a 15 de Novembro de 1889, em synthese, resultou da ace .

phalia da classe militar,


O periodo de reorganisação dessa classe não devia passar
sem um grande choque.
Abriu-se então o caminho á Republica. No proprio
exercito felizmente, porém , se encontraram elementos de
cultura republicana que impediram a retrogradação.

Tenho estudado no livro do Dr. Felisbello Freire o que


me parece mais interessante, isto é, o ambiente dentro do
qual agitou -se e fructificou a democracia .
Os ultimos capitulos occupam -se com a propaganda
republicana até ao instante em que a monarchia retirou-se
da scena. Essa parte do livro, em resumo, demonstra que a
acção consciente da democracia entre nós achava-se no seu

periodo organico, e que a sua influencia não seria decisiva


sem a collaboração quasi directa dos factores já ana.
lysados .
Todos os acontecimentos relatados nesses capitulos pren
dem-se a personagens politicos que mais ou menos figuraram
no advento e no governo provisorio da Republica.
O estudo dos seus actos, portanto, antes e depois da
revolução, não supporta divisão, motivo por que reservo a
respectiva analyse para quando fôr publicado o 2° volume da
obra, no qual , segundo o autor promette, se desenrolará a
psychologia da revolução.
Terminando aqui a série dos artigos que me propuz es
crever sobre a primeira parte da Historia da Republica, só
me resta declarar que, em um paiz como o nosso onde todo
trabalho mental é um sacrificio, seria indifferença criminosa
dos que mais frequentemente se occupam com a critica não
consagrar a uma obra do quilate da do Dr. Felisbello Freire
toda a attenção que merecem os assumptos historicos."
Rio Setembro - 94 .
FELISBELLO FREIRE.
LIVRO I

A REVOLUÇÃO

v. 1 1
CAPITULO I

Exposição da questão
SUMMARIO

Os revolucionarios de 1889 são os representantes da tradição historica repu


blicana no Brazil. Sua origem e seu poder generalisador. Seu percurso em
trinta e cinco annos. As resistencias que se fizeram contra ella. Influencias
das instituições sobre a educação nacional. Os poderes publicos das capita
nias. Opinião dos escriptores sobre ellas. Nos antecedentes historicos está a
origem da idea republicana. Influencia da politica e da administração sobre
o caracter nacional. Primeira forma da idea republicana, Em começo ella
reveste a forma de um sentimento de interesse . A mesma origem nos Estados
l'nidos. Opinião de escriptores. Esboço das causas da revolução de 15 de
Novembro. Causas economicas, sociaes e politicas.

A transformação radical por que passou o paiz em suas


instituições politicas com a revolução de 15 de Novembro,
sem que contra ella se levantasse a menor resistencia, em
nome do principio monarchico, exprime a existencia do sen
timento democratico na população nacional que, através dos
accidentes historicos que o desviaram da suprema direcção
dos destinos politicos da nação, veio firmar essa conquista
na victoria que os revolucionarios de 1889 alcançaram sobre
as velhas instituições. Essa aspiração democratica constituio
se como uma força latente , á espera de momento propicio
para trausformar- se em força viva. Através das geracões
passadas , esse sentimento evoluio até ás gerações que , sob
seu influxo, derrocaram um throno e expelliram uma dynastia
e acabaram com a instituição que lhes servia de garantia e
de sophisma juridico.
4

N'essa evolução por que passou sem uma solução de


continuidade que lhe fizesse perder a importancia de um dos
factores historicos da marcha politica do paiz, não obstante
as resistencias que, por todos os processos , os mais aviltan
tes e tyrannicos se puzeram em pratica contra aquelles que
se constituiram os seus apostolos , os seus portadores i; n'essa
evolução , como diziamos , soffreu aa acção do tempo, dos Cos
tumes , dos habitos , da cultura intellectual do povo e
aconchego do elemento ethnico indigena com o elemento es
trangeiro , das praticas politicas postas em actividade contra
elle pelo instincto de conservação do Imperio e finalmente da
corrupção dos homens na educação politica que lhes deu o
regimen .
E justamente , quando estes chegaram á situação politica e
social em que se apresentam no segundo reinado, sem opi
niões , sem iniciativa, sob o dominio absoluto do governo
pessoal do soberano, foi que o principio republicano pare
ceu assumir a posição de uma força negativa, completamente
esgotada e esterilisada.
Nas nossas tradições, eil.o ahi a dominar as gera
ções que se succederam até vós levantando o espirito de re
volta e de protesto, aqui e ali, desde os tempos coloniaes em
Minas, Bahia e Pernambuco , até os tempos do Imperio
n'essas mesmas provincias, e no Rio Grande do Sul.
O poder de sua influencia, o vigor de sua solidariedade
a reunir os homens em fócos revolucionarios a estender- se
em uma grande extensão territorial, attentando contra as
instituições, é o que se apura n’estes acontecimentos que
tanto perturbaram a paz do Imperio, até ás phases adiantadas
do segundo reinado.
Em todos esses successos o que se vê, o que se sente,
é o principio da Republica em acção a estimular o civismo
e os brios do brazileiro contra o direito de uma dynastia,
impellida pelos accidentes da historia a proclamar no Brazil
a instituição monarchica, em nome da opinião nacional,
quando nos antecedentes do paiz o que vemos é, de um lado,
o elemento nacional a protestar contra ella, e do outro, o
5

elemento estrangeiro a impôl- a como organisação institu


cional da nação.
Nossa historia politica resume- se n'essa lucta e n'esse
conflicto, entre monarchia e republica .
Não foram aspirações isoladas , circumscriptas ao apoio
de pequenos grupos . Generalisaram -se, formando um estado
subjectivo sem solução de continuidade, propagado de Minas
á Bahia , Pernambuco e muitas capinias do norte .
Basta ver que de 1789, quando ellas asssumiram uma
fórma mais definida, a 1824, quando se concentram a seu
favor os esforços de muitas capitanias confederadas, ellas já
tinham percorrido uma grande extensão territorial , em 35
annos, sem as facilidades dos meios de propaganda e com
municação, indispensaveis á generalisação de qualquer idéa.
Do foco irradiaram-se para o norte e para o sul , na >

memoravel lucta dos Farrapos , em 1835.


Si por um lado as praticas governamentaes da colonia ,
de accôrdo com a natureza e a indole das instituições , res
tringiram o0 campo de acção do principio democratico, elimi
nando todos os elementos e circumstancias , que lhe podessem
servir de amparo e de nutrição para desenvolver- se, por isso
que se caracterisavam pela centralisação na politica e na
administração, não gozando as circumscripções administra
tivas da mais exigua parcella de autonomia de governo ;
por outro lado ellas descontentavam profundamente o povo,
para cujos interesses o poder publico olhava com a mais cri
minosa indifferença. Si as condições sociaes eram improprias
á educação do cidadão creado á sombra de instituições centra
lisadoras e despoticas, creavam entretanto a indisposição, a
indifferença e a antipathia do povo.
Nos proprios elementos da formação da riqueza, nos
proprios factores da producção, que haviam de dar uma fei
ção especial ao regimen do trabalho, encontrava o cidadão
as peiores condições de cultura e de desenvolvimento
material .
Realmente os habitos dos primeiros colonisadores crea
ram o systema agricola, como o que caracterisou o trabalho
6

colonial , que na lavoura foi buscar os elementos da fortuna


publica e particular sem a menor intervenção da industria,
até mesmo em phases adiantadas do Imperio, e fóra da qual
não podem existir o trabalho livre e todas as consequencias
que d'elle emanam .
Em nome do direito da conquista, além de escravisa
rem a raça autochtone, escravisaram a raça negra, que veio
substituir o braço da raça amarella, preferindo o seu exter
minio, o seu anniquilamento, á situação em que a collo.
caram .

O trabalho escravo tornou - se assim o sustentaculo da


actividade economica da colonia .
Ahi estão outros tantos precedentes , cuja influencia foi
profundamente contraria á posse effectiva das liberdades
politicas e á formação de um caracter adaptado ás institui
ções livres .
De facto, não se pode negar a influencia poderosa que
teve a fórma de governo que na colonia se praticou, sobre a
educação politica do povo e seu caracter, acostumando-o á
passividade brutal de quem não tem as garantias da lei , vio
lada continuamente pelas paixões dos governantes, sem os
orgãos de publicidade para quem appellar, sem a acção cor
rectiva e o julgamento de uma opinião publica que não exis
tia , pela falta de todos os elementos para se formar e robus
tecer.
A lei era a vontade dos governadores, que resumiam em
si todas as attribuições politicas das capitanias, onde nunca
se praticou o regimen liberal , nem a fórma representativa de
governo.
Nas seguintes paginas de um illustre historiador nacio
nal estão descriptas as attribuições politicas desses chefes
que presidiam os destinos das diversas circumscripções da
colonia .
« Elles proviam a serventia da maior parte dos empre
gos e todos os postos da milicia até coronel , o que equivalia
a provimentos interinos propostos á confirmação de el-rei ,
a quem unicamente competiam os definitivos ; remuneravam
7

os serviços pecuniaria ou honorificamente ; concediam


perdão em certos crimes, e determinadas épocas ; repar.
tiam livremente em sesmarias as terras dos seus gover
nos ; dispunham de toda a força militar ; declaravam e fa
ziam a guerra aos indios ; prendiam e deportavam os
turbulentos de umas para outras capitanias ; presidiam
ás relações e ás juntas de justiça ; creavam villas e po
voações segundo as leis ee com todos os funcciouarios
costumados no reino ; decidiam os conflictos de jurisdi
cção que surgiam entre os magistrados ; admoestavam .
n'os , suspendiam os seus vencimentos, ordenavamo seu
processo, podiam ate prendel- os ee remettel -os para o
reino , havendo perigo na móra ; e foram autorisados a
fazel-o sem clausulas restrictivas no tempo do marquez de Pom
bal ampliada para esse fim a jurisdicção que lhes concediam
os antigos regimentos ; suspendiam e rebaixavam os officiaes
militares dos seus postos , e sobre outras muitas attribuições di
rectas e pessoaes que accumulavam , militares , civis, judiciarias
e financeiras , exerciam finalmente a suprema inspecção sobre
todos os ramos da administração publica , e vigiavam em geral
na execução das leis." ( 1 )
E dizia o padre Antonio Vieira : " No Maranhão, á vista
deste poder monstruoso, accrescentado na pratica por todos
os desregramentos do arbitrio, no Maranhão ha um só en .
tendimento, uma só vontade e um só poder, e este é de quem
governa. " (2)
Os corpos deliberantes quasi que não existiam para
exercer funcções legislativas, pelas quaes pudessem attender
ás necessidades publicas e resistir á tyrannia e á omnipo
tencia dos governadores , contra os quaes não se levantava
a menor resistencia, nem dos tribunaes , nem da lei , que, se
existia, não era cumprida nem respeitada.

( 1 ) João Francisco Lisboa A pontamentos, noticias e observações para servirem


á historia do Maranhão.
(2) Carta de Dezembro de 1855 ao secretario de estado Pedro Vieira da
Silva.
8

As camaras que representavam os municipios não pas


savam de meras attribuições administrativas e economicas,
isoladas e restrictas a cada termo, sem nenhum caracter po
litico, ou de representação ou principio popular. (1 )
0 povo não se educava debaixo da influencia de insti .
tuições politicas livres, á sombra das quaes se instituisse o
regimen legal .
Além dessas influercias de ordem politica que foram di
rigindo os espiritos mais rebeldes a aspiração de outras insti
tuições que melhor garantissem, não só a sua situação social ,
como os seus interesses materiaes, vemos a acção de outras
causas que convergiram para o mesmo resultado.
Tal era a falta de honestidade na administração publica,
cujos destinos eram entregues a homens ignorantes , rudes e
incultos , habituados á prepotencia da vida militar e corrom.
pidos nas larguezas e devaszidões que ella proporciona. Todo
o seu proposito, uma vez chegados aquellas desamparadas
capitanias , era usar absolutamente das suas vontades , cevar
os seus appetites desordenados , fazer guerra a estrangeiros e
gentios, e ajuntar dentro do triennio, por todos os meios
imaginaveis, a maior somma possivel de riquezas. (2)
Eis um documento do tempo, pintando a feição da
época :
- Uma das causas da miseria da terra, e que justamente
envolve muitas causas, são os interesses dos que governam,
porque as rendas dos dizimos de V. M. em todo aquelle Es
tado (falava do Maranhão) chegam a montar seis até oito mil
cruzados .
" Os tres dos quaes toma o governador inteiramente , e
no melhor parado ; e na mesma forma se pagam dos seus or
denados os provedores e os officiaes da fazenda, com que
vem a ficar muito pouco para as ordinarias das igrejas, vi
garios, officiaes da milicia e soldados, aos quaes se não paga
nem a quarta parte do que lhes pertence, com que é força que

(1 ) João Francisco Lisboa-Obr. cit .


(2) João Francisco Lisboa - Obr. cit. , Vol. 30 , pag. 82.
-
9

busquem outros modos de viver e se sustentar, que muitas


vezes são violentos, e todos vêm a cahir ás costas do
povo .
" Assim mais levam comsigo os ditos governadores ,
muitos criados que provêm nos melhores officios, e elles com
confiança no poder de seu amo os servem com insolencia, do
minando não só as pessoas , mas as fazendas, de que se re .
colhem a Portugal ricos, e os povos ficam despojados.
• Assim mesmo vendem os provimentos das companhias
e não uma sinão muitas vezes , com que não só tiram aquelle
premio militar aos soldados velhos e benemeritos , mas está
com isto todo o Estado cheio de titulos de capitães e de sar
gentos-móres , que para sustentar a vaidade do nome é força
que tambem busquem com oppressão alheia, o que por outra
via não podem alcançar.
" O mandar alistar uns por soldados , e riscar praça a
outros tambem é modo de adquirir mui usado dos que go
vernam, com tanta oppressão dos que se captivam, como dis
pendio dos que se resgatam .
66 Com o mesmo artificio renovam culpas passadas ,
prendendo ou ameaçando principalmente os mais poderosos ,
os quaes , tanto que contribuem o que se delles pretende ,
logo ficam innocentes , a qual innocencia se compra de tão
varios modos , quantos são os das mesmas culpas, com que os
delictos ficam como d'antes , e só os delinquentes roubados ou
empobrecidos .
“ Com o mesmo poder e violencia atravessam as fa
zendas dos navios , que vão aquelles portos , e fazendo mono
polio dellas as vendem pelos preços que querem , fazendo
com este exemplo subirem excessivamente os mesmos ge
neros, de sorte que um quintal de ferro se vendia por vinte
mil réis, umas meias de seda por dez mil réis , e um chapéo
por seis .
“ E como são poucos os navios que vão aquelle Estado,
vem grande parte dos ditos navios carregados por conta dos
que governam , com grande abatimento dos fretes , o qual
abatimento lhe fazem os mestres , por remir sua vexação ;
10

mas quando por uma parte abatem aos governadores, tanto


por outra accrescentam ao povo, sobre o qual vem sempre a
carregar tudo ; mas a maior carga, e mais sensivel de todas
para os moradores , é divertirem - lhe os indios que os haviam
de servir a outros interesses particulares seus dos que go
vernam, porque os indios lhe estão fabricando os navios, ou
tros cortando e serrando as madeiras, outros fazendo breu
pelos matos ; outros tirando nos mesmos matos embira, que é
certa casca de arvore de que se faz a estopa e enxarcias e
amarras ; outros indo ao cravo , outros ao ambar, em dis
tancia de oitenta, cento e mais leguas; e outros finalmente
ao rio das Amazonas, Aroaquins e Rio Negro, ao resgate dos
escravos , que, são virgens, que de ida e volta, passam de
mil leguas, tudo á força de remo, occupando-se nos ditos
interesses tanta quantidade de indios, que repartida pelos
moradores, conforme a lei e regimento de V. M. , bastaria a
remediar a necessidade de todos. ” (1 )
Eis aki nos antecedentes de nossa historia os prece
dentes do governo imperial, que não passou de um prolonga
mento dessa phase tyrannica, quando o paiz se emancipou,
levando em linha de conta as condições relativas de tempo,
que importam em differenças oriundas do maior gráo de ci
vilisação e de cultura .
Ahi está tambem nestes mesmos antecedentes o germen
da idéa republicana, como a expressão do descontamento po
pular contra a ordem de cousas dominantes e como a aspi
ração de uma melhor situação.
Si essa vida politica em que vivemos durante seculos era
profundamente contraria ao desenvolmento dos principios
democraticos, que sem um plasma adaptado á sua evolução,
não poderiam florescer, não deixou entretanto de ser-lhes
vantajosa, contribuindo para que não pegassem no coração
do povo as raizes das velhas instituições.
Si aquella politica, si o desenvolvimento das instituições
nesses seculos , não educou o cidadão para os governos de

( 1 ) João Francisco Lisboa-Obr. cit . , Vol . 3º , pag. 88.


11

mocraticos, lhes accendeu, porém, o desejo de appellarem


para outras instituições governamentaes, em nome dos seus
interesses .
Comprehende- se a importancia que exercem a natureza
e a pratica de uma instituição, sobre o caracter de um povo
e o desenvolvimento de sua vida intellectual e moral .
E em vista da influencia destas praticas politicas, desde
a colonia, entorpeceu -se o desenvolvimenfo do principio de
moctratico, que sem a elevação do espirito popular ao nivel
das noções da justiça e do dever, de bem comprehendel-as e
desenvolvel-as , encontraria um grande obstaculo.
E essas noções não tratavam as instituições de incutir
no povo. Ao contrario, esse era privado em seus direitos, vio
lado em suas liberdades, continuamente perseguido pelos
actos arbitrarios da autoridade, mais em obediencia ás pai
xões que a dominavam do que á lei, cuja esphera de acção ella
nunca respeitara.
Si , porém , pelo lado da cultura e do preparo popular
para assimilar a forma democratica, vemos as maiores diffi
culdades justamente na organisação politica da colonia, esse
facto subjectivo não apagou da consciencia publica a resis
tencia ás instituições vigentes , nem tão pouco a tendencia
para aspirar um estado de cousas differentes e que melhor
garantisse o bem-estar do povo e seus interesses .
Era uma aspiração impossivel de traduzir em uma conce
pção politica adiantada e definida.
Em começo apresentou -se embryonaria, indefinida em
suas fórmas externas e quem nem por isso , deixava de existir
como um symptoma de um estado latente da opinião.
E quando tratarmos de estudar a evolução da idéa repu
blicana entre nós , mostraremos as diversas phases por que
passou ella, as diversas influencias que recebeu da cultura
popular.
Por ora queremos consignar o facto da existencia dessa
aspiração que está em nossas tradições historicas.
A sua causa, a sua maior e principal origem está justa
mento no instincto de conservação, no sentimento de interesse
12

na defesa dos direitos , na resistencia contra as violencias e


as usurpações que tanto caracterisam a nossa politica em
começo. E isto nada tem de estranhavel. E' a existencia
de um facto historico, de uma lei que não abre excepção em
nenhum povo e em época nenhuma.
E' a manifestação objectiva de um estado subjectivo , de
uma situação psychologica que domina os homens e as nacio .
nolidades. As origens do sentimento republicano entre nós
não estão nas cogitações especulativas e idealistas de sua pre
ferencia, em relação á monarchia. Não. Elle nasceu do embate
dos interesses sociaes, da situação precaria e indefesa em que
sempre se achou o povo, em face de seus governantes e de
suas instituições , que não sabiam ou queriam constituir-se
como seus mais sinceros advogados e defensores. D'elles
não lhes vinha a menor somma de protecção e de deliberações
patrioticas para contribuirem como um factor de prosperidade
da communhão.
Eis abi, na mais larga synthese, a sua origem e n'isto
não abrimos excepção .
Ahi está tambem a idéa republicana na America do Norte,
ligando-se ás mesmas origens . Applica-se a nós a bella phrase
do illustre historiador politico dos Estados Unidos, Dr. Pri .
ce : ( 1 )
" Les hommes sont naturellement disposés à continuer
leur faveur au gouvernement, quel qu'il soit, sous lequel ils
sont nés, sous lequel ils ont été élevés . Et il n'y aa que l'exagge
ration des abus et de l'oppression qui puisse les exciter à la
résistance " .
« Lá, as colonias, como diz Strauss, (2) não se queixa
vam da forma dos governos ; a parcialidade com que os agen
tes do governo administravam tinha todos caracteres de uma
perseguição. Os anglicanos, os presbyterianos, os catholicos,
os puritanos , eram ou perseguidos ou perseguidores , segundo
detinham o poder ou o soffriam ” .

( 1 ) Observations sur la nature de la liberté civile, etc. pag . 34.


(2) Strauss-Les Origines de la forme republicaine
13

O que dominava o espirito d'aquellas populações na re


sistencia que levantaram, chegando á independencia da co
lonia, era mais reagir contra as praticas do governo e contra
o regimen de excepção que a metropole abria contra ellas ,
do que contra a forma do governo em si.
Era mais reagir contra as oppressões e usurpações que
as colonias tiveram de soffrer devido á acção dos agentes do
Rei ou do Parlamento, do que contra a organisação constitu
cional da epoca.
- Os governos , diz ainda o mesmo escriptor, que diri
giam as colonias americanas eram uma mistura do typo mo
narchico e do typo republicano, isto é, eram tão republicanos
quanto podiam sel-o sob o imperio de Cartas regias e sob a fis
calisação superior do Rei e do Parlamento da Grã - Bretanha " .

Jamais as queixas dos colonos se dirigiam contra a forma


de seu governo ou das instituições da mãe patria.
Exprobavam a Inglaterra de não respeitar os direitos
naturaes , os privilegios e as immunidades que elles preten
diam gosar da mesma maneira que os proprios inglezes.
Essas origens ficam bem patentes no seguinte trecho da
representação do Congresso em 1774 : " Será porque o mar nos
separa, que devemos soffrer uma desigualdade de direitos ?
Existirá alguma rasão pela qual subditos inglezes que moram
a milhares de leguas do palacio real devam gosar menos li
berdade queaquelles que estão somente a cem leguas ?
Como se vê, a idéa republicana nos Estados Unidos li
gou-se a influencia de factos identicos aos que entre nós con
tribuiram para lançar na consciencia nacional a concepção e
a elaboração do mesmo sentimento.
Estabelecida esta verdade n’este caracter de generalida
de, precisamos estudar as causas que a levaram a se desen
volver e a consubstanciar-se na forma de governo, como o
principio basico das instituições nacionaes. Precisamos agora
depois que traçamos em larga synthese a genese esse
principio politico, traçar as causas da revolução de 15 de No.
vembro e as diversas influencias que aquelle soffreu através
14

das gerações , como effeito das modificações do meio intelle


ctual e moral da nação.
O que queremos consignar n'este capitulo é que a idéa
da Republica germina de nossas tradições historicas e se
constitue como semente da nossa civilisação, como causali
dade directa de acontecimentos de caracter geral que impri.
miram uma feição positiva a uma larga esphera de actividade
nacional .
Esse estudo constituirá o assumpto de outro capitulo.
No estudo em que vamos entrar, sobre as causas da re
volução de 15 de Novembro, dividil- as - emos em três catego
rias : Causas economicas, causas politicas e causas sociaes.
N'essa triplice origem iremos estudar o grande aconte
cimento da nossa historia .
CAPITULO II

Causas economicas

SUMMARIO

Valor dos factos economicos. Sua importancia na revolução de 1889 e na formação


da idéa republicana. Tres periodos politicos e tres phases economicas. Os tres
factores da riqueza. Acção de cada um delles. A producção do paiz no fim do
seculo XVII e no começo do seculo XVIII. O regimen agricola , como o re
gimen dominante, em virtude não só dos factores naturaes , como da legistação
Sua influencia . Leis de nossa economia . Causas da revolnção de Maneta na
Bahia, da revolução dos Mascates em Pernambuco e de Manoel Bequimão
em Maranhão . Manifestação confusa do principio republicano n'estes movi.
mentos. Elle melhor se detine na revolução de Tiradentes. Suas causas econo .
nomicas. A mineração como fonte de renda ; dominou um periodo economico
Ella é causa de maior progresso da população do sul em relação ao norte e de
ahi se ter melhor acentuado o regimen agricola . O governo e a mineração. O
atraso do quinto. Papel de Barbacena. Idéas de emancipação. Papel da colonia
brasileira na Europa. Politica de Barbacena em sua circular de 23 de Março
de 1789. A revolução de Villa - Rica é a primeira manifestação do principio re
publicano. Papel historico de Tiradentes.

No movimento economico de um paiz acha-se uma das


fecundas origens dos seus acontecimentos mais notaveis.
E' este lado da vida nacional o que está em relação com os
reaes interesses do povo, orgão activo do desenvolvimento
em perenne e indissoluvel contacto com as vicissitudes da
terra e do trabalho .
Nesse campo de pesquizas é que iremos encontrar a
mais forte razão dos factos sociaes que o laço da mais
estreita dependencia prende ás leis do desenvolvimento do
trabalho, á sua natureza, e á riqueza activa e productiva que
circula por impulso dos factores economicos .
16

Bem razão tem Phorold Roger, autor da Interpretação eco


nomica da Historia, quando lamentando a omissão que os
autores de livros de historia fazem dos factos economicos tor
nando-a
- inexacta e incompleta, diz que os mais graves aconte
cimentos politicos e sociaes muitas vezes n'elles se originam.
Nenhuma proposição é mais verdadeira do que essa em
relação ao facto de nossa historia, que instituio a republica
como forma de governo da nação e em relação ao proprio des.
envolvimento que teve entre nós a idéa republicana. E' este
o estudo que, constituindo o assumpto principal deste capi
tulo, reclama, entretanto, vistas geraes sobre o nosso desen.
volvimento economico, suas leis e as relações que o prendem
aos nossos mais notaveis acontecimentos politicos.
A menos casos excepcionaes, diz Loria, o desenvolvi
mento economico provoca em suas diversas phases , uma dif
ferença de repartição da renda e a ella corresponde, com um
rytnmo docil , uma differença sensivel na forma de governo.
E trasladando para aqui os exemplos historicos que confirmam
esta lei, vemos o governo aristocratisar - se em Roma no
momento em que a riquesa se concentra nas mãos dos patri.
cios ; assumir a forma democratica quando desenvolve- se a
propriedade movel á custa dos pequenos proprietarios ;
assumir depois a forma imperial, quando desapparecem as
fortunas medias e a lucta economica se trava entre a opu
lencia e a plebe de mendigos e escravisados.
E o mais notavel exemplo da influencia das condições
economicas sobre as condições politicas , diz ainda o mesmo
escriptor, está na historia de França, na rapida successão de
suas fórmas governamentaes .
- Em 1815 , a grande propriedade territorial predomina
na constituição economica e, por conseguinte na politica fran
ceza, e o partido legitimista que é constituido por esta mesma
propriedade, gera com a monarchia dos Bourbons, um go.
verno essencialmente aristocratico. O desenvolvimento eco
nomico, porém , traz um acrescimo colossal da riqueza capi
talista e as grandes fortunas dos bancos e industrias elevão
ao throno os Orléans. Sob aa monarchia de Julho, o conflicto
17

entre a grande propriedade territorial e a grande industria


é completo e dá lugar a um regimen democratico e parla
mentar. Este regimen é substituido pela revolução de 1818 e
pelo restabelecimento do Imperio, por que os dous adversa
rios-proprietarios e industriaes-alliam -se para combater o
povo e suscitam violenta reação contra o proletariado ”.
Eis ahi factos eloquentes e que existem innumeros na his
toria dos paizes civilisados e que provam a directa influencia
da organisação economica sobre a organisação politica.
Entre nós o mais eloquente neste sentido é a revolução
de Novembro de 1889, consequencia inevitavel da revolução
abolicionista do escravo e da emancipação do trabalho.
Si pelo lado politico podemos dividir a nossa historia
em tres periodos distinctos, a elles correspondem tambem
tres phases diversas de nossa vida economica.
Temos o periodo colonial , o periodo do imperio e o pe
riodo da republica. Os seus pontos culminantes são : —a
emancipação do paiz, organisando-se em monarchia constitu
cional representativa e depois em republica federal .
Pelo lado economico, temos uma colonia commercial de
uma metropole européa, um paiz emancipado politicamente
sem liberdade de trabalho e caracterisado pelo regimen agri
cola e depois pela tentativa de organisação do trabalho livre
e do regimen industrial.
Temos por conseguinte de traçar as tres phases de nossa
vida economica e ver as suas relações com esses aconteci.
mentos que trouxeram situações politicas tão diversas .
Julgamo-nos desobrigados de tratar da phase economica
anterior ao imperio com a demora que o assumpto requer,
porque isso constitue assumpto de um livro que elaboramos е
escripto sob a influencia das mesmas doutrinas em que este
se inspira.
Precisamos, entretanto, lançar sobre esse passado vistas
geraes e de conjuncto, indispensaveis para ficarem demon
stradas as influencias economicas da revolução republicana e
da mesma idéa republicana em sua evolução atravez do es
pirito nacional .
v. 1 2
18

As leis que têm dirigido nosso movimento econoinico


não podem ser estudadas sem attendermos aos factores que
presidiram entre nós a formação da riqueza, sua distribui
ção, o seu consumo, afim de vermos as relações que prendem
estes factos ás nossas condições sociaes e politicas e as in
fluencias que ahi se originam e que têm actuado sobre a
marcha de nossa civilisação.
Nos tres factores da formação da riqueza, --a natureza,
o trabalho e o capital vemos que entre nós , no primeiro
passo do desenvolvimento material, a influencia do primeiro
factor foi relativamente muito mais intensa do que a de
qualquer dos outros. Quasi que se pode dizer que elle por si
só define e caracterisa a formação da riqueza em largo
periodo de nossa vida colonial . Basta para proval- o vêr as
condições da população do paiz, n'aquelles tempos, profun
damente rarefeita e excessivamente inculta e atrazada, para
vêr-se que o trabalho, sem o concurso do aperfeiçoamento
do braço, se constituio como um factor que collaborou em um
campo de acção menor do que a natureza, em vista de suas
bôas condições de uberdade de sólo, de constituição geoge.
nica, de configuração geographica e das forças dos seus di
versos agentes naturaes.
Si por este lado, onde se pode encarar o grao de influen
cia de um dos factores , que affectam o trabalho, vemos muito
restricta sua acção, em identicas ou peiores condições estava
o outro factor, aquelle que se refere ao capital , não só em
relação áà sua forma de moeda e de metal , como em relação
á somma de instrumentos de trabalhos ou riquezas estaveis
de utilidade permanente .
De facto , em grande periodo de nossa vida colonial ve
mos os fócos de população restrictos , distanciados, em condi
ções difficeis de communicação. Elles progrediam lentamente .
A parte que se entregava ao trabalho material era justa
mente aquella cujas condições sociaes a collocavam na situação
a mais prejudicial para activar a formação da riqueza, por
que ella se fazia a custo do trabalho escravo que dominou a
nossa economia por mais de tres seculos , e que por isso
19

mesmo, lhe emprestou um cunho especial, não podendo


deixar de reflectir -se profundamente na vida politica e social
e ser a causa de graves e profundos acontecimentos. Esta
circumstancia de capital importancia, que aqui assignala
mos, obrou como uma força retardativa na formação da ri
queza. A classe operaria era o escravo. Si sob este lado de
nosso desenvolvimento material elle foi um agente retarda
dor, não deixou de exercer certa influencia prejudicial na
distribuição da riqueza, que não obdeceu á marcha das in
fluencias normaes, distribuindo-se mais ou menos equitati
vamente por entre as camadas sociaes , porque as leis da
distribuição da riqueza se acham affectas ao desenvolvimento
da liberdade e do direito de propriedade que não podem
coexistir com a escravidão. Comprehende -se que todos esses
factos que emanavam da instituição escrava, que por sua vez
era o sustentaculo das instituições politicas , deviam reper
cutir, como repercutiram, na vida politica da nação.
Antecipamos-nos desde já a chamar a attenção do leitor
para esse aspecto da questão que será cuidadosamente tratado
em occasião opportuna .
A grande infiuencia que produziu um dos factores da
formação da riqueza - a natureza — fez com que o regimen
agricola dominase a nossa vida economica, por um largo
periodo , sem a menor influencia de organisação industrial,
viavel em condições sociaes muito differentes d'aquellas que
presidiram á elaboração do trabalho entre nós . Essa é incom
pativel com o trabalho escravo , com o regimen da excepção
da lei, profundamente lesivo aos direitos da liberdade e de
propriedade.
A organisação agricola dominou nossa economia , consti.
tuindo o assucar, o algodão em principio e depois o café, os
principaes productos exportaveis e os principaes elementos
da riqueza .
Em consequencia das circumstancias que presidiram á
nossa organisação economica, a lavoura tornou-se fonte
exclusiva de nossa produção. E ' uma das leis de nossa eco
nomia. E' como diz Beaulieu ; " Na primeira phase, a pro
20

ducção é sobretudo influenciada pela natureza ; é o factor que


domina. Depois vem o trabalho , não pela actividade me
thodica que tem conscieacia do seu poder e que sabe variar
suas applicações ; o capital existe de facto, porém é rudimen
tar e não progride senão lentamente . A natureza não é domi
nada nem disciplinada ; é ella que domina e conduz o
homem ." (1 )
Como resultado dessa organisação economica o regimen
da propriedade territorial tornou -se o regimen dominante. A
classe que predominava economicamente era capitalista
agricola , feita o centro de todas as relações. A propriedade
era immovel e a renda só assumia um caracter - renda agraria .
Desse predominio nasceo a sua soberania polititica, contra a
qual era inutil qualquer resistencia das outras classes sociaes ,
sem forças economicas para deslocarem o centro de gravi
dade da soberania politica em seu favor.
Dahi a rasão de ser de facto de que os proprietarios,
como os detentores da renda, eram os que exerciam os car
gos de representação politica e admistrativa da colonia. Era
o regimen da olygarchia agricola .
No fim do seculo XVI a principal producção do Brazil
era de assucar e segundo os dados estatisticos de Varnhagem,
contavam -se em Pernambuco 65 engenhos, na Bahia 36 e nas
outras capitanias 18. Annualmente produziam os ditos enge
nhos uns setecentos mil quintaes de assucar ou setenta mil
caixas, numero ignal ao dos mil cruzados que pagava o
mesmo assucar de direito de sabida na razão do cruzado por
caixa de dez quintaes .
O consumo no Brazil de generos estrangeiros, vindos do
Reino, avaliava-se em quatrocentos mil cruzados , e portanto
em oitenta mil aa renda que produziam as alfandegas de Por
tugal por não estarem os nossos portos abertos ao commer

cio das outras nações. (2)

( 1 ) Leroy Beaulieu- Economie Politique, pag. 55 .


( 2) Visconde de Porto Seguro Historia do Brasil, vol . 1.º, pag . 366.
21

Si era esta a situação economica no fim do seculo XVI,


no começo do seculo XVII ella era a seguinte, segundo in .
forma um escriptor do tempo, André Antonil.
Produzia então o Brasil em uns mil e quinhentos enge
nhos, obra de trinta e sete mil caixas de assucar de diffe
rentes sortes, contendo cada caixa sobre trinta e cinco arro .
bas, orçando-se a importancia total deste producto em mais
de seis milhões de cruzados .
Do citado numero de caixas fornecia a Bahia quatorze
mil e quinhentas, Pernambuco doze mil e trezentas e O Rio
de Janeiro dez mil e duzentas . Cada caixa das da Bahia cus
tava (incluindo transportes e direitos desde que se levantava
do engenho ) posta fóra da Alfandega de Lisboa , sendo de
assucar branco macho , oitenta e quatro mil quinhentos e
sessenta reis ; de mascavado dito sessenta mil setecentos e
quarenta e dois reis ; de branco batido sessenta e nove mil
quatrocentos e oitenta e oito reis; de mascavado dito qua
renta e seis mil novecentos e trinta e cinco reis .
O tabaco começado a cultivar para exportação na Bahia
no principio do seculo, já se beneficiava tambem nas Ala
goas, produzindo- se aqui dois mil e quinhentos rolos e na
Bahia vinte e cinco mil; producção que se avaliava em mais
de trezentos e quarenta e quatro contos de reis. O contracto
do tabaco rendia então á Corôa de Portugal dois milhões e
duzentos mil cruzados .
A creação do gado vaccum já se havia propagado tanto
que a sola ou antes os couros eram um dos artigos de maior
rendimento . A Bahia exportava uns cincoenta mil meios,
Pernambuco quarenta mil, e as capitanias do Sul vinte mil ,
o que montava ao valor de mais de duzentos contos de reis .
O pau -brasil rendia em Pernambuco quarenta e oito
contos ; o contracto das balèas na Babia quarenta e quatro
contos; no Rio dezoito contos; o que tudo junto a seiscentos
e qnatorze contos e quatrocentos mil reis, em que importa
vam cem arrobas de ouro, que era o prodncto annual médio
das minas, fazia montar a cerca de tres mil e oitocentos con .
tos o valor das producções do Brazil .
22

A receita liquida do Estado devia andar por mil contos,


incluindo, além dos mencionados cento e dez contos do pau
brasil e das balêas, 1 ° o producto dos dizimos, que se orçava
em uns duzentos e quarenta contos , prefazendo destes, dois
terços (em quasi igual proporção) o Rio e Babia, um sexto
Pernambuco, e o resto as demais capitanias.-2° 0 produ
cto dos quintos e os direitos de moedagem , ete. — 33º° O dos
contractos dos vinhos, das aguardentes e do sal. — °
4º As
sisas dos escravos vindos da Africa, a tres mil e quinhentos
reis por cabeça . . 5 ° Os dez por cento dos direitos das Al
fandegas. — Assim pode-se dizer que das producções do paiz
arrecadava o Estado pelo menos a quarta parte. ( 1 )
No começo do seculo XIX a producção era a seguinte:
O Brasil todo contava então escassamente uns tres mi
lhões de habitantes, dos quaes quasi a terça parte eram
escravos .

A sua exportação se reduzia : 1. ° á do assucar, pelo me


nos do Rio nove mil caixas , da Bahia vinte mil , de Pernam
buco quatorze mil e de Santos mil ; 2. ° Setenta mil saccas
de algodão , sendo quarenta mil de Pernambuco, dezeseis mil
do Maranhão, dez mil da Bahia, e quatro mil do Pará e Rio ;
-3 . ° Noventa e tantas mil arrobas de café, quasi todo pro
duzido no Pará, pois do Rio do Janeiro apenas se contavam
tres mil e duzentas arrobas ; - 4. ° Oitocentas e tantas mil
arrobas de cacáo ;—5 . ° Duzentos e quarenta mil couros de
boi ; --6. * Cem mil saccas de arroz ;—7.º Cinco mil e seiscen .
tas arrobas de annil, além do tabacco de fumo, do pau de tin .
turaria e madeiras de construcção, alguma salsaparrilha, co .
pahyba, gomma e outros artigos de menos monta . O ouro
cobrado no seculo anterior em virtude do tributo do quinto,
montava a seis mil arrobas, o que attendendo -se ao contra
bando constante faz crer que só do Brasil haviam passado
para a circulação universal talvez perto de dez mil quintaes ,
ou mais de sessenta milhões de libras esterlinas deste
metal .

( 1 ) Visconde de Porto Seguro – Obr. cit . Vol. 20. pag . 888.


23

Os diamantes extrahidos das minas até então, poderiam


juntos pesar mais de tres quintaes.

No primeiro desses annos (1799) o valor total da expor


ção ( comprehendendo o ouro) excedeu a 26 milhões de pesos ,
em 1800 a 18 milhões , em 1801 a 16 milhoes ; isto ao passo
que a importação de Portugal orçava apenas em 1800 no va.
lor de uns 20 milhões de pesos. ( 1 )
Vê-se por ahi que o trabalho agricola circumscripto em
começo ao assucar e ao algodão, estendeu -se depois a outros
productos , como café, cacáo, arroz , etc.
O que , porém , fica fóra de duvida é que a nossa organi
sação economica se caracterisou pelo regimen agricola. Esta
é a sua primeira lei. Veio como uma consequencia não
só das condições naturaes do paiz, como da influencia da le
gislação da metropole, que oppunha obstaculos á organisação
industrial , matando toda iniciativa que se quizesse fazer nes
te sentido, em vista das restricções e monopolios que o go
verno fazia sobre a agricultura, a industria, o commercio e a
navegação.
Basta citarmos as instrucções dadas para a execução do
alvará de 5 de Janeiro de 1875 que extinguio todas as fabri
cas existentes no Brasil , para vermos o obstaculo que o go
verno da metropole levantou á organisação industrial , con
stituindo-se o poder publico como un factor de inercia em
que se desenvolveu nossa vida economica no periodo de tres
seculos .
E nessa attitude, o governo cogitava de razões de
ordem politica, para retardar a prosperidade material da co
lonia, por meio das prohibições e restricções com que vexava
o commercio, a industria nascente e a lavoura.
Este programma está mesmo nas palavras que acompa
pharam as instrucções para execução d'aquelle alvará :
" O Brasil , diziam as instrucções , é o paiz mas fertil e abun .
dante do mundo em fructos e producções de terra. Os seus habi

(1) Visconde de Porto Seguro - Obr. cit . , vol . 20. pag. 1064.
24

tantes têm por meio de cultura não so tudo quanto lhes é ne


cessario para o sustent.) da vida, mas ainda muitos artigos
importantissimos para fazerem, como fazem, um extenso com
mercio e navegação. Ora, si a estas incontestaveis vantagens
reunirem as da industria e das artes para o vestuario, luxo
e outras commodidades , ficarão os mesmos habitantes total
mente independentes da metropole .
- E ' por consequencia de absoluta necessidade acabar
com todas as fabricas e manufacturas do Brazil." (1 )
Si em relação aos factores naturaes da riqueza, acaba
mos de vêr que delles o que dominou foi a natureza, pela in
sufficiencia do capital (2) e pela falta de liberdade de traba
lho, feito pelo braço escravo, influindo tudo isto sobre a iner
cia da nossa economia , vemos que para o mesmo resultado
influio a legislação, o poder publico. E considero que este ul
timo factor foi de influencias mais activas para produzir
nosso atraso material . Elle obrou como uma força retardadora
da nossa economia. E é por este lado principalmente que
temos de estudar o effeito do nosso movimento economico
sobre as situações politicas. E' pela analyse da sua interven .
ção na formação da nossa riqueza e em sua distribuição, que
temos de estudar o regimen e a evolução das ideas politicas
e os movimentos de revolta que se deram em diversas épocas
e em diversos lugares .
Nas seguintes palavras de um notavel historiador nacio
nal está a descripção da influencia do governo em face da
prosperidade material do paiz :
“ Por um simples Decreto prohibia -se a criação e o com
mercio destas e d'aquellas raças de animaes, a cultura de
taes ou quaes plantas ou especiarias, abolia -se a profissão de
ourives em toda a extensão do Brasil , fechavam- se as respe
ctivas officinas e mais tarde inutilisavam -se todas as fabricas
de tecidos de algodão, linho, seda, là, ouro e prata que já
sustentava a industria nascente do paiz.
( 1 ) J. F. Lisboa— " Historia do Maranhão," vol. 3.0, pag. 155.
( 2 ) Basta dizer que no Maranhão em 1726 corriam como moeda o cacáo , o
assucar e o tabaco .
25

6
“ Estas desvastações , effectuadas quasi sempre sem a
menor indemnisação para os proprietarios espoliados, nas .
ciam já da ignorancia dos verdadeiros principios economicos,
já da avidez fiscal, e do espirito do monopolio. Sem attender
ás faculdades productivas do sólo, ás aptidões da industria
ás necessidades dos consumidores das diversas localidades, e
aos meios de satisfazel- as com commodidade e barateza, um
Ministro aliás celebre nos ultimos tempos do regimen , consi.
derava o commercio não um meio, mas um fim , e tomando
talvez á lettra a definição de certos economistas que o fazem
consistir na transportação das mercadorias de um para outro
lugar, sacrificava de bom grado todas aquellas condições
essenciaes de sua existencia, uma vez que conseguisse man .
ter uma certa actividade e gyro artificial, e encber sobre
tudo os cofres do erario , porquanto é sem duvida a avidez
fiscal quem ordinariamente conduz a estes erros e vexações
enormes, " (1 )
O regimen fiscal e o systema tributario eram tão pesados
e opprimiam tanto o povo, dando lugar ás maiores explora
ções por parte dos agentes publicos, que diversos movimen
tos populares vieram alterar a ordem em algumas capitanias,
como protesto a essas medidas que obstavam tanto mais a
prosperidade publica, quanto as leis,, por dous processos
podem influir sobre a economia de um paiz. Ellas equivalem
a uma diminuição ou das rendas dos capitaes, ou da seguran
ça de que gozam. (2)
Ha uma segunda maneira pela qual as leis suffocam o
espirito de capitalisação.
A economia sendo um sacrificio do presente em proveito
do futuro, é preciso para que ella se faça, que, em todas as
classes da sociedade, esteja cada um perfeitamente certo de
que somente a economia poderá lhe agenciar o gozo de certos
bens. Assim as leis que tivessem por objecto pôr a cargo do
Estado ou do povo todas as pessoas imprevidentes des

( 1 ) J. F. Lisboa- " Historia do Maranhão, " vol . 3.0, pag . 152.


( 2 ) Beaulieu -- " Economie Politique," pag. 59.
26

truiriam entre os homens o sentimento da previdencia."


Basta dizer que todos os artigos de producção do paiz
estavam sobrecarregados de direitos.
O assucar, tabaco, algodão, café, aguardente, gados e
outros generos, além da dizima, em caso de exportação,
estavam onerados , ainda quando consumidos no paiz do
dizimo.
O assucar e o tabaco estavam além disso sujeitos : 1º ao
donativo de 1662 ; 2 ° ao do subsidio de 1799 ; e 3º (como ou
tros generos mais) ao do terramoto de 1755 , abusivamente
conservado, ainda depois da independencia, durante o rei
nado do primeiro Imperador! O assucar tinha, além disso,
para a sahida de imposto e pensão de 480 reis por caixa, ou
240 em feixo. Cada pipa de aguardente pagava de subsidio
2 $600 , alem do subsidio litterario de mais 30 reis por
canada. ( 1 )
Outros productos pagavam tambem impostos que ren
diam para mais de 230 contos .
Eis ahi em uma synthese muito geral o esboço de nossa
vida economica até o começo do seculo XIX e da influencia
que ella soffreu do poder publico.
As leis que presidiram ao seu desenvolvimento podemos
definir do seguinte modo : a formação da riqueza inerte e en
torpecida, porque se constituio a lavoura como sua exclusiva
fonte de origem, tornando-se o paiz um paiz agricola ; a sua
distribuição profundamente desigual por entre as camadas
sociaes, pela natureza do trabalho feito pelo braço escravo,
circumstancia esta que annullou o desenvolvimento das liber
dades publicas e do direito de propriedade, que só existia
como posse de uma fracção da população ; a insufficiencia
do capital quer em moeda, quer em machinas e outros instru
mentos de trabalho, contribuindo tambem para a debilidade
da formação da riqueza e de sua distribuição; a influencia da
legislação, abrindo um regimen de centralisação, de excepção
e privilegio e obrando como força dissolvente e retardadora,

(1) Varnhagem - Historia do Brasil, Vol. 20, pag. 1064.


27

e a renda tendo uma unica forma renda agraria. Eis abi


os factos geraes .
Vejamos agora a sua influencia na vida politica e sob
este aspecto da questão limitar- nos-emos a apreciar princi
palmente a influencia da legislação e do governo, porque o
estudo da influencia dos factores naturaes está fóra do espirito
desta obra .
Por esse estudo alcançaremos definir a natureza e o me
chanismo do governo da colonia, profundamente centralisa
dor, omnipotente, despotico e inteiramente indifferente ao
respeito dos direitos e garantias individuaes.
Por ahi chegaremos ao fim que visamos : mostrar a mar
cha da idéa republicana e as causas de ordem economica que
influiram na revolução de 15 de Novembro. Acompanhar a
marcha e os processos de nossa economia em relação á poli .
tica, constitue o assumpto da obra que emprehendemos.
Cingimo-nos pois ao estudo das causas economicas emquanto
consequencias da legislação.
Muitas foram as vezes em que o povo se revoltou contra
a autoridade, em nome dos seus interesses profundamente
violados por ella e esquecidos pelo excesso e rigor do regimen
tributario e das autoridades fiscaes.
Ahi está a revolução do Maneta na Bahia no começo do
seculo XVII, que não é mais do que a expressão da revolta
contra a elevação do preço do sal de 180 a 720 reis, taxado
pelo governo, cuja omnipotencia chegou ao ponto de taxar os
preços dos productos commerciaes e mais ainda contra o au
gmento de imposto da importação de 10 %
Ahi está o motim dos Mascates em Pernambo, que não
passa de tentativa dos povos do Recife e Olinda pelo pri
vilegio de representar -se no municipio, em vista da attri
buição de tributar os impostos.
Ahi está a revolução de Manoel Bequimio no Maranhão,
no fim do seculo XVII , que não é mais do que a resistencia
d'aquella gente contra o contracto celebrado pelo go
verno com uma companhia de negociantes de Lisboa, confir
mado pelo alvará de 12 de Fevereiro de 1682 , em virtude do
28

qual se lhe concedeu o privilegio exclusivo do commercio em


todo o Estado de Gram-Pará e Maranhão, por espaço de
20 annos .
Ahi estao as successivas alterações da ordem publica que
se deram em diversas capitanias e em diversas épocas , a
proposito de actos do governo sobre a escravidão dos indios,
em que se empenhavam os interesses da classe agricola
companhia dos Jesuitas, aquella protestando contra a eman
cipação da raça indigena, e esta abrindo uma campanha de
abolição a seu favor, para instituir o monopolio do trabalho
indigena em beneficio da ordem .
Podemos até mesmo dizer que estas classes viveram em
lucta continua entre si, pelos prejuisos que soffriam em seus
interesses a proposito daquella questão.
Muitos e muitos outros factos de ordem publica pode
riamos apresentar para provar a proposição que acima en un
ciamos. Abstemos -nos de fazel-o, porque n'esses aconteci .
mentos não vemos a aspiração de um principio politico novo ,
nutrido pelo povo, em favor do qual se batesse, em substi
tuição das instituições dominantes. E uma manifestação
amorpha que não se define bem . Antes exprime o desespero
do povo flagellado por um regimen tributario profundamente
pesado, do que qualquer outra cousa através da qual se lo
brigue uma aspiração politica que procure consubstanciar- se
em emancipação democratica.
E' somente em uma revolta identica a essas que temos
passado em revista, para salientar suas origens economicas
a revolução de Minas no fim do seculo XVIII , que vemos a
influencia de uma idéa politica, para assumir uma forma
nitida e clara, tentando inspirar nova organisação institu
cional modelada em principios democraticos .
N'essa revolução é que vamos vêr o embryão da idéa
republicana. E' em nome della, e pela sua victoria que os
conspiradores de Villa Rica se empenham na causa revo
lucionaria .
E' tambem em causas economicas que o movimento vae
buscar sua razão de ser e a nobreza de intuitos que tão
29

fortemente estimularam aquellas deliberações revoluciona


rias .
Ainda que se fizesse sentir a influencia dos acontecimen
tos que deram logar á emancipação politica da America do
Norte, influencia trazida por estudantes brazileiros que fre
quentavam os cursos scientificos da Europa, todavia suas
origens economicas são incontestaveis.
As idéas de mineração que já tinham atravessado o pe
riodo de sonho e ficção do seculo XVI e XVII, com os insuc
cessos de Gabriel Soares , Belchior Dias nas excursões pelo
Rio de S. Francisco, Bahia e Sergipe, amadureceram no seculo
XVIII com as pesquizas em outras capitanias, como Minas, .

Goyaz , S. Paulo, onde se descobriram ricas jazidas de ouro.


Isto abrio uma fonte de renda não só para a riqueza pu
blica , como particular, pela avidez com que os homens do
tempo se entregaram a taes explorações . Chegou mesmo aa
formar uma época que se caracterisou pela tendencia de
todos em apellar para a mineração como unico genero de
trabalho .
O regimen agricola resentio-se desse escoamento de ac
tividade que convergio para exploração das riquezas inte.
riores do solo .
E, aclivando-se mais esse movimento para sul do que
para norte da colonia, eis a razão, a nosso vêr, do povoamento
do sul ir mais rapido e de ter- se regimen agricola acentuado
no septerentião caracterisando melhor o seu movimento eco
nomico. Basta dizer que a lavonra do café que se coustitue
actualmente quasi que a fonte exclusiva da riqueza dos Estados
do sul , é uma lavoura de formação recente, relativamente a
lavoura da canna e do algodão, que é contemporanea dos
nossos primitivos colonos.
A mineração despertou tambem o inicio do regimen
industrial, que, si não teve o desenvolvimento que se devia
esperar, foi em razão da reacção que o governo levantou
contra elle. De facto, condições geologicas do sul , offerecendo
pasto á sêde de explorações de minas, fez crear o espirito
industrial em seus habitantes .
30

Eis ahi, a nosso vêr, uma causa do maior desenvolvi .


mento civilisador do sul sobre o norte .
Com a organisação industrial de mineração, veio mais
cedo o espirito de iniciativa.
Continuando na descripção que levamos , vemos que,
quando a mineração chegou a dar uma larga fonte de receita,
o governo interveio legislando para regular o serviço, estabe.
lecendo um regimen tributario que, passando por diversos
processos , como bateias , fintas, ficou no systema de quintos .
Foi contra essa intervenção que se revoltou a opinião da
capital de Minas, onde duas sublevações já se tinham dado,
motivadas pela mesma causa - a de Pitanguy, dirigida por
Domingos Rodrigues Prado ( 1719) e a de Villa Ricca (1720).
Tem a mesma expressão a revolta de 1789, da qual Tira
dentes se constituio principal protagonista.
N'ella não devemos vêr mais que uma reacção contra
o procedimento dos delegados da metropole, que quizerem
na industria da mineração abrir o mesmo regimen de mono
polio e privilegio que já haviam feito em relação aos outros
productos do trabalho agricola, por meio de tributos pesadis
simos . E o alcançaram.
Dessa intervenção resultou importar Lisboa da colonia
100 arrobas de ouro annualmente .
O rendimento das lavras tendeu a diminuir e o paga
mento do imposto deixou de ser feito com exactidão , a ponto
de no fim de 30 annos as remessas terem descido a 30 arro
bas, sendo a Fazenda Real credora da colonia na importancia
de 700 arrobas de ouro .
Convicta então a metropole de que essa diminuição se
ligava á negligencia dos seus delegados, entrega a Barba
cena a missão de cobrar os atrasados , dando isto lugar ás
maiores apprehensões e descontentamentos populares.
As idéas de independencia da colonia eram affagadas
por alguns brazileiros que, impressionados pela emancipação
dos Estados- Unidos , viram nas condições economicas de
Minas Geraes, tảo directamente entorpecidas pela interven
ção official, a melhor opportunidade de revolta contra as
31

instituições, a favor da emancipação do paiz, sob o dominio


do regimen republicano.
Na divulgação dessas idéas emancipacionistas , por entre
os habitantes de Minas, tere grande influencia a colonia bra
zileira que frequentava então os cursos scientificos da Eu
ropa . No seio desta colonia sentia- se essa aspiração de que se
constituiram principaes orgãos Domingos Vidal Barbosa,
José Mariano Leal, José Joaquim Maia, estudantes de medi
cina , e José Alvares Maciel , formado em sciencias juridicas
e profundo conhecedor da mineração. N'estes brasileiros
encarnou -se a influencia moral e intellectual da revolução.
Facto identico a esse vemos na revolução franceza do
fim do seculo passado, motivada pela influencia intellectual
da colonia franceza que frequentava os cursos scientificos da
Inglaterra, vindo espalhar em sua patria o sentimento da re
volta dictado pelo augmento da cultura.
Um phenomeno de imitação muito natural as nações , que
não se isemptam das acções reflexas que caracterisam as
leis historicas, fez- se sentir na colonia brasileira que em
Minas veio despertar as inspirações emancipadoras como pro
testo á marcha das cousas publicas e como a expressão do
descontentamento popular originado na situação economica
da colonia, em sua legislação e no procedimento dos gover
pantes. E a prova dessa influencia economica está na argucia
com que Barbacena se preparou para resistir, desfechando
um contra golpe á causa effectiva do movimento, no intuito de
abrir uma corrente de opinião a seu favor e restringir as
adhesões que se podessem manifestar em favor dos inconfi.
dentes . Autorisada a derrama, que constituio o ponto essen
cial da administração financeira de Barbacena, e a causa que
o trouxe á colonia, elle, suspeitando da conspiração pelas dela
ções e pela trahição dos cumplices, baixou a seguinte circular
de 23 de Março de 1789 : " A consideravel diminuição que
tem tido a quota das cem arrobas de ouro que esta capitania
paga annualmente de quinto a Sua Magestade, pede as mais
efficazes averiguações e providencias. A primeira de todas
deveria ser a derrama, tanto em observancia da lei , como
32

pela severidade com que a mesma Senhora foi servida estra


nhar o esquecimento della ; porém , conhecendo eu as diver
sas circumstancias , em que hoje se acha esta capitania, e que
este ramo da Real Fazenda, é susceptivel de melhoramentos ,
não só em beneficio do Regio Erario, mas dos povos, cuja
conservação e prosperidade é o objecto principal do illumina
nado governo da Rainha Nossa Senhora ; e não tanto pela
affeição particular com que me occupo em procurar aos desta
capitania toda a sorte de felicidade, que sempre preferiria á
minha propria, como pela confiança que devemos ter na pie
dade e na grandeza de Sua Magestade, que é bem notoria,
tomei sobre mim suspender o lançamento da derrama que a
Junta da administração da Real Fazenda é obrigada a pro
mover até chegar a decisão da conta que terei a honra de pôr
na augusta presença de Sua Magestade... " (1 ).
Como se vê, suspendeu o lançamento da derrama que já
tinha ordenado á junta da administração, sob a inspiração de
um plano profundamente politico, porque por elle, além de
demonstrar já estar senhor da conspiração, quiz cortar todos
os elementos de apoio com que podesse ella contar, procuran
do demonstrar ao povo que o poder publico não era indiffe
rente á sua situação precaria, nem tão pouco ás más condições
economicas da capitania.
Para os revolucionarios este acto devia dar a prova de
que tinham sido trahidos .
Entretanto levaram o seu compromisso ás ultimas conse
quencias. Antes da revolução entrar em via de execução,
estavam elles já presos na rede da argucia do governo.
E ' como diz um illustrado historiador nacional :
“ O simples facto da expedição de dita circular descon
certou bastante os cumplices , que della tiveram noticia, e
a não ser a muita manha e dissimulação com que seguio con
duzindo -se o governador, houveram conhecido estar seu plano
descoberto. Em todo o caso esmoreceram ao vêr que se des
viava de relance a occassião, que tão favoravel se apresentava

( 1 ) Visconde de Porto Seguro - Historia Geral do Brasil, Vol 2.º, pag . 1027.
33

á realisação de seus desejos , deixando extranha a elles a


maioria do povo, que teria mais difficuldade de mover- se por
motivos politicos , que não comprehendia, do que pelo interesse
immediato de ser alliviado por novos governantes ; de pagar
tributos com que não podia, e aos quaes pretendiam obrigar
os mandantes de direito." (1 )
E' n'esta revolução abortada que nos encontramos com a
primeira inspiração republicana, da qual Tiradentes se con
stituio o primeiro protogonista. Foi quem formulou o proble
ma e exigio uma solução prompta e inadiavel .
E' d'ahi, de 1789 , que começa a lucta politica e o con .
flicto entre os dous principios, no intuito de assumirem
direcção dos destinos do Brasil .
Temos de estudar em outros capitulos as peripecias , a
marcha desta lucta e a evolução que soffreu o principio repu
blicano, através do tempo e das gerações.
Ahi então estudaremos tambem a fórma politica sob a
qual appareceu na inconfidencia de Minas e as differenças
que o distinguem das formas posteriores.
N'este capitulo o nosso objecto é demonstrar a influencia
de causas economicas sobre a primeira manifestação republi
cana, causas que continuaram a actuar tanto mais poderosa
mente, quanto o principio democratico mais amadurecia na
consciencia popular .
Contemporaneo de um estado social eminentemente im
proprio á victoria dos principios regeneradores que pregou,
sem o concurso dos seus coevos , adstrictos ainda ás ideas
dominantes da época, abandonado e só, foi vencido pelo meio.
A sua obra estava além dos recursos de um homem.
As revoluções têm protogonistas e offerecem salientes
individualidades á contemplação da historia, porém não podem
constituir o feito de um só obreiro.
O tempo é um poderosissimo collaborador.
Os espiritos preparam -se, o intellecto nacional , si assim
podemos - nos exprimir, enriquece- se e retira das crenças
( 1 ) Varnhagem - Obr. cit. pag . 1028 .
v. 1 3
31

populares os residuos que a sciencia precipita no plano de


idéas imprestaveis ; novos habitos se formam com a succes
são das gerações ; tonifica -se o espirito nacional sob a influen .
cia do progresso e estão ahi elementos coadjuvadores dos
que trabalham por novos principios.
Si isto é verdade, é verdade tambem que esse movimento
tem um inicio. Precisa de um homem que affronte as iras da
maioria, d'aquelles que se julgam sempre satisfeitos em for
talecer suas relações com o passado, não consentindo em
destruil - o .
Eis a feição historica de Tiradentes . Coube - lhe o papel de
ser o nucleo dessa formação que, proliferada pelo concurso
dos posteros , n’elle foi nutrir a esperança de victoria.
Com o terror, viria a desistencia .
Foi o programma .
Não era possivel que a consciencia do martyr de Villa
Rica não fosse a primeira voz a dictar-lhe a exiguidade dos
seus recursos , para a realisação do que intentára e da impo ;
sibilidade de vencer o meio em que vivia.
A idéa de todo dominou- o. A mais brilhante perspectiva
abrio- se aos seus olhos e elle não cogitou em mais nada.
Ou porque nos tempos que correm idéa nenhuma adquira
uma tal imperiosidade , e um tal poder suggestivo sobre os ho
mens, ou porque a nossa sociedade se ache affecta de uma pro
funda decadencia moral, o que é facto é que a mais completa
indifferença por tudo e por todos é a feição da actualidade.
Aquillo que nos outros paizes tem custado milhares de
vidas , e o esforço ingente de gerações inteiras, temos conquis .
tado debaixo de flores e aplausos .
Se isto é um bem , não deixa de ter um lado máo.
E' a adaptação facil e prompta a todas as circumstancias,
a todas as eventualidades.
As menores resistencias não se fazem sentir hoje a favor
de cousa alguma. Qual a razão de ser desse caracter verda
deiramente excepcional , em contradicção flagrante com 0
nosso passado , tão cheio de resistencias, de firmezas e dedi
cações ?
3
35

Depois que nos constituimos como uma nacionalidade ,


que principios e que idéas foram conquistados contra a força
de resistencias ?
A liberdade de uma raça e a conquista da soberania do
povo, como o maior ponto de apoio do poder publico, se
fizeram entre nós sem os choques profundos de fortes e
grandes abalos .
Não é agora o momento de inquerir as causas que têm
operado a formação de caracter tão versatil e de estado
subjectivo tão indeciso e indifferente.
E a prova de que isto é uma anormalidade transitoria,
dependendo mais da influencia accidental de causas passa
geiras, do que da força das tradições historicas , está justa
mente no exemplo de Tiradentes e no de muitos outros que
o imitaram em heroismo , em favor da mesma idéa.
Nelle está a personificação viva da dedicação e da in
transigencia absoluta.
Só as grandes idéas fazem os grandes heróes.
I

SUMMARIO
Liberdade commercial do Brazil. Sua influencia na administração publica. Os novos
impostos. Creação do Banco do Brazil. Desvalorisação de suas notas. Ex .
cesso de despeza e de emissão. O Governo e o Banco . Tratado commercial
com a Inglaterra. Situação economica e financeira do Brazil no começo do
seculo XIX . Opinião de D. Pedro. Constitue -se a mais importante causa
dos acontecimentos da época. Associação das causas politicas e sociaes.
A revolução de 1817 em Pernambuco. Influencia historica das lojas maço .
nicas. A posição do governo. Opinião popular em Pernambuco sobre os im
postos, revelada pelas camaras, escriptores e a imprensa . As condições da
moeda, representada por metal e notas do Banco . Desvalorisação das notas.
Situação precaria da vida . Ella aggrava -se ainda mais em Pernambuco. Sua
decadencia economica e de todo o paiz. O espirito de revolta que ella creou .
Suas diversas formas. Influencia de outras causas. Politica de recolonisação.
Odio de raça . Sua influencia na separação de algunas provincias e na inde
pendencia do paiz.

No começo deste seculo o acto do poder publico, abrindo


os portos do Brazil aos portos estrangeiros, influio considera
velmente sobre suas condições economicas e financeiras,
pelas relações de caracter internacional que creou.
36

Se até então o paiz desconhecia estas relações, que só


podem vir em consequencia de communicações com praças e
mercados estrangeiros , por isso que seus productos expor
tados eram pagos nas repartições fiscaes da metropole ; si
até então a sua vida commercial não tinha a menor auto .
nomia e não soffria a influencia do jogo cambial da moeda,
desta data em diante (1808) novos elementos entram em acção
com a liberdade do commercio nacional.
A primeira consequencia foi aa necessidade que teve o paiz
de manter d'ahi em diante por si os seus serviços, passando
a administração publica por importantes modificações .
Para isso decretou novos impostos, sobrecarregou outros ,
passando- se a cobrar nos portos nacionaes os direitos de
sahida que até então eram cobrados na metropole .
Novos serviços vieram pesar sobre as despezas coloniaes
que além das necessidades resultantes da liberdade com
mercial com a abertura de tribunaes , de novas repartições
para administração das finanças e da justiça, teve de sus
tentar uma côrte européa, emigrada de Portugal com uma
cauda de mais de tres mil aulicos, que entre nós veio arrai
gar-se como força parasitaria. consumidora de nossa riqueza.
" De mistura com estas vantagens, diz Armitage, alguns
males sobrevieram : um enxame de aventureiros, necessi
tados e sem principios, acompanhou a Familia Real ; foi ne.
cessario admittil -os nos differentes ramos da administração.
A rivalidade sempre prevaleceu entre os portuguezes e brazi .
leiros natos, e este procedimento da parte do governo por
tuguez tendia a augmental- a. Os novos hospedes pouco se
interessavam pela prosperidade do paiz : consideravam tem
poraria a sua ausencia de Portugal, e propunham -se mais a
enriquecer á custa do Estado , do que a administrar justiça ou
a beneficiar o publico.
" Era notavel a extravagancia e a prodigalidade na
Côrte ! ao mesmo tempo que a Uxaria por si só consumia seis
milhões de cruzados, e as suas despezas eram pontualmente
pagas, os empregados publicos estavam atrazados nove e doze
mezes na percepção de seus honorarios ; viam -se portanto
37

necessariamente obrigados a recorrer á prevaricação para


poderem subsistir .” ( 1 )
Para corresponder a estes serviços e a este excesso de
despeza, foi estabelecido um regimen tributario excessiva
mente centralisador, convergindo toda a actividade econo
mica ee financeira das capitanias para o luxo da côrte bragan
tina no Rio de Janeiro e o sustento das repartições civis e
dos corpos militares , que tinham sido creados.
Assim foi estabelecido o imposto de 20 % sobre a impor
tação além de 4 % do donativo, que já existia ; o de 400 réis
em arroba de fumo ; de 600 réis por arroba de algodão ; de
10 % de transmissão de propriedade ; de 5 réis por libra de
carne verde, e muitos outros impostos.
A organisação do credito da colonia, em consequencia
das relações internacionaes do seu commercio, em vez de
prestar os serviços á expansão das forças economicas e finan
ceiras com a valorisação da moeda e a sufficiente circulação
do numerario para attender ás necessidades do commercio,
produzio effeitos justamente contrarios.
O primeiro estabelecimento bancario creado por Decreto
de 21 de Outubro de 1808 teve a sorte inevitavel da ruina e
da fraude, em consequencia não só da organisação que lhe
deram , como do modo por que foi administrado.
Em vista da grande reluctancia dos capitalistas para
subscreverem as acções do instituto de credito, a côrte pro
metteu a commenda de Christo aos subscriptores e va avidez,
com que se solicitava esta lisongeira distincção, moveu a
alguns individuos, faltos dos meios necessarios, a tomar o
numero marcado de acções , contrahindo dividas : aconteceu
por consequencia que aquellas ficavam em deposito nos cofres
do Banco para caução, e os accionistas nominaes só figura
vam nas contas semestraes dadas pela Directoria, para per
ceberem o competente dividendo.
“ Era tambem sabido que os directores com os fundos do
Banco, descontavam letra em proveito proprio , o que lhes

( i ) João Armitage – llisto , ia do Brasil, pag. 10,


38

era facil praticar impunemente, porque não havia publici


dade dessas materias.” (1 )
Isto deu logar á desvalorisação da moeda .
O cambio desceu de 84 a 48, subindo o agio do ouro e
da prata e até mesmo do cobre sobre as notas do Banco, o
qual inundava o paiz de moedas de cobre falsificadas. “ Como
um final á sua má administraçio das finanças do Brazil , o
Sr. D. João, ao retirar- se em 1821 , para assumir o governo
de Portugal , deixou aos seus leaes e amados subditos do
Brasil uma prova imperecedora da sua real e paternal solici
tude pelo seu bem estar, --esvasiando o Thesouro, Banco e
até o Museu, levando comsigo todo artigo de valor, inclusive
os especimens de ouro e diamantes, que ha annos pertenciam
a este ultimo estabelecimento nacional. ” ' (2)
Escasseando os recursos do erario publico em face
do excesso das despezas, o governo contrahia emprestimo
com
o Banco que para isso emittia notas , sem garantia,
sem fundo metallico, que correspondesse ao augmento da
emissão .
Os empregados publicos estavam atrasados em nove e
doze mezes na percepção de seus honorarios, só existindo
para elles o recurso da prevaricação que era o recurso da
subsistencia propria. ( 3 )
Os accionistas entretanto embolsavam -se dos seus divi
dendos a proporção que o Banco batia moeda clandestina
mente .
Este estado de cousas , que não se podia manter com a
illusão de recursos tão illicitos , deu logar á quebra fraudu
lenta do estabelecimento, evadindo- se um director para os
Estados Unidos, e outro, declarando -se fallido.
A divida do governo para com 0 Banco subio a

18.911 : 966$000 , que foi paga pelo cofre geral do Estado em


moeda papel , pela primeira vez emittida no Brasil , com curso

( 1 ) João Armitage - Obr. cit . , pag. 3 ).


( 2 ) Armitage - Obr. cit . , pag . 10 .
(3) Elementos de Estatistica - Dr. Sebastião F. Soares, Vol. 10, pag. 56.
39

forçado, que por muito tempo satisfez ás exigencias das


transacções commerciaes. (1 )
Todos os membros que acompanharam D. João, accio
nistas do Banco , mandaram suas notas ao troco. (2 )
Eis a sorte do instituto de credito que importantes ser
viços poderia ter prestado ao commercio, que si por este
lado era o objecto de males que lhe provin ham da decadencia
geral , teve de soffrer outros não menos importantes com o
tratado commercial de 19 de Fevereiro de 1810 com a Ingla
terra , em vista dos favores excessivos e impraticaveis conce
didos ao commercio inglez, permittindo direitos differenciaes
na razão de 9 % ás mercadorias inglezas importadas que
além disto só pagariam 15 % ad valorem , quando todas as
mercadorias eram obrigadas a pagar 20 %. Deste tratado
data o anniquillamento da marinha mercante de longo curso
do Brasil, porquanto creava o monopolio a favor dos navios
estrangeiros contra os nacionaes .
Eis a situação do paiz nos vinte primeiros annos deste
seculo, assim descripta por um escriptor do tempo. " Na
sua chegada, havia ouro e prata em abundancia, - pouco
cobre.... e o meio circulante era puramente metallico.
6. Na sua partida, o ouro e a prata havia totalmente
desapparecido da circulação, e o paiz estava inundado por
notas do Banco e moedas de cobre falsificadas. O cambio
tinha descido de 84 a 48, e o ouro, a prata , e até o cobre ti
nham subido a um grande agio sobre as notas do Banco.” (3)
O proprio D. Pedro não poude calar perante seu pae a
contigencia da situação em que se achava, em face de dif
ficuldades insuperaveis que se levantavam contra seu go
verno, principalmente por causa das condições economicas e
financeiras do paiz.
" Si Vossa Magestade me permitte, eu passo a expôr o
triste e lamentavel estado a que está reduzida esta provincia

( 1 ) J. Armitage -- Obr. cit ., pag . 31 .


Amaro Cavalcante - Rosenha Financeira do ex - Imperio do Brasil, pag . 176.
(3) A Review Financial, Statistical and Commercial of the Empire of Brasil, by
J. J. Stuard , London , 1837.
40

para que Vossa Magestade me dê as suas ordens e instruc


ções que achar convenientes para eu com dignidade me poder
desembrulhar da rede, em que me vejo envolvido.
“ Senhor, esta provincia foi treze annos considerada e de
facto servio de séde da monarchia, porque as circumstancias
assim o tinham exigido , para cujo fim se estabeleceram todas
aquellas repartições necessarias a esse fim ; depois deste esta
belecimento todas as provincias se prestaram com o nume
rario metallico que era necessario para a sustentação de tudo
isto, porque as desta provincia não chegavam ; além disto o
Banco tinha credito, havia dinheiro em prata e ouro e quasi
nada havia de cobre, e todo este numerario gyrava, porque
o Banco estava acreditado .
- Felizes circumstancias fizeram com que a séde rever
tesse ao seu primitivo e antiguissimo berço; todas as provin
cias , como deviam , adheriram á causa nacional .
560 Banco desacreditaram-n'o os seus delapidadores , que
eram os mesmos que o administravam . Quem tem dinheiro
em prata ou em ouro, guarda-o ; o ouro e a prata converte -se
em cobre e este mesmo é comprado já com o premio de 3 ° % .
- De parte nenhuma vem nada ; todos os estabelecimentos
e repartições ficaram ; os que comem da nação são sem nu
mero ; o numerario do Thesouro é só o das rendas das pro
vincias , e estas mesmas são pagas em papel. E' necessario
pagar tudo quanto ficou estabelecido, como sejam : o estado
maior, tribunaes , etc.; não ha dinheiro como já ficou exposto ;
não sei o que hei de fazer.
" Eis aqui fielmente o triste quadro que representa esta
provincia (e não pintado com vivas côres ) e a desgraçada
situação d'aquelle que se vê (no meio do expendido) compro
mettido .... e assim visto todo o exposto .... haja por bem
dar -me um quasi repentino remedio para que eu me não veja
envergonhado, depois de me ter sacrificado a ficar no meio
de ruinas e em tão desgraçadas como arduas circumstancias
em que ficou esta provincia que está quasi a estourar, logo
que o Banco, o tysico Banco que é o meu thermc metro, esti
ver , como o dinheiro, exhausto que para isto não faltam
41

quatro mezes pelos passos gigantescos, em que elle marcha


para a cova aberta pelos delapidadores; elle de todo já não
tem nem ouro, nem prata, e só tem algum cobre que se tem
cunhado depois de fundir -se, e este tirado de algumas embar
cações, que o tem arrumado para intermediar com o bom :
por consequencia como não tem credito nem cousa que o
alcance, os seus vilhetes valem muito pouco ou quasi nada .
6. Não pense Vossa Magestade que eu me quero subtra
tir ao serviço da nação e de Vossa Magestade ; mais sim ás
tristes e lamentaveis scenas e circumstancias em que me
acho." (1 )
Na exposição que fez o presidente do Thesouro Nacional
do estado da fazenda publica á constituinte de 1823 dizia que
a divida publica geral — conhecida — já subia a 12.156 : 145$951 ;
que as provincias do imperio, todas individadas, -só tratavam -

de pedir supprimentos ou providlencias urgentes para as suas


actures circumstancins ; -que das entradas do primeiro semes .
tre de 1823 só restavam em caixa 140 : 014$ 952 , entrando
nesta somma 132 : 658$231 , constantes de escriptos da alfan
dega e letras a vencer ; —que as diversas entradas do segundo
semestre estavam orçadas em 1.769 : 000$000 : mas que contra
ellas havia o pagamento inadiavel de despezas ordinarias, no
minimo, deviam subir a 900 :0008000 no referido semestre, e
tambem não menos urgentes, segundo a natureza especifi .
cada. ( 2 )
Mais precarias não se pode conceber as condições do com
mercio , que, em vista da suspensão do monopolio da metro
pole, fazendo com que os productos nacionaes fossem expor
tados para outros mercados, devia se achar em situação
financeira mais prospera e mais amparada pelo credito. E não
deixou de haver consequencias favoraveis da liberdade do
commercio. Basta dizer que o balanço do commercio em 1802
de 68 4/5 em favor de Portugal, desceu a 18 3/4 em 1814
contra a metropole. (3)
J. Armitage. Historia do Brasii, pag. 32 .
Amaro Cavalcante - Obr. cit., pag. 94 .
(3) Balanços feitos pelo Contador geral, Mauricio José Teixeira de Moraes.
+2

E ' n'esta situação economica e financeira que iremos


buscar a razão dos graves acontecimentos de caracter poli
tico que tanto preocuparam os espiritos dos homens d'aquelles
tempos , que aspiravam á emancipação do paiz, como uma
resistencia á politica portugueza que em face dos prejuizos
financeiros da metropole, originados na liberdade do com
mercio do Brasil, tendeu a querer recolonisal -o, collocando - o
nas condições de dependencia administrativa, politica e finan
ceira em que tinha estado até o começo do seculo.
E ' facto que á influencia destas causas de ordem economi
co -financeira já associavam -se outras que, por terem um
caracter social e politico, serão estudadas em lugar oppor
tuno . Realmente, á decadencia financeira do paiz que affecta
va os interesses da fortuna particular ee da fortuna publica,
profundamente morosas em seu desenvolvimento, pelo regi
men do monopolio, pelo peso dos impostos, pela coacção ás
industrias, pelo privilegio da navegação de longo curso, pela
indifferença ao aperfeiçoamento dos meios de trabalho, causas
que affectavão a producção, o desenvolvimento do commercio
e do credito ; a esta decadencia, como diziamos, que produzia
o descontentamento popular e as revoltas contra as autori.
dades , associou -se a influencia de causas sociaes e politicas ,
como as distincções de raça entre o elemento nacional e o
estrangeiro, pela preferencia que o governo dava aquelle
para os cargos de maior representação politica e administra
tiva ; a tendencia recolonisadora da metropole ; a intervenção
da força armada na politica e a supremacia de sua fracção
portugueza ; a divulgação das doutrinas dos encyclopedistas
francezes do seculo XVIII e da propaganda pelos clubs ma
çonicos.
Limitamo-nos neste capitulo ao estudo das causas econo
micas . Dos acontecimentos politicos que por ellas foram occa
sionados e que eram a expressão do sentimento da revolta
não só contra os desmandos da autoridade, como contra o
proprio regimen, é a revolução de Pernambuco de 6 de Março
de 1817, a irradiação do mesmo principio e do mesmo senti
mento dos revolucionarios de Villa Rica , sustentados e propa
13

gados pelas lojas maçonicas que principiaram a organisar -se


no norte, desde 1807 (1 ) com séde na Bahia, nas quaes não
tinham ingresso os europeus . E' de capital importancia a
funcção historica dessas associações na organisação de nossa
nacionalidade e como factores do desenvolvimento da idéa
republicana. Homens ardentes, declamadores e exaltados, os
seus membros tenderam a associar - se, passando das palestras
ao concurso secreto da collectividade, con vergindo os seus
esforços para a propaganda das idéas democraticas, sob a
influencia dos escriptores francezes e da emancipação da
America do Norte .
Destas associações as que funccionavam no Recife,
soffreram o prestigio de Domingos José Martins, vindo da
Inglaterra onde se educou. Alto personagem da revolução
veio trazer as lojas maçonicas a animação e a prosperidade
do auxilio do seu espirito altamente cultivado pela sciencia
ingleza e o estimulo da sua dedicação pelas instituições livres .
A influencia social e politica destas associações não
deixava de lançar apprehensões ao governo, que desde 1786
levantava resistencia contra os focos de cultura popular,
dissolvendo nesse tempo a Sociedade Litteraria (2 ). Agora em
Pernambuco, prendia os tenentes de artilharia José Paulino
de Almeida e Alburquerque e Antonio Vieira Cavalcante ,
por serem membros da reprovada sociedade dos peilreiros
livres. (3)
O povo da capitania levantava continuas queixas contra
o peso dos impostos, que eram esbanjados pelos representan
tes da autoridade. As camaras municipaes, como a de Igua
rassú representavam contra a ordem de cousas , representação
esta que deu lugar ao aviso reservado do Marquez de Aguiar ,
em que estranhava asperamente a linguagem de que ella se
servira, attribuindo a liberdade com que se exprimira, aos
discolos declamadores, desgraçadamente no nosso seculo tão

Luis do Rego e a Posteridade- F . Pinheiro, paz. 9.


Visconde de Porto Seguro - Histori do Brasil, Vol. 2.º, pag. 1051,
(3) o leitor procure lêr esta carta na obra do Dr. J. C. Fernandes Pinheiro
I niz do Krgo ea Posteridade.
14

frequentes, e que por capricho e sem principios censuravam


com soltura e ousadia qualquer medida do governo. ( 1 )
Os escriptos e documentos que podemos compulsar desse
tempo dão a medida da opinião publica de Pernambuco, sob
o peso e a tyrannia de um governo que obrava como causa
retardadora do desenvolvimento da capitania. São outras
tantas provas que devemos apresentar de um estado sub.
jectivo do povo que mais activava a propaganda dos revolu
cionarios e com o qual jogavam elles na revolta que levataram
contra as instituições, tornando -se o objecto das sympathias
e das adhesões publicas. O descontentamento em que vivia
o povo , offerecia -lhes aa melhor opportunidade para porem em
execução o seu plano.
Assim se exprimia um escriptor do tempo :
" A commoção do Brasil é motivada por um desconten
tamento geral e não por machinações de alguns individuos de
influencia bastante para regularem a opinião publica. O des .
contentamento, que, pelas noticias que nos chegam de
nossos correspondentes em todos os pontos do Brasil, é mui
geral , tem por causa a forma da administração militar, e por
consequencia despotica , que nunca põe em execução as ordens
do governo sem causar oppressão aos povos, principalmente
no recrutamento das tropas e na cobrança dos impostos .
6. Qualquer governador, por mais insignificante que seja
a sua graduação, tem no Brasil o direito de mandar prender
a quem lhe parecer e pelo tempo que quizer, sem dar razão
de seu feito , e quando manda soltar o individuo, assim preso,
é este obrigado a ir ter com o governador e dar- lhe os agra
decimentos pela soltura e ouvir a reprehensão que o tal
governador lhe apraz dar- lhe e nos termos que lhe vem á
cabeça.
Ninguem hoje negará que isto é a forma de governo
e administração por que actualmente se rege o Brasil e isto
é um facto tão notorio como lamentavel. Agora perguntamos
ao leitor candido : se não é isto causa mais que sufficiente

( 1 ) Dr. J. C. Fernandes Pinheiro - Obr. cit . , pag. 9.


45

para fazer com que todos os habitantes do Brasil, sensatos e


espirituosos aborreçam o seu governo ? " (1 )
Outro dizia :
* A capitania de Pernambuco, e principalmente o Recife
estava ha muito tempo no mais deploravel estado de policia ,
sendo certo que quasi todos os dias se faziam mortes , roubos
e toda a sorte de maldades, e tendo disto a culpa o gover
nador Caetano Pinto de Miranda Montenegro .
• A falta de execução das leis , pois os ministros e empre.
gados publicos imitando o seu general na laxidao (porém não
na limpeza de mão) deixaram correr tudo á revelia, fazia
caminhar tudo com presteza á uma catastrophe como a que
aconteceu a 6 de Março de 1817. Era impossivel existir ordem
aonde a justiça se punha em leilão, e aquelle que mais offe
recia e dava, colhia o ramo da perfidia. Além das rapinas
que se faziam ao povo, tratava -se tambem de roubar os
thesouros do Imperante, com um descaramento sem limites,
e pelas maneiras mais infames ." (2 )
Em uma correspondencia publicada n'0 Portuguez —
jornal que se editava em Londres, escripto talvez por Antonio
Carlos , lemos os seguintes trechos, bastante expressivos da
miseria publica, que reinava em Pernambuco :
Apezar de haverem apparecido, no numero de 6 do seu
periodico, alguns apontamentos dos damnos causados, n'esta
capitania de Pernambuco pela impolitica medida da alteração
do valor da moeda de cobre ; comtudo, são tantos os males
aqui experimentados, e tão variados em suas especies, que
não posso impedir-me de satisfazer ao patriotico desejo de
levar a noticia delles ao justo tribunal da opinião publica ,
como o unico e sufficiente para operar a sua cura ; firmarlo
n'este principio espera este povo que, por bem da humani
dade , haja V. Mcê. de inserir no seu jornal a carta seguinte :
5. Actualmente é esta capitania uma das do Brasil mais
commerciante e mais rendosa ao patrimonio régio, e cuido
( 1) Correio Brasiliense, escripto em Londres por Hyppolito José da Costa
Tom . XVIII , pag. 558 .
( 2 ) Citado Correio Brasiliense, pag . 659.
46

que a mais esquecida em providencias favoraveis á sua pros


peridade.

" Grita - se geralmente contra a prepontencia com que as


pequenas autoridades estabelecidas nas villas da capitania
fazem reverter em seu proveito o trabalho dos pobres ,
sendo a impunidade a causa motriz da continuação de taes
crimes .
6. Pasma- se á vista da indolencia das differentes camaras ,
e até da indifferença com que olham para o que positivamente
lhes compete, sem que se lhes possa fazer carga de taes de
feitos, por isso que só são consideradas quando a Junta de
Fazenda se lembra de lhes commetter incompetentemente a
fiscalisação de algumas rendas reaes, ou cohibir-lhes alguns
actos da sua jurisdicção. Murmura -se contra o modo parcial
e fraudulento com que a Mesa da Inspecção nomea os Inspec
tores de algodão e assucar, que bão de decidir com o seu
voto da fortuna dos agricultores . Repete- se com clamor os
prejuizos causados pela incapacidade das duas Alfandegas.
Faz- se o mesmo pela falta de soccorros que tem a Marinha
mercante em um porto aliás perigoso como este. Lastima - se
finalmente, a falta de policia em geral, ainda nas cousas mais
interessantes á salubridade do paiz : a falta de um hospital
publico para receber a totalidade dos enfermos indigentes ;
e finalisa -se a lamentação, com preces ao Altissimo para nos
escudar contra a falta de segurança publica.” (1 )
Até então o estado da moeda era relativamente bom , o
ouro para os pagamentos avultados , a prata e o cobre para
as pequenas prestações. A relação estabelecida entre o ouro
e a prata era de 1:13 72. Pelas necessidades do commercio
foi alterada para 1:16 . Isto deu logar ao escoamento do
ouro, tornando -se a prata a moeda predominante. (2)
Si até então o meio circulante era representado pela
moeda metallica, a creação do instituto de credito deu lugar
( 1 ) Visconde de Porto Seguro--Ob. cit. , pag. 1119.
( 2 ) Datas e Factos relativos á Hist. Pol. e Fin , do Brasil, por um brasileiro ,
pag. 67.
47

á origem do papel bancario .. Além disto os actos da admi


nistração tendiam a desorganisar o systema monetario , pelo
augmento de valor das moedas de cobre e de prata, passando
as de 10 rs . e 20 rs . , as de 20 e de 10 rs . de cobre a valerem
80, 40 e 20 rs . , e as de prata de 600 rs . a valerem 640 rs . e
pela creação da moeda de prata provincial que passou a valer
960 rs . com 20 ° % do valor nominal porque foi feita á custa
0

dos pesos hespanhóes , que valiam de 750 a 800 rs .


Reuna -se a isto a introducção das notas do Banco, cuja
emissão se fazia sem a menor restricção, para attender -se ao
excesso de despezas com a campanha oriental , ( 1812-1816 )
com o excesso de luxo da côrte, com o custeio dos novos ser
viços, sem que a renda pudesse fazer face a este excesso,
comprehende-se em quanto se desvalorisou a moeda e que
profunda revolução não se operou nos preços dos generos
commerciaes, chegando o instituto de credito á situação pre
caria de não poder trocar as suas notas (1819 ) .
As condições da vida tornaram - se quasi impossiveis ( 1 ) .
E a capitania de Pernambuco foi a que mais soffreu a in
fluencia malefica destas causas, ligadas a politica esbanjadora
de D. João VI iniciada em 1808 . E n'estes dados estatisti
cos vê- se como se resentio a sua vida economica, na producção
dos seus principaes generos. Relativamente ao assucar ve
mos o seguinte :
Annos Irrobas Annos Arrobas

1801 . 756,304 1812 . 298,127


1802 . 500,856 1813 . 379,712
1903 . 313,487 1814 . 471.880
1801. 501,022 1815 . 581,211
1805 . 082,892 1816 . 605,163
1806 . 873,000 1917 . 501,617
1807. 503,012 1818 . 624,863
1808 . 148,544 1819 . 671,780
1809 . 562,666 1820 . 662,426
1810 . 334,946 1821 . 747,53,5
1811 . 12 1822 . 780,702

( 1 ) Não podemos encontrar dados estatisticos sobre a alteração dos preços dos
generos commerciaes.
48

Assim o termo medio do 1.º decennio, de 1801 a 1810 ,


foi de 520,972 arrobas e o do 2. °, de 1811 a 1820 , de 310,196
arrobas.

Quanto a aguardente de canna vemos :


Annos Pipas de Annos Pipas de
180 canadas 180 canadas

1801 .. 117 1812 .. 2,269


1802 . 53 1813 . 2,079
1803 . 10 1814 . 1,908
1801. 204 1815 . 791
1805 . 411 1816 . 795
1806 . 210 1817 . 903
1807. 336 1818 . 1.635
1808 . 365 1819 . 875
1809 . 115 1820 . 1,199
1810 . 1,318 1821 . 753
1911 . 2,579 1822 . 2,269

Quanto ao algodão vemos :


Annos Arrobas Annos Irrobas

1801.. 104,635 1812 . 188,392


1802 . 234,535 1813 . 262,265
1803 . 177,505 1814 . 239 , 199
1804 .. 193,295 1815 . 186,067
1805 . 282,630 1816 .. 287,695
1806 . 235 , 115 1817 . 212,804
1807 . 324,765 1818 . 250,027
1808 . 88,715 1519 . 232,728
1809 .. 299,085 1820 . 295.770
1910 . 225,026 1821 . 273,212
1911 . 99,077 1822 268,686

Eis ahi a decadencia economica e financeira a que chega


ram a capitania e todo o paiz.
N'esse lado da sua vida publica inspirou -se a aspiração
dos revolucionarios de 1817 , que pretendiam antecipar a
emancipação e a independencia do paiz.
Ahi foi beber a revolução os seus mais valiosos motivos ,
que trouxeram os applausos com que foram recebidos os
seus chefes .
19

Foi n'essa situação tão profundamente abatida que se


fortificou o sentimento liberal dos habitantes de Pernambuco,
que abrem uma phase de aspiração democratica que domina
as gerações de quasi 40 annos, de 1817 a 1834 .
Esse sentimento espalhou nas convicções politicas de
então, uma tendencia de sublevação e de revolta contra o
regimen dominante e seus agentes.
Nenhuma solução de continuidade soffreu elle n'aquelle
espaço de tempo, não obstante as medidas coercitivas e de
tyrannia para matal-o, em nome do instincto de conservação
das instituições e dos interesses de um direito hereditario,
como ponto de origem da capacidade politica e da investidura
das altas funcções do Chefe do Estado.
Ainda que tivesse assumido diversas formas, quer a
forma claramente republicana, como em 1824 e 1835 , quer
a forma simplesmente emancipadora nos limites do systema
monarchico, quer a fórma autonoma das circumscripções
politicas como em 1831 , existia comtudo a aspiração liberal,
iniciada na defesa dos interesses materiaes dos cidadãos e da
communidade, contra as forças absorventes do Estado .
E em todos os acontecimentos que se seguiram á revo
lução de 1817 , que deram um caracter profundamente agitado
á phase politica d'aquelles dias , vemos a influencia d'aquella
ordem de causas , ainda que a ellas se viessem associar outras
de natureza diversa e dictadas por outros sentimentos.
De facto, os prejuizos commerciaes de que Portugal
resentia-se com a liberdade do commercio do Brasil , vendo
a decadencia de sua lavoura e sua industria, inspiraram
aos seus estadistas um programma politico, que lançou as
maiores apprehensões nos brasileiros .
Constituiram -se o orgão destas novas conspirações portu .
guezas as Côrtes em Lisboa, cujo primeiro acto foi a publica
ção de um manifesto dirigido á nação portugueza, fazendo
vêr que o estado retrogrado de Portugal e todos os seus infor
tunios eram devidos á trasladação da Familia Real á Côrte do
Rio de Janeiro e á abertura dos portos do Brasil aos navios
das nações estrangeiras , apontando este facto como a causa
V. 1
50

principal do completo anniquilamento, tanto das fabricas


como do commercio portuguez.
Como se vê, era um movimento de recolonisação aquelle
para o qual tendia a politica portugueza, pondo em execução
todos os meios e todas as medidas que reduzissem o Brasil á
antiga posição de colonia, em sua politica, em sua adminis
tração e em sua economia.
Era a centralisação dos tempos coloniaes o que dictava
agora o programma da politica, programma que no Brasil
encontrou as maiores adhesões na colonia portugueza, que
os mais vivos sentimentos de prevenção e de odio separavam
dos nacionaes pela preferencia que a ella era dada na repre
sentação dos mais importantes cargos publicos .
Um odio de raça já separava os homens e já obrava como
força social no paiz, e causa de importantes acontecimentos .
Ahi está a revolução dos Mascates.
Teremos occasião de estudar a influencia deste facto.
Nos acontecimentos que estudamos, veio prestar um
grande contingente, porque os portuguezes que habitavam
então o Brasil affagaram com grande esperança a politica de
recolonisação levantada pelas Côrtes de Lisboa.
D'ahi os movimentos de separação principalmente da
Bahia e do Pará em 1821 , desistindo de prestar obediencia á
Côrte do Rio de Janeiro, para fazel- o á metropole.
A resistencia e a reacção que se fizeram sentir em favor
do Brasil, em nome dos principios liberaes e da conquista de
um governo emancipado, em que já se empenhava o elemento
nacional, deram lugar á revolução de 1822 , que se terminou
pela emancipação e independencia do paiz.
Vê-se claramente que nestes factos, influencias outras se
fizeram sentir, que não sómente aquellas que se derivaram
das condições economicas e financeiras que constituem o
assumpto especial deste capitulo.
Si com a victoria da politica recolonisadora lusitana, o
Brasil perdia em sua autonomia politica e na somma de attri.
buições dos representantes dos seus poderes , perdia ainda
mais no seu desenvolvimento material, desde que uma larga
51

parte de recursos e de riqueza passaria a ser , como em

outros tempos, desviada do seu movimento economico, do


seu progresso material , em favor dos interesses da metropole .
>

Si o sentimento nativista obrou como estimulo das deli


berações patrioticas de reagir contra a tyrannia de Portugal,
o sentimento economico do paiz, se assim nos podemos expri
mir, entrou com um grande contingente nesse trabalho da
nossa historia .

II

SUMMARIO

Os males economicos resultantes da politica e reagindo sobre ella. Porque a idéa


republicava não dominou a emancipação politica. Provas historicas. Pala
vras de José Clemente . Cedo destizeram -se as esperanças pela influencia
pessoal do soberano. Seus actos. Sua influencia sobre a situação do paiz.
A dictadura premiada pelo governo. Caracteres da organisação politica.
Seus effeitos no movimento economico . Escravidão e pa pel-moeda. Situação
financeira . O pauperismo. A reacção de Abril de 1834 em defesa dos interes.
ses dos governos locaes. Nullificação desta conquista pela interpretação do
acto addicional.

Descripta a marcha economica e financeira do paiz na


phase que precedeu á revolução de Pernambuco e a emanci
pação politica do Brasil, analysadas as influencias que exerceu
esse aspecto da nossa vida nacional sobre a politica, preci
samos agora levar adiante o nosso estudo e apreciar os effeitos
que se fizeram sentir nos acontecimentos que se seguiram á
instituição do regimen monarchico representativo.
Já vimos que a emancipação politica do paiz foi o resul
tado da resistencia da opinião nacional contra a tendencia em
que se empenhou Portugal de recolonisar o Brasil.
Todos repetiam a phrase do Abbade de Pradt " Limitem
se as vistas da Europa á mesma Europa, e as da America á
America ; e tudo irá bem ! ”
Foi uma reacção principalmente em nome dos interesses
materiaes da nação .
A penuria a que tinha ella chegado, a extrema situação
de pobreza em que se debatia o povo, o estado lastimavel das
as
finanças publicas , achando- se o governo a braços com
52

maiores difficuldades para fazer face aos compromissos, pela


diminuição gradual que se tinha operado nas fontes da receita
e pela retracção das suas forças economicas, perturbadas e
presas pelos preconceitos dos representantes dos poderes
publicos ; tudo isso era a consequencia da politica que se
tinha seguido até então.
Eis porque os interesses materiaes dictavam a orientação

da opinião publica, na reacção com que se oppoz aos inte


reses portuguezes .
E podemos dizer mesmo que o movimento republicano
que lavrara nas camadas sociaes , não inspirou o movimento
emancipacionista, porque a opinião nutrisse as mais legitimas
esperanças de que, com a instituição monarchica e imperial,
esses interesses fossem melhor acautelados .
A opinião esperava que com a conquista da emancipação
viesse a conquista das liberdades publicas, do respeito aos
direitos individuaes , de uma época de prosperidade e de
desenvolvimento material , da abdicação do Estado de grande
somma de suas attribuições em favor do individuo, para que
a iniciativa particular entrasse em sua phase de eclosão e
crescimento .
Eram essas as esperanças publicas que fizeram desviar
a idéa republicana da direcção suprema do movimento .
Não é que ella não existisse.
Ahi estava ella a produzir commoções aqui e alli , a
congregar os esforços dos brasileiros e a dar a caracteristica
de uma época pelas agitações continuas em busca de um
governo livre.
Ahi estava ella aa dominar os espiritos como fonte inspira
dora destes esforços, em que se empenhavam os contempo
raneos.
Ahi estava o presidente da camara do Rio de Janeiro,
José Clemente Pereira, talvez a maior cabeça do primeiro
imperio, dizendo o seguinte no Manifesto que dirigio ao
principe a 2 de Janeiro de 1822. (1 )

(1 ) Dr. Liberato de Castro Correia - Hist. Financ. e Org. do Imperio, pag. 15.
53

6. Ah ! Senhor, e será possivel que estas verdades , sendo


tão publicas, estejam fóra do conhecimento de Vossa Alteza
Real ? Será possivel que Vossa Alteza Real ignore, que um
partido republicano, mais ou menos forte, existe semeado aqui
e alli, em muitas provincias do Brazil, por não dizer em todas
ellas ? Acaso as cabeças que intervieram na explosão
de 1817 expiraram já ? E si existem, e são espiritos fortes e
poderosos, como se crer que tenham mudado de opinião ?
Qual outra lhes parecerá mais bem fundada que a sua ? E
não diz uma fama publica ao parecer seguro, que nesta
cidade mesmo um ramo deste partido reverdeceu com a espe
rança da sahida de Vossa Alteza Real , que fez tentativas para
crescer e ganhar forças, e que só desanimou á vista da
opinião dominante de que Vossa Alteza Real se deve demorar
aqui para sustentar a união da patria ? ”
Ahi estão as deportações de Ledo e de seus partidarios
como republicanos ; o fechamento das lojas maçonicas, a
apprehensão dos ducumentos pertencentes a estas associações ,
fócos da aspiração democratica brasileira ; ahi está a critica
da opinião externada em um pamphleto - Analyse do Decreto
de 1º de Dezembro— a proposito da Ordem Imperial do
Cruzeiro, creada pelo soberano e na qual os espiritos patriotas
viam a volta aos tempos de praticas feudaes, cujos infelizes
effeitos já se haviam tanto sentido no Brasil durante o prece
dente reinado . ( 1 )
As esperanças que despertou na opinião publica a eman
cipação politica do paiz, feita em nome dos interesses nacio
naes contra a reacção que a politica portugueza quiz operar,
e com a qual havia de iniciar -se uma ordem de cousas que
acautelasse as liberdades publicas e promovesse o desen
volvimento material do paiz, cedo se disiparam em face dos
actos da administração, pelos quaes a consciencia publica
chegou á convicção dos sentimentos apaixonados e atrabilia
rios do soberano. Emancipado o paiz, preparam -se suas forças
para organisal- o sob os principios do regimen monarchico.

( 1 ) João Armitage - Obr. cit . , pag. 66.


5+

Obra delicada esta e que, entregue aos homens daquella


geração, foi de todo annullada pelo predominio dos senti
mentos pessoaes do principe que exerciam mais influencia
sobre suas resoluções, do que o fazia o interesse de uma
organisação politica onde as forças vivas da nação ficassem
a mercê de sua iniciativa, sem os obstaculos de um regimen
pessoal e centralisador.
Os primeiros actos do soberano deram a medida dessa
preoccupação pessoal, de elevar á altura de uma força politica ,
a suggestão de suas paixões em substituição ao regimen da
lei . E elles feriram de morte as esperanças com que foi acceito
o novo regimen . Assim , a dissolução da constituinte, sem que
razões de ordem publica justificassem acto tão prepotente
pelo qual se privou a soberania nacional de obrar na elabo
ração do direito politico da nação e de ser a origem da lei e
da autoridade ; a coerção imposta á liberdade do pensamento
pela suppressão de jornaes e a deportação dos seus
redactores, como o do Corrreio do Rio de Janeiro, o escriptor
Chapuis , preso e deportado somente pela publicação do pam
phleto — Reflexão sobre o tratado'da independencia e a carta de
lei promulgada por S. M. Fidelissima, -o redactor do Censor
em Maranhão ; a prohibição do direito de reunião pelas bus
cas e fechamentos das lojas maçonicas ; o tratado de commer
cio com Portugal de 29 de Agosto de 1824 , em que o Brasil
tomou a si pagar á Inglaterra a divida contrahida por D. João
VI no valor de 1.400.000 libras para o fim expresso de hos
tilisar a independencia do Brasil , o que inspirou uma phrase
celebre do tempo " aqui a loucura arrojou por terra o penacho
do vencedor e recuperou a politica o que as armas haviam
perdido" ; o pagamento ao soberano portuguez de 600.000
libras de suas propriedades quando eram propriedades da
nação ; o credito enfraquecido de mais a mais , pela emissão
clandestina que se fazia, para attender ao excesso de despeza,
com as prodigalidades da nova ordem de cousas empenhada
em guerras, em favores illicitos , em concessões descommu .
naes ; o agio dos metaes preciosos subindo á proporção da
largueza dessa emissão, cujo juro pesava no erario publico, e
55

cuja divida havia triplicado depois da dissolução da consti


tuinte : tal era a situação do paiz n'aquelles tempos . A prova
da incompetencia dos governantes e da falta de dignidade
moral de muitos d'elles , estava nos seus actos . Chegaram a
pedir que se arbitrasse ordenado aos Conselheiros de Estado,
quando isto era prohibido expressamente pela Constituição.
O facto motivou o seguinte trecho de um jornal de Minas
Astro de Minas " Oh ! estupidez ! Oh ! impudencia ! que
conceito sobre o Brasil formarão os estrangeiros , si o julga
rem pelo seu ministerio ? ”
Os governos provinciaes despoticos e tyrannos eram os
titeres do primeiro magistrado da nação, cuja ambição pela di
ctadura abi está irrefutavel no golpe que desfechou contra a so
berania nacional, no premio que prestava aquelles que lhe soli
citavam e mostravam-lhe a necessidade do absolutismo, como fez
a Jacob Conrado Niemeyer, presidente da commissão militar,
para processar os rebeldes do Ceará remunerando-o com a
ordem do Cruzeiro ; a Chichorro, juiz de fóra de Taubaté,
que proclamara o governo absoluto em tres villas da pro
vincia de S. Paulo, recebendo como agradecinento pelo mi .
nistro do imperio o titulo de conde de Valença, em nome de
Sua Magestade Imperial ; a Teixeira, morador em Itapa
rica, que escrevera em 1824 ao Ministro da Justiça Clemente
Ferreira França, a favor do governo absoluto, e que depois
empregara sua eloquencia na mesma causa , e foi logo feito
Bario de Itaparica ; e finalmente a todo o Cabildo de
Montevidéo, que tambem apresentara o seu requerimento
de igual natureza, honrado, o Presidente com a com

menda , e os demais membros com o habito de Christo. ( 1 )


Essa ambição do soberano abi está no prolongamento
que deu а uma época dictatorial que propositalmente
abrio á nação, desde Novembro de 1822 a Março de 1824 ,
quando impoz uma Constituição á vontade nacional e só
nesse anno, convocando as camaras, quando todos OS
interesses reclamavam a maior urgencia de organisar os

( 1 ) João Irmitage - Obr. cit . , pag . 137.


56

serviços do paiz, que tinham sido creados pela carta consti


tucional.
Assim vemos que durante dous annos esteve a nação sob
o dominio o mais tyrannico da dictadura, sob o regimen
pessoal de um homem , encaminhando - se o paiz para a com
pleta ruina financeira e economica.
Foram estes os factos que sellaram o regimen monar
cnico em sua origem e que fizeram desapparecer as espe
ranças com que fora elle proclamado.
Jurada a Constituição de 25 de Março de 1824 , que foi
imposta á opinião nacional pelo direito da força, o regimen
constitucional que della emanou como uma consequencia logica
e como uma promessa formal á nação, não passou de regimen
pessoal caracterisado por uma organisação centralisadora e
absorvente, pela prepotencia de um só poder constituido sobre
outros sem iniciativa e sem força, e pelo predominio do go.
verno nacional sobre os governos das provincias, aggravando
a decadencia economica e financeira, em que sempre nos de
batemos, como consequencia inevitavel dessa organisação
politica sob a qual se modelou a nação: – o individuo ab
sorvido pelo estado, as provincias pelo centro, os municipios
pelas provincias.
Tal foi o espirito dessa organisação politica e do desenvol
vimento que teve o direito constitucional.
Não temos que estudar agora o mechanismo dessa
organisação nem as influencias que della emanaram sobre
as condições economicas do paiz. Esse estudo figurará no
capitulo das " causas politicas. "
Ahi então havemos de vêr que principalmente na centra
lisação, na escravidão e no papel-moeda originam - se os males
que tanto affectaram nosso desenvolvimento material.
E ' em derredor desses factos que se agrupam os pheno
menos mais notaveis e aos quaes se filiam todas as condições
de nossa economia , ferida na actividade de suas forças produ
ctivas pelos obstaculos que se levantaram de todos os lados .
A escravidão, instituição secular a que se adaptou o
regimen social dos tempos passados , obrou como factor
57

profundamente reactor contra o seu desenvolvimento, porque


com ella se tornaram incompativeis a organisação do trabalho
livre e a collaboração do regimen industrial, fonte de riqueza
que se restringia ao regimen agricola, tanto mais inerte como
factor de desenvolvimento economico, quanto mais o trabalho
ahi não tendia a aperfeiçoar -se, obedecendo sempre ás in
fluencias tradicionaes da rotina.
A escravidão associou- se o papel-moeda que fez sua
apparição em 1829 , quando a situação economica do paiz
chegou ao extremo da penuria.
De facto- eis a situação financeira do paiz descripta por
um contemporaneo :
- Não obstante ter-se concluido a paz, e haverem -se, se
gundo se dizia, introduzido as reformas na repartição da Fa
zenda, desde as entradas de Calmon na administração, S. Ex .
no seu Relatorio ás camaras , mostrou um deficit para os dez
oito mezes que se seguiam , de sete mil contos de réis , valor
igual a mais de dous terços da renda existente.
6. Em logar de terem havido reducções , o exercito con
servava-se com vinte mil homens ; à esquadra com perto de
oitenta vasos de guerra, e outras repartições publicas susten .
tavam-se debaixo de uma escala igualmente extravagante.
“ O excesso da despesa sob a receita era no entretanto
solvido principalmente sobre os ganhos extraordinarios que
resultavam do cunho do cobre na casa da moeda do Rio de
Janeiro, e até o fim de 1829 por meio de emprestimo do papel
do Banco .

“ A subsequente enorme emissão do cobre no reinado


de D. Pedro, foi uma medida fundada em principios iguaes ,
mas producente de consequencias muito mais fataes , visto
que a differença de valor era muito maior.
66 Ainda em 1829 recebia - se este cobre para pagamento
de qualquer quantia, pelo triplo do seu valor intrinseco, e
circulava livremente em todas as provincias do Imperio.
66 Os habitantes só olhavam para 0 valor designado
pelo cunho, sem reflectir que fundida a moeda, não teriam
58
no valor do metal nem um terço do importe porque o haviam
recebido .
Impossivel era que esta illusão continuasse para sem
pre; todavia, ella offerecia um meio que ajudava o governo a
tirar-se dos embaraços com que se achava, e elle o adoptou,
attendendo pouco aos effeitos ruinosos sobre o valor relativo
da propriedade .
Quasi todos os ministros, desde a independencia, se
haviam prevalecido deste recurso em um termo limitado, mas
estava reservado ao temperamento audacioso de Calmon
o quadruplicar a somma que haviam cunhado os seus prede
cessores .

“ Durante os annos de 1828 e 1829 , perto de seis mil


contos desta moeda vil foram cunhados e lançados na cir
culação , unicamente como meio de alliviar o Governo do com
promettimento pecuniario em que se achava." ( 1 )
O mesmo escriptor accrescenta : “ No entanto entre a
crise da época e esse brilhante futuro, existia um profundo
abysmo : em primeiro logar, o continuado augmento do meio
circulante, por meio das emissões de notas do Banco, e ulti
mamente o da moeda de cobre, haviam de necessidade produ
zido um correspondente accrescimo no preço de todas as
mercadorias. A importação havia consequentemente crescido
e como meio de retorno , enviavam - se para fóra immensas
quantias de ouro e prata, unica parte exportavel do meio cir
culante .
66 O papel e o cobre tornavam -se o meio circulante de
todo o Brazil , o cambio sobre as praças estrangeiras se de
primia, todas as relações entre devedor e credor se trans
tornavain e de tudo isto resultavam muitas perdas indi
viduaes .
- Os que subsistiam de ordenados ou salarios fixos , fi
cavam reduzidos á extrema pobreza ; e, apezar de que se
não houvesse formado um conceito claro a respeito da natu
reza do mal, divulgava-se e ganhava preponderancia a
( 1 ) Jono Armitage Historia do Brasil, pag . 253.
59

opinião de que a causa delle havia sido o Governo . " (1 )


Realmente o valor das notas do Banco em circulação
soffria esta depreciação : 40 % contra o cobre (desde o anno
0

antecedente era elle a melhor moeda do paiz ! ... ) , 110 ° !


• O

contra a prata e 190 ° %. contra o ouro !


0

O cambio sobre Londres havia baixado a 22 ds . por


18000, o que era assombroso, attendendo- se as relações do
padrão monetario de então !
Na falla do throno de 2 de Abril de 1829 lê - se este ex
pressivo topico : " Convoquei extraordinariamente esta as
sembléa por dous motivos : o primeiro, a inesperada noticia
de que estavam a chegar tropas estrangeiras e immigrados
portuguezes que vinham buscar asylo n'este imperio : ose
gundo, os negocios da fazenda em geral e com especialidade o
arranjo do Banco do Brasil, que até agora não tem obtido
desta assembléa medidas officiaes e salutares ... e muito la
mento ter a necessidade de o recommendar pela quarta
l'ez ! " (2)
O proprio Imperador ao abrir a sessão da assemblea
n'esse anno dizia 66 Claro é a todas as luzes o estado mise
ravel a que se acha reduzido o Thesouro Publico ; e muito
sinto prognosticar que, si nesta sessão extraordinaria a as
sembléa não remediar um negocio de tanta monta , desastroso
deverá ser o futuro que aguarda a nação.
66 O meu ministro vos fará vêr detalhadamente a necessi
dade e urgencia de uma prompta medida legislativa, que,
destruindo de um golpe a causa principal da calamidade exis
tente, melhore as desgraçadas circumstancias do Imperio ;
e forneça ao Governo os meios de que precisa.
" Elle vos apresentará uma proposta sobre este objecto.
A magnitude deste negocio me faz crer que o resultado será
lisongeiro ."
O augmento da despeza e do deficit em relação a receita
era o seguinte. (3)

( 1 ) João Armitage - Obr. cit. , pag. 262 .


( 2 ) Amaro Cavalcante - Resenha Financeira, pag. 96.
( 3 ) Vide mappa in fine.
60

Situação mais precaria para o povo é impossivel conce


ber- se, a braços com as difficuldades cada vez maiores da
vida . A tutela do centro sobre as provincias reduzio-as ao
estado miseravel em que se nos apresentam nessa época, sem
a menor somma de autonomia em seus negocios. Entregues
ás deliberações e resoluções do governo nacional, não lhes
era permittido iniciar o menor melhoramento por falta de
recursos proprios.
Os orgãos os mais legitimos da opinião asism se exter
navam sobre este estado de coisas : “ A assembléa legisla
tiva, escrevia o editor da Aurora, não pode deixar de vêr
com dôr uma tal situação ; ella notou deficit para as despezas
annuaes do Imperio, os subditos já onerados de tributos e
ameaçados de outros novos , uma guerra assoladora devorando
as fortunas dos cidadãos : e lançando os olhos para melhores
futuros, que se devem esperar, adoptou o systema de credito
como unico que podia fazer face aos males do momento. E es
tará nos esforços da assembléa legislativa sanar de uma
vez feridas profundas, que datam de longe, e cuja principal
causa continúa ? Poderão os seus desejos e o seu zelo fazer
sahir da terra as riquezas, e, sem tornar peior a sorte do
povo, supprir as despezas da guerra, do exercito, da marinha
e de tantos estabelecimentos inuteis, cuja extincção só póde
ser gradual ? Façamos justiça aos Representantes da Nação:
as suas intenções são puras; elles têm feito tudo quanto é
possivel para que desappareçam os abusos do sólo brasileiro,
mas não podem precipitar as reformas progressivas, que
são da indole do regimen representativo. O açoute da guerra ,
veneno mortal para os povos que começam , não pode ser
afastado pelas suas mãos, e a assembléa se acha collocada na
posição d'aquelle que lutasse com o destino e tivesse a res
ponder pelo triumpho .... Assim esta dura lição que hoje
recebemos nos aproveite para afastar longe de nós a mania
das conquistas, e fazer-nos conhecer que na paz , na eco.
nomia , e no trabalho é que reside a ventura dos Estados.”
Ahi está a realidade da situação do paiz que fazia
convergir não só para os agentes da administração ,
61

como para o proprio regimen o descontentamento do povo .


Na practica a instituição tinha dado as mais inequivocas
provas de sua inefficacia, para assegurar o desenvolvimento
moral e material do paiz, e o fiel cumprimento da lei . E essa
convicção já dominava a consciencia publica, aspirando um
novo estado de coisas em que todos os interesses nacionaes
fossem encontrar a causa efficiente de seu apoio . Esse estado
subjectivo do paiz aggravava- se tanto mais quanto o regimen
de pauperismo assumia maiores proporções. Elle nutria
então a vitalidade das aspirações liberaes, con rça reactora
contra a centralisação em que viviam as provincias , simples
appendices do governo nacional.
Foi em nome dessa aspiração, impulsionada pelos inte
resses materiaes tão decadentes, sob o mechanismo e a indole
do regimen , que a opinião se empenhou na revolução de
Abril de 1831 e na conquista de 1834 , em nome e em satis
fação das liberdades dos governos provinciaes.
E' neste canto de nossa vida publica que tão de perto
affecta os interesses mais respeitaveis da communidade, que
devemos ir buscar os motivos mais legitimos que se envol
veram nesses movimentos, dominando-os e dando -lhes pres
tigio e caracter essencialmente liberal e democrata. Si a
revolução venceu os interesses que reagiam contra o desen
volvimento das liberdades locaes pela colligação oligarchica
de forças politicas e sociaes em seu programma de absorpção
economica e administrativa, nào tardou a ser annullada por
esses mesmos interesses .
Si o acto addicional veio como consequencia da victoria
sobre estes interesses, a interpretação do acto addicional
veio falsificar essencialmente a mesma conquista. Continua
ram em effectividade as mesmas causas absorventes, as
mesmas forças centralisadoras . Ellas residiam na natureza
e no mechanismo da instituição governamental, matando a
iniciativa economica do paiz ; na forma de trabalho existente
operado quasi exclusivamente pelo braço escravo e no sys
tema financeiro caracterisado pelo regimen do papel-moeda.
62

III

SUMMARIO

A interpretação do acto addicional firmou o regimen da centralisação. Seus effeitos


economicos e financeiros. Provas estatisticas. Situação das provincias.
Opinião de um notavel escriptor nacional. Differenças do espirito liberal do
paiz no primeiro reinado, na regencia e no segundo reinado. Época de sua
maior annullação. Depois da agitação o torpor. Quaes as circumstancias
que influiram para esse resultado . Influencia da cultura popular. Programma
da lucta republicana. Procura atacar a escravidão e a centralisação. A pro
paganda abolicionista é uma das faces da propaganda republicana. A adhe
sio das classes agricolas não é expressão de despeito. Veio em consequen
cia de uma lei historica. A reacção do throno desde o tratado commercial
com a Inglaterra . Tergiversação do Sr. Paulino Soares. Reacção escrava
gista do gabinete 20 de Agosto. Seus actos. Opinião unanime em favor da
abolição. O governo resiste . As modificações que a reforma havia de operar.
A propria instituição não podia resistir. Condições da classe agricola . Rengio
em nome da pressão economica contra as instituições. Coherencia do Bario
de Cotegipe.

A reacção conservadora e centralisadora em forma de


interpretação do acto addicional, veio de todo annullar a con
quista liberal de 1834 operada em nome dos interesses das
provincias. As condições da vida publica da nação retro
gradaram á phase anterior.
O mechanismo de sua administração continuou sob a
acção dos mesmos principios que tinham dictado a vida na
cional no primeiro reinado e que investiram no governo
central toda somma de attribuições politicas, tornando - o a
força real e a manifestação mais effectiva e poderosa do poder
politico da nação. As provincias tornaram a cahir sob sua
tutella, esbulhadas da esphera de attribuições a que a re
forma as tinha erguido e o individuo foi de novo absorvido
pelo Estado. Tal é a expressão do acto de 1840 , como um
prodromo do segundo reinado e que lhe servio de leito para
assentar na pratica os principios centralisadores e conser
vadores do contra - golpe desfechado sobre o liberalismo na
cional pelo Conselho de Estado.
As consequencias que se fizeram sentir na economia
nacional, por essa resistencia dictada pelos absolutistas e
63

centralisadores que viam os interesses do paiz atravéz dos


interesses do Imperio e do throno, são eloquentes na marcha
do movimento economico, no segundo reinado ; na força do
desenvolvimento material; nas condições financeiras e com
merciaes e na organisação do credito . Os effeitos com que
essa reforma repercutio na economia da nação estão patentes
nos seguintes dados estatisticos que tiramos da excellente
obra do Dr. Francisco Amynthas de Carvalho Moura -- " En
saios economicos e apreciações praticas sobre o estado finan
ceiro do Brasil ," - dados que alcançam quasi todo o segundo
reinado .
A marcha da producção do paiz em relação aos seus
principaes productos agricolas-café , assucar, algodão, fumo
e gomma elastica, —o leitor poderá ver no fim deste VO

lume . ( 1 )
Separando deste total os dados relativos aos principaes
productos da lavoura do norte-o assucar e o algodão — vemos
que elles quasi que estacionaram e que a producção nesse
espaço de tempo não poude duplicar, e assim obedecer ás leis
geraes do desenvolvimento da população.
Da leitura do quadro estatistico em relação ao assucar
verifica -se que, no mesmo periodo de 38 annos , a sua pro
ducção só augmentou na razão de 86,52 ° % o , o seu preço mer
cantil apenas elevou -se na razão de 11,9 + % o, determinando
uma e outra cousa a elevação do seu valor official a 108,20 % .
ou simplesmente a mais do dobro.
Não duplicou a sua producção no tempo em que devia ter
duplicado a nossa população, e, portanto, com relação ao
assucar ainda retrogradamos em vez de progredirmos. (2 )
O mesmo a respeito do algodão, vendo -se que a sua pro
ducção cresceu apenas na razão de 26,35 ° % em um periodo
de 38 annos , porque o seu preço mercantil se elevou tão só
mente a 59,93 % O , e por isto o valor official médio da pro
ducção só poude elevar-se a 102,64 % pouco mais do dobro .

(1) Vide mappa in fine.


(2) F. 1. de Carvalho Moura-ensaios Economicos, pag. 61 .
64

No primeiro quinquennio a nossa producção média annual


mente exportada foi de 10.510 toneladas e 28 annos depois
apenas se poude elevar a 13.330 toneladas ! ( 1 )
Em face deste quadro dizia o illustre escriptor :
Como os resultados da nossa imprevidencia economica
contrastam com os da previdencia dos Estados Unidos e da
Inglaterra, que só em ultimo caso consomem productos
estrangeiros !
6. E quem , olhando para as ultimas columnas do quadro
annexo, deixará de contristar-se, vendo que no periodo de
38 annos a totalidade da nossa exportação não consegue
crescer na razão de 85 % , ao passo que o valor official, base
dos nossos impostos geraes e provinciaes, eleva- se na razão
de 319,04 % ., si tiver a certeza de que n'esse periodo as
0

nossas despezas geraes ou exigencias financeiras do Imperio


cresceram na razão de 514,99 % , quando, segundo calculos
o

provaveis a nossa população cresceu na razão de 125 % !!! ”


Si era esta a marcha da producção, pela qual se póde
verificar o estacionamento do paiz em relação ás suas condi
ções materiaes, nio eram menos desfavoraveis suas condições
financeiras em face do seu commercio internacional. Vere.
mos então que elle consumia muito mais do que exportava,
dando logar á depreciação sempre crescente dos preços das
mercadorias.
Veja -se a marcha de sua exportação e importação no pe
riodo comprehendido entre 1840 e 1886, isto é, quasi meio
seculo . (2 )
Por ahi vê- se o notavel accrescimo da importação sobre
a exportação, dando isto lugar a um desequilibrio profundo na
balança do commercio do paiz, e que não podia deixar de re
flectir- se no valor do seu meio circulante, representado entre
nós pelo papel moeda, cuja emissão sempre crescente havia
de ainda mais exagerar a importação. Eis ahi um dos males
do papel moeda, sua influencia obrando entre nós como um
7

( 1 ) Idem - Obr. cit. , pag. 64,


( 2) Vide mappa in fine.
65

agente profundamente pernicioso na nossa vida economica,


tornando o paiz mais consumidor do que productor, sempre
a pagar dividas nas praças estrangeiras.
Em apoio desta doutrina, citaremos, a opinião autorisada
de Goschen que diz : " On comprendra aisément pourquoi il
est possible d'affirmer qu'un pays, dans lequel il existe un
agent déprecié de la circulation et dans lequel l'exportation
du numeraire est prohibée, doit naturellemente importer plus
qu'il n'exporte. S'il en était autrement, si les exportations
excédaient les importations, le numeraire aurait une tendance
á rentrer ; les autres pays payaient une partie de leurs dettes
en or et . il n'y aurait plus de raison pour mantenir la prohi
bition de sortie du numeraire. Dans cette hyrothese, la
circulation serait en voie d'amélioration et non pas de dépré
ciation de la monnaie, soit une conséquence directe ou indi
recte d'importations excessives, mais il y a d'autres cas où
elle est due uniquement aux fautes et aux banqueroutes des
E'tats . Il arrive souvent que les deux influences soient com
binées de manière à devenir alternativement cause ou effet.
Quelques fois les gouvernements émettent une grande quan
tité de papier-monnaie, uniquement pour leur usage. La

conséquence naturelle d'une semblable émission sera une


importation exagerée ; les prix, s'élevant par suite d'un
accroissement de la circulation , attireront les produits des
autres marchés tandis que les prix des marchandises expor
tées, ayant augmenté aussi , seront d'une vente plus difficile
au dehors . Nous pouvons supposer que les importations
exagerées se soient produites d'abord, et que les gouverne
ments afin d'apporter un remède artificiel et apparent á une
situation à laquelle on ne peut apporter de remède définitif
qu'en faisant cesser la cause première et réelle du mal, com
mettent la fatale erreur d'accroître la circulation par une
émission de papier -monnaie.
5. Ils croient fournir ainsi de moyens de payer les dettes
que le pays a contractées ; mais le seul effet d'une semblable
mesure est d'augmenter encore le mal, car les importa
tions , au lieu d'être arrêtées, sont encore plus excitées.
v. 1 5
66

; comme la conséquence de la dépré


ciation de l'agent de la circulation dans un pays quelconque
est exciter à importer davantage par suite de la hausse appa
rente des prix il en résulte plus de difficultés pour payer la va
leur des importations . Comment peut- on alors payer la ba
lance finale ? L'écoulement des espèces montre que la balance
du commerce est défavorable au pays , et quand le numeraire
est épuisé, l'équilibre ne peut plus se rétablir qu'en restrei .
gnant l'importation et la consommation ." ( 1 )
Pelo mappa estatistico que publicamos no final do vo
lume , vê-se aa marcha da emissão do papel moeda e a marcha
da receita e despeza .
Assim vemos que a receita, sendo em 1840 18.674 : 6988795
Subio em 1888 a .... 163.251 : 801 $ 735
Havendo a differença maior de . 134.577 : 102 $ 940
A despeza, sendo em 1840.... 22.700 : 935 $ 978
Subio em 1988 a .. 147.514 : 483$ 510
Havendo uma differença maior de........ 124.893.617 $ 562
Durante o longo periodo intermedio em
quanto os saldos (2) da receita attin
giram apenas a ... 21.059 : 4919516
Os deficits chegaram a ... 850.490 : 987 $ 303
D'onde a differença maior de ... 829.431 : 4828787
o que quer dizer, que o nosso regimen normal fôra o regimen
dos deficits !
Eram os emprestimos os meios de que o governo lançava
mão como recurso ficticio para segurar o cambio, em vez de
descobrir e de crear novas fontes de receita para sua despeza.
Para apparentar um certo equilibrio indispensavel, foi
mister recorrer, constantemente, aos meios do credito , aug.
mentando a divida publica interna ou externa, á medida das
urgencias. E d'aqui, em quanto a divida interna (fundada)
era em 1840 de ... 26.575 : 200$ 000
a mesma attingio em 1889 a . 543.585 : 3008000
resultando uma differença maior de .... 517.010 : 100 $ 000
( 1 ) Théorie des Changes Etrangers, pag. 140
( 2) Dos exercicios de 18:27, 1833–34, 1834–35 , 1845–16, 1846–47, 1852-54, 185€ -57, 1888.
67

A divida externa , que em 1810 era :


£ 5.580.400 ou ao cambio par .... 31.002 : 2228222
era em 1889 £ 30.419.500 ou . 270.395 : 5555555
havendo uma differença maior de... 239.393 : 3333333
Sobre esta especie de divida , é opportuno lembrar que o
governo do Brasil, durante o Imperio, tomou emprestado na
praça de Londres : £
Real ou recebido . 37.367.538
Nominal (1 ).... 41.172.050
Menos do recebido. 6.801.312

A importancia nominal, por que constitue


se o debito, ao cambio de 27 d . por 1 $000,
somma em . 392.617 : 8519000

O desembolso com esta divida, isto é , juros, amortisação,


etc., tambem calculados ao cambio par, tinha subido (até De
zembro de 1888 ) a 415.559 : 329 $669. ( 2 )
Ainda peiores eram as condições economicas e finan
ceiras das provincias e municipios. Ainda que não tenhamos
podido colligir dados estatisticos de sua producção e da
marcha da sua receita e despeza, todavia ninguem pode con
testar que elles chegaram ao extremo do depauperamento ,
sem os recursos para attender aos seus serviços . Presos pela
centralisação imperial, ficaram privados do desenvolvimento
material que poderiam iniciar e cultivar á custa dos seus
haveres, os quaes a corrente de absorpção dirigia para o
centro .
Sem recursos monetarios, pela falta de estabelecimentos
de credito que fomentassem o seu desenvolvimento , acti
vando -lhes as forças economicas; sem vias de communicação
aperfeiçoadas, sem o governo municipal autonomo, as provin
cias chegaram á situação em que se nos depara durante o
longo periodo do segundo reinado.

( 1 ) Vio contemplamos o ultimo emprestimo de 1889, porque foi apenas uma


couversão.
( 2 ) Conforme os balanços do Thesouro e a synopse de 1888 .
68

Esta situação inspirou as seguintes palavras de um


grande espirito deste paiz, uma organisação essencialmente
democrata Tavares Bastos :
-Depois de estudar cada um dos poderes provinciaes, o
legislativo, o executivo, o judicial, examinámos tambem ,
quanto em nossas forças cabia , o vasto circulo de interesses
meramente locaes , ou communs ao Estado eе á Provincia. Quão
longe nos achamos, ha de o leitor reconhecer agora, de uma
organisação onde os primeiros funccionem independentes do
poder central , e os segundos attinjam á plenitude do seu des
envolvimento !
" As assembléas provinciaes, pêadas pelas usurpações de
1810 e posteriores, arrastam a vida ingloria de uma insti
tuição desprestigiada.
6
Presidentes agentes de outro poder, não represen
tantes da provincia, commissarios eleitoraes . não adininistra
dores e executores dos decretos das assembléas, tudo
podem , até suspender leis promulgadas.
" Municipalidades extinctas , litteralmente extinctas , sem
mais prestigio que as assembléas, e muito menos sensiveis a
qualquer movimento de independencia, nem protestam contra
a sua profunda humilhação.
“ Justiça e policia, não separadas, mas estreitamente
unidas e confundidas, -
pelo funcionalismo, pelo governo
central arbitrariamente montado, com a mais rigorosa sy
metria, sem attenção ás differenças das localidades, -exercem ,
ás ordens directas do Presidente, a grande missão de do
marem o suffragio e de converterem o parlamento em chance
laria do Imperio .
6
" Melhoramentos moraes ou materiaes, a instrucção do
povo, a emancipação do escravo, o povoamento dos nossos
desertos pelo emigrante do norte do globo, vias terrestes ou
fluviaes, tudo protrahe- se lentamente ou tudo está por fazer.
“ Em summa, governo absoluto, dispondo á capricho da
segurança, da honra, da propriedade e da vida do cidadão,
que vegeta sem tranquillidade e não seisma no futuro sem re
ceios; espirito publico corrompido, sem ideal , dominado pelas
69

mais terrenas preoccupações, inerte diante das exigencias do


patriotismo, indifferente á causa da liberdade - á honra do
povo soberano : eis o resultado da centralisação fundada sobre
as ruinas do acto addicional.
" De sóbra alcançaram seu alvo os contra- revolucionarios
de 1810 ; entorpecidas, annulladas, carregando responsabili
dade muito superior ás faculdades que lhe deixaram, nossas
provincias offereceram o mais triste espectaculo. Lástima é
vel -as debatendo -se nesse supplicio. Do que se occupam ?
O que nellas commove os espiritos? O que agita a imprensa ?
Excessos de autoridades irresponsaveis como o poder que as
mantém , eleições viciadas , e sempre eleições, favores illegaes ,
pretenções de empregados, e, quando muito projectos de
interminaveis edificios nas capitaes ". ( 1 )
Essa situação despertou então um sentimento liberal,
abafado e reprimido durante o segundo reinado, por um con
juncto de causas que estudaremos opportunamente. De facto,
patenteia - se ao historiador uma profunda differença desse
sentimento das gerações do primeiro reinado e da regencia,
para as do segundo reinado.
Parece que aquelle espirito democrata que vivia em con
tinuos protestos contra os desmandos do poder e que além da
victoria da emancipação politica da nação, já tinha alcançado
a abdicação de um soberano e o alargamento do governo pro
vincial, desapparecera de todo nas gerações que se seguiram
aos collaboradores d'aquellas reformas.
Depois de ter provocado as maiores agitações e levado
os homens ao extremo dos golpes de força em nome das
liberdades publicas ; depois de ter feito heróes e victimas que
entregaram as vidas em sua defesa ; depois de ter amedron
tado por muitas vezes os agentes do poder que na impotencia
de vencel- o de frente e de resistir contra a corrente da since
ridade de suas convicções, transigio para depois annullar- lhe
as conquistas pela corrupção ; depois de ter vencido o senti
mento estrangeiro na posse do privilegio e da supremacia
( 1 ) A Provincu . pag . 395 .
70

sobre os mais vitaes interesses do paiz ; esse espirito, no


segundo reinado, parece haver desfallecido, succumbindo
ao peso dos entraves com que o programma de centralisação
oppoz- se ao alargamento de seu dominio .
E ' sob estas apparencias que elle se revela n'esse periodo.
Não fundou a menor resistencia contra as arbitrariedades ;
não inspirou o menor civismo contra as violações da liber
dade ; não despertou as deliberações de posições extremas e
revolucionarias . Parece que não existia mais como força so
cial e como factor historico presente.
Em grande parte desse periodo, as suas manifestações
são timidas, indecisas, sem possuir mais aquelle poder de
corrigir a arbitrariedade, a tyrannia e os desmandos . Affi
gura - se -nos então o paiz sem opinião. E' esta uma phase
lugubre que vem desde o começo do segundo reinado até
o seu final. Sómente vemos aqui e ali manifestações espo
radicas e descontinuas.
Comprehende- se perfeitamente que, depois de tal época
de tanta effervescencia e em que as aspirações democraticas
crearam uma phase de revolta e de tão graves perturbações
da ordem , estendendo -se em um não pequeno periodo — de
1817 a 1812 , -- havia de vir um periodo de descanço, de calma,
de torpor, de incubação no qual o espirito da liberdade
assumia a forma de uma força latente, para de novo dominar
e estimular os homens.
Todas as circumstancias concorreram para esta transfor
mação. Por issso mesmo que a cultura nacional do primeiro
reinado e da regencia era profundamente centralisada e re
stricta a uma pequena parte da sociedade, os portadores do
sentimento liberal não viram no seio social o leito preparado
para a vivificação de suas idéas. Ellas deviam generalisar-se
pelas camadas mais cultas , que eram justamente aquellas que
se prendiam aos representantes do poder, como seus auxi
liares . Ficava então a massa popular como terreno disponivel
em que deviam ser lançados aquelles principios.
Não estava preparada para alimental -os e nutril-os. Vi
nham ao concurso dos agitadores, mais pela influencia dos
71

seus interesses profundamente prejudicados pela tyrannia do


Estado , nas crises economicas, do que pela convicção da su
perioridade da idea democratica. Sem os elementos de propa
ganda, quer pelos clubs, quer pela imprensa ou pelo livro , os
agitadores empenhavam -se logo nas luctas das armas , sem o
periodo preliminar do ensinamento, sem a antecedencia do
preparo. Eis a razão do insuccesso d'aquelles movimentos, aos
quaes não faltaram o civismo e a coragem dos seus dire
ctores .

Na phase politica que antecedeu ao inicio do governo


republicano e em que o sentimento liberal parece haver desap
parecido da consciencia nacional , as creações revolucionarias
collocaram -se em outro pé, em outro terreno de lucta e de
actividade.
Por isso mesmo que a educação intellectual estava mais
aperfeiçoada, pela maior disseminação da instrucção publica,
a idéa liberal recorreu a um programma de lucta .
Firmou o periodo preparatorio pela propaganda. Servi
ram -lhe de incentivo, não só as condicões economicas e finan
ceiras a que o regimen monarchico tinha levado o paiz, como
as praticas de sua politica e as forças sociaes que entraram
em jogo.
Na esphera economica, como já dissemos em outro capi
tulo, em derredor de tres factos agruparam -se os males que
tanto influiram para retardar o desenvolvimento material do
paiz— a escravidio, a centralisação e o regimen do papel
moeda.
Si a escravidão affectava a fórma do trabalho que além
de entorpecer as forças economicas, se reflectia nas relações
civis do cidadão, no desenvolvimento da consciencia juridica
da nação, no zelo dos direitos individuaes ; a centralisação e
o papel moeda atfectavam o credito que por sua vez se re
flectia nos interesses do povo, no seu bem- estar, no seu des
envolvimento material, e ambas reflectiam - se na forma de
governo existente .
Ligados aquelles factos á fórma de governo, atacal-os,
abrir campanha contra elles, era consequentemente res
72

tringir e enfraquecer os sustentaculos da organisação institu .


cional.
E nessa campanha do sentimento democrata, feita por
um programma muito diverso daquelle que consumio os es
forços das gerações passadas , vemos que elle abre duas di .
recções , dois caminhos : – um objectivando -se na escravidão
e outro na propria forma de governo. Ambos convergiam
para a Republica.
Não temos de fazer aqui a historia da abolição. E' uma
pagina de heroismo e de gloria do espirito liberal do paiz.
Só temos de apreciar os seus effeitos sobre o desenvolvimento
do espirito democrata e o prestigio que trouxe á propaganda
republicana.
E ' um erro dizer- se e aqui aproveitamos a occasião
para contestal- o — que a Republica veio por um movimento
de despeito contra a monarchia, por uma de suas mais im
portantes reformas liberaes , a abolição da escravidão.
Ella é obra desse sentimento democrata que , ao mesmo

tempo que reagia contra a natureza das velhas instituições,


reagia tambem contra o velho regimen de trabalho. São estas
as duas correntes em que do meiado do seculo para cá elle se
apresenta á critica do historiador.
Na marcha dessa aspiração, a maior resistencia que en
contrara , foi justamente nos interesses dynasticos que na es
cravidão firmavam um dos mais fortes pontos de apoio, dictando
a politica de reacção contra os abolicionistas. Ahi está ella
clara e patente no crime commettido pelo imperio em con
sentir na continuação do trafico até 1852 , qnando elle devia
ter sido considerado virtualmente extincto pelo tratado com
mercial com a Inglaterra em 1826, acquiescendo mais aos
interesses dos negociantes negreiros, do que a essa obra
humanitaria, em nome da liberdade de uma raça e dos vitaes
interesses do paiz, commettendo um duplo crime contra a
honra e o futuro da patria.
Ahi está ella clara ee patente na tyrannia de reescravisar
os africanos vindos depois deste tratado, cujo artigo 1 ° dizia
- acabados tres annos depois da troca das ratificações do
73

presente tratado, no será licito aos subditos do Imperio do


Brazil fazerem o commercio de escravos na costa da Africa ”
e consentir que esse commercio continuasse depois do tra
tado, trazendo para o Brazil 239.800 africanos escravisados
de 1829 a 1817 .
E, si não fôra a energia da politica ingleza, que por in
termedio do seu ministro declarou que , a não mudar de
procedimento o governo imperial, a Inglaterra seria for .
çada a empregar meios mais efficazes, tentando ainda o
presidente do conselho — o Sr. Paulino de Souza — tergi
versar na declaração, com que procurara intimidar o diplomata
inglez, de que o Brasil seria forçado a collocar o seu com
mercio sob a protecção dos Estados Unidos ou da França ; si
não fôra isto, prolongar-se-iam por mais tempo o crime e a
deshonra que o governo commettia , em vergonhosa defesa dos
interesses commerciaes de uma classe da sociedade.
Si na questão do trafico elle resistiu até quando poude,
na questão da abolição levantou as maiores barreiras, não
abandonando o velho programma. Si outra questão o escra
vismo imperial consentio no prolongamento do commercio
africana, com tanto mais deshonra para a nação, quanto tinha
firmado um tratado com uma potencia européa para abolir o
trafico, nesta a politica imperial até a ultima hora foi a re
sistencia tenaz contra a abolição e a perseguição a mais inau
dita contra os abolicionistas, personificada no gabinete de
20 de Agosto, querendo restaurar o sebastianismo servil e
dando lugar á maior effervescencia da nova cruzada . O pro
gramma politico que inspirou o gabinete em reacção tenaz com
que feria a conquista democratica, amadurecida na con
sciencia popular, ahi está claro e manifesto nos seus actos .
Abi está, por exemplo, o Aviso de 31 de Janeiro, pelo minis
terio da justiça , autorisando o chefe de policia da provincia
do Rio a abrir na cidade de Campos uma devassa, pelo facto
de incendio que destruio os carnaviaes daquelle municipio.
Abi estão os Avisos do mesmo ministerio, de 20 e de 22 de
Junho, no intuito de dictar aos tribunaes a jurisprudencia
escravista , na interpretação que devia dar á Lei de 1885 a
7+

respeito da nullidade das matriculas por incompetencia dos


procuradores. Ahi está a sua reacção no Senado quando, a
proposito da indicação do senador Dantas, convidando o go
verno para retirar os Avisos e dar ampla liberdade aos
tribunaes na intepretação da lei , elle increpara a maioria que
o tinha golpeado de colligião e declarava preremptoriamente
não ceder á imposição do Senado, a quem promettia dizer
algumas verdadles, esquecendo -se da capitulação á ponta de
bayonetas na recente crise militar. Ahi está o seu edital de
7 de Agosto , ferindo criminosamente o direito de reunião, e
inspirado nas manifestações com que a população do Rio de
Janeiro quiz festejar a victoria da politica libertadora do Se.
nado sobre o escravismo do governo.
Eis como a imprensa descrevia os acontecimentos que se
deram em virtude do acto do governo : Desde os bons
tempos, que vão longe, em se que mandavam fazer revoluções
para fortalecer com o sangue dos rebeldes a politica da ordem
nunca houve ministerio que animasse, omovesse , explo
rasse a anarchia material como este . Senão , advirtam nos
acontecimentos de 7 e de 8 de Agosto, em que esta cidade se
via em verdadeiro estado de sitio, com as ruas e praças var
ridas por destacamentos de infanteria e esquadrões de homens
a cavallo ; nos tumultos do Recife ; na mashorca organisada
permanentemente em Campos, até sob as janellas do Sr. Tho
maz Coelho ; nos assaltos e destruições de typographias ; nos
planos de amordaçar a imprensa abolicionista, aqui mesmo
na côrte, revelados em 19 de Outubro, pelos entrelinhistas
ministeriaes ; na capoeiragem policial açulada contra as re
uniões populares. As davinadas, os assassinos de escravos
pelos senhores, attenuados ou justificados com cynicas de
fesas, são resultado, em boa parte, dessa attitude persegui
dora dos agentes da autoridade, em quem os proprietarios
de homens, acirrados pela lição official do crime, se liabi
tuaram a ver a mão negra de uma Providencia generosa para
com as maiores atrocidades da escravidão. ( 1 )

1 ) Retrospecto da Gazeta de Noticias, pag. 98. 1887 .


75

Ahi está o governo obrigando a força publica a caçar os


negros nas mattas, como um meio de detel-os no exodo dos
eitos entrando na posse de sua liberdade, quando a unica
voz dissonante no chôro abolicionista era justamente a do
governo .
Tal procedimento dava lugar ás seguintes palavras de
um membro da Camara que se levantava contra a indignidade
de “ transformar -se o presidente da provincia em capitão de
matto , a distribuir pelas fazendas a força publica na pro
porção talvez de um soldado por escravo.” ( 1 )
Ahi estão todos estes actos que traduzem a pressão do
poder publico para deter a marcha do sentimento abolicio
nista que já dominava todas as opiniões, todas as convicções,
menos aquellas que se personificavam nos representantes da
autoridade e nos representantes da dynastia.
Era já uma questão vencida .
Os escravos já tinham abandonado as fazendas.
O direito de propriedade, em nome do qual se levanturu a
reucrà ) negreira, já tinha desapparecido du consciencia pu
blica.
O exodo de Capivary, Campinas, Indiatuba, Jundiahy e
Limeira, onde a scentelha lançada pelo Correio Paulistıno
tinha produzido a fuga em massa dos escravos, propagou - se
epidemicamente pelas outras fazendas. O Ceará já se tinha
libertado. Todas as classes sociaes reclamavam a abolição .
Os mesmos proprietarios libertavam espontaneamente os seus
escravos .

O ciero, alliado secular do throno e um dos seus mais so


lidos esteios d'entre as forças sociaes, já participava do
mesmo sentimento. Ahi se ouvia a sua voz, que a imprensa
chamou de psalmodia santa da redempção dos captivos, nas
pastoraes do episcopado, na Bahia, no Maranhão, em Pernam
buco, S. Paulo , Marianna e Diamantina. -Nesse céo constel
lado, dizia ainda a imprensa, como as mais bellas noites do
tropico, apenas se destacava escura como o sacco dle carrão a
( 1 ) Retrospecto cit ., pag . 101 .
76

diocese do Rio de Janeiro. Em nome da religião em que o


paiz se diz baptisado, os prelados reclamavam a abolição ra
dical , a abolição instantanea, a abolição por golpe de Es
tado .” ( 1 )
Eis a situação subjectiva do paiz.
Sómente uma excepção — a psychologia dos agentes do
governo.
Só elles não queriam a abolição. Só no throno estava o
grande obstaculo. Só na monarchia estava a repugnancia de
romper o pacto .
Ella não comprehendia que pudesse conviver com a abo
lição da escravidão , com a mais larga concepção do direito
de liberdade ee de propriedade .
Tinha de soffrer profundas modificações em sua essencia
para adaptar -se á nova situação social . No caracter e na in
dole que lhe tinham emprestado os seus servidores até então,
pelo modo por que na pratica se tinham desenvolvido seus
principios politicos , sua lei organica, suas leis interpretativas.
no processo porque se tinham organisado os seus serviços ;
nas relações que se tinham estabelecido entre o governo pa
cional e os governos das provincias, e entre o cidadão e o
Estado ; na natureza dos factores que tinham regulado até
então o trabalho e pelos quaes assumia este uma posição sui
generis de tão amoldado ha tantos seculos á natureza das insti
tuições ; em tudo ia operar - se uma grande transformação,
uma revolução verdadeira, a que por certo o proprio prin
cipio governamental não podia resistir.
Era por demais brusca a transformação, e, por isso, em
nome do instincto de conservação resistio emquanto poude,
devendo agora somente lamentar que em um periodo não pe
queno, durante a aspiração abolicionista, não tivesse prepa
rado todos os elementos de amortecimento contra o choque
da reforma que lhe vinha affectar a sua vida intima.
Eis porque protestamos contra o erro daquelles que vêm
na maior effervescencia que teve a propaganda republicana,

( 1 ) Retrospecto cit . , pag. 106.


77

depois da abolição, uma corrente de despeito. A monarchia ,


em face da questão, foi de uma inepcia inqualificavel, porque,
não podendo deter a onda, não soube evitar o desastre eco
nomico da reforma, tendo tempo de sobra para cogitar neste
lado do problema, lado que directamente olhava os inte
resses das classes productoras.
E o phenomeno vulgar que se apreciou, da classe agri
cola vir alistar- se nas fileiras republicanas, e na qual a mo
narchia sempre vio um poderoso apoio, não foi mais do que
o resultado de simples lei historica. Foi o effeito da pressão
economica, collocando - a na situação precaria de ser apanhada
por uma reforma que instantaneamente abolio o regimea do
trabalho escravo, sem previamente preparar os elementos do
trabalho livre .
O abalo profundo com que repercutio na lavoura ,
collocada na contingencia de não ter mais o braço escravo, e
de não ter ainda o braço livre para substituil -o, trouxe -lhe a
convicção de que só na inepcia e na indifferença do governo
estava a causa dos seus prejuizos , não restabelecendo re
formas preliminares, afim de corrigir as da abolição do tra
balho escravo, contra o qual se levantava a opinião da nação
em uma ardente propaganda desde 1870. A classe agricola
não podia isemptar-se dessa pressão economica em que a col
locou a inepcia traidora rio poder publico, indifferente aos
seus interesses e ao seu bem -estar.
Não podia abrir excepção a uma lei que dicta os aconte
ciinentos sociaes. Batida pelo choque de uma transformação
profunda, cujos maos effeitos o governo tivera tempo de sobra
para corrigir, plantou -se em seu espirito a convicção da im .
prestabilidade das instituições e para seu seio agora vasio des
locou - se a corrente de convergencia dos ideaes republicanos.
Ahi está a explicação real do facto .
Com um profundo abalo economico, como 0 que se
operou com a reforma, as instituições não poderiam resistir,
não só porque lhe faltava o apoio nas aspirações conserva
doras da classe agricola, como porque não podia adaptar -se
tão rapidamente ao novo estado de cousas que a reforma de
78

um dia para outro creou sem que antecedentemente um pe


riodo preparatorio e preliminar de adaptação viesse cor
rigir e attenuar o caracter abrupto da revolução .
Os processos que tenderiam a acommodar ás instituições
a nova ordem de cousas deviam ser postos em pratica antes do
choque definir -se.
E a resistencia com que o Sr. Barão de Cotegipe enfren
tava a propaganda abolicionista não era mais do que a
expressão convicta em que estava aquelle grande espirito
de que com a reforma morreriam as proprias instituições ,
não podendo ellas resistir ao golpe da transformação radica !
por que passaria a nação, devendo operar -se em todos os seus
ramos de actividade, em todas as suas manifestações, notavel
alteração a que não podia adaptar -se o Imperio, acostumado
até então a um regimen social, politico e economico muito
differente .
Essa reacção era um ponto de apoio que elle queria
prestar ás instituições. E da tribuna do Senado, dizia um
grande estadista : — “é uma resurreição ; é um passado que
volta ao abysmo de onde sahio; é uma idade que acaba e uma
éra nova que começa ; de todos os pontos de nossas fronteiras,
do norte e do sul , os ventos nos trazem as idéas vivificadoras
de nossa rehabilitação ; a liberdade religiosa; a regularisação
da legislação em todos os seus ramos; a diffusão do ensino ; a
universalidade do voto ; a desenfeudação da propriedade ; a
federação dos Estados Unidos Brasileiros .... Eis aqui, se
nhores , o que nos espera . Preparemo-nos para esses novos
combates." (1 )
Era o Sr. Cotegipe o mais sincero servidor das institui
ções . E , si a propria regente despresou esses conselhos,
convicta da eloquencia d'aquellas verdades, é porque a resis
tencia que pudesse offerecer á onda era de todo improficua.
A abolição já era um facto.
Mas quanto poude , resistio , até mesmo nos ultimos mo
mentos. Ahi está a sua acquiescencia á politica do Sr. Co

( 1 ) Discussão na Camara dos Deputados e no Senado. pag. 72. 1889.


79

tegipe de 20 de Agosto de 1886 a 10 de Março de 1888. Ahi


está a tentativa da dissolução da Camara para amparar o mi
nisterio do Sr. João Alfredo.
Temos demonstrado até aqui a importancia que exerceram
as causas economicas no desenvolvimento da idea democratica
e a influencia que exerceu a revolução economica da abolição
da escravidão sobre a revolução republicana de 1889. Temos
necessidade de illustrar ainda o assumpto e fazel - o preceder
de esclarecimentos de ordem doutrinaria .
No regimen iinperial a soberania economica estava na
classe territorial.
O Estado era por assim dizer organisado para zelar e
amparar os interesses agricolas. A renda agraria domi
nava sobre todas as relações economicas e sobre todas as sub
especies em que a riqueza se pudesse manifestar. Como
consequencia dessa organisação, dominavam na politica
Não só na legislação financeira ,
os detentores dessa renda.
na organisação tributaria, como nas operações de credito
feitas pelo governo, vemos o proteccionismo official em favor
da renda agraria .
Assim, vemos, por exemplo, que, a Resolução de 27 de
Julho de 1809, o governo estabeleceu premios pecuniarios e
distincções honorificas aos individuos que mais se distin
guissem na cultura das arvores de especiaria e outros vege
taes preciosos para uso de pharmacia, tinturaria e artes,
sendo até isemptos de recrutamento .
Sendo insufficiente essa protecção para animar essa
especie de cultura, o governo por Alvará de 7 de Julho de
1810 , isemptou por espaço de 10 annos, dos direitos de im
portação e exportação, os productos d'aquelles vegetaes exoti
cos ou indigenas . Os impostos de exportação eram muito
menores do que os de importação. Basta dizer que até 1831
e algum tempo depois, o algodão pagava 2 ° / 09o, ao passo que
a importação pagava 24 ° / ..
09

E para uniformisar a arrecadação dos impostos e evitar


a multiplicidade de taxas, a lei de 15 de Novembro de 1831
abolio todas as imposições de qualquer denominação sobre a
80

importação e exportação dos generos e mercadorias transpor


tadas de umas para outras provincias .
Na taxa de 2 ° /, sobre a exportação , o governo, por de
creto de 26 de Março de 1833 , determinou que o café só pa
garia esta taxa, quando seu preço excedesse à 48000 por
arroba .
A lei de 31 de Outubro de 1835 abolio os direitos de
10 ° / , da carne secca exportada pelo Rio Grande do Sul e a
contribuição de 60 réis por sacca de algodão exportado por
Pernambuco .
A lei de 11 de Setembro de 1832 reduzio os direitos de
7 % de generos nacionaes exportados a 6 % , ficando o governo
0

ainda autorisado a reduzil- os a 596 , Oque fez por decreto de


23 de Maio de 1853 . Ainda mais . A lei de 30 de Outubro
de 1882, no art. 1. ° n . 7 , reduzio 2 % do imposto sobre a ex .
O

portação de café, algodão, assucar e herva -matte.


A de 20 de Outubro de 1887 supprimio desde logo os
direitos de exportação do assucar .
O decreto de 6 de Setembro de 1890 supprimio todos os
impostos de exportação de herva -matte.
O de 1 de Fevereiro de 1890 fez o mesmo em relação aos
generos e productos nacionaes sahidos do Rio Grande do
Sul . Finalmente o decreto de 4 de Outubro de 1890 extin
guio no mesmo estado todos os impostos de exportação de
generos e productos pecuarios.
Eis ahi provas exhuberantes do regimen de proteccio
nismodo Estado em relação aos interesses da classe capi
talista territorial.
Hoje, depois da revolução economica que deu lugar a
iniciar -se regimen economico diverso, com a organisação
da industria , revela -se identico proteccionismo em relação a
propriedade immovel e a renda que della deriva- se e que vae
abrir conflicto certo com a renda agraria. Será em derredor
dessa lucta que vae caracterisar -se a organisação industrial
do governo republicano.
Si passarmos da legislação financeira para as operações
de credito do governo, veremos provas eloquentes do mesmo
81

facto, no regimen de emprestimos em que a administração


baseou sempre seu programma financial, para satisfazer as
despezas e valorisar a moeda. As classes capitalistas satis
fazem -se sempre com os emprestimos, cujo juro vem pesar
sobre o povo por meio dos impostos .
Vemos ainda a pressão do capital sobre os poderes pu
blicos no systema tributario inspirado todo elle no regimen
indirecto. Comprehende -se perfeitamente que as classes
productoras quasi que se esquivam do tributo, indo este
pesar sobre o consumidor.
Ahi estão tambem os emprestimos á lavoura como mani
festação do proteccionismo official .
Em face disto, cabe aqui a applicação da doutrina de
Minghetti, Loria e outros, para quem o Estado tira sua fórma
e sua constituição das da sociedade de que elle emana, não
sendo senão a expressão politica da ordem economica. E '
constituido, em cada epocha, pela classe que domina econo
micamente.
Não ha lei ou partido, diz ainda Dietzel (1 ) que possa
impedir a classe que domina economicamente de obter o poder
politico.
Não está no espirito deste livro analysarmos
a
a doutrina
economica do Estado com a extensão que o assumpto requer.
A sua verdade está no nosso passado economico e nas rela
ções em que sempre estiveram entre nós a organisação poli
tica e a economia nacional.
Desde que os interesses da classe dominante foram feri
dos, com a reforma da abolição do trabalho escravo , o poder
publico não poude resistir a dissolução da forma de governo
que na estructura economica do paiz encontrou seu maior
sustentaculo . A renda de que elle era manifestação , revol
tou - se contra o Estado e o resultado inevitavel seria uma re
volução de ordem politica que creasse novo direito sob outra
fórma, adaptada ás novas relações economicas creadas pela
reforma.

( 1 ) Dietzel- Les rapports entre l'économie politique et les sciences sociales.


v 1. 6
82

Paiz nenhum abre excepções a factos desta ordem .


" Ce fût une augmentation excessive d'impôts, qui pro
voqua la reaction de barons à Runnymead ; sans les impôts
exorbitants Charles I n'aurait pas été mis à mort ; les mal
tôtes de l'Echiquier, sous Charles II, haterent l'impopularité
des Stuarts ; les exactions de Jacques II et l'opinion qu'il
complétait ses revenus grâce à de secrets envois que lui
faisait la France papiste hâtèrent la revolution de 1688," diz
Buxton .
E não precisamos aqui mostrar factos da historia de
outros paizes, de revoluções economicas produzirem revolu
ções politicas . Um dos mais eloquentes é a revolução de
1889 no Brazil .
CAPITULO III

Causas politicas

SUMMARIO

Da organisação constitucional do Imperio emapam as causas politicas da revolução


Ellas são : a centralisação, o parlamentarismo, o regimen eleitoral e o go
verno pessoal. A distribuição das rendas como o maior factor da centrali
sação. Competencia tributaria do governo central e das provincias. Os ar
tigos da Constituição. A divisão das rendas produz a pobreza das provincias.
O Acto Addicional como uma conquista contra a centralisação. Sua inter
pretação traz de novo a centralisação . Seus principaes orgãos — a Assemblea
Geral e o Conselho de Estado. Depauperamento financeiro das provincias.
Verba do orçamento geral para suppril-as. As provincias tributando a im
portação . A divisão das rendas e o direito constitucional. O regimen do
deficit. Provas estatisticas. Os males da centralisação na politica. Situação
das assembléas provinciaes. Influencia da divisão territorial. Ella produz
differenças na representação politica das provincias. A divisão territorial
em capitanias é a mesma divisão em provincias. O Imperio não resolveu o
problema territorial. Inconveniencias disto . Erro da Republica .

Nos capitulos precedentes vimos a influencia das causas


economicas sobre os acontecimentos politicos do paiz e a sua
importancia na origem e no desenvolvimento da idéa demo
cratica. Tivemos occasião de mostrar tambem que, si perio
dos criticos de caracter economico - financeiro foram moti
vados pelos factores naturaes da riqueza, de — tanta — impor
tancia como elles foi a intervenção do poder publico, por
meio da legislação, originando não só phases difficeis nas
finanças do paiz , como sellando com o cunho da permanencia
um defeito da vida economica social.
A's causas desta natureza damos o nome de causas poli
ticas . Ellas se prendem directamente á natureza do regimen
politico, da forma de governo que entre nós foi proclamada
conjunctamente com a emancipação do paiz. Emanam da
organisação institucional da nação e do desenvolvimento do
direito constitucional. Ahi originam -se os factores que por
84

uma acção continua sobre a marcha do paiz, o collocaram na


situação social , politica e economica em que a revolução o en
controu .
Ellas são : a centralisação politica e administrativa, o
parlamentarismo, o regimen eleitoral e o governo pessoal do
soberano. E' em derredor destes factos que se agrupam os
males que se antolharam ao desenvolvimento nacional e que
enfraqueceram tanto mais as instituições , quanto deram vida
ao sentimento republicano.
Como o resultado inevitavel da organisação politica e do
crescimento do direito publico, a centralisação esterilisou
todos os recursos das diversas circumscripções em que se
dividio o paiz, absorvendo todas as attribuições dos governos
locaes, meros delegados do governo nacional..
“ O principio governamental foi fraccionado, e as pro
vincias governadas por delegados do governo central , que
absorviam o municipio sem governo proprio, e representado
por camaras municipaes nullas e sem autoridade real ; mas , a
iniciativa economica governamental ficou centralisada e mo
nopolisada nas mãos dos poderes nacionaes , que ainda se
julgaram com o direito de restringir e coarctar a iniciativa
economica dos associados pelas novas leis ordinarias . ” ( 1 )
O modo porque foram distribuidas as rendas entre as
provincias e o centro, a somma de attribuições dos poderes
provinciaes, a organisação em que se modelou o poder judi
ciario da nação, a acção profundamente centralisadora do
Conselho de Estado, pelas altas funcções interpretativas de
que foi investido, obrando como um agente profundamente
conservador, tudo isto deu em resultado o depauperamento a
que chegamos e creou o estado subjectivo do povo, aspirando
uma organisação politica que maiores valvulas abrisse á auto
nomia dos pequenos governos e ás suas legitimas aspirações
liberaes .
Si analysarmos detalhadamente como foram distribuidos
os serviços e como foram traçadas as linhas de competencia

( 1 ) F. A. de Carvalho Moura - Ensaios Economicos, pag . 21 .


85
entre o governo nacional e o governo provincial, pela Cons .
tituição de 25 de Março de 1824, havemos de ver que dessa
organisação constitucional, inspirada em principios de uma
politica profundamente centralisadora, não poderia provir
organisação economica, politica e administrativa da nação
que garantisse o seu desenvolvimento material e moral , não
passando as provincias de meros appendices do governo
nacional .
Ainda que não esteja no espirito deste livro o estudo
completo e minucioso da historia constitucional do imperio,
para mostrarmos os motivos que despertaram as aspirações
democraticas contra a acção centralisadora do governo cen
tral , todavia devemos salientar os pontos capitaes dessa orga
nisação institucional e o modo por que foi ella desenvolvida
na pratica, afim de bem traçarmos a influencia das " causas
politicas .”
Instituindo os governos provinciaes como delegação do
governo nacional , cujo predominio por absorpção mantinha as
provincias em absoluta subalternidade, a carta constitucional
de 24 de Março, pelo lado economico e financeiro, traçou
entre elles uma tal esphera de acção que roubava aos go.
vernos locaes toda iniciativa e autonomia tributaria, que
constituia quasi que uma prerogativa exclusiva do poder
legislativo da nação.
Pelo menos no exercicio dessa attribuição constitucional,
soffreu restricções em toda aquella esphera de acção, que
podia dominar com a mais larga competencia, sem que attri
buições privativas dos governos locaes lhe vedassem a menor
parcella dessa competencia. Ahi estão como prova os arts .
15 , % 10 e 36 , X 1 °, pelos quaes competia ao poder legislativo
central o direito de sfixar annualmente as despezas publicas
geraes e provinciaes e de repartir a contribuição directa ” ca
bendo exclusivamente á Camara dos Deputados a iniciativa
sobre impostos. " Estes dous artigos importavam a mais
formal prohibição de um regimen economico provincial, no
qual as grandes circumscripções territoriaes do Imperio pro
movessem o desenvolvimento do seu estado economico, e ,
86

portanto, a mais formal prohibição de sua fecunda e inapre


ciavel cooperação para o desenvolvimento da riqueza e pros
peridade dos seus habitantes e do paiz. Desta sorte ficava o
governo central exclusivamente incumbido da missão, prati
camente inexequivel, de dirigir economicamente o paiz in
9

teiro. ” ( 1 )
Na pratica essa descriminação das rendas entre os go
vernos locaes e o governo central , creou uma organisação
tributaria tanto mais defeituosa, quanto affectou os mais
vitaes interesses das provincias que succumbiram sob o peso
da absorpção central .
E , quando o depauperamento chegou ao extremo de des
pertar o espirito de resistencia contra a absorpção do centro
e em nome desses interesses tão mal amparados pelo legis
lador da carta de 24 de Março, o liberalismo nacional pro
curou corrigil -a com o Acto Addicional, creando as assem
bléas legislativas provinciaes e investindo -as de largas
attribuições que as habilitasseem a promover o desenvolvi.
mento moral e material das provincias , essa tentativa não
tardou a ser annullada por uma nova colligação das forças
conservadoras. Para resistir á conquista da autonomia local
recorreram á necessidade da interpretação do Acto Addi
cional , que ficou mutilado pelo modo porque foi executado na
pratica.
Nessa obra de destruição dominaram os interesses do
governo central que pouco a pouco invadio a vida da admi
nistração local.
Para essa experiencia de nossa historia politica o legis
lador constituinte da Republica appellou, quando no con
gresso constituinte abordou a grande questão constitucional
da organisação tributaria da Republica .
Eis o que dizia um orador na tribuna do parlamento
republicano :
" Esclarecidos pela experiencia de nossa historia politica
os autores do projecto quizeram corrigir o erro da reforma

(1) F. A. de Carvalho Moura -- Obr. cit . , pag. 23 .


87

constitucional de 1834, erro a que em grande parte se deve o


seu completo mallogro.
66
“ Naquella época , como actualmente, o legislador consti
tuinte tinka por missão crear a vida local , reconstruindo a
administração provincial sobre a base da autonomia em todo
o circulo dos interesses, que não devessem ser considerados
nacionaes e como taes centralisados.
560 Acto Addicional creou as assembléas legislativas
provinciaes e investio -as de largas attribuições que as habili
tavam a promover o desenvolvimento material e moral das
provincias ; mas , em materia de finanças, limitou- se a dotal - as
com a faculdade de lançar impostos , uma vez que estes não
prejudicassem as imposições geraes, confiando assim aos
cuidados do legislador ordinario a descriminação das rendas
que pertenceriam ao Imperio e as que ficariam pertencendo
ás provincias .
• V. Ex. sabe, Sr. presidente, quaes foram as conse
quencias dessa lamentavel lacuna. As leis geraes do orça
mento , que se seguiram á decretação do Acto Addicional,
absorveram as principaes fontes de receita e deixaram as
administrações locaes sem os recursos necessarios para atten
derem ás necessidades mais palpitantes, mais vitaes e imme
diatas das provincias. Ao enthusiasmo, com que foi acolhido
o Acto Addicional, succedeu, logo que as assembléaa pro
vinciaes entraram a funccionar, uma completa desillusão. As
importantes attribuições , de que ellas estavam investidas,
mal podiam ser exercidas por falta de meios ; o poder de tri
butar que lhes fôra conferido, tornou-se em suas mãos uma
arma inutil. porque os impostos geraes exhauriam quasi que
toda a materia tributavel. Resultou dahi uma situação de
penuria, de miseria mais ou menos commum a todas as pro
vincias, e, para que ellas sahissem dos apuros financeiros em
que se achavam , foi necessario que 0o governo central as sub
vencionasse por longos annos e que coarctasse as attribui
ções do governo provincial, retirando - lhe serviços e encargos
de sua competencia, como, por exemplo, a magistratura da
primeira instancia.
88

" Esse pessimo regimen , que annullou ás assembléas


legislativas e tirou toda a vitalidade ás administrações locaes
prolongou-se por mais de meio seculo, concorrendo para dar
intensidade á aspiração de autonomia, de emancipação da
tutella e da dependencia para com o centro, que a espiritos
desilludidos já não bastavam reformas de descentralisação
administrativa : surgio e avigorou-se a idéa federalista que a
revolução de 15 de Novembro veio proclamar, assistindo a
nação ser resistencias , sem protestos, sem pesar ; e antes
com geral assentimento ao facto consummado — a queda de
velhas instituições que não puderam crear raizes em seu sólo .
Facto singular que fornece ao philosopho mais uma prova de
que as constituições e os governos não são meros apparelhos
oppostos ao corpo politico da nação, mas que devem ser vivos
organismos em correspondencia com as suas exigencias so
ciaes ǝ economices !
" O erro do Acto Addicional não consistio somente em
manter o systema de presidencias exercidas por delegados
da immediata confiança do poder executivo, o que permittio
a este intervir nos negocios os mais miudos das localidades e
consolidar a sua competencia. O legislador de 1834 não foi
sómente timido em não ter imitado com franqueza as insti
tuições locaes dos Estados Unidos , creando ao lado das assem
bléas legislativas , um governo tambem electivo.
" Erro não menos fatal foi não ter descriminado as
rendas das provincias, reservando a estas , fontes de receita
privativas e bastantes para pol- as a salvo da miseria e asse
gurar-lhes o preenchimento de seus fins. Esta lição que
decorre de um longo passado de provações e desenganos, não
póde deixar de ser proveitosa a este Congresso, que vae
votar a Constituição Federal do Brasil. " ( 1 )
Antes do Acto Addicional a organisação economica das
provincias foi inspirada nas Leis de 24 de Outubro de 1832 e
de 8 de Outubro de 1833 , “ que estabeleceram a divisão das
rendas publicas em receita geral e provincial, e declararam :

( 1 ) Annaes da Camara dos Deputados - 1990, Vol. 10, pag. 49.


89

1 ) qual a parte da despeza publica que devia ser considerada


provincial; 2) que todos os impostos existentes , nio compre
hendidos na receita geral, pertenciam a receita provincial;
mandando-se a respeito fazer escripturação á parte nas res
pectivas thesourarias.” (1 )
A receita e despeza publica provincial era fixada pelos
conselhos geraes sobre as propostas do presidente da provincia ;
e organisados, definitivamente, os orçamentos eram remet
tidos á Camara dos Deputados, por intermedio do ministro
da fazenda, para serem corrigidos e approvados pela assem
bléa geral." (2)
Com o Acto Addicional crearam-se as assembléas pro.
vinciaes com attribuições de legislarem sobre a fazenda pu
blica, sobre impostos , orçamentos da receita e despeza, etc. ,
etc. , denegada apenas a sua competencia para legislarem sobre
impostos de importação, materia que continuou privativa da
Camara dos Deputados geraes .
Na elaboração da lei no parlamento, as maiores difficul
dades se fizeram sentir em resolver a questão tributaria no
intuito de traçar a divisão das rendas entre o governo central
e o das provincias .
Dizia o seguinte um deputado :
- Estou longe de censurar os que fizeram a divisão exis
tente. A tarefa era por certo immensa, e talvez impossivel
fazer cousa que se approximasse da perfeição, attento o estado
da nossa industria exclusivamente agricola em lucta então, e
infelizmente ainda hoje, com graves difficuldades. Demais a
materia não tinha sido estudada e preparada ( e creio que
ainda o não está hoje ) com antecipação. Entretanto creio ,
talvez por não ser entendido na materia, que, pelo que res .
peita á divisão da renda, com tempo e estudo, e si as refor
mas, para satisfazer a soffreguidão progressista, não hou
vessem sido feitas de afogadilho, se teria podido fazer cousa
melhor, e que, ao menos , divisasse com alguma clareza o

(1) Amaro ('avalcante- Receita Financeira do ex - Imporio . etc. , pag . 190.


Amaro ( 'avalcante - Obr. cit . , pag. 199.
90

terreno em que se teria de mover o poder provincial no exer


cicio do direito de impor.
• Reina hoje a maior confusão como o leitor verá deste
capitulo e especialmente de suas secções 6 e 7. Extin
guindo- se os impostos de importação que pesam exclusiva
mente sobre a unica industria importante do Imperio, não se
teriam podido dotar as provincias e os municipios com um
imposto de repartição mais modico e rasoavel do que o ex
tincto, applicado exclusivamente ás vias de communicação,
dando -se -lhes alguns outros definidos para suas outras des
pezas ?
“ Talvez assim se simplificasse o systema e se fizesse
uma mais justa divisão entre as provincias . Mas não é meu
proposito tratar deste importante assumpto que requer exame
e estudos especiaes , sobretudo praticos, que deixo á outros
mais habilitados.” (1 )
E os escriptores que posteriormente se occuparam do
6
a
assumpto, diziam : “ O nosso systema de impostos era, como
ainda hoje, defeituoso . Não eram elles filhos de um systema,
mas , sem harmonia , creados e agglomerados pelo tempo,
enxertados do systema velho portuguez do tempo colonial.
Poucos avultavam , e quasi que exclusivamente os de impor
tação e exportação nos grandes mercados do littoral.
" Alguns nada produziain em certas provincias, princi
palmente centraes .A dispersão da população, por immensas
distancias desertas , tornava difficil a fiscalisação é pouco
productiva a arrecadação." (2 )
Diziam mais : " Cada um queria que tocasse á sua pro
vincia este ou aquelle imposto mais bem parado, que julgava
mais convir - lhe, embora não pudesse delle prescindir aa União.
Houve quem pretendesse que fossem dedusidos 35 % de todas
as rendas publicas para as despezas provinciaes , fazendo o
governo a distribuição, segundo as necessidades e recursos
das provincias ." (3)

( 1 ) Visconde de l'ruguay - Administração das Provincias, pag. 234.


(2) Idem - Obr. cit . , pag., 233.
( 3) Idem -- Obr. cit ., pag. 234 .
91

Os autores do Acto Addicional, ainda que inspirados em


intuitos descentralisadores em favor das provincias, que qui
zeram defender com a reforma, não delimitaram entretanto a
esphera de acção tributaria em que deviam gyrar os governos
provinciaes e o governo central.
Na propria expressão de que usou o acto legislativo no
art. 10 % 5º, que regula as attribuições provinciaes, está o cara
cter indeciso com que se investio o poder legislativo das pro
vincias sobre a tributação de impostos. Si por um lado ellas
entraram em uma longa competencia tributaria, appellando
para a disposição expressa da lei que lhes vedava tributar a
importação, por outro lado delegou - se a actos posteriores do
poder legislativo resolver a questão da divisão das rendas.
Ahi iniciou -se a resistencia com que o espirito centra
lisador quiz esterilisar a reforma. Muito cedo, em 1835, a
assembléa na lei interpretativa com que veio no terreno pra
tico fazer a organisação tributaria das provincias, fez con
vergir para a competencia do governo imperial impostos que
deviam ficar sob a esphera de acção das provincias,
A propria commissão da Camara dos Deputados, encar
regada do projecto das rendas geraes e provinciaes, dizia :
* A commissão julga dever ainda ponderar á Camara,
que necessidade de uma tal medida é tanto mais sensivel e
irrefragavel , quanto os actos legislativos de algumas provin
cias sobejamente demonstram que, a não haver uma lei que
extreme com precisão os ramos da receita geral, em breve só
poderá reputar-se tal o producto das rendas de importação ;
por isso que os corpos legislativos de algumas localidades do
imperio, continuaram a entender ( como, por exemplo, fez o
do Ceará) que se acham autorisados a impor sobre objectos
da receita geral : o que, na opinião da commissão, é inteira
mente offensivo ao Acto Addicional, á Constituição do Im
perio o qual estatue no % 5º do art. 10 , que taes assembléas
poderão legislar sobre os impostos necessarios, comtanto
que não prejudiquem as imposições geraes do Estado . " ( 1 )

( 1 ) Visconde de Uruguay - Obr. cit . , pag. 231.


92

A esta resistencia de que se constituio o primeiro instru


mento a assembléa geral, veio associar-se o Conselho de Estado
nos successivos Avisos com que fulminavam as rendas pro
vinciaes e restringiam suas attribuições . Ellas tenderam a
diminuir. E muito cedo o orçamento abrio uma verba para
supprir as provincias.
A Lei de 22 de Outubro de 1836 dizia , em seu art. 23
" que o governo suppriria, desde já, pelos cofres da renda
geral, o deficit das provincias, cujas rendas não chegassem
para suas despezas , não excedendo porém o supprimento a
differença qne houvesse entre a despeza provincial fixada
pela Lei de 8 de Outubro de 1833 , e a renda que fôra deixada
a cada provincia, pela Lei de 31 de Outubro de 1835. ” (1 )
Em muito poucos annos os autores da reforma assistiram
á sua ſalsificação pela colligação das forças centralisadoras,
que a deturparam tanto mais quanto a expansão provincial
se fez sentir como uma conquista autonoma da economia das
provincias.
• A assembléa provincial de Minas representava que
sua receita apenas cobria um terço de suas despezas . Nos
mesmos apuros se via a provincia da Bahia, cuja receita,
sendo orçada em 400 contos de réis , haviam apenas sido co
brados 130 e tantos contos. A receita provincial de Santa
Catharina andava por 40 contos, a sua despeza excedia a 43 .
O Ministro da Fazenda remettia á Camara dos Deputados a
lei do orçamento provincial de Sergipe, por ir de encontro
aos arts . 30 , 33 e 34 da Lei de 3 de Outubro de 1834 , por
quanto fixando sua despeza em 138 : 780 $500 , e orçando sua
receita em 25 :375 $ 000, no seu art . 38 dispunha que o respe
ctivo presidente requisitasse do governo geral autorisação
para supprir o deficit pelas rendas geraes, quando esse sup
primento na forma do art. 32 citado, somente podia ter
logar para se preencher o deficit das rendas provinciaes or
çadas na Lei de 3 de Outubro de 1833." (2 )

( 1 ) Visconde de Uruguay - Obr, cit . Vol. 10 , par. 246


( 2 ) Idem - Obr. e Vol. cits .. pag . 216.
93

Como resultado dessa pressão que restringia os recursos


das provincias , ellas entraram no terreno inconstitucional de
tributarem a importação.
Ahi está o Maranhão, cuja lei provincial de 27 de Julho
de 1838, estabeleceu o imposto, percebido pela Alfandega,
de 10 % sobre o vinho e cerveja, e de 20 % sobre o con
0 O

sumo de aguardente e mais liquidos espirituosos.


Ahi está o Ceará, cuja Lei provincial de 3 de Novembro
de 1834 mandou arrecadar como receita provincial 30 %
sobre bebidas espirituosas além de 30$ 000 por pipa de aguar
dente não fabricada na provincia, e que fosse nella consu
mida, 200 réis por libra de rapé, excepto o que fosse fabri
cado na provincia e 30 % sobre o fumo, que, não sendo
fabricado na mesma provincia , fosse n'ella consumido.
Ahi está o Rio Grande do Norte , em que a assembléa
provincial , nas Leis ns. 209 de 1818 e n . 224 de 1850, impoz
20 % sobre bebidas espirituosas despachadas para a provin
cia e 108000 sobre os instrumentos de musica estrangeiros .
Ahi está a Parahyba, cujo orçamento de 1861 estabeleceu
um imposto sobre charutos e rapé, cobrado na occasião do
despacho.
Ahi está Alagoas, por uma Lei de 1 de Maio de 1837 , da
respectiva assembléa, lançando o imposto de 100 réis por
libra sobre os charutos, rapé, fumo em folha e cigarros de
manufactura brasileira, e do consumo do paiz .
Ahi está Sergipe, onde a Lei provincial de 18 de Março
de 1813 decretou o imposto de 20 ° % sobre a aguardente que
fosse importada, e o de 18000 por milheiro de charutos igual
mente importados.
Ahi está a Bahia decretando por intermedio de sua as
sembléa, em uma Lei de 12 de Agosto de 1848 , a imposiçao de
13000 por cada barril de polvora despachado pela Policia, á
favor da camara municipal da capital.
Ahi está Pernambuco , cujo orçamento de 1834 contém
paragraphos que deram lugar á seguinte observação : " Nelles
não só se estabeleciam direitos de exportação como de impor.
tação, e tão pesados que equivalem a verdadeiros direitos pro
91

hibitivos , por exemplo, 100 $ 000 por libra de tabaco fabri .


cado em uma provincia do Imperio, alli importado e não reex
portado !! "
Ahi está a Lei do orçamento municipal da provincia de
S. Paulo de 7 de Maio de 1811 , que estabeleceu direitos de
importação, como por exemplo, 400 réis por medida de liquido
de mar fóra, 4$000 por pipa de liquido importado, 50 réis por
arroba de fumo importado, 300 réis por fardos de fazendas
importadas , 3 réis por vara de algodão importado, como re
ceita de varias camaras municipaes da provincia.
Ahi estão as leis provinciaes de Santa Catharina, decre
tadas pela respectiva assembléa na sessão ordinaria de 1852,
que incluem entre as rendas mnnicipaes o subsidio da aguar
dente, vinho, vinagre, azeite doce e panno de algodão.
Ahi está o Rio Grande do Sul , cuja Lei provincial de 18
de Dezembro de 1857 designou como fonte da receita provin
cial o imposto de 200 $ 000 sobre cada escravo importado na
provincia.
Ahi está o Paraná , cuja assembléa, em uma Lei de 2 de
Maio de 1860 estabeleu impostos de importação sobre as pipas
de liquidos, algodão de Minas, aguardente nacional e estran
geiro, fumo e charque importados, etc.
Ahi está a assembléa provincial de Minas Geraes, em
uma Lei de 15 de Abril de 1844 , estabelecendo direitos de
entrada e impondo a quantia de 4 $000 sobre cada um animal,
e sobre que importasse genero de outras provincias, não
sendo de produção das limitropies.
Ahi está a assembléa provincial de Goyaz, em Lei de 9
de Novembro de 1837, impondo sobre generos que entrassem
n'essa provincia, não sendo producção della, a taxa de 3$ 000 ou
6 $ 000, segundo fossem conduzidos em animaes ou emcarros .
Ahi está Matto Grosso, cuja assembléa em uma Lei de 6
de Julho de 1854 , lançou o imposto de 10 % sobre cada ar
roba de guaraná importado dos sertões que medeiam entre a
referida provincia, a do Pará e a do Amazonas (1 )

( 1 ) Visconde de Uruguay - Ob. e Vol. cit . , pag. 270.


95

Por ahi vê -se que nem o direito conslitucional do Imperio


nem os seus estadistas resolveram a importante questão da
divisão das rendas . Tendo creado as provincias como circums
cripções administrativas, limitou -se a restringir tanto suas
attribuições tributarias que cahiram sob o regimen do deficit.
Ahi está patente e clara a importancia de uma causa politica ,
affectando profundamente os interesses economicos do paiz e
produzindo tanto mais o descontentamento da opinião contra
as instituições , quanto mais se apertava a centralisação. Aqui
estão os dados estatisticos da situação financeira a que elles
chegaram , em consequencia dessa resistencia.
Si pelo lado economico foram estes os males da centrali.
sação contra os quaes se revoltou a aspiração das liberdades
locaes, em nome dos seus interesses , pelo lado politico não
foram elles menos desastrosos . A esphera de acção politica
das provincias restringia - se tanto mais, quanto seus poderes
politicos foram absorvidos pelo governo central. De sua von
tade, de seus caprichos nellas dependia a ordem de cousas.
Sua iniciativa nas questões da alta politica do paiz redu
zio-se a uma intervenção que gyrava em campo por demais
restricto.
Na capital do Imperio aggremiavam -se as corporações
politicas, e formavam os seus programmas, dictavam suas or
dens, creavam - se as candidaturas por meio de transacções as
mais illicitas e tudo isso por um movimento de transmissão
chegava ás provincias que haviam de acquiescer ás ordens
que recebiam .
Seus chefes eram os portadores e de sua vontade de
pendia a estabilidade dos presidentes, collocados sempre na
contingencia de servirem de instrumento dos seus caprichos e
de suas paixões, ou quando resistiam , serem a origem de col
ligações politicas junto ao ministerio, no intuito de destituil -os
de suas funcções.
Si as relações politicas entre os presidentes e os chefes
politicos locaes e o ministerio collocavam aquelles na situação
precaria da passividade, obrando mais sob a inspiração de
influencias estranhas do que sob as suas proprias, as relações
96

entre elles e as assembléas traziam uma vida legislativa es


teril para o governo local .
Não só pelo regimen das facções , dos grupos, das colli
gações partidarias que se formavam no recinto das assembléas,
como pela restricção cada vez mais accentuada de sua esphera
de acção em vista da amplitude em que gyrava a assembléa
geral , o facto é que nos ultimos momentos do Imperio as as
sembléas provinciaes eram collectividades estereis e profun
damente desacreditadas no conceito publico.
Basta offerecermos como prova dessa perda de prestigio
o facto dos cidadãos mais conceituados das provincias não
quererem o suffragio popular para aa representação provincial,
no seio da qual tomavam ingresso as mediocridades e os indi.
viduos que não arrastavam comsigo a confiança publica. Não
podendo estender- nos sobre este assumpto que será devida
mente estudado, quando tratarmos do parlamentarismo, que
remos entretanto antecipar a affirmação da decadencia moral
e politica a que chegaram as assembléas.
Nessa centralisação que as forças do Imperio crearam
contra as provincias, salientamos um facto que não deixa
de ter importancia, pelas relações que o prendem á causa
que aqui procuramos estudar, como um factor da ab
sorpção e por conseguinte do desenvolvimento do espirito
liberal do paiz. Queremos nos referir ás differenças com que
ellas intervinham na politica da nação . Eram os filhos das
grandes provincias que galgavam as altas posições da admi.
nistração publica.
As differenças da representação no parlamento importa
vam em differenças na direcção suprema que essas provincias
exerciam nos negocios, auferindo dessa posição de supremacia
as vantagens dos favores do governo , de que ficavam priva
das as pequenas provincias.
Ao passo que Minas, S. Paulo, Bahia e Rio de Janeiro
representavam- se na Camara por grande numero de de
putados e de senadores , Parahyba, Rio Grande do Norte,
Sergipe tinham apenas tres a quatro deputados e dous
senadores .
97

O resultado d'isto foi a distribuição sem criterio e pro


fundamente injusta dos favores e auxilios ás provincias ,
umas aquinhoadas com as concessões de viação ferrea, de im
migração, de estabelecimentos de credito, etc. , e outras lan
çadas fóra do proteccionismo official.
Além de não intervirein na politịca geral , as pequenas
provincias , que não podiam reagir contra a absorpção dos
seus interesses, assistiam ao facto de que os seus proprios
eram dirigidos e orientados pelas grandes provincias .
Essa supremacia politica ligou-se mais á divisão ter
ritorial do paiz em suas diversas circumscripções admi
nistrativas, do que á competencia intellectual dos proprios
politicos.
A falta de criterio com que o governo dividio o paiz
desde os primitivos tempos coloniaes não soffreu a menor al
teração na divisão em provincias . Estas tiveram a mesma
extensão territorial que aquellas .
O autor deste livro, membro do Congresso Constituinte
da Republica, teve de pronuneiar as seguintes palavras da tri .
buna do parlamento, no intuito de justificar uma emenda que
offerecera ao projecto de constituição e pela qual investia o
poder legislativo federal da competencia exclusiva de resolver
as questões de limites entre os Estados.
Eis suas palavras :
" Outra razão para a qual chamo a attenção do Con
gresso, é a origem territorial dos actuaes Estados . Ella é
para mim de capital valor.
“ Por uma falta de clareza na divisão territorial , que
não obdece a nenhum espirito intelligente, as questões de
limites são levantadas em geral contra os pequenos Estados .
" Assim, vemos que ella se tem agitado entre Piauhy e
Ceará, Parahyba do Norte e Pernambuco, Pernambuco ee Ala
goas, Sergipe e Bahia, Espirito Santo, Bahia e Rio de Ja
neiro, Paraná e Santa Catharina, etc.
“ Um dos Estados , cujos limites não estão traçados pela
sua fronteira occidental é Sergipe, que aqui tenho aa honra de
representar.
V. 1 7
98

" E ' real que todos os historiadores e geographos lhe


traçam os limites por uma nesma fronteira .
Desconheço, porém , um acto official que o legalise.
Desde 1839 procura Sergipe resolver com a Bahia essa ques
tão, que, não obstante as successivas reclamações das assem
bléas e camaras, permanece no mesmo pé. E em identicas
condições acham-se muitos Estados.
• Vemos Piauhy em successivas reclamações contra sua
limitrophe do Ceará, por causa do porto da Amarração sobre
o Oceano e da divisa da comarca do Principe Imperial.
16 Vemos ainda o conflicto entre Paraná e Santa Catha
rina, provocado pela ambição do Paraná, que contesta o
direito de posse de Santa Catharina sobre o territorio com
prehendido entre o Rio Negro, Iguassú, Peperi-guassú, Uru
guay , Canôas e Murembas .
" A mesma lucta entre Parahyba e Pernambuco, dando
se o facto anomalo da rua principal de Pedras de Fogo per
tencer uma metade a Parahyba e a outra a Pernambuco.
" Senhores, os grandes Estados de hoje, nos tempos
coloniaes eram os principaes fócos de população e coloni
sação. Delles irradiava-se a força da colonia. E os pequenos
Estados eram os rebentos dessa colonisação. Por isso mesmo
que estes tinham feito parte integrante d'aquelles , è que
foram colonisados a custa dos esforços dos grandes centros,
e seu governo não passava de uma mera delegação, com
prehende- se perfeitamente, Srs . do Congresso, que as pe
quenas circumscripções não podiam arcar contra os arbitrios
das grandes capitanias, que se ingeriam em seus negocios,
em seus destinos, penetrando impunemente em seu territorio.
66 Assim vemos o de Piauhy não ser respeitado pelos
seus visinhos , por isso mesmo que obedecia á tutela adminis
trativa da Bahia ou do Maranhão .
" O da Parahyba não ser respeitado por Pernambuco, a
que ficou subordinado desde 1775 , não obstante ter sido con
siderada como uma capitania independente, desde 1864.
50 de Sergipe não ser respeitado pela Bahia, a que
ficou sujeita como comarca desde 1696 , não obstante ser
99

considerada capitania independente desde o começo do se


culo XVII .
" O mesmo verificamos relativamente ao Paraná, como
parte integrante de S. Paulo e Santa Catharina, como capi
tania tributaria do Rio de Janeiro.
“ Si, pois, Srs. do Congresso, a falta de clareza dos
limites era em prejuizo das pequenas circumscripções ;
ellas, nos tempos coloniaes, não alcançaram uma hegemonia
nos destinos da colonia, não passando sua contribuição de
uma contribuição muito restricta e secundaria, o mesmo facto
verificamos nos sessenta e tantos annos de politica imperial.
" Realmente, as grandes circumscripções continuaram a
dominar, a ser os factores mais poderosos do desenvolvi
mento da nação, ficando em plano muito secundario a in
fluencia das pequenas provincias.
" Estas continuaram a reclamar sempre em favor de sua
integridade territorial e nunca foram attendidas .
Ora, procurando nós estudar as ultimas consequencias
destes factos , isto é, da má divisão territorial dos Estados ,
convencemos-nos do seguinte : que a causa mais poderosa
que tem havido n'este paiz para cavar differenças profundas
na riqueza, no desenvolvimento, na civilisação dos Estados
é a pessima divisão territorial.
" Esta divisão affectou a formação da riqueza, sua dis
tribuição, e affectou o poder politico das pequenas capitanias.
" E' nestas condições que appello para o patriotismo do
Congresso. Acho de maiores vantagens que o Congresso
tome a si resolver essas questões de limites , do que entregal - as
aos Estados que não as resolverão nunca .
" Nós republicanos , que temos interesse real pelo
futuro da Republica , não devemos poupar esforços para que
se estabeleça uma organisação federal estavel e que lhe sirva
de poderoso pedestal .
" E a questão territorial traz um contingente importante
ao gráo de estabilidade dessa organisação. Srs. do Con
gresso, posso estabelecer dous principios que são outras
100

tantas verdades incontestaveis :: 1 °, não existem actos officiaes


que legalisem os limites dos Estados ; 2 °, muitos delles não
têm linhas divisorias .
" Passo a lêr estas notas inspiradas na importante me
moria do illustre militar major Augusto Fausto de Souza.
6. Os limites entre Amazonas e Pará são traçados por
uma linha imaginaria, na extensão de 80 leguas , do monte
Parintins a um ponto do rio Tapajós , quando este rio é que
devia servir de divisa.
- Sobre as outras linhas divisorias que a separam do
Pará e Matto Grosso, cujos limites não estão determinados
em lei, não obstante a provisão de 24 de Agosto de 1748
mandou-se proceder ás demarcações.
“ Piauhy além das luctas que sustenta com o Ceará, quiz
penetrar pelo territorio do Maranhão, até a do barra Tutoya,
por possuir somente uma pequena nesga de terra sobre o
oceano. Igualmente seus limites não se acham determinados
em lei .
" Desconhecem - se as linhas divisorias do Rio Grande do
Norte, não obstante as disposições officiaes que o desmem
braram de Pernambuco e Paralyba e o Decreto de 31 de Ou
tubro de 1831 .
66
“ Em identicas condições está a Parahyba, cujos limites
são traçados por linhas imaginarias, impossiveis de serem
determinadas.
6. Os de Pernambuco com Alagôas tambem são traçados
por uma linha imaginaria de 40 leguas de extensão, das ver
tentes de Taquará á foz do Chanory.
" Quando as ilhas de S. Francisco forem colonisadas , a
quem pertencerão, a Pernambuco ou a Bahia ?
“ Não existe lei que determine estes limites , nem tảo
pouco os de Sergipe com a Bahia que além disto sustenta
luctas com o Espirito Santo pretendendo a zona entre o rio
Doce e Mucury e com Minas -Geraes , Goyaz, Pernambuco e
Piauhy, por falta de leis que determinem os direitos de posse.
- Os limites do Espirito Santo com Minas e Rio de Ja
neiro foram determinados pelos actos de 29 de Julho de 1813
101

e 31 de Agosto de 1832 e 10 de Janeiro de 1863 , com um ca


racter, porém, provisorio.
" Em identicas condições acha -se o Rio de Janeiro, cujos
limites com Minas , Espirito Santo e S. Paulo não foram de
marcados, sinão provisoriamente pelo Decreto de 19 de Maio
de 1813 .
" Os de S. Paulo e Minas foram determinados pela pro
visão de 30 de Abril de 1747 , documento que veio tornar- se
publico, como diz Candido Mendes , 28 annos depois , quando
já não podia servir, por estarem os mineiros de posse do ter
reno .

66 Todos conhecem as luctas entre o Paraná ee Santa Ca


tharina, pela posse da zona comprehendida entre os rios
Iguassú e Uruguay, comprehendendo o Campo de Palmas.
6. Além disto os limites de Santa Catharina com o Rio
Grande não se acham determinados . Em identicas condições
acham- se Minas, Goyaz e Matto Grosso, sem lei que deter
mine seus limites .

“ Compenetrado dos defeitos da actual divisão territorial


que foi feita, desde remotos tempos , sem obedecer a nenhum
principio racional , eu levantarei a questão.
" Não posso comprehender que possamos estabelecer
organisação federal estavel, permanecendo as condições
em que nos achamos, de vêr Estados pobres e pequenos,
como Sergipe , e Estados opulentos e grandes como S. Paulo.
-Dizia Munarel , o creador do ensino administrativo em
França :
" A divisão territorial é aa unica base sobre que se devem
levantar as principaes instituições constitucionaes."
" E a historia nos dá o exemplo de que os paizes que
soffreram abalos profundos em suas instituições tiveram de
proceder á nova divisão territorial , como medida radical que
servisse de base á nova ordem de cousas .
• Assim vemos a França, que se compunha de 32 pro
vincias , acceitando os principios sociaes de 1791 , dividir
seu territorio em 83 departamentos . Vemos a Hespanha,
102

que se dividia em 15 provincias, soffrer uma nova divisão


territorial, pelo Decreto de 1833, que a dividio em 49 go
vernos ou intendencias . Vemos ainda Portugal, que no co
meço do seculo se compunha de 6 provincias, augmentar
mais duas, e posteriormente dividir-se em 21 districtos ou
governos civis .
“ Ora, não ha paiz que reclame mais uma medida iden
tica do que o Brasil actualmente. Por meio della, já disse
um illustre escriptor, harmonisa-se, nivelam-se a força e os
poderes de que dispõem os differentes administradores par
ciaes ; equilibram-se os varios elementos de cada uma das
partes integrantes da nação ; neutralisam -se quaesquer ten
dencias de separação ou preponderancia, geradas pela propria
riqueza ; finalmente, evita-se o nascimento de rivalidades
e descontentamentos entre aquelles que, por suas circums
tancias peculiares, não podem progredir com igual celeri
dade.
- E isto é tanto mais importante, que tratamos da orga
nisação de uma federação que, para ser estavel, precisa
attender a tres condições capitaes. Uma refere-se indirec-.
tamente a questão territorial , porque se refere ao gráo de
poder e de riqueza dos Estados .
“ A este respeito , diz Stuart Mill : " A terceira condição
é que não haja desigualdade de força muito sensivel entre os
Estados .” ( 1 )
Como se vê o Imperio foi de uma indifferença criminosa
em face do problema territorial , deixando- o insoluvel e insol
vido como deixou .
Não só os limites do paiz com os paizes visinhos ficaram
nas condições em que a Republica os encontrou, como os li
mites das provincias entre si ficaram nas condições de ne
nhuma dellas saber até onde chega sua jurisdicção.
E foi um grave erro do governo republicano, no momento
o mais propicio , deixar a questão no mesmo pé em que rece
bera do Imperio . Inspirados os membros do governo pro

(1) Annaes da Constituinte - Vol. 3º, pag. 176.


103

visorio em um programma reformista que não só deixou de res


peitar certas tradições nacionaes, como uma somma respei
tavel de interesses , recuou entretanto em face de uma questão
que tão de perto havia de affectar não só a consolidação das
novas instituições , como o successo da federação no terreno
pratico.
Esse programma nada poupou .
A organisação judiciaria, as finanças, as relações do Es
tado e da Igreja, em summa todos os ramos da administração
publica foram reformados.
Só a questão territorial ficou immune, em um periodo
justamente em que o governo podia operar uma melhor divi
são do paiz, desde quando do seio da opinião não se
levantaria a menor resistencia contra o acto, que os mais
vitaes interesses do novo regimen reclamavam como con
dição de seu desenvolvimento.
E hoje já temos a prova de inconveniencias não pequenas
que emanam das condições territoriaes dos Estados. Ahi
estão aquelles que na Camara dos Deputados sobresahem
pelo numero de sua representação a asphixiar as reclamações
das bancadas dos Estados menores e a impôr a deliberação
legislativa projectos que prejudicam os interesses do paiz.
Ahi está a lucta civil em que se debate ha mezes o Rio
Grande do Sul, como prova da resistencia de um só Estado
contra as forças da União.
Ahi está a tendencia dos grandes Estados, no terreno
administrativo e politico, de assumir a supremacia nos des
tinos da nação, sahindo somente delles as indicações para as
altas posições politicas.
E' de receiar que caiamos em situação identica a do Im
perio, pela absorpção dos pequenos Estados.
Não nos cansaremos de repetir por conseguinte que o
problema territorial precisa ser enfrentado e resolvido pelos
estadistas da Republica, em nome dos interesses e da ver
dade da federação.
104

SUMMARIO

O parlamentarismo. A propaganda da actualidade em seu favor. Elle é a


expressão dos habitos partidarios dos nossos politicos. Aquella vae contra a
experiencia da historia. Nelle está um importante factor do descredito das
instituições monarchicas. Sua situação geral é de crise. Opinião de Laveleye .
Como se originou o parlamentarismo no Brasil. Suas razões não estão na
Constituição do Imperio. Primeira tentativa da Camara em 1826. Luctas
contra o governo . Primeiro ministerio demittido pela intervenção parla
mentar. Data do inicio do parlamentarismo. Seus vicios . Erro e incon .
veniencia da propaganda. A fórma federativa não o comporta .

Na vida do governo republicano faz-se sentir actualmente


uma corrente de opinião politica bem acentuada a favor do
parlamentarismo que o direito constitucional, inspirado nas
tradições democraticas, substituio pelo regimem presidencial
na forma do governo consagrada pela Constituição de 24 de
Fevereiro
Essa corrente de opinião que converge para o parlamen
tarismo e que revela um symptoma dos habitos tão profunda
mente partidarios dos nossos homens, não é por certo a
expressão das vantagens e beneficios que nos tivesse trazido
o regimen parlamentar. E proval- o -emos no correr deste capi
tulo. Em nome hoje da educação politica e do regimen da cri .
tica, exercido pelo parlamento sobre os actos do governo, para
>

elle se appella como para uma valvula da opinião nacional, e


fóra da qual não se pode comprehender nem o que seja regi .
mem representativo, nem regimem de publicidade, nem edu
cação de escola liberal em politica. Em nome ainda dos
nossos precedentes , das qualidades essenciaes de nossa raça,
appella -se para esse regimem , como para o meio correctivo das
dificuldades em que se tem debatido a instituição republicana.
por um conjuncto de causas originadas no proprio facto da
transformação do regimem.
Taxamos de teimosia essa propaganda parlamentarista. Si
fosse um regimem ainda não praticado entre nós e para o qual
appellassemos, por espirito de imitação, ou de tentativa, em
105

summa; si na nossa historia politica não figurasse elle como


importante causa de nossos males - permittiriamos o ensaio.
No parlamentarismo iremos vêr uma importante origem
de descredito das instituições decahidas , porque foi por elle
que se elevaram os interesses politicos dos partidos acima dos
interesses da nação.
Não foi só entre nós que elle deu essa experiencia. Ahi
estão os seus fructos na Inglaterra a reclamar a attenção dos
estadistas, que procuram corrigir os seus defeitos . Em recente
e importante obra de Laveleye ( 1 ) iremos encontrar o mais mi
nucioso estudo do parlamentarismo e as provas de sua esteri
lidade actual . Ahi buscaremos não pequena somma de mate .
riaes para a analyse que emprehendemos neste estudo.
Diz este illustre escriptor:
" Le fait est que partout, ce régime subit une crise grave.
Dans sa patrie d'origine, en Angleterre, il cesse presque de
fonctionner. Sans cesse arrêté, il n'est plus capable de faire
des lois ; il n'a d'autre résultat que de harasser les députés et
de tuer les ministres. Dans les pays modèle de toutes les li
bertés, aux Etats -Unis, le congrès est devenu, dit- on , le
champ clos des politiciens vulgaires , et les hommes les plus
éminents se retirent de la vie publique. En France, tout le
monde se plaint.
Le Sénat doit être réformé sans tarder, et quant à la
Chambre, suivant les uns, elle se laisse pétrir comme pâte
molle , par un ministre habile; suivant d'autres, elle impose à
une administration sa volonté, ses velleités découssues et ses
projets improvisés. En Italie, le parlement est une kaleidos
cope : jamais deux séances consecutives n'offrent le même
aspect. Les groupes sont sans cesse en voie de transformation .
Une interpellation, un ordre du jour, une crise et un change
ment de ministère, voilà tout le méchanisme parlementaire. A
la fin d'une séance où la confusion avait été au comble, un des
hommes politiques les plus distingués d'Italie, M. Bonghi,
me disait : " N'est-il pas étrange que dans un siécle qui a fait

( 1 ) Laveleye- Le Gouvern . dans la Democratie.


106

de l'éclair son servirteur, portant notre pensée, en un instant,


aux extrémités de l'univers , et éclairant nos rues et nos mai
sons, un pareil régime politique soit encore ce que nous pouvons
avoir de mieux ?" En Allemagne, le parlement a été longtemps
maté ou annihielé par la volonté de fer d'un grand ministre, et
aujourd'hui il l'est par celle d'un jeune empereur. En Espagne,
grâce à de brillants orateurs, les cortés jettent quelque éclat,
entre un pronunciamiento et un coûp d'Etat, mais les Espa
gnols prétendent que leurs chambres font peu de besogne. En
Autriche, le Reichsrath est réduit à l'impuissance par les riva
lités des nationalités qui s'y entrechoquent. Dans l'unique
chambre de la Grèce, les partis se livrent des combats atroces
où l'intérêt du pays est complètement oublié." (1 )
No estudo em que vamos entrar dos vicios do parlamen
tarismo, iremos salientar aquelles que entre nós exerceram
grande influencia sobre a marcha politica da nação. Antes
disso, porém , precisamos averiguar como se organisou elle
entre nós , quaes seus factores de formação e desenvolvimento,
afim de vermos se veio em consequencia de um principio
constitucional ou si por uma tendencia corruptora da Consti
tuição .
Em face do texto da Constituição do Imperio, a nomeação
e demissão dos ministros, dependia livremente do chefe
do estado, que não devia encarar o ministerio como com
missão parlamentar. A questão de confiança na sua escolha e
destituição dependia exclusivamente do chefe do paiz, cujas
attribuições neste sentido não estavam restrictas em lei, que as
fizesse depender da confiança parlamentar. Os dous poderes
eram independentes e o governo, em face do texto constitu
cional , não podia soffrer a menor pressão do parlamento para
nomear e demittir os seus ministros.
As relações entre elles não deviam passar da competencia
legislativa de pôr em effectividade a responsabilidade minis
terial , não devendo ir além , de modo a preponderar sobre a
acção administrativa do governo.

( 1 ) Laveleye-Obr.cit. Vol. 20 , pag. 94.


107

E' essa a doutrina que emana dos artigos da Constituição


que neste particular pequenas differenças apresenta da Cons
tituição republicana. E por muito tempo dominou ella nos
actos do parlamento no inicio do regimem constitucional .
Passemos em revista esses actos .
A proposito dos acontecimentos revolucionarios do Ceará
um deputado, em sessão de 11 de Maio de 1826 , apresentou á
Camara uma moção, em que pedia ao governo a punição dos res
ponsaveis pelos martyrios dados aos recrutas cearenses. Era a
primeira vez que o poder legislativo queria dictar o pro
cedimento da administração em face de delictos cogitados
pela lei.
Alguns membros da Camara chegaram a taxar a moção
como uma ordem ao governo. A proposito disto, dizia o depu
tado Vasconcellos : Eu entendo que é ordem. O que vejo na
Constituição é que a Camara dos Deputados decretará a accu
sação dos ministros , etc. Portanto, si temos este meio e si a
Constituição não nos dá o direito de mandar ordens ao governo
e de recomendar o que é da sua obrigação, como havemos de
determinar ao governo que execute o que se acha designado
na indicação ?"
A mesma doutrina da incompetencia palamentar para in
tervir nos actos da administração, dictando o procedimento
que devia ella assumir em certas condições, era sustentada
6
pelo deputado o Sr. Cesario de Miranda, que dizia : " Comtudo,
eu sou do parecer do Sr. Vasconcellos ...
" A esta Camara, quero dizer, á Assembléa Legislativa,
compete somente fazer leis. Ora, lembrar, pedir, recomendar
á consideração do governo alguma coisa que seja das suas
attribuições, será fazer leis ? Não ; logo obrando assim, trans
pomos os limites que nos estão marcados pela Constituição
que nos rege. Magôa -nos o assassinato de tantos homens ... ;
mas conhecer do facto aqui apresentado, averiguar o seu
autor e punil -o com todo o rigor das leis existentes , pertence
ao Poder Judiciario e ao Poder Executivo e nunca a esta

Camara, Sr. presidente, porque a ella só compete o Poder


Legislativo "
108

Ainda a proposito do mesmo assumpto, travou-se edifi


cante debate na sessão de 26 do mesmo mez .
Discutia-se um pedido de informações ao governo sobre
esse objecto, e um representante, o Sr. Teixeira Gouvêa, poz
a questão nos seus termos precisos :
“ Sr. presidente, não temos nada que dizer ao governo :
ha uma lei ; o governo é obrigado a fazel-a cumprir.
" A Constituição diz ( 29, tit. 8) : Os empregados pu
blicos são restrictamente responsaveis pelos abusos e omis
sões praticados no exercicio de suas funcções e por não fa
zerem effectivamente responsaveis os seus subalternos. —Eis
aqui a lei que nos deve regular... Si, com effeito havendo-se
commettido abusos , o governo não tem feito verificar a res
ponsabilidade, então o governo mesmo tem abusado.
“ Portanto, não posso admittir que se peçam estas in
formações ; só o que teria lugar era a accusação do ministro,
no caso de a poder haver ; não conheço outra medida : la
lei, o governo que a faça executar ; a nós não cumpre
executar a lei ; e quando ella não se execute , temos o meio
que a Constituição nos marca ..."
Eis o modo porque eram entendidas as relações entre os
dois poderes, diz o autor de um bello trabalho sobre o parla
mentarismo no Brasil . (1 ) " A Camara reconhecia que cons
titucionalmente não lhe cabia sobre os membros do poder
executivo senão promover a sua accusação, quando incidisse
em delicto. Releva, entretanto, notar não somente que taes
idéas não passavam sem contestação, como ainda que os mi
nistros não recusavam enviar por escripto ás Camaras as in
formações de que tinham necessidade . Mas estava bem assente
que o ministerio não dependia em nada da Camara e que,
emquanto um delicto não fosse praticado, a Camara nada
podia contra elle. Ninguem então pensava em organisar
maioria para derribar e apoiar as organisações ministeriaes
que o Imperador engendrava á seu talante e compunha com
quem bem lhe parecesse. Tão longe estavam os represen .
( 1 ) Alcindo Guanabara .
109

tantes da nação dessa concepção, que mais tarde veio a cara


cterisar o nosso systema de governo, que , havendo, em 1823,
o imperador nomeado ministros do imperio e da fazenda aos
posteriormente Marquez de Caravellas e de Baependy, que
eram deputados , suscitou-se na Camara a questão de saber si
os deputados podiam ser ministros , e podendo, si os lugares
vagavam . A Camara votou o parecer de uma commissão
nomeada para estudar a questão e conveio em que a nomeação
podia ser acceita sem perda do lugar. "
Combatida essa intervenção de caracter politico que a
Camara queria exercer sobre o governo, intervenção que na
propria Constituição não encontra sua justificativa, ella entre
tanto zelava suas attaibuições financeiras , chegando a ponto
de não consentir na entrada de ministros no recinto da Ca
mara para fazer propostas sobre o orçamento . E por ter
o Sr. Miguel Calmon , ministro da fazenda em 1829 , compare
cido á Camara em sessão de 8 de Agosto, para lér uma pro
posta de credito supplementar, disse o seguinte o deputado
Paula e Souza : “ Demais, esta proposta não envolve nada
menos que a imposição de tributos que é só da attribuição
privativa da Camara dos Deputados e ao ministerio não per
tence semelhante iniciativa, que a Constituição só á Camara
do Senado concedeu ; e por consequencia toda e qualquer
proposta sobre tal objecto é nulla, e como tal deve ser rejei
tada . "
Abundou nas mesmas doutriras o deputado Luiz Cou
6
tinho : " Esta proposta do ministro é fóra da Constituição e
fóra da ordem ; eu rogo ao Sr. secretario que lea a passagem
desta proposta quando falla em pedir.
• Ora, Sr. presidente, como é que se apresenta nesta
Camara o monarcha pedindo ? Eu assim como sou defensor
das garantias do throno, tambem sou defensor das garantias
da Camara dos Deputados ; por isso nemo ministro podia
aqui vir pedir nada em nome de Sua Magestade, nem nos
propôr a imposição de tributos, cuja iniciativa é da nossa pri
vativa attribuição ; cousa que a mesma Constituição não con
cedeu ao Senado. Portanto, esta proposta deve ser rejeitada
110

por offensiva ás regalias do throno e por ser offensiva ás


regalias da Camara dos Deputados ; pois o que é, senhores,
apresentar-se um ministro pedindo em nome do monarcha
brasileiro : O que ? Imposição de tributos que não lhe per
tence pedir o que a Constituição nos deixou privativamente.
Eu hei de defender as regalias do throno ee liei de defender as
regalias da Camara dos Deputados e por isso me opponho á
9

tal proposta ."


Não obstante as vozes de defesa que se levantavam em
favor do respeito á lei constitucional , que as tendencias
absorventes da Camara quizeram logo em começo falsificar,
fazendo-a predominar sobre o governo, que por sua vez re
sistia contra essa absorpção, usando livremente do direito de
nomear e demittir ministros, a Camara acabou por vencer
n'essa lucta, appellando para os principios da soberania na
cional de que ella somente se constituio o unico e legitimo
orgao .
Foi em 1836 , na regencia do Sr. Feijó, que o ministro
da guerra de então-Manoel da Fonseca Lima e Silva, batido
pela opposição parlamentar, recusou-se formalmente a assistir
á discussão da lei de forças , para que tinha sido convidado,
appellando para a independencia dos poderes, principio até
então respeitado pelo poder legislativo.
E quando na sessão de 13 de Setembro foi lido o seu
officio, communicando que não comparecia, travou-se um
grande debate de que resultou o inicio do parlamentarismo,
pervertendo-se assim o direito constitucional que expressa
mente não investia a assembléa da prerogattva de intervir
nos actos da alta administração publica, querendo até tomar
a si , como tomou , o criterio da confiança ministerial.
Em face deste officio, disse o Sr. Rodrigues Torres :
- Parece que não estamos em um systema representa
tivo ; os ministros zombam da Camara, zombam do systema
representativo :
660 Sr. Luiz Cavalcanti exprimio bem como a oppo .
sição pensava sobre o que o Sr. Torres chamava o systema
representativo.
111

" E' do systema constitucional, observava elle, o serem


os ministros obrigados a parecer em publico, e mostrarem
se prestam ou não ; e si acaso os ministros não são obrigados
a comparecer em publico, não via prestimo em pagar-se ca
maras legislativas , melhor era o governo declarar-se absoluto.
A Camara já declarou o seu voto contra o ministro, regeitou
a proposta por elle apresentada ; mas o ministro continúa na
repartição, porque o regente tem direito de nomear quem
quizer para ministro e conservar até quando quizer ; seja pois
conservado o ministro, porque o regente tem este direito.
Agora diz-se que a Camara dos Deputados tem obrigação de
votar pela fixação das forças de terra e mar ; o que se deduz
d'aqui ? Que o regente só tem direitos e a Camara dos Depu
tados só tem deveres , que é isto só o que coube em partilha
á Camara dos Deputados . Se o ministro não quer aturar os
deputados, largue a pasta : o remedio que tem quem quer
ser ministro é vir á Camara ; quando não , não se vota pela
fixação de forças."
Por ahi vê-se que a Camara não queria só exercer o di
reito de responsabilisação ministerial e sim impôr á resolução
governamental a demissão do ministro.
Eis as palavras do deputado Sebastião do Rego :
#Vota pelo addiamento , dizia, porque quer negar ao go
verno pão e agua... Pede aos Srs. deputados da maioria,
que têm de votar pela lei, hajam de fazer com que compareça
na discusssão o Sr. ministro, porque é dessa maneira que o
eleitor dos ministros póde saber se elles tem , ou não, a confiança
da nação ; e se esse eleitor está certo, como dissc um Sr, de
putado, de que os ministros têm essa confiança, é porque a
Camara tem cedido a todos os pedidos dos ministros, porque
do contrario elle seria obrigado a mudar o ministerio , por isso
que a nação o elegeu para executar actos constitucionaes e
quando não, desgraçado delle e daquelles que zombassem da
opinião nacional."
No meio desta corrente absorvente, com a qual veio o
regimen parlamentar, ainda evocava- se por vezes a lettra da
lei, a verdade do systema governamental.
112

Evocava-a o deputado Bhering que affrontava essa cam


panha parlamentarista, com as seguintes palavras :
" Mas onde está esse direito da nossa parte ? interrogava
elle. A constituição nesse caso é quem nos guia : o ministerio
é responsavel ; e a nossa obrigação é accusal-o ; é esse o dever
que nos impõe a Constituição ; pois os estylos parlamentares
que se têm apresentado de nada aproveitam. Supponha-se que
o eleitor dos ministros é caprichoso e não muda ; o que se
segue da nossa parte ? Continuaremos a insistir : entretanto
que aquelle que nomeia os ministros está persuadido que da
sua parte está a opinião nacional . Tem elle força para dissol
ver a Camara dos Srs . Deputados ? Não ; logo, qual o correc
tivo que se apresenta ? Nenhum ."
A victoria desse anno levou a Camara no anno seguinte
a querer intervir na organisação ministerial de 19 de Setem
de 1837 , com a entrada de Bernardo Pereira de Vasconcellos,
interpellando o governo sobre a politica do gabinete, quando
até então o governo se limitava a communicar á Camara por
officio a nomeação dos ministros e que era lida no expediente.
Em 1837 a Camara interpellava o governo pela voz do
deputado Alvares Machado : “ Era o lance definitivo que fir
maria de uma vez o parlamentarismo a ingleza no Brazil ; ou
lançal-o -hia nas garras da guerra civil . A Camara estava deci
dida aa dominar e o governo regencial estava desarmado diante
d'ella. O ministerio percebeu nitidamente a situação e não
hesitou em capitular. Miguel Calmon levantou - se e começou a
sua oração dizendo : “ A administração actual se sujeita a to
das as condições do governo representativo ; exige por conse
quencia o apoio dos representantes da nação ; e assim que
esse apoio lhe faltar, ella se retirará .”
Vemos por ahi que a Camara, no programma que traçou
a si , foi pouco aa pouco ganhando terreno, até abrir o regimen
parlamentar. As doutrinas mais correctas, aquellas que esta
vam de accórdo com o espirito constitucioual , foram de todo
abandonadas.
A Camara preponderou e venceu, tornando -se o orgão
da falsificação da Constituição.
113

Depois da victoria parlamentarista obtida pela capitula .


ção do ministerio de 19 de Setembro de 1837 , que se demittio
por um voto de desconfiança da Camara, já assim ella se ex .
primia pela boca do deputado Rodrigues Torres ;
* Si a época, senhores, da reunião do corpo legislativo é
sempre esperançosa para a Nação, é porque reconhece ella
que só da mutua e real cooperação dos poderes publicos pode
provir efficaz remedio aos males que a affligem ; mas esta coope
ração, a Camara dos Deputados faltará aos seus mais sagra
dos deveres si a prestar a uma administração que não goze da
confiança nacional. No nosso seculo e com as instituições que
possuimos, o primeiro dever dos ministros é governar con
forme os interesses e necessidades do paiz ; e aquelles que os
desconhecem ou menosprezam, mal pódem dirigir os negocios
publicos.”
Ainda se fazia sentir aquella defesa em favor da pureza
do regimen contra a politica de parlamentarismo em que a
Camara se empenhou , não obstante as victorias já por ella
alcançadas.
Era impossivel deter a onda. Todavia ainda assim se ex
ternava o deputado Limpo de Abreu :
- Não disputo á Camara o direito que ella tem de censurar
os ministros, nem o direito de os accusar. O primeiro se funda
nos costumes , tradições constitucionaes, nas necessidades
mesmo do systema; o segundo em uma lei positiva, qual é a da
responsabilidade dos ministros . Mas este direito deve ser
exercido de modo que não vá offender uma prerogativa da
corôa, qual a da livre nomeação e demissão dos ministros.”
Não satisfeita com a victoria já alcançada, queria fran
camente intervir na organisação ministerial e na politica do
gabinete.
O ministerio já se tinha demittido e por tel - o feito sem
audiencia sua, o Sr. Rodrigues Torres queria conquistar essa
supremacia sobre o governo, nas seguintes palavras: " O il
lustre deputado o Sr. Limpo e mais senhores que impugnam
o parecer da commissão laboram em um erro, porque enten
dem que a corôa tem direito illimitado e absoluto de nomear
v.1 8
114

os seus ministros como bem quizer, direito que não é tão illi
mitado, porque a coroa tem a prerogativa de nomear seus minis
tros como bem entender, mas com a condição de que esses minis
tros hão de obter a confiança das Camaras.
6. Disse-se ainda, continúa o orador, que a passar o ar
tigo, si o regente, que é homem caprichoso, não quizer de
mittir o ministerio, o que acontecerá ? Senhores , eu creio que
esta proposição é muito pouco parlamentar ; mas já que nella
se tocou , eu devo dizer que o regente não é chefe de um go
verno absoluto, mas sim chefe de um governo constitucional,
de um governo representativo , e que nem o regente nem o
governo representativo não podem deixar de acceitar todas as
condições do systema representativo ."
O Sr. Limpo de Abreu assim retorquia : “ Eu sustentei
que a Camara dos Srs. Deputados não tem direito de dizer
que o ministerio que acabou havia perdido a confiança nacio
nal. Fundei a minha opinião em que não é só a Camara dos
Srs . Deputados que representa a nação ; perguntou -se quem
então era o poder que representava a nação ; pergunta muito
escusada para quem tem lido a Constituição, que declara que os
representantes da nação são o Imperador e a Assembléa Geral ,
que declara mais que a Assembléa Geral se compõe do Senado
e da Camara dos Srs. deputados ; logo, o illustre deputado
(o Sr. Martim Francisco) podia bem ter sabido da Constituição
quem são os representantes da nação ; e que só a reunião dos
tres poderes que formam a representação nacional é que po .
deria dizer que o ministerio tinha perdido a confiança da
Nação ."
Como se vê , ficou firmado o parlamentarismo, com o pro
cedimento do gabinete de 19 de Setembro, do qual um dos
membros, em face das exigencias parlamentares, chegou a
sustentar que os ministerios não podiam viver sem a confiança
e o apoio do parlamento.
Eis o que disse o ministro Miguel Calmon na sessão de
23 de Setembro de 1837 :
" A administração actual se sujeita a todas as condições
do governo representativo ; exige, por consequencia, o apoio
115

dos representantes da nação ; e, assim que esse apoio lhe fal


tar, ella se retirará. A administração actual quer manter a
Constituição o Acto Addicional e as leis ; por consequencia , vai
ella revogando e ha de revogar todos os Decretos e ordens
que forem oppostos á mesma Constituição, ao Acto Addicional
e ás leis . ”
Essa conquista feita em nome da prepotencia parlamentar
contra o espirito e a lettra expressa da Constituição, trouxe
como consequencia os resultados inolvidaveis do parlamenta
rismo, como a solidariedade dos membros do gabinete e a su .
premacia de um delles sobre os outros , a quem devia com
petir a direcção politica do ministerio -o presidente do
conselho, cabendo ao Sr. Alves Branco em 1847 a honra de
ser o primeiro a occupar esse logar. D'ahi em diante, foram
inevitaveis as consequencias que o systema parlamentar
creou .
Os ministerios collocaram- se na contigencia de apresen .
tar á Camara os seus programmas , tornarem -se objecto das
moções de desconfiança , darem explicações repetidas pelos
seus actos , mesmo aquelles que não affectavam os interesses
nacionaes e que dependiam da confiança pessoal do governo,
cabendo a este sómente o direito de dissolução, quando uma
maioria parlamentar não pudesse garantir a sua estabi .
lidade.
O poder de facto que governava a nação, até mesmo em
phases adiantadas do segundo reinado, era a maioria parla
mentar. Comprehende-se porém quanto ella era variavel ,
pela successão de facções que se formavam, dominadas por
sentimentos partidarios e inspiradas no desejo da substituição
do pessoal governamental .
Essas maiorias formavam - se e desfaziam - se, affectas a
considerações que sobrepujavam os mais vitaes interesses da
nação. Essa instabilidade extrema a que levou o governo a
prepotencia parlamentar, contra a qual o unico recurso de
que elle não fôra privado era o direito da dissolução , creou a
crise de 1862. Gangorra-tal era a phrase do tempo sobre o
governo.
116

Sobre elle não podemos deixar de transcrever o trecho do


excellente trabalho a.que nos referimos acima, publicado em
uma de nossas folhas diarias. (1 )
" A maioria parlamentar era um Moloch insaciavel. Em
1862 , esse esterilisante systema de governo esteve em crise
aguda, porque não se sabia onde estava o Moloch . Dividida a
Camara em quatro grupos, a maioria era occasional , formava
se com uma unidade ás vezes, ou era filha dos conluios da
ultima hora. Vinha de 1859 a crise : o gabinete do Visconde
de Abaeté vira- se forçado a pedir a dissolução ao Imperador
e, como este a negára, demittira- se. O Sr. Salles Torres Ho
mem, ministro da fazenda desse gabinete, informára ás Cama
ras do motivo dessa demissão na sessão de 11 de Agosto e
pronunciara um discurso referindo que, apezar de se haverem
declarado hostil ao gabinete muitos correligionarios e ser elle
apoiado por pequena maioria, continuaria á testa dos negocios
publicos , si nåo surgisse um obstaculo insuperavel . Este
obstaculo, dizia o ex-ministro da fazenda, provinha dos meios
anormaes imprevistos com que se procurou tornar impossivel
a posição de ministro para os homens de pundonor. Recor
reu-se a excessos lamentaveis de que não tinha havido exem
plo na tribuna legislativa, ainda nos periodos tempestuosos
da nossa historia politica ..."
" Este espectaculo dado ao paiz e a esterilidade provavel
da sessão legislativa por defeitos gravissimos do regimento
do Senado, reclamavam providencias e o gabinete resolveu
solicital- as, por intermedio do seu presidente, de S. M. o
Imperador.” E concluia com esta exhortação : 66“ ... Não
podemos fazer outros votos que não sejam o de prompto res
tabelecimento da ordem parlamentar e sobretudo do respeito
reciproco que se devem os poderes do Estado e a que se ligam
os maiores interesses da nossa ordem social ... Havemos de
forcejar para que fique sem effeito e sem a influencia do
exemplo um procedimento que, si fosse reproduzido, traria a
( 1 ) O seu autor é o Sr. Alcindo Guanabara , que no Congresso da Republica
deixou um nome aureolado. pela competencia e talento com que abordou todas as
questões .
117

degradação do systema representativo, e impossibilitaria a


existencia de todo o governo serio e regular. ” Longe desses
votos se traduzirem em realidade, a crise parlamentar não fez
senão aggravar -se."
• ó Ao abrir-se a sessão do 1862 , tanto o ministerio do
Duque de Caxias , como a opposição liberal acreditavam que
tinham por si a maioria da Camara. Não se esperou ne
nhuma questão que interessasse o governo, para dar-lhe ba
talha. Na sessão de 24 de Maio, a opposição vio que estava
accidentalmente em maioria de um voto e resolveu dar com
bate ao ministerio . "
" O Sr. Francisco Octaviano aproveitou - se de uma insig
nificante emenda de redacção apresentada pele Sr. Zacharias
á resposta á falla do throno e estabeleceu a questão de confi
ança que o Sr. Paranhos acceitou em nome do governo .
O ministerio cahio ; o Sr. Zacharias subio ao governo. Quatro
dias depois , a roda havia desandado e era a vez da opposição
conservadora então em maioria derrubar o ephemero governo
do Sr. Zacharias !
Desnorteada naturalmente por taes factos , a corôa via
o caminho que se lhe abria franco : a dissolução. Não quiz
trilhar e confiou ao Sr. Marquez de Olinda a incumbencia de
organisar o gabinete no qual não entrou nenhum deputado, o
o que fez com que o Sr. Martinho Campos, encabeçando a
opposição, bradasse que se ferira de morte o regimen repre
sentativo !
“ Esta lucta do parlamento com o executivo era de todo
o ponto esteril .O parlamento não a mantinha por amor de
nenhum principio , não defendia nenhuma prerogativa, não
tinha em mira nenhuma conquista. Era puramente a anar
chia parlamentar oriunda da anarchia dos partidos, que desde
então só se veio aggravar com as questões da eleição directa
e da abolição da escravidão, até produzir aa verdadeira disso
lução em que se encontravam ao tempo da Republica, sem
embargo do esforço do Sr. Visconde de Ouro Preto, que
procurou reunir e aggremiar os elementos liberaes dis .
persos .
118

• Diante do ministerio do Marquez de Olinda, essa anar


chia partidaria se apresentou nitidamente. Contra o Sr.
Martinho Campos que o hostilisou , apresentaram -se defen
dendo-o os Srs . Saraiva e Teixeira Junior, de credos oppos
tos . O Sr. Villela Tavares, historiando os acontecimentos,
interroga interdicto : quantas maiorias temos nós ? " e effec
tivamente seria difficil responder-lhe, porque a maioria era a
sorpreza . A solução da crise deu-a, afinal , a corôa no anno
seguinte, dissolvendo a Camara e restaurando assim a gan
gorra que havia sido um momento entravada.
“ Mas os partidos estavam já baralhados e a gangorra
não funccionava com o rythmo dos primeiros tempos. As
reformas mais importantes por que o paiz passou, a da elei
ção directa, a lei do ventre livre e a abolição total da escra
vidão vieram demonstrar que esse mesmo regimen parla
mentar que superpuzeram ao credo pela Constituição estava
já inquinado de vicios e ameaçado de dissolução."
Eis ahi o historico do parlamentarismo.
O poder legislativo nacional foi o seu principal factor.
Foi elle principalmente na practica que falsificou o direito
constitucional de Imperio, não encontrando nos outros pode
res o amparo necessario para salvar a sua fidelidade e os
reaes intuitos do legislador constituinte.
E, si quizermos agora inquerir da origem historica dessa
omnipotencia parlamentar, veremos que ella está nos aconte
cimentos da época que crearam um espirito de partido tão
incandescente .
O governo pessoal desde o inicio do regimen constitucio
nal , dando logar ás mais sinceras decepções em vista das
esperanças com que fôra acclamado o regimen monarchico,
governo que caracterisou a administração publica durante
todo o primeiro reinado ; os actos violentos do soberano, ins
pirados nas suggestões de sua camarilha e profundamente
lesivos das liberdades e dos direitos publicos ; a falta de ga
rantia do cidadão pela politica despotica que caracterisou
o governo da nação durante aquella phase ; a falta de liber
dade da palavra, da imprensa, do direito de reunião, violados
119

constantemente pela prepotencia do governo ; tudo isto creou


um mal estar da opinião, fazendo convergir para a Camara
um appello de defesa d'aquelles que, inermes , não a encon
travam na propria lei nem nos tribunaes .
A época era de agitação, não só pela anarchia mental
que a minava, nutrindo todos as maiores ambições poli
ticas , como pela violencia que caracterisava os actos dos
agentes da administração.
Aspirações revolucionarias alentavam todos os espi
ritos e produziam as comoções em que se agitou o paiz
durante muito tempo .
Isto tudo dava lugar a uma grande scisão nas opiniões
politicas que se aggremiavam em muitos partidos , na medida
da diversidade de interesses que impulsionavam os homens.
Comprehende- se então que o parlamento não podia isen
tar- se dessas condições que creava meio tão profundamente
agitado. Nelle se fazia sentir uma tão notavel divergencia
de opiniões que, si apparentemente eram representadas por
opposicionistas ou governistas, no seu intimo eram profunda
mente heterogeneas.
A situação dos partidos em começo collocou-se sob a
inspiração do sentimento nativista de um lado e do senti
mento cosmopolita do outro. Como resultado dessa lucta
vieram os factos da independencia do paiz e da abdicação do
soberano em 1831 . D'ahi em diante as opiniões scindiram
se ainda mais . A aspiração estrangeira foi de todo domi
nada. Então os partidos se manifestaram sob tres fei
ções os exaltados , os moderados e os restauradores do
estrangeirismo.
Para o parlamento convergiam estas opiniões e ahi fa
ziam explosão de suas vontades e desejos .
Para elle tambem appellavam as victimas do poder.
E o parlamentarismo foi o recurso do direito de critica
que os representantes da nação comprehenderam exercer,
inspirados não só nas violenci que tanto caracterisavam a
época como no sentimento partidario que dominava os ho
mens .
120

II

SUMMARIO

A crise do parlamentarismo na propria Inglaterra. Opinião de Gladstone. Seus


resultados no Brasil. Manifestações da opinião, A propaganda parlamen
tarista de hoje em contradição com a propaganda anti- parlamentarista de
houtem . Seus argumentos. São destituidos de verdade. Opiniões de histo .
riadores americanos. O presidencialismo é uma formação politica mais
moderna que o parlamentarismo. Provas. Elle veio como uma resistencia
contra o regimen parlamentar. Suas origens nos Estados Unidos. Data do
parlamentarismo. Provas dos historiadores inglezes. Militarismo, presi
dencialismo e parlamentarismo. O regimen parlamentar não corrige o
militarismo. Elle é incompativel com a federação, A organisação da re .
publica federativa tem em si os meios legaes para resolver os conflictos.

Estudadas as origens historicas do parlamentarismo,


devemos agora vêr o seu desenvolvimento e os males que
delle resultaram para a nação. No importante trabalho de
Laveleye a que acima nos referimos, e em que autor de
monstra irrefutavelmente os vicios do regimen parlamentar,
vemos que não foi sómente entre nós que a sua experiencia
foi nociva, não foi somente entre nós que chegou á crise de
esterilidade parlamentar, de imprestabilidade para o modo de
governo do estado moderno, baixando o nivel das camaras,
creando o espirito de partido e a instabilidade dos go
vernos .
Na propria Inglaterra , patria de sua origem , depois que
as attribuições do poder central se alargaram , o parlamento
succumbe visivelmente sob sua influencia. Todo o anno Gla
dstone constata com uma eloquente tristeza a esterilidade
das sessões em que o seu insano labôr nada alcança. Recen
temente ainda dizia elle que a ultima sessão nada mais tinha
sido do que vergonha e confusão. ( 1 )
Hoje , diz ainda o mesmo escriptor, que elle existe em
todos os paizes civilisados, excepto na Russia , acha-se que
vae mal : todos delle se servem com indifferença e até mesmo
com despreso. Pouco tempo antes de morrer, dizia o prin
(1) Laveleye - Le Gouvern, dans la Democratie, Vol . 29. , pag. 107.
121

cipe Alberto : Now the parliamentary system is on its trial.


De diversos lados annuncia-se que o fim do nosso seculo verá
a quéda definitiva do reinado dos parlamentos” (1 )
Como lá, tambem entre nós sobreveio em consequencia
delle a esterilidade parlamentar e a perda de prestigio das
camaras .
Basta considerarmos o numero de projectos que em
cada sessão se convertiam em lei , para vermos que o tempo
se gastava inutilmente em luctas politicas entre o parlamento
e o governo .
De nota vel historiador nacional transcrevemos o se
guinte:
“ Cada senador percebe o subsidio de nove contos por
cada sessão parlamentar e cada deputado o de seis contos de
réis, não contando a ajuda de custo para o seu transporte.
A verbiagem é o flagello da instituição e a preguiça a sua mo
lestia chronica. O numero das faltas de comparecimento
é excessivo e ainda quando ha sessão, acontece com os depu
tados o que acontece com os estudantes vadios e o que talvez
ainda aconteça com os empregados publicos , que são desi
diosos assignam o ponto e sahem para passeiar Como têm
a certeza de receber o subsidio integral no fim do mez , pouco
se importam com os effeitos da sua negligencia,
“ Deputados tem havido que só comparecem na Côrte
quasi na vespera de encerrar -se o parlamento, e, no emtanto,
vão cobrar a sua ajuda de custo e os seus ordenados atrasados.
Desse modo o parlamento tem sido um monte-pio, para certos
privilegiados. O abuso tanto na assembléa Geral, como nas
Assembléas Provinciaes, tem ido ao ponto de estarem certos
deputados presentes no edificio das sessões e por esta ou
aquella razão politica, por este ou aquelle capricho, fazerem
parede, impedir que haja numero para celebrar - se a sessão,
sem que isso o prejudique no recebimento integral do subsidio .
Quanto ao methodo do trabalho, é elle bem conhecido. Per .
dem -se longas sessões com discursos vãos , exhibições rheto

( 1 ) Laveleye - Obr. e Vol cit . , pag. 64,


122

ricas, disputas politicas referentes a personalidades e figurões


de aldêa, com grave prejuizo para a causa publica .” (1 )
Um proprio membro da Camara, em 1878, chegou a
taxal-a de Camara dos servis, em face dos seus exemplos de
passividade, dominada como era pela vontade do governo que
a dirigia a seu talante.
Em uma falla do throno o soberano dizia ás Camaras que
sob os mais gratos auspicios ia começar a primeira sessão da
actual legislatura, quando o paiz achava - se na seguinte
situação descripta pela imprensa :
“ A moeda do paiz está depreciada ; o cambio baixa cada
vez mais, até quasi o limite do tempo da guerra ; o café está
em baixa em todos os mercados , occasionando o desalento da
lavoura e prejuizos particulares incalculaveis, que hão de
repercurtir sobre a fortuna publica ; ha uma crise formal que
ameaça todas as fontes do trabalho, da producção da riqueza ,
alterando a muitos espiritos e influindo a outros a propria
apprehensão de uma banca -rota inevitavel ; e a corôa diz -nos
que a legislatura actual começa sob os mais felizes aus
picios !
" A esterilidade contristadora de nossa vida parlamentar,
diz ainda o mesmo escriptor, e a immensa accumulação de
questões politicas, sociaes e economicas, que actualmente
surgem no paiz instantantemente reclamadas pela opinião
publica, como reformas de urgente realisação, são phenomenos
incontestaveis que ao nosso ver provam a toda evidencia o
baixo nivel a que tem chegado a intelligencia dos nossos
pseudos representantes. A legislatura que ainda ha pouco
findou - se foi um exemplo notavel do phenomeno que aqui
apontamos. Não obstante a infundada esperança, que acci
dentalmente gerou no paiz, por occasião da ascenção do
partido liberal ao poder em 1878, hoje quasi que não ha um
só individuo que tenha mais ou menos acompanhado aa marcha
dos negocios publicos, que não cubra de imprecações a
camara dissolvida em 1881 .

(1) Alberto Salles -- Politica Republicana, pag. 353, ( 1882. )


123

“ A não ser a lei , aliás imperfeitissima e eminentemente


conservadora, da reforma eleitoral , e a lei dos meios orga
nisada especialmente para permittir ao governo continuar
livre e desempedidamente, em seus constantes esbanjamentos ,
pode -se francamente dizer que nada mais se fez na legislatura
transacta . A esterilidade legislativa e incapacidade geral da
representação nacional, salvas muito poucas e bonrosas
excepções, alli se manifestaram de um modo contristador.
Reformas urgentissimas, como por exemplo, as que dizem
respeito á reorganisação do trabalho, á reconstituição do
ensino superior e inferior, á liberdade de cultos, á descen
tralisação politica e administrativa, tantas outras que ahi
estão a ser constantemente reclamadas pela imprensa, nem
mereceram siquer as honras de ser apresentadas á consi
deração dos senhores deputados, simplesmente porque,
segundo a opinião do unico cerebro pensante deste paiz, não
foram ainda julgadas opportunus." (1 )
Todos estes factos não demovem os que hoje, no seio da
vida republicana federativa, agitam a propaganda do parla
mentarismo, appellando para razões de ordem secuudaria e
que não podem sobrepujar a experiencia de mais de meio
seculo .
Seus vicios produziram esse estado de opinião que deve
estar fresco na memoria de todos , eloquentemente revelado
na imprensa, nos pamphletos, na oratoria da propaganda que
o apontava como o factor do descredito das instituições, da
esterilidade do parlamento, da falta de coherencia das oppo
sições, tão liberaes em seus programmas e tão estereis em
sua execução, das camaras unanimes em que a falsificação do
regimen eleitoral trazia para o parlamento a maioria de que
precisavam os gabinetes.
Nessa quasi unanimidade de opiniões contra o regimen
não havia senão a dissonancia do elemento official. Quasi
todos eram anti-parlamentaristas. Hoje a situação é intei
ramente diversa. Para o parlamentarismo muitos convergem ,

(1) Alberto Salles - Obr, cit . , pag. 366.


124

convictos de sua prestabilidade Espiritos sérios e amadure .


cidos por não pequena somma de conhecimentos põem a
favor da propaganda os recursos da sua actividade intelle
ctual. Que se deu para essa transformação da opinião, que
virou como um catavento ?
parece que com a abolição do regimen parlamentar e
a consagração constitucional do regimen presidencial , a
pratica já trouxe a prova das inconveniencias e males do
presidencialismo, nestes poucos annos de governo constitu
cional da republica federativa.
Vejamos as razões e os fundamentos da propaganda.
Do circulo dos criticos , dos litteratos, dos jornalistas e
dos politicos irrompe ella com paixão que sempre dicta o es
pirito de systema. E em um livro de publicação recente o seu
autor, esquecendo suas opiniões não muito antigas sobre os
vicios do nosso systema politico-social , faz as maiores accusa
ções á formula presidencial do governo, elevando o parla .
mentarismo á altura de um systema politico que consubstancia
a forma mais adiantada dos systemas, com toda elasticidade
para corrigir os defeitos, os attritos , as difficuldades de
qualquer forma de governo . (1 )
N'esse livro diz o seu autor :
6
“ Uma critica mais segura das fontes ee das condições que
deram origem a constituição americana tem esclarecido a
verdadeira indole do chamado presidencialismo, que, bem
longe de ser o grande merito d'aquella organisação politica,
é, ao contrario, o seu maior defeito. Os patriotas americanos
de 1776 , 1781 , 1787 — 1789 não se afastaram, naquelle ponto
do modelo inglez por um acto de plena consciencia e por
certeza absoluta de corrigirem para melhor a constituição de
seus antepassados. Além de que o genuino parlamentarismo
não tinha ainda naquelle tempo chegado á completa elabo
ração de sua propria formula e, isto é capital , accresce que
os legisladores americanos, mesmo para o que já então existia

(1 ) Sylvio Roméro Parlamentarismo e Presidencialismo na Republica Brasia


leira , 1893
125

na Inglaterra, não beberam nas melhores fontes . E ' uma das


bellas demonstrações do excellente livro de Bryce, apto a
modificar a velha intuição corrente sobre o direito publico
americano.
Diz mais ;
6. Em 1787 os convencionaes não fizeram em grande parte
mais do que continuar o que em sua patria já estava feito
havia mais de seculo. Ora, os governadores dos Estados, re
presentantes do executivo, dependendo directamente da corôa,
não tinham necessidade de receber das legislaturas locaes
ministros reponsaveis, e gozavam diante dellas desta inde
pendencia, que lhes era garantida pelo governo da mai patria.
- A Constituição Federal tinha, pois , em casa o seu mo .
delo, e, passando para a nação, para o paiz tomado na sua
totalidade , uma circumstancia meramente occasional ee oriunda
das condições coloniaes, commetteu um erro que tendo sido
um escolho na vida politica do grande povo, erro que tende
a ser eliminado, e que não teria sido fatal , por encontrar cor
rectivonas qualidades praticas e solidamente sensatas d'aquella
gente sem par .
" O presidencialismo é, d'esta'arte, um filho espurio da
historia, oriundo de um mal entendu, um resultado da inad
vertencia , que só por aberração pode ser elevado á catego
ria de principio politico geral que se proponha á imitação das
outras nações. E a historia de toda a America desgraçada
mente ahi está para dar -nos razão . "
Na proposição de que os patriotus americanos não se afas
turam do modelo inglez por um ucto de plena consciencia e por
certeza absoluta de corrigirem para melhor a constituirão de seus
antepassados, não está por certo a expressão da verdade
historica. Não foi por um acto de inconsciencia que o0 systema
presidencial veio dar uma nova solução politica ás relações
entre os poderes executivo e legislativo. O legislador consti
tuinte obrou como factor consciente . E ainda mais. Bus
cou a formula presidencial para resistir contra a pratica e os
exemplos de corrupção que na Inglaterra elle assistira do
parlamentarismo, já dando de si as peiores provas, antes
126

mesmo de assumir a formula definitiva do seculo actual . Ha


um puro engano nesse modo de encarrar a solução constitu
cional do regimen presidencial, que constitue uma gloria do
legislador americano, isentando - se da influencia intellectual da
Europa e da metropole.
eralis e acompanhar os bellos traba
Basta folhear o Federalista
lhos da convenção da Philadelphia e da commissão geral , do
seio da qual sahio o projecto da Constituição dos Estados
Unidos da America, para ver que a formula presidencial da
Republica foi o producto consciente do legislador, como uma
resistencia á corrupção do parlamentarismo na Inglaterra no
fim do seculo passado, offerecendo ella uma nova solução ao
problema constitucional dos systemas politicos, até então des
conhecida .
Eis o que diz um eminente publicista americano :
“ A Constituição dos Estados Unidos foi moldada e esta
belecida por uma geração de homens, que tinham observado
o modo de operar, dessa especie de influencia exercida por
parte da corôa ou dos seus servidores , sobre a legislatura in
gleza , e que segundo o modo de sua applicação tinha recebido
o nome apropriado de - corrupção parlamentar.
“ * Aquella geração do povo americano mal conhecia, e
menos se importava da origem de um methodo de governar
o corpo legislativo que implica uma manifesta ou uma occulta
venalidade por parte da administração para comprar seu con
sentimento para suas medidas . O que elles conheceram e
viram foi que por uma longa successão de annos os votos dos
membros do parlamento tinham sido comprados, com dinheiro
ou empregos, por quasi todos os ministros que tinham sido
introduzidos sob o principe que fôra collocado no throno pela
revolução de 1688, e havia certamente chegado a uma especie
de systema nas mãos dos estadistas, que tinham effectuado
essa revolução , e tinham alcançado as mais elevadas posições
sob os dous primeiros principes da casa de Hanover ; isto
foi franca, e algumas vezes , vergonhosamente applicado
durante toda a guerra americana ; e que até aquella época
nenhum estadista britanico tinha tido a sagacidade de
127

descobrir e a virtude de adoptar systema mais puro de


administração. Quer fosse isso um vicio necessario da Consti
tuição ingleza ; quer fosse inherente ao tempo ; ou ainda
fosse somente uma condição no desenvolvimento do governo
parlamentar, destinada a desapparecer quando as relações do
corpo representativo com o povo —— se tivessem melhor firma
das-não poderia então ser visto mesmo na Inglaterra. Po
rém a respeito dos nossos antepassados quando fizeram sua
Constituição, isto apresentou -se como um facto momentaneo ,
cuja advertencia não foi menos poderosa por vir do centro de
instituições com as quaes elles se achavam mais familiarisados
e do paiz ao qual elles se prendiam pela origem-paiz onde o
governo parlamentar havia tido as mais brilhantes occasiões
de victorias que o mundo tinha presenciado .” ( 1 )
E ' corrente em todos os livros de historia constitucional
ingleza, que o celebre ministro Walpole, o primeiro que se de
mittio por effeito de um voto de desconfiança da camara, e isto
no seculo passado, foi taxado como o patrono e o parente da
corrupção parlamentar.” (2)
Diz mais o autor acima citado :
- Estou persuadido de que foi sobre taes principios, como
procurei provar, que os factores da nossa Constituição nacional
pretenderam regular essa parte mui difficil das relações entre
o Executivo e a Legislatura. Durante um consideravel pe
riodo, comtudo, das suas deliberações sobre as incompatibili .
dades , a que deveriam ser sujeitos os membros da ultima
corporação, elles tinham um outro exemplo diante dos olhos,
além do fornecido pela historia da corrupção parlamentar da
Inglaterra. Só o Congresso da confederação tinha o poder de
fazer nomeações para os empregos dependentes da autoridade
dos Estados Unidos, e ainda que não haja razão para se sup
por que sobre aquella assembléa em qualquer tempo podesse
com justiça pesar imputação de causas de corrupção, comtudo
levantaram -se queixas sobre a frequencia com que ella tinha
( 1 ) G. F. Curtis - Constitutionni History of the United States, pag. 470, Vol . 10.
(2) Hallam's - Hist. Const. III , 255, 256, 351–355. Macaulay's Hist. of England
III , 340–519.
128

preenchido com seus proprios membros, os empregos que ella


havia creado." (1 )
Ahi está a opinião autorisada de historiadores america
nos , mostrando que o systema presidencial foi um producto
consciente do legislador contra a corrupção do parlamenta.
rismo inglez .
Não deixa tambem de ser uma in verdade historica outra
proposição do autor do livro que aqui analysamos—a
- a que se
refere á data historica do parlamentarismo, e da qual conclue
que, si o legislador americano sahio do modelo inglez, foi
porque o parlamentarismo não tinha chegado á sua completa
elaboração. O pensamento do escriptor fica patente em suas
proprias palavras :
" ( parlamentarismo, em sua formula completa, é um
producto historico mais recente ; porquanto, na sua radical
integração é filho dos ultimos annos do seculo passado e das
primeiras decadas do actual .
" O presidencialismo, já era uma realidade pratica na
grande republica anglo - americana, quando se abrio o cyclo
de constitucionalismo representativo parlamentarista, que
interessou ás principaes nações do nosso tempo .
66
Cesse, pois, essa leviana louvaminha do presidencia
lismo, como a mais adiantada das concepções politicas dos
povos modernos. E' cantilena que não tem por si nem a his
toria , nem a doutrina. "
Não ha tal.

A formula presidencial em que se vasou a organisação


constitucional americana, ainda que se inspirasse nos prece
dentes coloniaes do paiz, -e nisto está o seu maior valor e a
prova de que o systema veio como consequencia directa
e consciente dos factores historicos da nação ,-todavia ella só
definio- se claramente e constituio -se como um systema politico
integrado, depois que os membros da convenção de Philadel
phia dotaram o paiz com uma Constituição, vasada nos

( 1 ) Curtis - Obr. cit . Vol. 19, pag . 474.


129

principios da federação, ao contrario do regimen confederado ,


até então existente.
Nem ella podia existir antes da emancipação politica do
paiz. Quando muito, existiam os seus elementos, os seus fa
ctores , fóra dos quaes não podia conceber- se a solução do
problema politico, para não abrir com elles uma solução de
continuidade, pondo-se em contradição com os precedentes
politicos .
A seguir esta direcção contra a acção da tradição histo
rica, o presidencialismo não se constituiria então como uma
formação originaria, emanada do empenho do legislador ame
ricano em corrigir a corrupção parlamentar de que a Ingla
terra dava os maiores exemplos pelo parlamentarismo, e sim
como um producto de imitação.
Si o que caracterisa o presidencialismo é a unidade do
poder executivo, representado pelo chefe da nação , unico res
ponsavel, e inteiramente separado do poder legislativo, do
qual não pode soffrer a acção da menor influencia politica ; si
o que caracterisa ainda mais , como uma consequencia do
principio da divisão dos poderes , é a ausencia de uma colle
ctividade politica – o gabinete - cuja vida depende da con
fiança parlamentar, e no qual se encarna toda responsabili
dade politica, deslocando- a do chefe do estado, comprehende -se
que esse regimen, em sua formula definitiva, só podia existir
na America depois da organisação de seus poderes politicos
de nação livre e independente da metropole ingleza ; em
summa depois de promulgada a Constituição de 1789.
Antes disto elle não podia existir.
Com ella vieram modificações profundas na vida da nação,
em relação aos seus tempos coloniaes como a creação do poder
judiciario, interprete da constituição e o modo original
e sui generis das relações em que deviam gyrar os poderes.
E destas modificações e relação que trouxeram um re
gimen politico tão differente de que existia até então emanou
o presidencialismo.
Em que phase se achava então o parlamentarismo, afim
de analysar as relações de idade dos dous systemas ?
v. 1 9
130

Podemos assegurar que elle já se achava em sua phase


final de formação . Nenhum elemento novo lhe adveio com a
politica deste seculo. E vejamos .
Os seus cardeaes principios são : a) a funcção da una
nimidade politica do gabinete ; b) a pratica de mudanças si
multaneas de todo o gabinete como o resultado de sua depen
dencia de maiorias parlamentares ; c) a funcção de primeiro
ministro, como a cabeça dirigente da machina administra
tiva. ( 1 )
Si demonstrarmos que estes principios já dominavam a
politica ingleza antes da organisação constitucional federa
tiva da America, da qual emanou em sua formula definitiva o
presidencialismo, temos demonstrado que o parlamentarismo
é de formação anterior.
Já no reinado de Guilherme III (1695) vê-se a organi
sação ministerial obedecendo ao principio da unanimidade
politica do gabinete (2) e em 1710 no reinado da rainha Anna,
o seu ministro Harley obtem a dissolução do parlamento,
por não ter podido conseguir uma coalisão com os Whigs,
formando então um gabinete composto exclusivamente de
Tories (3). D'ahi em diante o principio da unanimidade poli
tica tendeu sempre a tomar corpo.
Quasi tảo antigo como elle é o outro principio cardeal do
regimen parlamentar, das simultaneas mudanças de todo o
gabinete, como o resultado de sua dependencia da appro
vação parlamentar. Si no reinado de Guilherme III as mu
danças ministeriaes eram parciaes e dictadas pelos senti
mentos pessoaes do rei, no de George I, porém, dá-se o
primeiro facto de uma substituição de um ministerio por
outro. E, ainda que essa substituição não fosse por prevale
cerem opiniões do parlamento, vemos que em 1721-1742 o
ministro Walpole se demite por um voto do parlamento, sendo
a ascenção de lord Rockingbam ao poder noticiada como o
primeiro exemplo de mudanças simultaneas de toda adminis
( 1 ) Alpheus Todd Parlamentary Government in England, Vol. 19, pag. 253.
( 2 ) Idem Obr. cit . , pag . 253.
(3) Stanhope - Queen Anne, pags. 176 e 204.
131

tração em deferencia ás opiniões do parlamento (1 ) e como o


resultado de uma moção de desconfiança da Camara dos
Communs que deu lugar á seguinte carta do soberano ao
ministro North, antecessor de Rockingham : (2 )
" Afinal chegou o dia fatal em que as calamidades da
época e a mudança repentina de sentimentos da Camara dos
Communs me arrastaram a mudar de ministros e a despedir
muitas outras pessoas que suppunheis serem outr'ora desco
nhecidas. ”
Relativamente ao terceiro principio do governo de gabi
nete, vemos que desde o reinado de George III, iniciou- se o
habito das reuniões ministeriaes feitas na ausencia do rei e
sob a presidencia de um dos ministros, habito que tendeu a
perpetuar -se.
Assim , vemos Harley como primeiro ministro no reinado
de Anna, gozando de ampla supremacia sobre os seus com
panheiros, e nas mesmas condições Walpole (1721-1742),
Grenville (1762-1765) e muitos outros .
Desde 1783 , na administração de Shielburme, appare
cem gradações de poder no gabinete e no ministerio de Pitt ;
neste mesmo anno , se faz sentir a sua supremacia de autori
dade, como primeiro ministro, sobre seus companheiros .
Vê-se, pois , por este ligeiro esboço, que os principios
cardeaes do parlamentarismo já eram observados pela politica
ingleza, muito antes do final do seculo passado e muito antes
que o presidencialismo se constituisse como systema poli
tico. Si na ascenção da casa de Hanover o systema parla
mentar estava em sua infancia e exhibia todos os caracteres
da immaturidade (3) , antes do fim do seculo já assumia sua
formula definitiva.
E ' uma in verdade historica consideral- o como de for
mação mais recente que o presidencialismo.
Sahindo deste terreno de indagações historicas a que
fomos obrigados pelas proposições que inspiraram a propa
(1) Alpheus Todd -- Obr. cit . , pag. 260.
( 2) Alpheus Todd - Obr. cit. pag. 260.
(3) Hallam's - Constitutional Hist., Vol. 30, pag. 390.
132

ganda parlamentarista, afim de cingirmo-nos ao estudo do


presidencialismo em face da natureza e da indole do regimen
republicano federativo, havemos de vêr que este é o unico
compativel com as instituições que foram consagradas pela
Constituição de 24 de Fevereiro.
No intuito de dar preferencia ao regimen parlamentar, a
propaganda entre nós ainda appella pera o vicio do milita
rismo que se aggravará com a permanencia do systema pre
sidencial .
Vem a proposito citarmos as seguintes palavras de La
veleye :
" Des réformes profondes s'accompliront, sinon le gou
vernement parlementaire périra dans l'impuissance et dans
la déconsidération . Lá où le conflict ne peut manquer de se
produire et où il sera mortel, c'est dans les relations entre le
parlement et l'armée ; nous en avons eu déjà de nombreux
exemples . En Allemagne, il existe en permanence, tantôt à
l'état aigu, comme avant 1866, tantôt deguisé, comme depuis
cette époque.
L'Empire a son Reichstag, et chaque E'tat son assemblée
délibérante . On y prononce de très beaux discours ; on y
vote des lois et même souvent on se donne la satisfaction de
rejeter les projects du gouvernement ; mais, en realité, le
maître absolu, c'est le souverain ou son ministre , par la
simple raison qu'un million de bayonnettes disciplinées et
obéissantes forment un argument irresistible. Cette verité
est dure, et les patriotes liberaux en gemissent, d'autant
plus qu'on ne se pique pas de la leur dissimuler." (1 )
Factos identicos são apresentados pelo autor, em relação
ao Egypto, a França , a Inglaterra e a America, e continúa :
66
“ A quoi sert donc de nous faire illusion ? Même dans
nos pays d'Occident, où les institutions constitutionelles
semblent avoir pris définitivement racine, elles n'existent que
par la tolerance de l'armée . Supposez un souverain très
décidé à faire prévaloir ses desseins et un différend comme
( 1 ) Laveleye--Obr. cit. , pag. 108, Vol . 20.
133

celui de 1864-1866 en Prusse , et , assurément, ce n'est pas la


volonté du parlement qui prévaudra. Nous disons volontiers
que les Allemands n'ont du régime parlementaire que les
apparences. Au fond, la situation est partout la même, seu
lement elle est ailleurs à l'état latent .
• En realité, il est contre la nature des choses qu'un
grand corps hiérarchisé d'un million d'hommes , dont la base
doit être l'esprit d'autorité, soit soumis aux ordres ou aux
caprices d'une assemblée délibérante, qui change de système
tous les ans et d'un ministre qu'on renvoie tous les six mois .
Je veux admettre que l'armée, toute dévouée aux institutions
démocratiques de son pays , abhorre jusqu'à l'idée de jouer le
rôle de prétoriens et d'imposer une dictadure militaire. Mais
il est telle circonstance qui peut faire jaillir en un éclat ou en
une catastrophe la contradiction qui est au fond des choses.
" Une résolution trop absurde de la chambre, le désordre
dans l'administration aboutissant à la désorganisation , ou
une véritable humiliation nationale peuvent amener l'armée
à se dire :
6. C'en est trop ; je suis crée non pour être le jouet de
messieurs les orateurs et les politiciens, mais pour maintenir
l'ordre à l'intérieur et l'honneur du pays à l'étranger. Dan
gereuse situation d'esprit, car, si elle se généralisait, l'usur
pateur n'aurait qu'à paraître. Il trouverait sous la main les
élements d'un coup d'Etat. De grandes victoires pourraient
faire naître le même péril sous une autre forme et pour
d'autres raisons. Si ce qui précède est vrai—et qui peut ne
pas apercevoir le péril ? il parait très indispensable de
soustraire la direction de l'acmée aux fluctuations des majo
rités parlementaires et des perpétuels changements de cabinets.
Cela est plus nécessaire encore dans une république où le
chef de l'Etat, commandant suprême de la force militaire,
n'est point permanent.”
Não são menos eloquentes os factos que se têm dado
entre nós no periodo constitucional da Republica.
Já tivemos de assistir a um grande conflicto entre os dois
poderes da nação que viveram em hostilidade continua du
13+

rante a administração do primeiro presidente eleito—o Mare


chal Manoel Deodoro da Fonseca . Que influencia então
poderia ter o regimen parlamentar que se apregoa como um
correctivo do militarismo nesse conflicto, quando um dos seus
maiores factores foi aa intervenção de um ministro que gozava
da maior confiança do chefe da nação ? Elle da mesma ma
neira dissolveria o parlamento.
Si o militarismo é o predominio de uma classe no governo
do paiz, com a abdicação completa da prerogativa das outras
classes , não podemos comprehender como o parlamentarismo
poderá cortar esse vicio , desde que a sua influencia, dictada
pelos votos de confiança das maiorias, não tem o poder de
vencer o espirito de classe , o sentimento de confiança pes
soal da administração. O parlamentarismo daria sempre
em resultado o esmagamento dos parlamentos pela dis
solução.
O presidencialismo, ainda se diz, não tem a malleabilidade
de resolver os conflictos com certa brandura. Elles chegarão
sempre ao terreno da lucta armada. O presidente é soberano,
governa a despeito da opinião ee do Congresso ;; suas attribui
ções são effectivas e as responsabilidades nominaes. Ve
jamos .
Bem sabemos que a aspiração do legislador constituinte
de 1787, sob a inspiração dos principios de Montesquieu, da
divisão dos poderes, divisão que é a caracteristica funda
mental do governo da America, como diz Bryce, ( 1 ) foi dar
energia e independencia ao executivo federal , para se não
deixar absorver pelos excessos das assembléas.
Era um grande problema politico, cuja solução se impu
nha como imprescindivel á estabilidade dos governos demo
craticos . E o legislador constituinte da America logrou
resolver o problema, não só pelo principio da divisão dos
poderes , como, e principalmente, pela funcção do veto, em
vista da qual o executivo participa um pouco das funcções
legislativas.

(1) James Bryce- American Commonwealth .


135

Não póde propôr, póde porém recusar. Eis seu grande


poder.
Desta funcção não se pode concluir que o presidente re
presente o unico poder da nação, e que seja omnipotente,
porque, si o partido adverso alcança dois terços de maioria,
o poder do veto torna -se uma prerogativa nominal.
Além disto, si a força .do presidente , como diz Bryce,
está no poder do veto, a força do Congresso está no poder de
promulgar leis , funcção tanto mais importante quanto o legis
lativo intervém poderosamente na administração interna, na
politica com o estrangeiro, nas relações commerciaes pela
homologação dos tratados de commercio .
Demais, si as attribuições do presidente , de nomear
os funccionarios da Republica e ser commandante em chefe
do exercito e armada, dão - lhe a omnipotencia, temos a pon
derar que o legislativo ainda ahi intervém , porque a confir
mação d'aquelles nos cargos e a determinação do numero e
da organisação do'exercito e da marinha lhe pertencem .
Eis ahi um equilibrio de poderes .
Esse mesmo poder do veto que, em tempos normaes, dá
uma grande força ao executivo, não constitue funcção pro
priamente executiva, como ainda diz aquelle escriptor.
E ' digno de nota o seu seguinte trecho :
" A força real do executivo está, em tempos normaes, no
poder do veto. Em outras palavras , sobrevive como execu
tivo, não em virtude de uma funcção propriamente executiva ,
e sim como parte da funcção legislativa, que recebeu ; mantém
sua essencia pela força , não de sua separação da legislatura
e sim porque participa de um direito que pertence propria
mente á legislatura."
No terreno dos principios, esse poder não é essencial ao
executivo, vem -lhe do legislativo, que não perdeu, com isto,
nenhuma restricção de autoridade, porque, ainda in vocamos
a opinião do mesmo escriptor :
Uma autoridade que depende de um veto, susceptivel
de ser dominado por dois terços de uma maioria, parece
fragil . A experiencia, porém , de um seculo tem mostrado
136

que é difficil a formação dessa maioria. Então o executivo


possue alguma independencia. E' forte para a defesa, não o
é para o ataque.
“ Com excepção desta estreita esphera que a Consti
tuição reservou ao Congresso, póde illudir e difficultar o
presidente, interpellal-o, reprimil-o, e affiigir seus ministros .”
Agora perguntamos nós : - Qual é esta omnipotencia
do presidente, com que se procura invalidar o actual regimen
do paiz ?
Esta organisação é muito mais perfeita do que a da re
publica parlamentar e da monarchia constitucional. E' dif
ficil comprehender, com a responsabilidade ministerial , o
papel de presidente. E' uma figura de ornamentação. No
segundo caso, isto é, nas monarchias constitucionaes , te re
mos então governo pessoal a despeito das camaras e da opi
nião nacional , porque o rei é tudo, é uma formação omni
moda . E para prova ahi está a historia do paiz, desde a
independencia á revolução republicana.
A fórma porque o Estado se revela, nas manifestações
modernas da democracia, isto é, na republica presidencial ,
adapta- se ao desenvolvimento dos principios liberaes . A

omnipotencia do presidente não existe em periodos calmos e


normaes da nação. A somma de poder que então possue, é
a sufficiente para manter energia e independencia perante as
assembléas. Essa omnipotencia apparece em periodos revo
lucionarios, em dias agitados. Então, o presidente sae fóra
dos seus limites. Isto, porém , não é exclusivo ás republicas
presidenciaes e sim ás monarchias constitucionaes mais
adiantadas.
Si a prerogativa do veto é annullada pela maioria de dous
terços, e o presidente teima em não sanccionar e promulgar
o acto por inconstitucional, o conflicto fica resolvido por
interferencia do poder judiciario federal que evita um movi
mento revolucionario.. Se ainda teima em desobedecer, está
ahi o recurso do impeachment.
A maioria dos dous terços que é garantida pelo apoio da
justiça federal e o impeachment constituem soluções legaes dos
137

conflictos , entre o executivo e legislativo, soluções muito mais


pacificas e que se coadunam melhor com as reclamações da
opinião, em favor de uma reforma, do que a dissolução, que
é, nas republicas parlamentares e monarchias constitucionaes,
a solução dos conflictos entre os dous poderes.
Em ambos os casos, os meios resolvem oo conflicto, com a
differença que a dissolução é uma affronta á opinião nacional,
que faz maioria nas camaras e reclama a victoria de uma re
forma. Ella é a prova da omnipotencia do executivo, que
governa a despeito das camaras e da opinião da nação.
Diz-se mais que o presidencialismo é um systema de go
Verno
sem opinião. São dignas de estudo as paginas de
James Bryce, sobre o papel da opinião nos governos repu
blicanos, em que ella actúa directa e constantemente sobre
seus agentes executivo e legislativo, porque é ella a principal
e unica origem do poder.
Acompanhemos o fecundo escriptor em suas deduc
ções.
" Emquanto nos governos republicanos, como diz elle , o
supremo poder reside na massa dos cidadãos , que prescrevem
a fórma do governo, nos termos restrictos de um documento
constitucional, tendo, entretanto, o direito de mudal-o ; em
quanto elles delegam uma parte de sua soberania aos seus
agentes, aos orgãos governamentaes, reservando para si
grande parte do poder politico ; emquanto a supremacia não
está com a legislatura e sim com o povo que marcou limites
constitucionaes que ella não pode transpor; emquanto o Con
gresso não é a nação e não tem pretenção de sel -o ; no regi
men parlamentar, o poder pertence aos corpos representa
tivos - Camara e Parlamento ---sendo elles o orgão dessa
supremacia que não conhece limites ; o parlamento é a nação,
não por uma ficção legal, e sim porque ella lhe delegou todos
os poderes , não reservando nenhum para si. "
Qual das duas fórmas torna mais effectivo o governo da
opinião publica ?
Incontestavelmente a primeira, porque o poder pertence
exclusivamente ao povo .
138

Ainda mais . A estructura do regimen presidencial , que


se caracterisa pela divisão dos poderes, presta - se, não ha
duvida, a conflictos que se levantam entre seus orgãos .
Nesses mesmos conflictos, para os quaes existem soluções
legaes , vemos o grande poder da opinião, porque ella é o arbi
tro supremo que vem decidil-os.
Realmente, no trabalho intrincado de promulgar leis ,
como diz o sabio escriptor, de interpretal -as , excutal -as , de
administrar a justiça, de dirigir as relações internacionaes ,
isto tudo feito por corpos diversos que se devem equilibrar,
existem riscos de confiictos, quer o Senado recusando as me
didas que a Camara julga conveniente, quer o Presidente lan
çando o veto sobre as deliberações do Poder Legislativo, quer
o Congresso abrindo uma marcha que o Poder Executivo re
pelle, quer, finalmente, negando-lhe os meios de governo.
Nestas condições, quando o espirito nacional é abalado por
esses choques , a opinião publica intervém com a sua força e
ella é decisiva, porque é o supremo arbitro.
Não é assim no regimen parlamentar, em que a opinião
publica não tem efficacia, pois o que predomina é a opinião
das classes governamentaes.
E está como exemplo, em nossa propria historia parla
mentar, a questão da abolição, que era reclamada pela opinião
nacional. Teve entretanto uma solução muito tardia simples
mente porque a opinião do governo lhe era contraria .
Só resolveu-se, quando esta se tornou écho d'aquella .
E' preciso não confundirem -se os dous orgãos da opinião,
governo e povo.
No regimen parlamentar aquelle prepondera, porque o
direito politico do povo foi de todo delegado, constituindo-se
o Parlamento em nação, com todos os seus poderes.
No regimen presidencial a delegação é fraccionada.
O Congresso não resume todas as forças politicas da nação.
Ainda mais .
Esse mechanismo de poderes publicos, completamente
separados, equilibrados, sujeitos aos riscos de conflictos, indica
que o legislador constituinte teve por fim não só crear varios
139

orgãos de opinião publica, como resistir aos choques da im .


prudencia.
Seja-nos permittido aqui transcrevermos ainda as palavras
de Bryce. — Deve -se notar que os esforços feitos em 1787 , para
fraccionar a autoridade e forçar a corrente da vontade popular
em pequenos canaes de opinião, em vez de reduzil - a a uma força
negativa, a collocam acima dos orgãos do governo, porque
elles, por si só, são muito pequenos para formal-a, 'muito limi
tados para lhe servir de orgão, muito fracos para tornal- a effe
ctiva. Ella não nasce no Congresso, na legislatura dos Estados
e no povo. Trabalha e funcciona como um poder impalpavel,
como o ether que passa atravez de todus us cousas.
Emquanto nos Estados Unidos o mior factor do governo
é a opinião, nos paizes monarchicos constitucionaes ella tor
na-se um privilegio das classes que governam , quer pelo
nascimento, quer pela riqueza.
Assim , chegamos a esta conclusão: na democracia moderna
com o regimen presidencial o legitimo orgão da opinião é o
povo, nas monarchias parlamentares, é o governo.
Além das tendencias essenciaes de instabilidade das demo
cracias, aconsellar-se o parlamentarismo, com o cortejo de seus
males, é, não ha duvida, ampliar - se as tendencias divergentes
que hão de trazer novas inquietações ao regimen , indis
pensavel ao desdobramento das liberdades publicas , á
effectividade da ordem e á manutenção da paz interna.
Eis por que consideramos a propaganda parlamentar,
nos governos democraticos uma propaganda antipatriotica.
A tendencia de hoje dos grandes publicistas é fortalecer
os freios contra as velleidades dissolventes das demagogias.
O parlamentarismo segue a direcção contraria.
Além da forma presider cial que ampara a instituição
dos golpes dos partidos , temos o proprio systema federal,
que, diz alguem , modera os movimentos populares, por que
os localisa.
Si appellarmos, para a questão do nosso eleinen to
ethnico, sem aquelle espirito puritano, sem aquella austeri
dade, sem aquella moralidade da raça dos Estados Unidos,
140

que, na opinião de Laveleye é o sal que conserva as insti


tuições, temos a responder, com a profunda autoridade de
Bluntschli ; que da raça anglo-saxonia nasceram as duas
principaes fórmas do estado moderno : a monarchia constitucio
nal na Inglaterra e a democracia presidencial na America.
Que ifluencia exclusiva, pois, exerce a questão ethnica,
quando ella prova de mais ?
Causa identica aquella que na America do Norte contri
buio para ser um freio contra as tendencias divergentes da
revolução democratica, influio poderosamente entre nós como
força historica a grande extensão territorial.
-

Eis ahi as condições intrinsecas do nosso meio e que hao


de assegurar a prosperidade e a estabilidade do regimen pre
sidencial , entre nós .
Querer a intervenção do parlamentarismo, é fortalecer
todas as acções dissolventes .
Precisamos ainda estabelecer os termos do problema sob
outro aspecto e esclarecer sua real significação.
Para nós que defendemos o regimen presidencial, como
o unico que se pode adaptar á formula moderna da demo.
cracia, criticamos o parlamentarismo, na accepção da escola
liberal franceza que, inspirada nas praticas inglezas , quer,
como diz o sabio escriptor, um poder executivo automato e
nullo, uma camara popular, poderosissima e absorvida nas
dissensões dos partidos que disputam o poder e o conquistam ,
não para o bem publico e sim para garantir os interesses de
seus chefes e sua clientela .
Esse parlamentarismo, criticamol-o, porque elle matará
a Republica que, além das causas essenciues de instabilidade que
já possue contará mais esse germen de destruição. Ahi está o
exemplo da França. Este regimen , criticamol-o, por que
não é o regimen do governo de opinião e sim o regimen de
interesses partidarios, de improficuas luctas politicas.
Foi com elle, infelizmente, que se acostumou o espirito
nacional , que, tendo aquella moralidade , aquella circums
pecção, aquelle respeito á lei do espirito inglez, o corrompeu
profundamente, tornando- o um corpo estranho que as
141

nossas tendencias imitativas importaram , obstando ás nossas


conquistas civilisadoras e enfezando o desenvolvimento do
nosso progresso .
Querer a restauração desse regimen não é uma propa
ganda util , que garanta a prosperidade do paiz e a consoli
dação das instituições . E nossa affirmativa é tanto mais
justa, quanto na forma de governo em que nos achamos , os
actos publicos não estão isentos da livre e publica discussão.
Esta attribuição não é uma funcção virtual , no rigimen
presidencial. Ella exerce - se efficaz e plenamente, porque o
poder legislativo como uma das manifestações da soberania
nacional, tem a iniciativa das leis , da dicussão dos planos
de reforma do poder executivo, do processo do chefe de
Estado, para pôr em effectividade o principio da responsabili
dade, que só será uma ficção pelos desfallecimentos dos jul
gadores .
Que é preciso mais para garantir o bem publico, e tornar
effectivo um governo de opinião, perguntamos nós ?
Só faltam as crises politicas, pelas quédas ministeriaes,
pela nullidade do poder que executa as leis .
E' isso a que se chama governo de opinião ? Nós cha
mal - o -emos governo de interesses pardidarios .
E ' este parlamentarismo que se procura restaurar e que
foi a causa dos males que nos entorpeceram durante tantos
annos .

As seguintes palavras de um illustre escriptor pintam


no perfeitamente, como regimen , que é , de ambições e in
teresses politicos.
" Discute- se, por exemplo, para saber si se tem a
guerra ou a paz ; si relacham -se ou apertam- se os laços da
imprensa.
- Os chefes da opposição não reclamam a guerra, senão
para abalar o ministerio que se pronunciou pela paz ; não
pedem a liberdade da imprensa, senão para fazer mossa no
governo. Si a opposição triumpha e impõe seus ministros, os
novos governantes acharão logo um pretexto para comprimir
a liberdade da imprensa e os ministros demissionarios
142

tornar -se -hão partidarios desenfreados da liberdade de tudo


dizer . "
Eis a feição caracteristica do nosso passado poli
tico.
Assim estabeleçamos os elementos do problema :
Si se procura restaurar esse parlamentarismo, que tem
por formula -- chefe de poder executivo automato e omnipo
tencia das camaras com responsabilidade ministerial
préga- se uma doutrina anti-patriotica e insubsistente com a
democracia moderna e incompativel com a Republica Fe.
derativa, porque, como diz um escriptor, substituindo-se a
herança real pelo principio da eleição, ee chamado o presidente
eleito pelo povo, para administrar em seu nome, este chefe
deve ser o unico responsavel perante aquelles que o escolhe
ram . Isso é essencial ao regimen . Reclamar a favor desse
parlamentarismo é reclamar pela mudança radical da forma
do governo .

III

SUMMARIO

Com o parlamentarismo começa a desapparecer da politica a influencia do espirito


democratico . Valor historico deste facto . Quando o parlamentarismo assume
a phase da maturidade e a democracia a phase da decadencia . O parla
mentarismo, o regimen eleitoral e o governo pessoal. Suas relações. Esboço
historico da nossa vida eleitoral. Suas phases. A corrupção. Opinião dos
proprios ministros. Eleição por circulos. Seus defeitos e seus vicios. A poli.
tica de campanario . Materiaes de experiencia ao legislador da Republica.
O voto directo. Uma nova phase politica. Relações entre o regimen eleitoral
e o governo pessoal. Primeiro acto do governo pessoal no segundo reinado .
O governo pessoal e a opinião publica . Intervenção do governo nas eleições,

Por demais longas já vão as nossas considerações sobre


1
o parlamentarismo. Não podemos deixar, entretanto de
passar em revista todas as consequencias que delle emanaram
e que affectaram tão directamente as relações do parlamento
e do governo, dando lugar ao descontentamento geral da
opinião que assistia ás provas as mais irrecusaveis da inco
143

herencia dos partidos e da esterilidade da administração.


Temos em face de nós um facto que é preciso não desprezar
pelo ensina mento que delle resulta.
Foi justamente quando o parlamentarismo assumio a sua
formula definitiva em 1837 , que o espirito democratico que se
constituia programma capital de nossa vida politica, de
sappareceu logo dos partidos que d'ahi em diante só plei
tearam a suprema direcção dos negocios publicos.
Além de um partido francamente republicano que existia
no paiz, durante o primeiro reinado e a regencia e que se
empenhou e foi um grande factor da conquista liberal de
1831 , lavia o partido liberal que logo depois daquella data
dividio- se em moderado e exaltado, firmando este ultimo como
ponto essencial do seu programma a federação monarchica .
Elle chegou mesmo a obter uma grande conquista no
seio da Camara com a passagem do projecto á reforma da
carta constitucional de 13 de Outubro de 1831 , cujas bases
eram - monarchia federativa, extincção do poder moderador ,
eleição biennal da Camara dos Deputados, Senado electivo e
temporario, suppressão do Conselho de Estado, assembléas
legislativas provinciaes, com duas camaras, intendentes nos
municipios, sendo nestes o mesmo que os presidentes nas pro
vincias . ( 1 )
D'ahi em diante tendeu a diminuir a influencia destas
idéas, ao mesmo tempo que o parlamentarismo estava em sua
completa phase de maturidade.
As opiniões tenderam então para o acto addicional e as
deliberações das provincias foram tomadas como ameaça da
integridade territorial do paiz, sendo preciso então, como era
corrente, fixar as attribuições dellas para evitar que com
suas variadas interpretacões formassem estados no estado.
O leitor já sabe qual foi o resultado dessa interpretação
que pervertendo a conquista de 1831 , levou o paiz a situação
extrema da centralisação e da profunda decadencia moral a
que chegámos no fim do segundo reinado.

( 1 ) Americo Brasiliense - Os programmas dos partidos, pag. 10.


144

A tradição desse liberalismo que tantos feitos gloriosos


alcançou, desappareceu completamente do terreno dos par
tidos constitucionaes, substituindo- se pela franca passividade
em face do governo pessoal do soberano.
Sómente nos ultimos annos do Imperio um voto diver
gente do liberalismo monarchico aspirou á federação.
Em vez de amparar a idéa democratica, cujo dominio
intellectual naquelles tempos não era pequeno, de fortalecer
lhe e abrir-lhe largas vias de desenvolvimento , o parlamen
tarismo obrou como um dos seus agentes destructivos, auxi
liado pela acção do Senado e do Conselho de Estado.
No apparecimeuto dos processos parlamentares a idéa
federativa estava no apogeo do seu desenvolvimento. Em
poucos annos de regimen parlamentarista reduziu-se ella ás
proporções em que a historia a apresenta no segundo reinado.
Identica annullação soffreram todas as tendencias liberaes
dos primeiros tempos.
Além desta influencia que teve o regimen parlamentar
como uma mão de ferro sobre a democracia nativa, vamos
ver a que elle exerceu sobre a falsificação do regimen elei
toral e sobre o governo pessoal.
Podemos mesmo affirmar que são dois productos seus.
De facto . Com a necessidade das maiorias parlamen
tares veio a necessidade do governo intervir nas eleições para
fazer camaras unanimes, dando isto em resultado a corrupção
eleitoral em que sempre viveram as velhas instituições. E a
nossa historia parlamentar ahi está para proval -o. E, antes
que apresentemos os factos dessa corrupção de que se con
stituio principal factor o governo, em face das contingencias
que lhe creou o parlamentarismo, de ter necessidade das
maiorias parlamentares, façamos aqui um ligeiro esboço da
nossa historia eleitoral , afim de vermos as conquistas , que
neste terreno alcançou o Imperio.
O primeiro pleito que se ferio entre nós , depois de cons
ituidos como nação independente, foi o da Constituinte. Os
deputados eleitos o foram então pelas instrucções de 19 de
Junho de 1822 que consignaram o principio da eleição indi
145

recta o qual se incorporou á nossa organisação politica. Foi


a eleição de dous graus , excluidas de exercerem o direito de
voto muitas classes de cidadãos .
Quasi nada adiantaram as garantias dos direitos poli
ticos do povo as instrucções posteriores pelas quaes se ele
geram os senadores e os deputados até 1842.
Si ellas não mantinham nem asseguravam a liberdade do
voto e a verdade da eleição, investiram as mesas eleitoraes de
garantias taes que chegavam mesmo ao arbitrio. O processo
de qualificação não se fazia. Da vontade da mesa dependia a
acceitação e a validade do voto , assim como a escolha dos
outros membros, podendo até marcar o numero de eleitores
de cada parochia.
Eis o nosso regimen eleitoral instituido em lei e que do
minou durante tempo bastante para affeiçoar o caracter
nacional á corrupção politica .
O governo dominava os pleitos. D'elles , em vez de sa
hirem os representantes do povo, sahiam os representantes
do governo .
E' digno de menção o modo porque se externava a opi
nião publica nesta primeira phase de nossa vida eleitoral.
Quando os abusos chegaram ao extremo, um ou outro mi
nistro denunciava - os ao parlamento , quando o proprio go
verno é que se instituia em uma das suas maiores causas.
Assim o ministro do imperio o Sr. Limpo de Abreu dizia em
1837 , em seu relatorio :
" Em diversos pontos do Imperio as eleições , tanto para
o corpo legislativo, como para os cargos municipaes tem dado
causa a agitações mais ou menos graves ; e, si este objecto
não fôr por vós tomado em séria consideração, deve-se receiar
que desordens maiores appareçam , e que se veja infelizmente
compromettida a paz interna ... O cidadão sisudo e pacifico
naturalmente se retira do foco da desordem , e muito difficil
é descriminar entre os outros quaes os aggressores e quaes
os aggredidos , e achar testemunhas imparciaes que deponham
contra o delicto e sobre os delinquentes. As leis eleitoraes
v 1. 10
176

são a base do systema representativo : onde essas leis forem


viciosas , o systema necessariamente ha de padecer, e por
ventura alterar -se em sua essencia .
" O governo vio-se na dura necessidade de annullar as
eleições feitas nas provincias de Sergipe e da Parahyba.
Grossos partidos se apresentaram em campo, e por meio das
mais inauditas illegalidades e cabalas propuzeram -se a ganhar
a maioria dos votos para seus candidatos . O excesso na pri
meira d'aquellas provincias subio a tal ponto , que só o nu
mero dos eleitores que figuram como votando no Collegio do
Lagarto , pertencentes a cinco freguerias, eievou - se a 3.627 .
Os habitantes das differentes villas não cessam de reclamar
por energicas providencias contra a repetição de semelhante
mal ; na segunda o excesso foi nos seus resultados parecido
com aquelle, nos districtos de Piancó e Souza. Estes suffo
caram os votos dos eleitores de todos os outros districtos e
dispuzeram das eleições da provincia inteira. E' de esperar,
senhores, que não faltareis com o adequado remedio a um
objecto de tamanha magnitude.” (1 )
No anno seguinte dizia o Sr. Bernardo Pereira de Vas
concellos, ministro interino do imperio ; não cansarei a
vossa paciencia com a repetição do que então se disse (no re
latorio anterior) ; cumprindo, portanto, remetter-vos ao refe
rido relatorio e os documentos que existem em poder do corpo
legislativo, de que o governo espera o conveniente remedio em
assumpto de tamanha importancia, no qual a experiencia tem
mostrado a necessidade de providencias vigorosas, para que
se não repitam os abusos, que se tem commettido. Nem as
disposições das leis eleitoraes, nem as do codigo criminal são
bastantes para conter dentro dos limites do licito ee do honesto
as paixões que nestas occasiões se desencadeiam , e que ulti
mamente se ostentaram com uma arrogancia e despejo sem
exemplo. E ' necessario, senhores, que vos penetreis bem da
persuasão de que a falta de adequadas e vigorosas providen

( 1) F. Belisario Soares de Souza- 0 Syst. Eleit, no Brasil, pag. 48.


147

cias sobre esta materia trará comsigo a gradual, mas infalli


vel destruição do systema representativo .” ( 1 )
Em 1839 usava das seguintes palavras o Sr. Francisco
de Paula de Almeida Albuquerque, em seu relatorio :
6. Por vezes tem sido trazido ao nosso conhecimento os
abusos praticados no acto das eleições ; é com inexplicavel
pezar que eu reconheço quanto se acha adulterado esse prin
cipio de liberdade politica, que a Constituição reconhece e a
ambição tanto prostitue." (2)
Em 1842 eram estas as palavras do ministro de então, o
Sr. Candido J. de Araujo Vianna :
- Não será para admirar que entre nós cáia em completo
descredito , que chegue a tornar - se odioso, o systema repre
sentativo, se a sabedoria da assembléa geral não occorrer
com energicas e bem calculadas providencias, que assegurem
a pureza das eleições... O escandalo tem chegado a tal ponto
que passa como principio inquestionavel que, feitas as mesas
parochiaes, está feita a eleição dos representantes da nação; e
estabelecido este principio, não ha abusos , não ha attentado,
não ha crime que os partidos desenfreados não commettam
para installarem nas mesas as pessoas da sua facção e afasta
rem não só as que lhes são hostis , mas ainda aquellas que
lhes não são estreitamente adherentes. Era de urgente e abso
luta necessidade cohibir tão escandalosos abusos. ” (3 )
Eis a opinião official que não servia entretanto para
cohibir a intervenção do governo.
A corrupção chegou a ponto do governo dissolver a Ca
mara de 1842, por ser illegitima e não representar a opinião
da nação, em vista dos vicios da eleição que a suffragara.
Ahi inicia- se a segunda phase da nossa vida eleitoral com
as instrucções de 4 de Maio, que pouco adiantaram ao regi
men eleitoral .
Crearam a qualificação dos votantes, a qual não existia
até então, e restringiram as attribuições da mesa eleitoral
(1 ) F. Belisario Soares de Souza-Obr . cit . pag. 49.
(2) Idem - Obr. cit . pag. 49.
( 3) Idem - Obr. cit. pag . 50 .
148

que agora só podia conhecer da identidade e não mais da


idoneidade do eleitor. A composição porém que lhe deram
com os elementos que a constituiam - o juiz de paz, o parocho
e o subdelegado de policia-favoreceu a intervenção da força
policial , que se representava na organisação da mesa.
Isto deu logar aos maiores abusos no proprio pleito que
se ferio sob o novo regimen. “ A lei acaba de ser promul
gada, e transformaram-se logo as autoridades, que ella creou,
em agentes eleitoraes , justamente na occasião em que se ia
travar uma luta eleitoral em extremo apaixonada, depois da
dissolução da camara temporaria em 1º de Maio de 1842 .
“ Si não fôra esta circumstancia ; si as instrucções de
de Maio não tivessem enlaçado a Lei de 3 Dezembro no seu
systema e na odiosidade que excitaram , aquella lei não se
teria desvirtuado na opinião publica e outros teriam sido os
seus resultados e o modo de consideral-a .” (1 )
D'ahi em diante a questão entrou em outra phase.
Si até então o proprio governo tinha sido o legislador do
serviço eleitoral , já agora o parlamento toma a si a funcção
que pela Constituição lhe competia. E então a Lei de 19 de
Agosto de 1816 foi o primeiro acto legislativo dessa prero
gativa que o poder competente tinha tão voluntariamente
abdicado. Em relação ás condições anteriores, ella melhorou
simplesmente a organisação das mesas de qualificação e elei
toraes . Não deixou tambem de dar um pequeno desenvolvi
mento ao principio das incompatibilidades parlamentares . Con
servou , entretanto, inalteravel o systema do regimen indirecto
e em nada ampliou as regalias do direito politico do povo.
O ministro do imperio Marcelino de Brito, em seu relato
rio, dizia : - Tantas foram as duvidas occorridas na execução
da Lei eleitoral de 19 de Agosto de 1846 ee tal é a gravidade
de algumas e tão transcendente é o objecto em si mesmo, que
eu não posso furtar -me ao dever de solicitar do vosso patrio .
tismo a prompta revisão desta lei . " (2)

(1 ) F. Belisario Soares de Souza - Obr. cit . , pag . 52.


(2) Idem -Obr . cit . , pag. 61 .
149

O parlamento empenhou-se então na reforma eleitoral,


promulgando a Lei de 19 de Setembro de 1855. Tendo am
pliado o principio das incompatibilidades, trouxe porém a
questão um elemento novo—a eleição por circulos . Ainda que
o intuito do legislador com essa innovação fosse corrigir as
condições eleitoraes que creavam as camaras unanimes, o
novo elemento interpolado na lei e considerado como uma
conquista liberal , veio entretanto dar maiores proporções á
corrupção, creando a politica de aldeia, a dependencia dos
deputados para com os interesses locaes, ligados á vontade
dos chefes .
Satisfazer as exigencias do districto era a preoccupação
do deputado, esquecendo os interesses nacionaes para lançar
se no seio da politica do campanario.
E este elemento novo pelo qual se procurou corrigir os
defeitos do regimen eleitoral e garantir o direito de repre
sentação das minorias, permaneceu na legislação, somente
com a transformação dos circulos em districtos . O deputado
representava as aspirações politicas de pequenas circums
cripções, em vez de constituir -se representante das provin
cias .
“ Não é exacto que as eleições feitas por grandes massas
possam dar jamais resultados tão funestos á nação. Tudo se
engrandece e se eleva ao contacto das assembléas numerosas ;
o egoismo não ousa mostrar - se, e as personalidades, sempre
mesquinhas, se pejariam de nellas apresentar-se. Não se deve
falar sinão do povo, de sua vida poderosa, de seus altos des
tinos , quando se fala ao povo. Os pequenos horisontes das
localidades se perdem e absorvem na vasta atmosphera na
cional.
Além da eleição por circulos não corresponder ás inten
ções do legislador de corrigir o defeito das camaras unanimes ,
porque desde 1856 a 1871 , tendo - se procedido a quatro elei
ções geraes, tres produziram -nas, deu ella em resultado o
enfraquecimento dos partidos que, em vez de constituirem -se
como collectividades poderosas e corpos bem organisados, se
tornaram organisações facilmente proliferaveis, pelo germen
150

de dissolução que lhes vinha da pressão dos interesses exclu


sivamente circumscriptos aos circulos e aos districtos .
As candidaturas eram elaboradas no seio desses interes
ses . O regimen da transacção dos partidos dominou ; deixando
estes á margem os seus programmas e as suas aspirações po
liticas .

Em face desta experiencia não se detém o legislador da


republica na tendencia em que caminha de interpolar na lei
eleitoral o principio da eleição por circulos. Parece que os
desastres que nos trouxe esse principio não impuzeram a
convicção de suas desvantagens , porque se quer voltar a si .
tuação politica do passado que, si no regimen imperial trouxe
o descredito do suffragio , no republicano esse descredito
quando não seja a morte das instituições, será o seu certo
atrophiamento .
Si o regimen monarchico em que o poder politico é liere
ditario não poude resistir nem evitar a corrupção do voto,
obra exclusiva não só dos principios essenciaes em que as leis
eleitoraes foram modeladas, como da execução dellas , compre
hende-se que o regimen republicano, regimen essencialmente
electivo e em que a lei e o principio da autoridade devem ser
a expressão das maiorias, caminhará para o mesmo descre
dito, si vingar essa aspiração politica da representação por
pequenas circumscripções. Assim o legislador republicano
precisa deter-se na marcha em que segue, em nome dos inte
resses e da pureza das instituições.
Para completarmos aqui este esboço historico, só temos
que estudar a ultima phase da vida eleitoral do Imperio - a
lei eleitoral pelo regimen directo.
Ainda que nella ficasse interpolada a representação por
pequenas circumscripções, todavia a lei de 1881 não deixa de
representar uma conquista notavel de nossas aspirações elei .
toraes, com o voto directo. Ainda que não alargasse o prin
cipio das incompatibilidades, todavia esta phase inicia uma
nova vida politica que se caracterisa pelas restricções pro
fundas que soffreu o governo pessoal, sob cujas inspirações
151

se desenvolviam as forças politicas da nação, desde os seus


primitivos tempos .
Durante quasi meio seculo (1840 — 1881 ) o paiz viveu
sob um regimen eleitoral que offerecia os mais francos pre
textos á corrupção do voto, entregando assim a direcção
suprema dos negocios publicos a um só homem. A perma
nencia dos ministros , em vez de depender das maiorias parla
mentares, orgão da opinião nacional, dependia de sua vontade.
Não foi uma só vez que ministerios se demittiram , apoiados
entretanto naquellas maiorias . Não foi uma só vez que
parlamentos em cujas maiorias os ministros não tinham am
paro, foram dissolvidos .
O regimen parlamentar era menos a expressão da con
fiança nacional para com o ministerio do que da confiança do
imperador.
Foi esta sempre a politica de D. Pedro II.
Do governo pessoal a sua primeira manifestação notavel
foi no segundo reinado, demittindo os ministros que tinham
dado o golpe da maioridade, contra a existencia do regimen
legal da regencia, quando elles tinham franca maioria na
Camara que fôra dissolvida antes mesmo de installada.
- Nem a lucta dos partidos, dizem os seus chronistas,
nem a attitude da Camara, nem a opinião publica determinava
a dissolução ; deliberava-a o Monarcha soberanamente . Na
Inglaterra prevê -se e annuncia -se com alguma antecedencia a
dissolução de uma Camara ; aqui , dado um conflicto com o
Ministerio, até a ultima hora ninguem sabia o que resolveria
o Imperador. Concedia ou não concedia a dissolução, e muitas
vezes desconcertou todas as previsões .
“ Foi notavel o capricho em diversas occasiões, uma das
quaes foi a queda do gabinete Dantas, aliás formado para
adiantar a nobilissima idéa imperial - libertação dos escra
vos . Derrotado segunda vez na Camara, não pôde dissolvel-a :
S. M. Imperial antes quiz ver a sua propria e nobre aspiração
mystificada por Saraiva , Prado e Cotegipe.
6. Era sempre assim ; qualquer que fosse a crise, não
havia logica de acontecimentos que pudesse fazer prevêr o
152

desfecho. Até a ultima hora se perguntava ; o Imperador con


cede ou não concede a dissolução ?
" O mesmo espirito presidia á nomeação dos Ministros .
Devia ser o organisador, e foi algumas vezes , o mais distincto
chefe do partido chamado ao Poder ; e esse devia ter carta
branca para a escolha dos collegas .
“ Assim é na Inglaterra ; assim não era entre nós ; o
organisador não podia convidar sinão os previamente autori
sados pelo Autocrata , que mais de uma vez excluiu nomes ,
por suas antipathias.
-i Já quasi no fim do reinado , disse elle um dia que de
certo tempo em diante deicara inteira liberdade ao Presidente do
conselho, o que envolve a confissão de que antes não a dei
xara . ” (1 )
Esta preponderancia de que gozou o imperador durante
o seu reinado, obrou como fonte de descredito das institui
āões e era o objecto da critica da opinião.
E não podemos condensar melnor estas opiniões, do que
transcrevendo -as do manifesto republicano de 3 de Dezembro
de 1870 que buscava neste vicio do regimen monarchico um
elemento de propaganda : 6. Todos somos concordes em reco
nhecer e lamentar a prostração moral a que nos arrastou o
abatimento sob as vestes do liberalismo apparente.
Euzebio de Queiroz , monarchista extremado. chefe
proeminente do partido conservador, foi uma vez ministro no
actual reinado, e não mais consentio em voltar a essa posição ,
apezar das circumstancias e solicitações reiteradas de seu
partido.
• Neste paiz, dizia elle, não se pode ser ministro duas
vezes . ”
• Firmino Silva, dando conta da morte desse distincto
brasileiro , escreveu no Correio Mercantil de 10 de Maio de 1868
as seguintes palavras :

( 1 ) C. B. Ottoni - D. Pedro de Alcantara. Vide Jornal do Commercio de 26 de


Julho de 1893.
153

“ Inopinadamente deixou o ministerio e se retirou isola


damente; e, sempre que se offerecia occasião de assumir a
governação, se esquivava, com inquietação dos que o conhe
ceram .

“ Ha convicções tão inabalaveis que preferem o silencio


que suffoca, ao desabafo que PÓDE POR EM PERIGO UM PRIN
CIPIO .
66 D. Manoel de Assis Mascarenhas , caracter severo e
digno, manifestou no Senado o seu profundo desgosto pelo
que observava nos seguintes termos :
" Quando a intelligencia, a virtude , os serviços são pre
teridos e postos de parte ; quando os perversos são galardoados
com empregos eminentes, pode-se affoutamente exclamar
com Seneca :
6. Morreram os costumes, o direito, a honra, a piedade, a
fe, e aquillo que nunca volta quando se perde – o pudor ."
" Nabuco de Araujo, conhecido e pratico no governo,
disse na Camara vitalicia por occasião da ascenção do gabi
nete de 16 de Julho :
" O poder moderador não tem o direito de despachar
ministros como despacha delegados e subdelegados de policia.
“ Por sem duvida , vós não podeis levar a tanto a attri
buição que a Constituição confere á corôa de nomear livre
mente os seus ministros; não podeis ir até o ponto de querer
que nessa faculdade se envolva o direito de fazer politica sem
a intervenção nacional, o direito de substituir situações como
lhe approuver .
- Ora dizei -me : não é isto uma farça ? não é isto um
verdadeiro absolutismo, no estado em que se acham as eleições
no nosso paiz? Vede esta sorite fatal, esta sorite que acaba
com a existencia do systema representativo : -O poder mo
derador póde chamar a quem quizer para organisar minis
terios ; esta pessoa faz a eleição porque ha de fazel - a ; esta
eleição faz a maioria .
- Eis ahi está o systema representativo do nosso paiz.”
“ Francisco Octaviano, quando redactor do Correio Mer
cantil, por mais de uma vez, estygmatisou em termos ener
154

gicos o poder pessoal que se ostenta e as inconveniencias que


de similhante poder resultam para a nação.
66
Sayão Lobato e o mesmo Firmino Silva escreveram
no Correio Mercantil, cuja redacção estava a seu cargo, as
verdades seguintes :
" Quem de longe examinar as instituições brasileiras
pelos effeitos da perspectiva ; quem contentar-se em observar
o magestoso frontespicio do templo constitucional, suas in
>

scripções pomposas, sua architectura esplendida, ha de sem


duvida exclamar --- eis aqui um povo que possue a primeira das
condições do progresso e da grandeza .
66
Aquelle , porém , que um dia estender o campo da
observação até o interior do edificio, na esperança de ahi
admirar a realisação dos elementos de felicidade que as
fórmas estensivas do governo affiançavam , e o regimen da
liberdade tem desenvolvido em outros lugares , exclamará :
que decepção !
- Sob a influencia do Visconde de Camaragibe, Pinto de
Campos e outros monarchistas por excellencia, foi publicado
em Pernambuco no Constitucional em 1868 o seguinte :
" O governo, a nefasta politica do governo do imperador
foi quem creou este estado desesperado em que nos acha
mos ... politica de proscripção, de corrupção, de venalidade
e de cynismo ... um tal governo não é da nação pela nação,
é Oo governo do imperador pelo imperador ... A ' proporção
que o poder se une nas mãos de um só, a nação se desune e
divide .'91
O Diario do Rio de Janeiro, escripto sob as inspirações
do Barão de Cotegipe, dizia no mesmo anno :
6. Tudo está estremecido : a ordem e a liberdade . Se o
presente afflige, o futuro assusta."
O mesmo Diario, e sob a inspiração dos mesmos homens,
dizia eloquentemente em referencia as insidiosas palavras
harmonia dos brasileiros :
- A harmonia imposta é a paz de Varsovia , ou a obe
diencia dos Turcos.
155

" Não pode haver harmonia entre opprimidos e oppres


sores, entre usurpadores e usurpados, entre algozes e vic
timas :

“ Si os opprimidos supportam , chamae -os resignados.


“ Si não promovem a reivindicacio, chamae -os covarcles.
Mas em respeito a Deus , que tudo vê, não chameis harmonia
dos brasileiros o despreso das leis , a dictadura disfarçada, a
desgraça privada, o rebaixamento da dignidade nacional."
Silveira da Motta disse no Senado em 1859 :
" As praticas constitucionaes enfraquecem -se todos os
dias ; o regimen representativo tem levado botes tremendos ,
a depravação do systema é profunda. No paiz o que ha só
mente é a forma de governo representativo : a substancia
desappareceu .
· Tentêe-se esta chaga da nossa sociedade e vêr-se - á que
no Brasil o regimen constitucional é uma mera formali
dlade ! "
Ainda este anno e nessa mesma
casa do parlamento,
accrescentou elle :
66
" Cheguei á convicção de que o vicio não está nos ho
mens, está nas instituições ."
Francisco Octaviano, Joaquim Manoel de Macedo e outros
que em 1868 dirigiram o Diario do Povo, publicaram um ar
tigo editorial em que se lia o seguinte :
“ São gravissimas as circumstancias do paiz.
5. No exterior arrasta- se uma guerra desastrada ...
No interior um espectaculo miserando. Formulas appa
rentes de um governo livre, ultima homenagem que a hypo
crisia rende aindu á opinião do seculo : as grandes institui
ções politicas annulladas, e a sua acção constitucional substi
tuida por um arbitrio disfarçado.
Para nós , ha uma só causa capital, dominante... esta
causa não é outra sinão cega obstinarão com que desde annos,
oru, ás occultas, ora ás claras, se trabalha por extinguir os
partidos legitimos sem cuja acãi o systema representativo se
transforme no peior dos despotismos, no despotismo simulado.
156

Chegadas as cousas a este ponto está virada a pyra


mide ; o o movimento parte de cima, quem governa é a coroa ...”
Em 21 de Julho do mesmo anno , dizia o mesmo jornal :
“ Cesar passou o Rubicon : Começa o periodo da fran
queza... preferimos a franqueza á dissimulação.
- Tinhamos medo do absolutismo atraiçoado que escondia
as garras no manto da Constituição, absolutismo chato, hur
guez, deselegante. Mas o absolutismo que não teme a luz,
não nos mette medo . "
A 24 de Julho de 1867 o Diario de S. Paulo, orgão do
partido conservador naquella provincia, sob a redacção de
João Mendes de Almeida, Antonio Prado, Duarte de Azevedo
e Rodrigo Silva, sob o titulo o " Baixo Imperio ", escrevia o
seguinte :
“ Haverá ainda quem espere alguma cousa do Sr. D. Pe
dro II ?
" Para o monarcha brasileiro só ha uma virtude O

servilismo !
" Para os homens independentes e sinceros o ostra

cismo ; para os lacaios e instrumentos de sua grande politica


-os titulos e as condecorações ! ”
José de Alencar antes de ser ministro escrevia :
“ O que resta do paiz ? o povo inerte, os partidos extinc
tos , o parlamento decahido.”
Depois que deixou o ministerio , e com experiencia ad
quirida nos conselhos da corôa, disse :
" Ha com effeito uma causa que perturba em nosso paiz
o desenvolvimento do systema representativo, fazendo -nos
retrogradar além dos primeiros tempos da monarchia . Em
principio latente, conhecida apenas por aquelles que pene
travam os arcanos do poder; a opinião ignorava a existencia
desse principio de desorganisação. Por muito tempo duri
dámos do facto.
66
" Hoje, porém , elle está patente, o governo pessoal se
ostenta a todo instante, e nos acontecimentos de cada dia .
Parece que perdeu a timidez ou a modestia de outr'ora, quando
se recatava com estudada reserva.
157

" Actualmente faz garbo do seu poder ; e , si acaso a res


ponsabilidade ministerial insiste em envolvel -o no manto das
conveniencias , acha meios de romper o véo e mostrar- se a
descoberto.
“ Como um polypo monstruoso , o governo pessoal invade
tudo, desde as transcedentes questões da alta politica até as
nugas da pequena administração."
Antonio Carlos o velho, no primeiro anno do actual rei
nado, na discussão da Lei de 3 de Dezembro, já dizia :
" O principio regulador de um povo livre é governar- se
por si mesmo ; a nova organisação judiciaria, exclue o povo
brasileiro do direito de concorrer a administração da justiça ;
tudo está perdido, senhores, abdicamos da liberdade para
entrarmos na senda dos povos possuidos ! ”
O proprio barão de S. Lourenço teve a franqueza de
dizer no Senado :
" A força e prestigio que com tanto trabalho os partidos
tinham ganbo para o governo do paiz estão mortos .
“ As provincias perderam a fé no GOVERNO DO IMPERIO.
“ Tal é a situação do paiz , tal é a opinião geral emittida
no parlamento, na imprensa, por toda a parte.” (1 )
Si o governo pessoal diluia o regimen monarchico em
uma dictadura, ainda que mansa e simulada, porém profunda
mente corruptora, o regimen eleitoral foi o terreno propicio
do seu desenvolvimento .
E' com razão que a opinião dos escriptores assim se ex
ternava sobre esse facto :
“ Esta politica de partidos officiaes , dizia nm espirito
liberal , assenta no facto de serem as eleições producto mera
mente official. Os candidatos não se preoccupam com os
eleitores, mas com o governo, cujas boas graças solicitam e
imploram. Ser candidato do governo é o anhelo de todo o
individuo que almeja um assento no parlamento ; proclamar
se, e ser reconhecido como tal , é o seu primeiro e principal
cuidado. Ninguem se diz candidato dos eleitores, do com

(1) Americo Brasiliense - Os programmas dos partidos, pag. 70 .


158

mercio, da lavoura , desta ou d'aquella aspiração nacional;


mas do governo .
6. Os solicitadores se acotovellam nas ante - salas dos mi.
nistros e presidente de provincia, e abandonam os comicios
populares ; naquelles e não nestes pleiteam as candidaturas.
Tudo tornou-se artificial nas eleições . O mais desconhecido
cidadão nomeado presidente da provincia constitue-se logo, e
por este simples facto, o unico poder eleitoral da provincia a
que preside. O ministro do imperio, seja o mais nullo dos
politicos do seu partido, faz e desfaz deputados a seu talante
desde o Alto Amazonas até Matto Grosso com uma simples
carta de recommendação. O que se observa nas altas re
giões politicas reproduz -se nos collegios e freguerias elei.
toraes.” ( 1 )
Um gremio politico de uma provincia, tendo de resolver
sobre as candidaturas, assim se referio sobre as de tres depu
tados que tinham na sessão anterior feito opposição ao mi
nisterio :
6. Postas em discussão as candidaturas dos tres depu
tados acirna referidos (Drs . Coelho , Enéas e Salles) fallou em
primeiro lugar sobre ellas o Sr. Dr. Simplicio, o qual disse
que, com quanto fosse muito digna e honrosa a posição hostil
ao gabinete que assumiram na Camara aquelles ex- represen .
tantes da provincia, visto como o que os levou a negar apoio
ao actual ministerio foi a recusa deste a satisfazer necessi
dades vitaes e urgentes do partido conservador do Piauhy e
da provincia, a tomar medidas efficazes que reclamavam os
intereses mais sagrados do mesmo partido e provincia, não
era, todavia, prudente nem conveniente serem acceitas as
candidaturas dos mesmos senhores , por maiores que fossem
as sympathias que lhes votava o partido, por maiores que
fossem as dedicações que lhes consagrassem os conservadores
do Piauhy, pela razão de que, tendo elles definitivamente
votado contra o actual gabinete e perdido assim a confiança
deste, não podiam de forma alguma ser ellas sympathicas ao
(1) F. Belisario Soares de Souza - 0 Regimen Eleit., pag. 2.
159

dito gabinete, o qual ao contrario , era natural que as consi


derasse como uma provocação directa, como o signal de uma
lucta, que, sem probabilidade de bom exito, traria em resul
tado o aniquillamento total do partido (que não tem forças
bastantes para vencer o governo e os adversarios communs)
em proveito do partido liberal, que ficaria pela consequencia
inevitavel dos factos, senhor do pleito e de todas as posições
officiaes.
“ Abundando em outras considerações tendentes a de
monstrar estes resultados, concluio o Sr. Presidente, dizendo
que o partido conservador devia resignar- se a este penoso e
cruel sacrificio em attenção a conveniencias futuras de ordem
muito elevada, e que confiava bastante na abnegação, bom
senso e civismo d'aquelles tres dignos ex -representantes do
Piauhy , para suppôr que elles, fazendo justiça aos senti
mentos e estima que lhes consagram os seus correligionarios
e comprovincianos, aguardariam satisfeitos a occasião oppor
tuna de voltar ao parlamento como deputados por esta pro
vincia ” . ( 1 )
A intervenção official nos pleitos chegou a ponto de um
candidato, em sua circular, dizer :
“ Na quadra actual, no ministerio e nos mais cargos
importantes não diviso senão amigos, entre os quaes não
posso deixar de distinguir o grande homem da situação, o
eminente estadista, Visconde do Rio Branco, actual presi
dente do conselho, que não faz segredo de que pela eleição de
um amigo antigo e companheiro de banco, de cerca de 20 an
nos , na Camara dos Deputados, toma todo o interesse e faz o
maior empenho, compativel com a elevada posição que tão
dignamente occupa." ( 2 )
O que temos escripto é sufficiente para provar que o re
gimen representativo em que a monarchia aspirou uma forma
de governo, entre nós não passou de simples aspiração - que
a realidade dos factos não confirmou .

( 1 ) F. Belisario Soares de Souza -- Obr. cit . , pag. 3.


( 2 ) Idem - Obr. cit . , pag. 3.
160

Não passou de dictadura pessoal dos representantes da


dynastia que tiraram das instituições o caracter de regimen
constitucional . Appellar para a verdade delle era appellar
para a necessidade de restringir o individualismo dynastico,
ao qual o seu despotismo nunca quiz acquiescer.
E a falsificação do regimen representativo activou as
aspirações democraticas com tanto mais força, quanto a sub
stituição da forma de governo impunha -se como uma neces
sidade ineludivel apta a crear outra educação politica, outro
caracter da nação.
Tentar o regimen da lei , a verdade do constituciona
lismo, a pureza do regimen representativo, a autonomia eco
nomica , o desenvolvimento moral e material dentro da fór
mula monarchica, affigurou - se ao espirito liberal e democrata
tarefa mais pesada (e talvez impossivel) do que dentro da fór
mula republicana, porque dentro do proprio systema de
governo, da indole que deram as instituições , do seu desen
volvimento pratico, do grao de adaptação que ellas tiveram
no paiz, provieram em grande parte os males que obstruiram
a marcha da nossa civilisação. E é o que, parece, temos
provado nestes capitulos.
CAPITULO IV

Causas sociaes

SUMMARIO

Causas sociaes ; a cultura do povo , pela instrucção, o espirito de classe do exercito


ea supremacia dos juristas na politica . Influencia da cultura sobre a civili
sação. Theorias de Buckle. Historia da instrucção no Brasil. A evolução
intellectual. Inicio da propaganda das sciencias naturaes. Condições do en
sino medico e juridico . Phase da orientação metaphysica e da orientação
naturalista haeckeliana. Frequencia das Faculdades de Medicina e de Di.
reito. Papel historico de Tobias Barreto . Sua propaganda. O allemanismo .
Benjamin Constant. As escolas como focos de cultura . Duas correntes da
educação scientifica - o evolucionismo haeckeliano e o positivismo. A in
fluencia scientifica na propaganda republicana .

Depois de termos estudado a influencia que tiveram as


causas economicas e politicas sobre a origem e o desenvolvi
mento da idéa republicana e sobre a revolução, vamos entrar
no estudo das causas sociaes .
Classificaremos n’esta categoria as que emanam da cul
tura do povo, por effeito da instrucção ; do espirito de classe
do exercito e da supremacia dos bachareis em direito na di
recção da politica nacional.
Nestes tres factos originaram -se forças que activaram a
propaganda republicana com tanto mais celeridade, quanto
ellas repercutiram no seio da opinião, dando lugar a scisões
que convergiam para a aspiração democratica. Com a disse
minação da cultura popular havia de fortificar - se o espirito
de rebeldia e de descrença contra as instituições approximan .
do-se tanto mais da formula democratica, quanto mais se
affrouxavam os laços do passado.
Nas bellas paginas da obra monumental de Buckle
Historia da civilisução na Inglaterra — está o mais perfeito es
v. 1 11
162

tudo da influencia do desenvolvimento intellectual de um


povo sobre a marcha de sua civilisação.
E na analyse em que entra o notavel escriptor sobre este
factor historico do qual deduz as leis mentaes que regulam os
progressos da humanidade , vê-se a importancia que repre
senta o desenvolvimento scientifico, o alargamento da ins
trucção , em relação ao desenvolvimento civilisador de um
paiz que aspira tanto mais a liberdade, possue tanto mais
opinião e torna- se tanto mais rebelde á tyrannia dos go
vernos, quanto o seu intellecto se enriquece com as pesquizas
da cultura scientifica.
E é neste lado do complicado problema dos processos de
critica historica que o autor vae buscar as causas mais effe
ctivas dos grandes acontecimentos . E vem a proposito aqui
lembrar a influencia que exerceram os estudos das sciencias
naturaes do meiádo do seculo passado em diante sobre a evo
lução da democracia franceza.
Constituem uma de suas mais importantes causas. Não
temos que acompanhar o autor no desenvolvimento que dá ao
assumpto, demonstrando que a disseminação das sciencias
naturaes na França pelos scientistas do fim do XVIII
seculo, quasi todos discipulos dos scientistas inglezes, deu
lugar á grande revolução que trouxe a emancipação politica
e social da França.
Temos somente que fazer applicação a nós desta theoria
pela qual o desenvolvimento scientifico esclarece a con
sciencia democratica , trazendo como resultado inevitavel o
desenvolvimento das idéas liberaes .
E teremos de convencer- nos então que no desenvolvi.
mento que teve entre nós , a instrucção quer primaria quer
secundaria como ainda mais de uns trinta annos para cá, o
estudo das sciencias naturaes , está um importante factor da
evolução democratica do paiz.
Só depois de dous seculos de descoberto o Brasil , foi que
se fez sentir a acção da metropole portugueza na instrucção
publica, e datam do começo do seculo XVIII a creação na
capital da colonia dos primeiros cursos de latim, grego,
163

hebreu e rhetorica , no começo do seculo XIX creando-se


uma Academia de Marinha, uma Escola Anatomica e de Me
dicina (1809 ), uma Academia de Bellas Artes , o Museu Na
cional (1818), a Academia Militar (1810), de onde sahiram
depois a Escola Militar actual , a Escola Polytechnica ee Es
cola de Tiro do Campo Grande, uma cadeira de economia po
litica no Rio, uma Bibliotheca Publica ( 1814) , um curso de
mathematicas no Recife, além da fundação de differentes
escolas primarias em outros lugares.
Vê -se por ahi que começo do seculo, até pouco antes da
independencia , as condições da instrucção eram as peiores
possiveis . Não só pelo numero insufficiente das escolas , como
pela natureza das sciencias que se ensinavam , em geral linguas
ou sciencias em relação com o mundo interno , vê -se que a
cultura não estava disseminada , nem tão pouco dirigida por
influencia das sciencias naturaes .
Sómente na capital da colonia e no Recife haviam cursos
de medicina e mathematicas onde eram ellas estudadas . Em
fócos tão retrictos não podiam irradiar- se e disseminar-se, nem
mesmo pelas melhores camadas das sociedade. São entretanto
as unicas que imprimem orientação séria á educação scien
tifica de um povo .
Siantes da independencia eram essas as condições do nosso
desenvolvimento intellectual , depois della quasi nada melhora
ram , relativamente ao maior progresso que tivesse o estudo
d'aquellas sciencias. Sómente em 1827 foram creadas na Bahia
e no Rio de Janeiro as Faculdades de Medicina, tendo iniciado o
estudo official de direito com a creação dos cursos juridicos em
S. Paulo e Recife em 1827 , e generalisados pelas provincias os
cursos de philosophia, rhetorica, geometria e francez (1831).
Julgamo-nos dispensados pela natureza do livro que escre
vemos , de fazer o historico da instrucção entre nós . O ponto
principal , e que prende a nossa attenção pelas relações que o
ligam á influencia que exerceu a cultura do espirito nacional
sobre o desenvolvimento da idea democratica, é mostrar que
essa cultura teve duas phases. Uma que termina em 1870 e
outra que ahi se inicia, produzindo uma differença profunda
164

na orientação scientifica do Brasil . E é esta ultima phase a


mais importante e a que produzio uma revolução completa em
todos os nossos ramos de conhecimentos . Si até 1870 a orien .
tação scientifica nacional era profundamente transviada e ins .
pirada nos principios da metaphysica, sem a menor intervenção
das sciencias naturaes com OS seus methodos seguros de
inquirição e de analyse ; si até então a attenção dos nossos scien
tistas e litteratos não se dirigia para o estudo do mundo
externo e sim para as especulações vãs e estereis do subje
ctivismo ; dessa data ' em diante inicia-se um movimento scien
tifico, que faz substituir essa orientação rhetorica por nova
orientação caracterisada pelo estudo verdadeiramente scienti
fico. Limitado até então ao circulo estreito do ensino official
nas academias de medicina, de engenharia e nas escolas mili
tares , desta data em diante começou o estudo das sciencias
naturaes a alargar- se pela propaganda, que levou aa influencia
de sua orientação aos cursos juridicos, aos cursos de prepara
torios , á litteratura, á critica, á historia e á politica.
Si até então a educação dos homens de lettras era consti
tuida sem o concurso dessas sciencias , d'ahi em diante ellas
começaram a figurar como estudos preparatorios, até mesmo
nos cursos juridicos e a terem maior desenvolvimento pelo
lado do estudo pratico e experimental.
Assim , em 1870 , o estudo da medicina era puramente
theorico. Poucos annos depois mudaram -se suas condições. Não
só os estudos theoricos como os praticos tomaram grande
desenvolvimento .
De 16 cadeiras de que se compunha o curso, este passou a
ser de 26. Crearam -se 14 laboratorios para o estudo pratico e
experimental da physica, chimica inorganica , com um gabi
nete mineralogico ; da botanica , com um gabinete zoologico ;
chimica organica e biologica , com um gabinete de bacteriolo
gia ; physiologia ; histologia ; anatomia pathologica ; therapeu
tica experimental; pharmacia ; hygiene ; toxicologia ; anatomia
descriptiva ; cirurgia dentaria ; operações cirurgicas . (1 )

( 1 ) Sant'Anna Nery - Le Brésil em 1889 pag. 372.


165

Nesta época iniciaram-se os estudos de microscopia, feitos


com tanta competencia principalmente pelos Drs. Domingos
Freire e Lacerda .
Si as condições do estudo das sciencias medicas eram
profundamente theoricas e restrictas a pequeno numero de
sciencias, os cursos juridicos eram insufficientes para dar aos
moços que aspiravam ao bacharelado uma educação scienti
fica . Nas seguintes palavras de escriptor tanto mais insus
peito, quanto conhecia de perto as condições do ensino de
direito entre nós , está a verdade do atraso scientifico das
Faculdades juridicas. Em um artigo – As faculdades juridi
cas como factores do direito nacional -- dizia Tobias Barreto :
“ Eu não dou muito , já é superfluo dizel - o, pela sciencia
das nossas Faculdades ; mais ainda de menos valor me parece
o traquejo rude e grosseiro dos nossos tribunaes, onde Themis
e Minerva não se beijam , porém brigam e se esbofeteam . Um
dos nossos professores de direito, os quaes , em regra pouco
fertil de excepções , não são espiritos que tenham coragem de
dar aos pobres , ou de sacudir pela janella toda a sua velha
mobilia scientifica, e munir -se de outra nova, no gosto e al
tura do tempo, toma feições yigantescas, comparado com a
maioria da magistratura, para a qual se recrutam de prefe
rencia os mais perfeitos exemplares da classe dos acephalo .
phoros. " (1 )
Dizia mais este grande espirito que occupa neste seculo
o ponto mais culminante da mentalidade nacional, em outro
traballo seu — Sobre a nova intuicio do direito — o seguinte :
" D'ahi por certo, o espectaculo pouco edificante do
grande numero de moços, que entram nas faculdades juridi
cas com o ardor e a impaciencia de quem vae por ventura
cavar um thesouro, porém dellas se retiram com a triste des
illusão de quem em vez do thesouro sonhado encontrou apenas
uma camada de gréda, ou uma caveira de burro.
- Entretanto, importa reconhecer e dizel- o alto e bom
som , a mocidade não é culpada dessa indifferença e quasi

(1 ) Tobias Barreto-- Estudos de Direito, pag. 251.


166

tedio, que se lhe nota em relação aos estudos juridicos. O mal


provém de outra fonte ; e eu não sinto a minima difficuldade
em indical - a.
" O mal provém do corpo docente, cujo talento de ins
truir, salvo uma ou outra arvore viçosa no campo sáfaro da
regra commum , consiste justamente bem ao em vez do que
pensava Rousseau, em fazer que os discipulos se horrorisem
da instrucção .
" Ainda peior do que isso ; o corpo docente, que aliás
não se compõe somente de velhos , ou seja porque lhe falte
gosto da sciencia pela sciencia mesma, sem o qual não ha pro
gresso scientifico possivel , ou qualquer outro motivo psycho
logico que escapa ás vistas do observador, o certo é que
contribue não pouco para este estado de languidez e inanição
mental , que forma o apanagio do bacharelato , a quem de
ante- mão se affeiçoa para ser, ao lado dos padres e dos solda
dos , uma guarda de honra do thesouro e do altar.
" Neste vórtice de estudos e pesquizas, (dizia ainda esse
escriptor) que engole o céo e a terra, o homem e a natureza,
no meio deste trovelinho que arrasta e agrupa todas as scien .
cias , dignas de tal nome, em torno de um pensamento , de
uma alta concepção, a concepção monistica do universo, o que
fazem as chamadas sciencias praticas, o que faz sobretudo, a
jurisprudencia com a sua carencia de problemas sérios e
ainda maior pobreza de soluções instructivas, de sérias e ani.
madoras verdades ? Cousa nenhuma. Na grande maioria dos
casos , ella se acha ainda condemnada a trabalhos de servente,
sob as ordens da praxe . ( 1 )
Ainda são d'elle as seguintes palavras, pronunciadas em
uma sessão de collação da gráos dos doutores em direito na
Academia do Recife :
" Existe realmente , (refere- se ás sciencias juridicas e
sociaes) temos nós realmente um grupo de sciencias de tal
natureza ? Em face do avanço immenso, que levam todos os
outros ramos de conhecimentos humanos, não sôa como uma

( 1 ) Tobias Barreto - Estudos de Direito , pag. 325.


167

ironia falar de uma sciencia juridica, falar de uma sciencia


social , quando nem uma nem outra estão no caso de satisfazer
as exigencias de um verdadeiro systema scientifico ?

" Quando o homem da: sciencia actual cessou de afagar


mais de uma illusão de antigos tempos ; quando o homem da
sciencia actual cessou de olhar, com os olhos de poeta para
muita cousa do céo, e para muita cousa da terra ; quando elle
já se não demora nem mesmo, por exemplo, em contemplar a
belleza da lua, diante da qual, com seus fulgores e seus des
maios, elle sente- se tentado a dizer — deixa- te de coquettices ,
eu te conheço , carcassa , e aos req iebros e langores da es
trella matutina, é bem.capaz de redarguir sizudo :— nem tanto
como pareces, pois que ficas preta, pequenina, insignificante,
passando pelo disco do sol ;- em uma palavra, quando o ho
mem da sciencia actual só pisa em terreno firme, e todavia
póde viver, como diz Tyndall, no meio das idéas, em presença
das quaes desapparece a phantasia de Milton , - o homem do
direito, o homem da sciencia juridica, parece que não sabe
disso.

- Pois bem : é bom que confessemos : pelo systema que


nos rege, nós não corremos risco, nem de uma nem de outra
cousa, porém de cousa peior : é de tornarmo -nos um povo de
advogados, um povo de chicanistas, de fazedores de petição,
sem criterio, sem sciencia, sem ideal pois que nos cabe em
maior escala, o que Rocco di Zerbi disse da sua Italia : D'idea
lismo non ha presa in questo paese di avvocati.” ( 1 )
Ahi estão verdades incontestaveis ditas por um espirito
insuspeito e imparcial e que impressionado por essa deca
dencia scientifica dos cursos juridicos , se constituiu, como
mostraremos adiante, a mais poderosa força reactora de tal
situação, procurando abrir nova orientação ao ensino do
direito e constituindo - se o mais notavel prapagandista dos

( 1 ) Tobias Barreto-- D15Cursos. pags. 102, 103 e 107,


168

principios das sciencias naturaes e da influencia que elles


devem exercer sobre as sciencias juridicas e sociaes .
Eram estas as condições do ensino de direito entre nós e
da capacidade scientifica das nossas Faculdades. Para ellas
convergia entretanto a maioria dos moços que aspiravam a
posição de homens de letras .
O numero de matriculados nas academias de direito era
muito superior ao dos matriculados nas academias de medi
cina, engenharia ou escola militar.
Comprehende -se perfeitamente que, sendo as faculdades
de direito os centros de actividade intellectual, e sendo más e
atrasadas suas condições de ensino, a consequencia inevita
vel seria a inanidade da educação scientifica da classe intelle
ctual do paiz, adstricta ás normas e aos principios da meta
physica. Faltou-lhes a condição essencial de uma direcção
vigorosa, pela falta de estudo das sciencias naturaes.
Eis o que vemos na estatistica da frequencia dos nossos
cursos scientificos :
Faculdades de Medicina do Rio e Bahia Faculdades de Direito de S. Paulo e Recife
Annos Frequencia Annos Frequencia
1861... 247 ( 1 ) 1861 .. 906
1864. 319 1964 . 826
1865 . 310 1865 . 815
1868–69 . 732 1868–69 .
1874 ... 615 1874 . 410
1875 . 973 1875 . 430
1876 . 117 1876 . 78 (2)
1877 . 1.132 1877 . 593
1879 . 1.207 1879 . $51
1882 . 1.777 1882 . 1.261
1883 . 1.782 1983 . 1.390
1884 . 838 1881 . 1.230
1886 . 1.933 1886 . 1.469

Por este quadro vê -se que a frequencia dos cursos medi


cos augmentou consideravelmente em relação aos cursos juri

( 1 ) N'este numero incluem - se os estudantes de Medicina e Pharmacia .


(2 ) A estatistica deste anno refere -se aos que se diplomaram e não aos que
frequentaram os cursos,
169

dicos que, entretanto, até 1870 eram muito mais concorridos .


Isto não podia ser indifferente á orientação scientifica das
classes intellectuaes do paiz. Com este augmento de frequen
cia veio como consequencia a disseminação do estudo d'aquel
las sciencias . Com esse facto, iniciou - se uma propaganda
scientifica no seio das classes cultas , pela qual os seus auto
res procuraram nellas incutir os principios do darwinismo e
do hæckelismo.
Ella trouxe uma profunda revolução nos conhecimentos e
na orientação de nossas classes lettradas , em relação ao que
eram antes de 1870. E é facil comprehender- se a influeneia
que exerceu no desenvolvimento da democracia nacional.
Invadio mesmo o terreno das sciencias juridicas e sociaes .
Principiaram a ter curso entre nós, não só as obras de Gneist,
de von Ihering e muitos outros , como os livros de Spencer,
Hæckel , etc. Este movimento de naturalismo scientifico aca
bou por dominar todas as classes de lettras e todos os conke
cimentos, quer a litteratura, o romance e o drama, quero
direito e a medicina.
Sciencias essencialmente democraticas , como lhes chama
Buckle, vieram trazer ao espirito nacionalos habitos da analyse,
da inquirição, do estudo da natureza e suas leis , fazendo - o
perder as tendencias metaphysicas dos antigos tempos. Um
povo é tanto mais livre, quanto é mais culto.
Não precisamos aqui registrar os nomes dos brazileiros
que se puzeram á frente desse movimento emancipacionista do
intellecto do paiz, tornando -se os cabeças dirigentes e a força
mental da democracia brazileira . Pela tenacidade do trabalho
e o civismo com que reagio contra o meio pela força pode
rosa do talento posto á disposição da causa da emancipação
intellectual, apontamos o nome de Tobias Barreto como o
maior collaborador deste movimento .
Não só na litteratura, como no direito, na critica, na
historia, imprimio modificações profundas, inspiradas todas
nos principios do naturalisino darwiniano e hæckeliano.
Quando Tobias Barreto em 1870 fez a sua entrada na
classe intellectual do Brazil , eram inteiramente desconheci
170

das as obras de Darwin , Hækel , Noiré, Fröbel , Hermann e


muitos outros sabios que divulgavam na Europa, o monismo
e o transformismo como a ultima expressão dos systemas
scientificos. Todos viviam sob a orientação intellectual do es
piritualismo francez.
Foi elle quem , pelos estudos da lingua allemā , os proga
gou entre nós . • Foi então em 1870 , diz o seu biographo,
que Tobias Barreto se decidio pelos germanicos, com aquelle
ardor que elle punha em tudo, com aquella enorme facilidade
de aprender que o distinguia ; entrou na loja de livros de
Laillacard, no Recife, á rua do Imperador, comprou um dic
cionario e uma grammatica allemă, e pedio ao livreiro que lhe
mandasse buscar na Europa a Geschichte des Volkes Israel de
Ewald. Foi este o primeiro livro allemão que o poeta sergi
pano possuio
- No intervallo entre a encommenda e a chegada da ce
lebre obra , o nosso patricio ficou estudando a lingua allemā
comsigo mesmo .
“ O que depois se seguio todo o Brazil sabe ; Tobias
apaixonou - se pela lingua, pelos autores , pelas idéas, por tudo
quanto vinha da Allemanha , e não abandonou mais até morrer
o seu querido allemanismo. Dezenove annos empregou -se elle
em sua incessante propaganda ; teve de renovar todas as
suas idéas depois dos trinta annos, idade em que quasi nin
guem mais tenta semelhante aventura .
- Litteratura, critica, direito, religião, politica, philoso
phia, tudo teve elle de recompor e modificar ao influxo dos
autores allemães, seguindo de preferencia a direcção monis .
tica, onde, em espheras diversas , fulguram os nomes de
Helmholtz, Hæckel , Noiré, Spir, Hermann Post, Fröbel,
Ihering, e tantos outros de menor vulto . ” ( 1 )
Em uma carta escripta em allemão em 1874 ao redactor
da—Deutsche Zeitung — dizia elle ::
‫܃‬
66 A Allemanha é no Brazil inteiramente desconhecida .
Espirito allemão , philosophia allemă, sciencia aliemā, ainda

( 1 ) Silvio Romero , apud - Estudos Allemães pgs. 13.


171

não vieram com seus ràios rebater as sombras que ahi pesam
sobre quasi todas as relações de nossa vida publica. Basta
sómente uma ligeira leitura dos jornaes , brochuras e livros
que apparecem entre nós , na capital do Imperio mesmo, para
fazer pasmar sobre 0o triste estado de ignorancia, em que nos
achamos . E' como se nada de novo exista : como si a França
sozinha, ainda deva marchar á frente de civilisação, tanto nas
fórmas e meneios , como nas idéas, e nos costumes ! ... ( 1 )
“ Em um paiz, dizia mais, onde tudo ainda hoje se com
porta e gesticula á franceza ; em um paiz, onde hoje ainda
difficilmente se encontram tres pessoas de que alguma maneira
conheçam a ingente significação da cultura scientifica do povo
allemão ; em tal paiz, a Allemanha não podia adquirir secta .
rios e adoradores. Para nós a França enchia toda a historia ;
a Allemanha pouco mais era que um conceito geographico :
um capitulo de astronomia ." (2)
Como o Brazil , (continuava ), na minha opinião se acha
muitos annos atraz de outros paizes do mundo civilisado, elle
precisa sobretudo de apropriar a si a vida espiritual allemā,
que é por vós, Sr. redactor, tão dignamente aqui represen
tada ; e eu não tenho outro intuito, senão promover o pro
gresso intellectual de minha patria, pedindo como peço para
ella a protecção do Allgemeine Deutsche Zeitung. Mais do que
nunca os brazileiros carecemos de conhecer a Allemanha.” (3 )
Iniciada a propaganda, publicou diversas obras em que
submette a critica, a litteratura , o direito á influencia scienti .
fica do naturalismo hæckeliano. D'entre ellas destacamos as
que melhor resumem as tendencias reformistas e emancipa
cionistas do escriptor. No terreno do direito, publicou In

troduccio ao estudo do direito ; Sobre uma nova intuicio do


direito e Idea do direito. N'estes trabalhos o autor obedece á
intuição monistica e evolucionista , considerando o Estado
como o orgão que appareceu na sociedade determinado pela func
ção de assegurar o direito, e portanto um resultado dos factores
( 1 ) Tobias Barreto - Estudos alemães, pag. 224 .
( 2) Idem - Obr. cit . - pag. 325 .
( 3) Idem -obr , cit. pag , 37.
172

componentes da evolução social, o que leva a concluir que o Es


tado é um ser moral, para cuja vida e acções, no sentido pratico,
não existe fóra delle ou acima delle legislador nem juiz, e o di
reito como um facto de cultura humana .
O velho direito, affirmava elle, a velha concepção, pela
qual a esphera juridica fica fóra da natureza e nada tem que
vêr com as leis que regem a evolução do mundo physico , não
ha duvida que está bem longe de poder assimilar- se á theoria
darwinica.
“ Mas essa velha concepção morreu, ou pelo menos não
se acha em estado de corresponder ás exigencias do espirito
novo . E seria um phenomeno singularissimo, impossivel de
explicar, que o darwinismo, fazendo- se valer até nos circulos
da mecanicaa celeste , se mostrasse incompetente para tam .
bem tomar conta da mecanica social.

Bem como a natureza, a sociedade é conjuncto de forças,


que em parte ainda luctam , em parte já estão accordes sobre
o modo regular de conviverem ; porém , mais que a natureza.
a sociedade é um conjuncto de vontades, que tem cada uma o
seu fim a realisar, o seu escopo a attingir, e para cuja expli
cação não bastam os mesmos principios por que se explicam
e coordenam as forças do mundo physico.” (1 )
A esta mesma orientação obedeceu elle nos seus traba
Thos sobre litteratura, critica e philosophia .
E o leitor procure ler os Estudos de Direito e os Estudos
Allemães, duas publicações recentes e onde estão reunidos
todos os seus artigos.
Iniciado este movimento de emancipação intellectual por
Tobias Barreto, no Recife, generalisou -se e repercutio nas
outras provincias, onde se levantaram os pregoeiros das
novas idéas .
As academias de medicina tornaram -se centros activos do
movimento . As proprias academias de direito não ficaram

( 1 ) Tobias Borreto - Estudos de Direito, pags . 332 p 336.


173

isentas da influencia emancipacionista dictada pela transfor


mação que se operou no intellecto nacional .
As escolas de engenharia e militares seguiram o mesmo
caminho .
Devemos consignar aqui nma direcção especial que se
guio esse movimento emancipacionista, tendo por centro de
irradiação a escola militar do Rio de Janeiro. Queremos nos
referir ao Positivismo. E teremos opportunidade de falar da
influencia mental de Benjamin Constant, muito mais restricta
que a de Tobias, por isso que sua propaganda no seio dos
alumnos, obedecia ao exclusivismo de um systema philoso
phico, sem as larguezas e a intuição scientifica do evolucio
nismo kackeliano. Como uma propaganda de emancipação
intellectual, o Positivismo não podia operar no espirito popu
lar o effeito de outro systema, em vista da intransigencia , da
intolerancia, do espirito de disciplina, do espirito da seita que
impõe aos seus adeptos. Si com ella se alargava e se dissemi
nava a cultura, ao mesmo tempo se faziam sentir os defeitos
intrinsecos da doutrina e que abrem uma direcção incompa
tivel com os principios da democracia.
Ainda que Benjamin Constant não fosse represen
tante genuino do Positivismo, foi elle entretanto quem da
cadeira de professor incutio os seus principios na mocidade
das escolas militares , dependendo delle sua generalisação
por entre os alumnos . Sua propaganda foi mais directa e
efficaz no terreno quasi que politico, em favor da republica,
do que no terreno scientifico.
Diplomado em sciencias
physicas e mathematicas em Dezembro de 1860 , entrou
para o magisterio em 1862, entrou, como professor de
mathematicas do Instituto dos Meninos Cegos e dessa car
reira não se retirou até 1889 . Foi durante esse tempo que
sua profissão offereceu -lhe opportunidade de auxiliar a
propaganda do Positivismo, ainda que não fosse um ele
mento orthodoxo . A sua acção como factor historico é mais
activa e proficua em favor da democracia no terreno pro
priamente politico. E ella só assumio esta phase, no inicio
da questão militar depois de 1880. Antes della é difficil lobri
174

gar quer em seus actos , quer em suas producções , uma aspi


ração politica que se externasse na fórma republicana.
A aceitação dos principios positivistas não era absoluta
e incondicional , dissemos nós .
São entretanto incontestaveis suas sympathias pelo sys.
tema, desde a publicação do seu trabalho sobre quantidades
negativas em Dezembro de 1867 ,
Em carta dirigida a sua esposa em Junho de 1867
elle mesmo diz ; “ Lembra- te que sou o teu maior e verda
deiro amigo, que te amo mais que a tudo e que a todos neste
mundo, que és a minha unica felicidade, a minha, religião, a
minha unica ventura. Tu és para mim mais , muito mais , do
que Clotilde de Vaux era para o sabio e honrado Augusto
Comte. Sigo, como sabes, todas as suas doutrinas, seus prin
cipios, suas crenças : a religião da Humanidade é a minha
religião, sigo-a de coração com a differença porém de que
para mim a familia está acima de tudo. E' uma religião nova,
porém a mais racional, a mais philosophica, e a unica que
dimana naturalmente das leis que regem a natureza humana.
" Não podia ser a primeira, porque ella depende do co
nhecimento de todas as leis da natureza, é uma consequencia
natural deste conhecimento, e portanto, não podia apparecer
na infancia da razão humana, e mesmo quando as diversas
sciencias estavam em embryão : não teria ainda apparecido,
si ao genio admiravel de Augusto Comte não fosse dado, pela
vastidão de sua intelligencia, transpor os seculos que hão de
vir, surprehendendo por sua sabia previdencia as sciencias
em seu termo e dando -nos a sua Religião positiva, a Religião
definitiva da Humanidade. "
Em Junho de 1880 fez sua entrada para a Sociedade Po
sitivista que se tinha organisado no Rio em 1876, da qual se
desligou pouco depois por motivo de divergencia, franca
mente externada na seguinte carta que lhe dirigio :
" Os meus afazeres habituaes que absorvem quasi total
mente a minba actividade, o estado precario da minha saude
e a necessidade, que reconheço cada vez mais , de empregar
no estudo aprofundado do Positivismo todo o tempo de que
175

posso dispor, impedindo -me de tomar com os meus dignos


collegas parte plenamente activa nos trabalhos a que se de
dicam, eram por si sós motivos sufficientes para determi
narem a minha retirada do – Centro Positivista Brazileiro
afim de não continuar ahi numa posição incompativel com o
meu caracter .

6. Impelliam- me tambem á esse passo algumas divergen


cias, já por mim francamente apontadas , entre o modo por
que o digno confrade de preferencia emprega na propaganda
do Positivismo entre nós e aquelle que penso ser não só o
mais efficaz como tambem o mais harmonico com essa dou
trina .
" Ella não pretende impôr nem pela força nem tambem
por protestos cheios de indignação e de censuras contra as
crenças e actos daquelles que a não conhecem , mas unica
mente pela discussão calma, respeitosa e bem dirigida que
leve aos seus espiritos a convicção profunda de sua incom
paravel e mesmo inexcedivel superioridade real sobre todas as
que em vão tem pretendido o mesmo alto destino, intellectual,
moral e social .
66 A mencionada circular e uma carta sua posterior vie
ram ainda revelar-me novas divergencias em que estamos."
Vê- se pois que o seu papel, como factor proeminente
do desenvolvimeuto democratico, ligou-se menos á sua in
fluencia como agente de emancipação e propaganda scientifica,
do que como cabeça dirigente de propaganda social e politica
no seio da classe militar. E teremos de estudar essa phase
de sua vida quando tratarmos do exercito em face do go
verno .
Até a data de suas primeiras exhibições positivistas e
sua entrada para o Gremio não se pode lobrigar em seus
actos a menor prova de uma concepção politica diversa da
do seu meio .
Em Fevereiro de 1872 e Dezembro do mesmo anno aceita
as distincções imperiaes, de official da Rosa e cavalleiro
de Aviz, quando já em 1870 se agitava a propaganda repu.
blicana com o manifesto do mesmo anno . E', portanto, evi.
176

dente, dizem os seus mais sinceros amigos, que a aceitação


de taes distincções , por mais plausiveis que fossem as razões
de seu recebimento , não se alliam com a preoccupação de um
propagandista republicano e positivista. E essa apreciação é
tanto mais verdadeira, tratando- se de um homem com as qua
lidades moraes que se encontravam em Benjamin Constant.
A realidade é que nesse tempo o nosso benemerito compa
triota não tinha em vista a realisação actual de nenhuin idéal
politico, e em materia de distincções honorificas partilhava
as opiniões dos typos mais dignos da nossa sociedade ( 1 ).
Quanto ao Positivismo, no maximo o aceitava no seu
conjuncto como doutrina destinada a futuro remoto, salvo
nas suas indicações didacticas mais geraes.
Foi tambem , nesta phase que o estudamos, indifferente
ao movimento abolicionista , que em Setembro de 1871 já
tinha alcançado uma humanitaria conquista. 66 O movimento
em prol dos opprimidos, diz o seu chronista, havia determi
nado em 1875, da parte de um discipulo do Positivismo, o
cidadão Francisco Antonio Brandão, a publicação de um opus
culo. Apezar de imperfeitamente traduzir os ensinos de Au
gusto Comte, este trabalho constitue a primeira manifestação
social do Positivismo entre nós, de que tenhamos noticia.
Não consta, porém , que antes de 187+ Benjamin Constant
tivesse tomado qualquer participação nessa agitação regene
radora, comquanto não lhe fosse indifferente a sorte dos
nossos concidadãos escravisados . De facto , conhecemos delle
dois projectos de loterias destinadas á emancipação, e orga
nisados a pedido do Visconde do Rio Branco, quando presi
dente do conselho de ministros. "
" Ainda em 1872 predominam em Benjamin Constant
affeições e principios imperialistas. Ahi está o seu discurso de
19 de Junho de 1872. (2)
Posto em confronto Benjamin Constant e Tobias Bar
reto vemos que a propaganda do primeiro foi mais tardia,

( 1 ) T. Mendes - Biogr. de B. Constant.


( ) Benjamin Constat - Teixeira Mendes.
177

mais politica, menos generalisada ee coherente, ao passo que


a do segundo, ainda que franca e directamente não instituisse
a concepção republicana como seu caracteristico, como sua
nota vibrante, firmou para ella um programma essencial
mente scientifico, profundamente coherente e sem a qual o
intellecto nacional não podia preparar-se para adaptar -se á
nova instituição politica para a qual os propagandistas da re
publica encaminhavam o paiz.
Tobias Barreto, sendo um dos maiores factores da
emancipação intellectual , foi um agente mental da victoria
democratica. O movimento que despertou no seu meio foi
tão activo e tanto se generalisou, obedecendo sempre aos
principios da mais sincera coherencia scientifica, que creou
uma época e uma escola a que deram o nome de Teuto
Sergipana.
E para comprovarmos essa asserção basta dizer que o
sentimento scientifico que elle diffundio por toda mocidade
academica, se manifestou por innumeras associações scien
tificas e litterarias e por jornaes e revistas , orgãos dessas
associações.
E' ainda á inspiração de Tobias Barreto, que se pode
ligar o apparecimento da Consciencia Livre, periodico que
exerceu em certos circulos larga influencia e profuuda impres
são pela livre discussão de todas as materias , pois , como in
dicava o seu titulo, era esse periodico philosophico e anti
religioso, a ponto de ser alvo de excommunhão e assumpto
de predicas nos pulpitos e de reprovação por lentes nas
cadeiras da Faculdade.
Foi o seu creador, Numa Pompillo, cearense educado na
America do Norte , formado em cirurgia dentaria e estabele
cido no Recife ; e eram seus collaboradares , discipulos enthu
siastas ou admiradores de Tobias Barreto, entre os quaes se
contavam , J. V. Meira de Vasconcellos, Misael da Silveira
Amaral, Ferreira da Costa, Franklin Tavora ee J. B. da Castro
e Silva.
O direito do livre exame scientifico era o resultado imme
diato dos principios propagados por esse vulto historico.
v. 1 12
178

Registramos com tanto mais orgulho o papel intellectual


do nosso patricio Tobias , tanto por intermedio delle e
d'aquelles que foram seus discipulos exerceu Sergipe a maior
influencia historica sobre a marcha da civilisação brasileira,
do meio do seculo actual para cá.
Pequena circumscripção do paiz, sempre esquecida pelos
poderes publicos, Sergipe é a patria do grande espirito que
representou o papel de transformador da educação scientifica
dos seus concidadãos. Que essa influencia historica não de
cáia da proeminencia a que chegou.
Estas duas correntes intellectuaes o evolucionismo
hækeliano e o positivismo a favor dos quaes se bateram os
moços das escolas e das academias, por iniciativa deste dois ho
mens, pintaram-se francamente na propaganda republicana.
O grupo dos protestantes scindio-se, obedecendo cada
uma das fracções á orientação dos dois systemas. E' preciso
porém observar que o primeiro manifesto republicano, resul
tado das causas que temos passado em revista, não se filia a ne
nhuma destas correntes, frisando somente o conceito politico
em que aspirava consubstanciar a formula republicana.
E', como diz um escriptor, “ Peça de valor politico
apenas critico, inspirada exclusivamente nas doutrinas de.
mocraticas, onde o problema abolicionista só de longe se
póde crer mencionado o seu ; unico alcance consistio em
proclamar a eliminação do regimen monarchico como uma
necessidade para o Brasil . Constituindo apenas um centro
para a coordenação das aspirações anti- dynasticas, o partido
assim formado estava de ante - mão condemnado a uma esteril
attitude protestante pela impossibilidade de affirmar qualquer
das aspirações liberaes do nosso seculo. Visando o poder
immediato, os seus chefes se preoccupavam com alliciar
sectarios sem inquerir de suas opiniões sociaes, ee unica.
mente examinando a sua animosidade contra o Imperio."
Só mais tarde, quando justamente a propaganda evolu
cionista ganhou terreno e conquistou muitas adhesões, é que
uma das fracções republicanas se deixou resentir por essa in
fluencia .
179

Teremos de estudar longamente esta questão, quando


tratarmos das diversas formas que assumio entre nós a idéa
republicana.
I

SUMMARIO

A imprensa. Seu desenvolvimento . Suas condições em 1828. Desenvolvimento da


imprensa republicana . Estatística . Suas condições em 1888. Papel dos me .
dicos na propaganda. O norte como foco da emancipação intellectual.
D'ahi ella caminha para o sul . Fóco da emancipação politica .

A consequencia inevitavel da propaganda scientica que


se iniciou em 1870 , foi activar-se a aspiração democratica da
nação. Não só no terreno religioso como no terreno politico
ella se fez sentir. E' d'ahi que data a resistencia contra o ca
tholicismo e as instituições politicas , ganhando animo o
espirito de descrença e de rebeldia que se ia insufflando na
opinião.
Começa a apparecer a propaganda protestante em al
gumas provincias como S. Paulo, Rio de Janeiro, Bahia , Per
nambuco por meio da predica e da imprensa. D'abi data
tambem o primeiro manifesto republicano. A imprensa
tomou um desenvolvimento notavel, o que demonstra a acti
vidade do desenvolvimento intellectual.
Não deixa de ser digna de menção a estatistica do des
envolvimento da imprensa entre nós nas phases de reino,
primeiro reinado, regencia e segundo reinado.
Em fins de 1808 só havia na capital do paiz um jornal -
Gazeta do Rio de Janeiro de vida exclusivamente official.
Seus redactores eram os empregados da Secretaria dos Ne
gocios Estrangeiros. No mesmo anno iniciou -se
- a publi
cação de um jornal na Bahia Idade de Ouro do Brasil - e
mais tarde em 1813 , O Patriota. Foram estes os unicos or
gãos de publicidade d'aquelle anno até a emancipação politica
do paiz, quando existiam oito jornaes, entre Pernambuco,
Bahia e Rio de Janeiro. Em 1828 subiam elles a trinta e dois ,
180

e além d'aquellas provincias, tambem as do Rio Grande do


Sul , S. Paulo, Minas Geraes , Ceará, Maranhão, Sergipe, Pará
já contavam alguns jornaes.
Em 1835 só não havia jornaes em Piauhy , Goyaz e
Matto Grosso e então o numero elevou- se a cincoenta e seis e
em 1857 a setenta e oito . D'ahi em diante o numero cresceu
consideravelmente. Nesse desenvolvimento da imprensa de
vemos ver a ascendencia que teve a propaganda scientifica
que despertou o desejo da critica e da analyse dos actos pu
blicos .
A progressão do jornalismo republicano no Brasil foi a
seguinte :
1820 a 1830 ;
Capital Federal : Republica.
Pernambuco : Typhes Pernambucano, A Sentinella da Liber.
dade na Guarita de Pernambuco, O Escudo da Liberdade,
Abelha Pernambucana, O Amigo do Povo (5) .
1831 a 1840 :
Capital Federal : 0 Republicano.
Pernambuco : Bussola da Liberdade, Federalista (2) .
Bahia : Genio Federal.
Rio Grande do Sul : O Povo .
1841 a 1850 :
Capital Federal : Grito Nacional.
Pernambuco : Tribuno .
Rio Grande do Sul : O Americano.
1851 a 1860 :
Capital Federal : Republica, A Revolução Nacional, O Clamor
Publico (3 )
1861 a 1870 :
Capital Federal : 0 Nacional, Dez de Julho ( 2) .
Pernambuco : Tribuno, Republica (2) .
1861 a 1870 :
Capital Federal : Centro Academico, Brado Nacional, Brasil,
Americano, Republica, o Amigo do Povo, A Revolução,
Jornal do Povo, Gazeta da Noite, 0 Grito do Povo, O
Combate, Lanterna ( 11 ).
181

Rio de Janeiro : Republica .


Alagoas : A Republica.
Pernambuco : Republica Federativa, Seis de Marco, Demo
crata (3) .
Piauhy : Amigo dlo Povo, Oitenta e Nove (2).
Bahia : A Sentinella da Liberdade, Horisonte (2) ,
Amazonas : 0 Argos.
S. Paulo : 0 Americano, Rebate, A Republica, A Provincia
de São Paulo, A Democracia, Federalista (6).
Minas -Geraes : 0 Colombo.
Ceará : A Revolução, Voz da America (2 ) .
Rio Grande do Sul : Democracia .
1881 a 1890 :
Capital Federal : Atirador Franco, O Grito do Povo, Potygua
rama, Franklin Jornal, Tiradentes, Metralha (6) .
Rio de Janeiro : A Revolução, A Imprensa Barramansense,
Idea Nova, Quinto Districto, Idea (5) .
Bahia : A Republica Federal.
Espirito Santo : 0 Cachoeirano.
Sergipe : Larangeirense, Republicano, O Estaciano (3).
Pernambuco : Revista Federal Republica, A Nova Patria ,
Democracia (4) .
Parahyba do Norte: A Gazeta do Sertão.
Maranhão : Novo Brazil.
Para : Republica.
Amazonas: 0 Cometa , Evolução, Cidade de Mandos (3).
Rio Grande do Sul : Federação, Democracia (2) .
Santa Catharina : A Voz do Povo, Independencia, Evolução (3).
Paraná: A Republica, O Livre Paraná (2) .
S. Paulo O Diario Popular, o Oitavo Districto, l'inte e Um de
Abril, A Revolta, Rebate, A Republica Mineira, O Grito do
Povo, O Mez, O Atalaya , 0 Escandalo, o Bisturi ( 11 ).
Minas -Geraes: Tiradentes, Correio do Machado, Mineiro,
A Propaganda, A Transformação, Irradiação, A Propa
ganda , Gazeta Sul- Mineira, A Conjuração, O Povo, Idia
Nova ( 11 ).
Matto -Grosso : 0 Porvir.
182

De maneira que em 1888 era este o numero de jornaes


republicanos:
Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro : Metralha, Meque
trefe, Tiradentes, Grito do Povo, Potyguarama, Rebate (6).
Amazonas : 0 Cometa, Cidade de Mandos ( 2).
Alagôas : Gutenberg.
Bahia : Republica Federal.
Espito- Santo : Cachoeirano.
Maranhão : Novo Brazil.
Matto - Grosso : 0 Porvia .
Minas Geraes: Conjuração, Mineiro, Propaganda, Irradição,
Correio do Machado, O Povo, O Patriota, Transformação,
Estandarte (9).
Parahyba: Gazeta do Sertão, A Verdade (2) .
Paraná : A Republica .
Pará: Republicano .
Pernambuco : Nova Patria, Republica (2 ) .
Rio Grande do Sul : Federação. Clarim , Municipio, Patriota,
Zig -Zag, Tribuna do Povo, Gazeta do Povo, Gazeta do Sul,
Movimento, Cidadão, Denuncia (10 ) .
Rio de Janeiro : Gazeta do Povo, Idea, Imprensa Barraman
sense, Garaúja, Cidade de Rezende, Quinto Districto ( 6) .
Santa Catharina: Independencia , Evolução (2).
S. Paulo : Atalaya, Correio de Salto, Diario Popular, Diario de
Sorocaba, Gazeta do Povo, Gazeta de Campinas, Grito
do Povo, Jornal do Povo, Mez, Nono Districto, Oitavo
Districto, Provincia de S. Paulo, Platea , Rebate, Revolta,
Republica , Republica Mineira, Tinte ee Um de Abril (18).
Sergipe : Larangeirense e Republicano (2).
Eis ahi o progresso da imprensa republicana.
Ao passo que de 1820 a 1870 só existiam 21 jornses dedi
cados á causa da propaganda, de 1870 a 1888 esse numero
subia a oitenta e oito .
Por isso mesmo que aa propaganda scientifica preparou o
terreno para desenvolver- se a idea democratica, aquelles que se
tinaam educado nas academias de medicina, de engenharia e
nas escolas militares convergiram para a Republica.
183

D'ahi o facto de, em todas as provincias, estarem os medicos


e engenheiros envolvidos na propaganda, assumindo mesmo
uma posição saliente. Isto não quer dizer que os baciareis não
entrassem com o seu contingente. Comprehende- se porém que
elle foi muito restricto, não só pelas differenças de educação
scientifica, como pelas relações que mais de perto os pren
diam á vida official.
Só uma pequena fracção da classe dedicou-se á profissão
livre da advocacia . A maioria della con vergia ou para a magis
tratura ou para a politica. Em qualquer dos casos os deveres da
profissão sopitavam qualquer espontaneidade de acção em
favor da causa .
Em condições muito diversas achavam- se os medicos .
Ahi está traçada a influencia mental da evolução democra
tica. Ella, como acabamos de vêr, teve por foco de irradiação o
Norte . Partio do Recife para o Sul , tornando- se então o centro
da agitação politica que se rebellava contra o Imperio. A esta
tistica que o leitor acabou de lêr da imprensa republicana, pro
va-o exuberantemente. Si o movimento da emancipação scien
tifica teve no Norte o seu inicio, o movimento da propaganda
politica incandesceu - se no Sul e d'ahi encaminhou -se para lá.
184

II

SUMMARIO

A força armada. Suas relações com a autoridade civil e a sociedade. Educação


civil dos moços nas escolas . Foi ella a origem da idea democratica no exercito .
O espirito de classe substitue o nativismo . Elle domina o exercito no pri
meiro reinado . () espirito estrangeiro no exercito . A primeira guarda
pretoriana . Distincções e privilegios. Má organisação militar em começo.
O batalhão de estrangeiros. Opiniões de escriptores. A autoridade civil
contribue para a indisciplina. O problema militar creado pelo Imperio .
Opinião dos positivistas. Influencia da guerra do Paraguay. Proeminencia
do esercito . Rivalidades de classe. O espirito de classe cria as associações
militares. Assassinio de Apulcho de Castro, Visita do Imperador. Começo
da questão militar. Manifestações sobre o direito de discussão e de defesa dos
militares pela imprensa . O governo contesta esse direito . Um projecto de
lei. Tenente-coronel Madureira . Seu protesto. General Deodoro. Sua cor
respondencia com o presidente do conselho. Opinião do conselho militar. A
questão de cancellamento das notas. Cartas de Deodoro ao Imperador. O
manifesto ao parlamento e á nação. Capitulação do governo. A politica
imperial aggravou a indisciplina do exercito.

Na classificação que adduzimos das causas sociaes do de


senvolvimento democratico, fizemos figurar o espirito de
classe do exercito .
Não é que elle, como factor social e independente desse
espirito, não tenha contribuido para as nossas conquistas,
com offensa flagrante dos deveres de disciplina e sahindo
mesmo fóra do seu papel de força publica. Na apreciação
em que vamos entrar da influencia da força militar no desen
volvimento do espirito democratico da nação , veremos que
ella foi mais accentuada no proprio facto da revolução ; e
essa saliencia em que se collocou é 0 resultado das
relações em que sempre manteve-se em face da autoridade
civil , contra a qual insurgio- se por mais de uma vez, ainda
que inspirada no sentimento do bem publico e dominada
pela pressão da maioria da opinião nacional. Isto não quer
dizer , porém , que nesse movimento de rebeldia não tenha
attentado contra os deveres de classe e o fundamento da pro
pria organisação militar . A sua influencia nesses aconte
cimentos foi complexa. Ha o lado de suas relações com a
autoridade civil , o dominio do espirito de classe em relação
185

ao meio social e a reacção que operou nos nossos maiores


acontecimentos, pela suggestão moral da opinião.
Não se constituio como um factor que, obedecendo ao
sentimento de classe , obrasse como força consciente da
evolução democratica . Como uma classe da sociedade , no
seio da qual agiam as forças de cultura, não poude isentar- se
da influencia desse meio ; e seguio o curso que lhe traçou a
orientação scientifica da qual , como já vimos , as escolas
militares foram dos focos mais activos . Para ellas affluiam
OS
moços , menos pelo gosto da carreira militar do que
pelo desejo de illustrarem - se, não podendo fazel -o nas
academias civis em vista de suas condições de fortuna .
Reuna -se a isto a circumstancia do excesso do ensino
theorico , e ainda mais , o facto de não termos tido guerras
a sustentar e que fizessem crear o espirito guerreiro, e ve
remos que esta geração militar educada nas escolas appro
ximou - se muito da educação civil .
Foi esta parte do nosso exercito justamente que veio
lançar em seu seio o germen da idéa democratica e distan
cial-o tanto mais do throno quanto, pelos precedentes histo
ricos, o espirito de classe sempre a dominou e nunca foi
indifferente á ingratidão com que os poderes procederam em
face dos seus interesses.
Estudemos o assumpto mais minuciosamente.
O espirito de classe de que a força militar tem dado as
maiores provas nestes ultimos annos substituio um senti
mento que na primeira phase da vida constitucional do
Imperio tanto a dominara -- o nativismo.
Já vimos no correr deste trabalho que no primeiro rei
nado a supremacia que os poderes publicos deram aos
estrangeiros, senhores dos mais altos cargos da politica e da
administração, fez gerar-se o sentimento nacional nos brasi
leiros que , dominados por essa influencia , entraram em gran
des luctas e alcançaram as maiores conquistas.
A força militar de então participou do poder desse
sentimento , e com tanto mais intensidade quanto no seio
della eram mais accentuadas as linhas divisorias e grassava
186

mais profundamente o regimen do privilegio e da supremacia


dos estrangeiros .
De facto. Para imitar o exemplo de guardas pretorianas
dos reis da Europa, Pedro I creou uma Guarda de Honra , por
Decreto de 1º de Dezembro da 1822, composta de tres esqua
drões de cavallaria, um de S. Paulo, um de Minas e outro do
Rio do Janeiro.
Os exemplos de Carlos VII creando o seu batalhão de
cem suissos, de Luiz XI e de Luiz XVI foram imitados por
D. Pedro ao fazer o seu batalhão, – cuja utilidade (palavras
do decreto) tem sido já assás reconhecida nas principaes mo
narchias da Europa, onde semelhantes corpos tem sido crea.
dos , protegidos, e honrados por seus Augustos Imperantes,
Essa guarda organisada sob a influencia de muitos privile .
gios, como o de preceder todos os corpos do exercito ee de
poderem os seus officiaes entrar na sala do docel, constituio- se
como corpo profundamente heterogeneo,, composto de
elementos estrangeiros. O artigo 11 do decreto mesmo isso o
permitte. Defender a pessoa do imperador e não a honra na
cional foi o principio que inspirou essa organisação militar,
tão claramente externada no art. 22 do decreto, e que iançou
no seio do exercito o germen da má educação, da indisciplina
e da herarchia de classe, alem de ser a expressão da inferio.
ridade moral da força publica, transformada em guarda pre
toriana .
Além desta guarda, o imperador creou um batalhão de
estrangeiros por Decreto de 8 de Janeiro de 1823 ; por por
taria de 2 de Agosto desse mesmo anno ordenou -se ao go
verno provisorio da Bahia, que alistasse e remettesse para o
Rio de Janeiro todos os portuguezes prisioneiros de guerra,
que voluntariamente se quizessem engajar no serviço do
Brazil e finalmente em 1827 foi o coronel Colter, official inglez
ao serviço do Brazil , incumbido de contratar irlandezes para
servirem com os allemães anteriormente vindos , no exercito
brasileiro . (1 )

( 1 ) Luiz F. da Veiga -- O l'rimeiro Reinado, pag. 113.


187

66 O que vinha a ser deste modo o chamado exercito


brasileiro ? Uma agglomeração multicor e polyglotta de sol
dados brasileiros , portuguezes , allemães , irlandezes e de
outras nações, dos quaes ainda hoje se encontram amostras
ou vestigios em alguns velhos estrangeiros domiciliados no
Imperio, naturalisados brazileiros ou não.
" Mas toda essa interessantissima fabrica, instrumento
votado á compressão da liberdade dos trahidos brasileiros ,
cahio por terra , sem intervenção nacional, por vicio conge
nito e patente da mesma complicada machina de guerra.
• De 8 de Fevereiro a 12 de Junho de 1828 , maxime a
30 de Março e a 11 de Junho, em que a crise chegou a seu
ponto culminante. allemães e irlandezes se revoltam (1 ) contra
o proprio governo que os armara para defendel - o ! mil atten .
tados se commettem ! o poder publico treme terrificado ! ...
Então lembram -se do elemento brasileiro do exercito , o mi
nistro da guerra Bento Barroso Pereira, appella para o pa
triotismo d'aquelles que quasi não tinham patria... as tropas
brasileiras atacam os bandos militares estrangeiros... mas , o
pessoal d'aquellas era insufficiente... o povo, porem , quiz dar
uma lição que ficasse na memoria dos governantes, e possuido
de uma nobre indignação patriotica, reforça o poder das mi .
licias nacionaes e elle e os batalhões brasileiros colligados
exterminam a soldadesca mercenaria, perversa e forasteira,
deixando mais de cem cadaveres no campo do combate. (2)
- Eis para que serve essa tropa heterogenea, affastada
dos nossos costumes, avessa ás nossas instituições, que com
tamanho empenho fizeram vir de todas as partes do mundo,
como si não confiassem na fidelidadebrazileira !
" Desgraçado o povo que soffre o jugo de estrangeiros !
Os seus mesmos beneficios são amargos e pagam -se a peso
de ouro ; os seus insultos quem os tolerará ? (3)

( 1 ) Existiam então na capital do Imperio mais de tres mil militares estran .


geiros, e diminutissima força nacional !
( 2 ) Luiz F , da Veiga - Obr. cit . , pag ., 113.
( 3) durora Fluminense, n - 31, de 5 de Abril de 1828.
188

“ Quanto sangue derramado ! quantas vidas sacrificadas


ao desleixo, ao capricho e ao espirito de partido ! Que se fará
agora da tropa estrangeira ! Ainda veremos batalhões alle
mães e irlandezes pisarem o solo que ensoparam do nosso
sangue ? ainda passearão armados por diante de nós para
insultarem a indignação daquelles que amam a sua patria ?
Nós não abominamos os forasteiros , não temos em odio nem
irlandezes nem allemães. O que abominamos é o despotismo, o
terror e os seus instrumentos ; detestamos essas opiniões que
levam alguns homens a menospresar, a ter- se em guarda
contra tudo o que é do Brazil ; e desejariamos que esta serera
lição lhes aproveitasse, para os fazer conhecer os brazileiros ,
o seu caraceer real e o que traz comsigo tropa mercenaria,
recrutada dentre os facinoras e transportada a um paiz, a que
nenhum sentimento de sympathia e de affeição os prende .
“ O monarcha cujo throno repousa nos corações dos
subditos fieis, que governa pela lei ee é firme defensor della,
não necessita de bayonetas de Tudescos para sustentar a sua
autoridade" . ( 1 )
Comprehende -se facilmente que no seio da força publica
fazendo -se sentir as preferencias pelo elemento estrangeiro,
no qual a autoridade procurava apoiar-se para dominar os
direitos e as liberdades publicas, ella havia de forçosamente
reagir contra o regimen do privilegio e associar-se com o
elemento civil , fazer causa commum , eliminar a supremacia
do estrangeiro e a sua predominancia como collaborador da
vida nacional. Existindo no seio do proprio exercito o ger
men de uma organisação anti -nacional, não podia elle ser um
corpo disciplinado.
Era um composto de duas fracções , sujeitas a impres .
sões diversas e oppostas e em condições de hostilidade, Eis
ahi a rasão de ser dos attentados que commetteu contra a
autoridade civil . A fracção estrangeira era por ella prote
gida. Alem desta protecção creavam -lhe um plano especial em
que gyrava em relação aos seus companheiros de classe .

( 1 ) Jornal cit. , n . 55 de 16 de Junho de 1828.


189

A fracção nacional, resistio contra o monopolio, contra


o regimen do privilegio. Por isso que elle era mantido e des
envolvido pela autoridade, contra ella revoltou - se. Não havia
por conseguinte um exercito nacional, educado nos princi
pios militares e que como um só corpo sentisse a honra da
nação e por ella se dedicasse.
Destas condições resultaram os motins, as sedições de
que foram theatro as cidades do Rio de Jadeiro, Bahia , Per
nambuco e outras , como o motim de 29 de Agosto de 1822 , a
sedição da Ilha das Cobras de 1831 , o motim politico de 17 de
Abril de 1832 , o de 28 de Setembro de 1831 no theatro, o de
Janeiro de 1833 e muitos outros que se deram na regencia e
que seria longo enumerar.
Em todos estes acontecimentos a força publica tomou
parte. Si n’ella se apoiou o soberano para desfechar o tre
mendo golpe contra a soberania da nação, dissolvendo a
constituinte, esteve tambem ao lado do povo a 7 de Abril de
1831 , contra o regimen estrangeiro consorciado com o abso
lutismo que a opinião de então apontava como instituido pelo
Imperador.
Vesta phase, e desde o começo da vida do Imperio,
iniciou -se o problema militar. Não foi só na vida republicana
da nação que a força publica entrou .
Isto coincide com a nossa adolescencia de povo emanci
pado. No Imperio o problema creou -se, desenvolveu -se, com
plicou -se e impoz-se ao estadista republicano a exigir solução.
O que temos escripto é sufficiente para mostrar a sem
razão da opinião positivista entre nós, que diz :
- O exame da nossa historia patenteia , é certo, o que ha
de sophistico em taes apreciações, sobre o papel liberal que
assim se pretende emprestar ao exercito e á armada do Brazil .
De facto, a força publica tem servido habitualmente entre
nós como no resto do Occidente, de instrumento de reacção
dos governos contra as aspirações nacionaes, difficultando a
marcha da nossa evolução. Basta lembrar não fallando de
1817, que foi com a força publica que D. Pedro I dissolveu
em 1823 a constituinte e deportou os Andradas , pricipitando
190

o Brazil na revolução de 1824, abafada com o auxilio do


exercito . Foi com o auxilio da mesma força que o regimen
imperial poude praticar aa serie de abusos que occasionaram
as agitações operadas durante a regencia e os principios do
segundo reinado. Finalmente, foi com o auxilio da força
publica que o governo imperial poude desenvolver a sua
politica internacional por um lado e prolongar o regimen
esclavagista até 1888 , por outro lado.
7

" A inflexivel verdade historica é que a força publica


no Brasil se tem ido modificando com a massa social de onde
provém e só tem adherido aos movimentos nacionaes quando já
a parte civil se acha totalmente empenhada nelles . Para de
monstral-o basta recordar a adhesão á revolução portugueza
de 1820, a nossa independencia de 1822 e a mallograda revo
volução de 1831 , sem fallar da insurreição de 15 de No
vembro, em que só pela falta de patriotismo do ex- monarcha
e dos partidos imperiaes, a iniciativa da transformação poli
tica coube ao exercito . " (1 )
O exercito nesta phase não era uma instituição nacional .
As resistencias que offereceu nos attentados que commetteu
contra a autoridade civil foram em defesa do sentimento pa
trio, collocado sob a prepotencia da intervenção estrangeira
que alcançou vencer, nacionalisando - se . E' esta sua primeira
phase e sua primeira conquista.
Na segunda phase em que o nativismo se transformou
em espirito de classe , soffrendo as restricções que os aconte
cimentos impuzeram, elle então é uma instituição nacional e
a sua intervenção na politica é dictada por influencias muito
diversas. O gráo de instrucção já se tinha alargado conside
ravelmente por seus membros e no campo de batalha já tinha
vingado a honra da nação com o maior heroismo. Estas cir
cumstancias collocavam-n'o em condições que precisamos
estudar, não só em relação as outras classes sociaes , como em
relação à autoridade civil. A’ isto reunimos a propaganda
abolicionista e republicana, que veio ainda mais affectar suas
(1 ) Teixeira Mendes - Benjamin Constant, pag. 107.
191

relações para com o governo, vivificando ainda mais os ger


mens de rebeldia que já grassavam em seu seio. Eis ahi, por
conseguinte, quatro impulsos de capital importancia que se
fizeram sentir no seio da força publica, no sentido de alargar
sua intervenção na politica e renascer os seus precedentes de
revolta contra a autoridade constituida a guerra do Para
guay — o excesso do ensino theorico e a cultura scientifica das
escolas — a propaganda abolicionista e - a propaganda re .
publicana .
Com a guerra do Paraguay se fez sentir no paiz um es
pirito militar inspirado na defesa da honra da patria, espirito
este completamente accidental em nossa vida emocional e
contrario mesmo aos precedentes mansos e pacificos do nosso
povo. Não somos unia nação guerreira. Pelo contrario.
Somos avessos aos habitos da educação militar, ao jogo das
armas, ao aperfeiçoamento da educação physica.
Comprehende- se por conseguinte que o effeito produ
zido pela guerra do Paraguay, que foi o ponto de partida do
voluntariado do exercito e de que os moços aspirassem a car
reira militar, era puramente passageiro e accidental. O facto
é antes a expressão do instincto nacional do que a predilecção
pelas armas . O resultado porém da guerra foi a proemi
nencia da força armada no seio das classes sociaes .
Era impossivel que depois dos grandes serviços pres
tados nos campos de batallia, ficasse ella naquelle plano in
ferior em que a tinham collocado desde o começo do segundo
reinado. Os cargos publicos eram dados de preferencia
áquelles que tinham vindo da guerra.
O governo era o primeiro a distinguir a classe. D'ahi
resentimentos que se geram espontaneamente no seio social
em presença de preferencias ainda mesmo justificaveis.
“ Em uma longa paz de 20 annos, diz um escriptor , vol
veram os militares ao estado anterior, aos soldos ordinarios
e lentas promoções . D'abi o descontentamentamento e descon
fiança contra as outras classes da sociedade, que começaram
a considerar como adversarios : pouco a pouco foi calando no
192

animo da officialidade este pensamento infeliz , os homens


politicos são inimigos dos militares. ( 1 )
A supremacia dos bachareis na politica, a falta de re
presentação militar no parlamento, a direcção civil das pastas
technicas fizeram com que a força publica começasse a sentir
prevenções contra os agentes da administração publica e in
fluiram para que assumisse grandes proporções o espirito de
classe que della se apoderou e que foi o ponto de partida das
novas relações entre ella, a sociedade e o governo. D’ahi , a
organisação de associações militares, onde eram discutidos
os interesses da classe e que exprimiam a convicção que a do
minava de que na união de suas forças encontraria a maior
resistencia contra os privilegios e a omnipotencia dos poli
ticos . Essas organisações são a mais eloquente expressão do
espirito de classe e o maior factor que collaborou nos acon
tecimentos que passamos a narrar.
Para sopitar estas prevenções e exprimir a distincção
em que as tinha, o imperador depois do assasssinio do reda
ctor do Corsario cuja autoria toda a cidade imputou aos offi
ciaes do 1º regimento, vae visital -os na prisão tres dias de
pois , dando isso lugar a que um deputado da tribuna do
parlamento dissesse que essa visita do imperador era a humi
Thação da corôa perante a rebellião militar victoriosa !!
Na verdade, a distincção official chegou ao extremo. O facto
destoava dos precedentes e a classe teve então consciencia do
quanto valia. E pouco tempo depois o exercito cabio em ter
reno franco de rebeldia e
O governo em capitulações
successivas. A proposito do abuso de linguagem de um
deputado que em nome da immunidade parlamentar, assacou
injurias contra a honra de um militar, Coronel Cunha Mat
tos, chamando-o de traidor e covarde, agitou - se a questão do
direito de defesa do militar pela imprensa, e o ministro da
guerra Dr. Alfredo Chaves, como superior hierarchieo as
sistio impunemente á pornographia parlamentar, sem а

menor palavra de defesa . A opinião official impugnou esse

( 1 ) Christiano Ottoni- Advento da republica no Brasil, pag. 82 .


193

direito e então o ministro da guerra mandou reprehender e


prender o militar.
Isto produzio uma agitação no exercito que se aggravou
ainda mais com os factos posteriores que crearam a si
tuação de verdadeira crise entre elle e o governo.
Foi então apresentado no parlamento um prejecto de lei
que a opinião apontava como a expressão da opinião imperial
que, além de crear um monte-pio do qual fossem os militares
membros obrigados, não permittia ao governo conceder apo
sentadorias, reformas, jubilações ou qualquer outra mercê
pecuniaria aos empregados; e, quando o bem publico o exi
gisse, seriam elles postos em disponibilidade ou demittidos .
Como se vê, o principio da vitalidade do funccionalismo era
profundamente atacado pelo projecto, que punha sob a von
tade do governo, a existencia do exercito e a substituição dos
seus membros. Do seu criterio dependia o pessoal da força,
podendo por um simples acto do ministro ser alterado .
Pelo menos foi esta a interpretação com que foi elle ac
ceito pela opinião. A questão Cunha Mattos e a violação que a
politica ministerial tentou executar contra a força publica,
foram as causas da agitação a cuja frente se collocaram o
Tenente - coronel Madureira e a mocidade da escola militar. O
espirito de classe dominou a lucta e inspirou logo a organi
sação de um directorio, como elemento de resistencia, do qual
foi eleito presidente o proprio Tenente -coronel que na im
prensa dizia : 6. Para a classe militar cujos interesses esse
projecto mais de frente ataca, elle constitue um verdadeiro
presente de gregos... Esperamos confiados na sabedoria e no
patriotismo do Senado brasileiro que na proxima reunião do
parlamento elle votará pela immediata rejeição de semelhante
proposta de lei !” (1 )
Esse directorio teve o apoio de toda a classe. Os alumnos
das outras escolas, officiaes dos outros corpos, os Generaes,
todos em summa adheriram á reacção militar, contra a poli
tica do ministerio, e " o Senado abafou a questão, não dei .

( 1 ) Anfrisio Fialho - Historia da Fundação da Republica no Brasil, pag. 49.


v 1. 13
194

xando vir o projecto á luz da discussão. ” Finda tal questão


com a capitulação do governo, surgio outro incidente a
respeito da doutrina official da prohibição feita por simples
Avisos ministeriaes aos officiaes do exercito de discutirem pela
imprensa sem prévia licença do ministerio da guerra. Acha
va- se Madureira no Rio Grande do Sul , quando o ex-ministro
da guerra Franco de Sá, explicava no Senado a demissão de
Madureira, accusando-o de indisciplina e falta de respeito que
tivera para com o Ajudante- general . . A defesa do Coronel
motivou então uma reprehensão do ministro Rodrigues Cha
ves , contra a qual se insurgio o militar no seguinte protesto
que foi uma faisca lançada no seio do exercito :
“ Fui reprehendido por S. Ex. o Sr. ministro da guerra ,
em aviso dirigido ao Ajudante -general do exercito, por ter- me
defendido, sem licença prévia pela imprensa, de accusações
que de novo me foram atiradas do Senado pelo Sr. Franco de
Sá, ex - ministro de guerra da situação liberal .
« Exercendo nesta provincia uma commissão de toda a
confiança do governo, ao lêr o citado aviso, pedi pelo telegrapko,
como me cumpria, dispensa do encargo e ordem de S. Ex. para
recolher -me ao meu corpo.
" Aguardo ainda a decisão de S. Ex . Devo, entretanto, pro
testar desde já em nome dos brios e dignidade da classe militar,
a que tenho a honra de pertencer, contra as idéas do actual Sr.
ministro da guerra e singulares theorias que tenta inplantar
no exercito .
" Em que lei , em que artigo do regulamento disciplinar
fundou - se o Sr. Conselheiro Alfredo Chaves para reprehender,
e do modo o mais severo, um official superior, atacado no que
tem de mais precioso - a sua reputação de funcionario - pela
defesa que apresentou em termos, contra a desarrasoada
accusação de um senador do Imperio?
" Nos avisos que S. Ex. publicou, em relação ao seu acto
contra o bravo e distinctissimo Coronel Cunha Mattos ? S. Ex.
não citou, nem poderia fazel - o, uma só disposição de lei
(2) Anfrisio Filalho - Obr . cit . pag. 51 .
195

que prohiba a defesa aos militares, quando atacados em sua


dignidade.
“ Conhecedor da legislação que rege o exercito, não me
podia sujeitar - como não me sujeito - a imposições menos
dignas dos brios, não só da classe militar, como de qualquer
outra em que o cidadão se prese de ser honrado.
" Póde S. Ex, reprehender -me quantas vezes quizer, por
tão honroso motivo, que estarei sempre prompto a justificar-me,
perante um conselho de guerra, da legalidade do meu proceder.
" No dia em que fôr votada pelo poder competente uma
lei que prohiba aos militares de se defenderem contra os
membros do parlamento - que, parece, têm agora o privilegio
exclusivo dos insultos nesse dia deixarei de pertencer ás
fileiras do exercito ” .
O manifesto Madureira tornou-se um programma do exer
cito e o centro das maiores dedicações e resoluções. Adminis
trava então a provincia do Rio Grande do Sul o General Ma
noel Deodoro da Fonseca que exercia as duplas funcções de
autoridade civil, como delegado do governo imperial e de
autoridade militar. Não foi indifferente á questão agitada.
Nella iniciou -se a ultima phase de sua vida e que deu em resul
tado a proclamação da Republica. Contra a doutrina da
jurisprudencia official que tinha prohibido aos militares o di
reito de discussão e de defesa pela imprensa, o presidente do
Rio Grande manifestou -se garantindo a effectividade desse
direito. A provincia tornou-se então um centro de agitação
politica, quer pelas successivas reuniões militares , quer pela
publicação de diversos artigos. Foi nessa occasião que o Vis
conde de Pelotas , que era um membro do Senado, publicou sua
carta de defesa aos seus camaradas, na Federação. O procedi
mento do delegado do governo, profundamente contrario ás
doutrinas oficiaes, deu logar a uma correspondencia entre elle
e o presidente do conselho, o Sr. Barão de Cotegipe, da qual
vamos extrahir alguns trechos que frisam bem as relações em
que se achavão exercito para com a autoridade civil . Eil - os :
- Recebi em resposta telegramma de hoje. Exercendo V.
6

Ex . duplo cargo de presidente da provincia e commandante


196

das armas (o que mostra a confiança do governo), era pru


dente não autorisar reuniões e deliberações collectivas que
podem trazer consequencias imprevistas. A erronea interpre
tação de actos já existentes e que em nada offendem os brios
e direitos do exercito, que o governo é o primeiro a manter
como elemento da ordem publica, mostra que ha exploração
politica. V. Ex . como o primeiro dos militares na provincia e
responsavel pela disciplina podia e póde representar ou pedir
explicações . Recomendo a V. Ex . , como exercendo a pre
sidencia, que empregue sua autoridade e influencia para
pôr termo a essa agitação dos espiritos. Aguardo com
municação offcial do occorrido, cujos pormenores o governo
ignora ". ( 1 )
DEODORO . - Todos os officiaes, generaes , se mostram
muito sentidos, inclusive eu com a nova e vexatoria imposi
ção de os privar de prompta e immediata defesa, e têm para
isso sobeja razão... Ser privado e punido por discussões com
pessoas alheias á classe militar e que não estejam revestidas
de caracter superior pelo mando administrativo, é duro, hu
milhante e prejudicial... Se como presidente e commandante
das armas tenho deveres , como soldado offendido pela ingra
tidão para com a classe militar, os tenho tambem , porque
assim exigem a disciplina, a moralidade e o brio de soldados
que defendem a monarchia ... Será uma desgraça a imposição
illegal com que se quer opprimir o exercito... A corporação
militar da provincia deposita em mim , como seu interprete,
suas justas queixas e pede o valimento de V. Ex."
BARÃO DE COTEGIPE.- Tomando em consideração o que
V. Ex . expõe em seu telegramma de 4 e o appello que no
final faz a mim particularmente, o governo acaba de resolver
que o conselho supremo militar apresente, com urgencia, um
projecto de instrucção que regule claramente a materia que
tem motivado as reclamações contra o rigor da doutrina dos
avisos (aliás antigos) quando os militares tiverem de recorrer
á imprensa ... Convém , pois, que V. Ex. faça cessar estas

( 1 ) Anfrisio Fialho - Obr . cit. pag. 65 .


197

reuniões collectivas de militares, e confio que a ordem será


mantida . ”
DEODORO. — " Agradecido e satisfeito telegramma de
hoje . "
COTEGIPE . “ Recebi seu telegramma que muito sa
tisfez . "
Esta resolução do governo que deu logar a que um de
putado qualificasse de segunda fraqueza do ministerio, não
era mais do que a abdicação de altas prerogativas e a mais
formal incoherencia com a doutrina já sustentada pelo poder
competente. Era assim analysada :
" O lado desse juizo arbitral entre o gabinete e o exer
cito, acareado como pleiteantes communs, sem differença de
subordinação ou jerarchia, perante uma autoridade legal
mente sujeita ao primeiro e realmente identificada com o se
gundo, superior a ambos, sahio propicio á classe, a que essa
respeitavel corporação se allia pela irmandade na vocação e
na gloria, contra o orgão da autoridade civil , que voluntaria
mente lhe depuzera aos pés a ascendencia da sua prerogativa.
Ora, como ninguem pode esquivar- se honestamente á sen
tença de arbitros, que invocou por deliberação espontanea,
não restava ao ministerio outro alvedrio mais que conformar
se . Mas não succedeu assim . Uns assômos dessa altivez indo
lente, que sempre acorda tarde nos fracos, moveram - o a
recuar, insistindo em não trancar as notas sen requerimento
de interessados.” ( 1 )
Ao mesmo tempo que o gabinete francamente transigia
com o exercito, abdicando de si attribuição de interpretar a
legislação militar para entregal- a a um juizo arbitral em um
assumpto sobre o qual já tinha elle mesmo firmado a dou
trina de negar aos militares o direito de defesa e de discussão
pela imprensa, commettia um acto de energia apparente de
mittindo o seu delegado do Rio Grande . “ Hoje se protesta
contra os actos da primeira autoridade militar, que é o minis
tro da guerra ; amanhã protestar -se-á contra a dos chefes, ou

(1) Retrospecto do anno politico de 1887– Gaseta de Noticias, pag . 77 .


198

sejam generaes , ou commandantes de corpos ; teremos , por


tanto, um exercito deliberante, o que é incompativel com a
liberdade civil da nação." " Eu e o gabinete commigo sen
timos que V. Ex . , a quem demos somma de confiança maior
do que a qualquer outro funccionario, nos creasse tão serios
embaraços . Não obstante, nomeado um presidente que ora
para ahi segue, esperamos que V. Ex. o coadjuvará em tudo
quanto depender de suas attribuições, e contribuirá para que
cesse de uma vez essa agitação...” (1 )
A reprehensão official em nome do presidente do conse
lho inspira a contradicta do General Deodoro nestas pala
vras :

" O thema em questão, diz elle, é reuniões indisciplina.


res — tumultuosas - sediciosas, etc. , por parte dos militares ...
Houve motivos para tumultuosas reuniões ; porque os mili
tares não podem nem devem estar sujeitos a offensas e insul .
tos de Franco de Sá e Simplicios, (2 ) cuja immunidade não os
autorisa a dirigir insultos, nem os isenta da precisa e conve
niente resposta. E o que houve, Exm . Sr. , por causa desses
insultos dirigidos por elles contra inilitares ? Por parte do
governo, permitta -me V. Ex . dizer , muita consideração aos
insultantes, e assim não só approvou os insultos , como foi
além, offendeu ainda mais, com a publica reprehensão para
conhecimento do mundo, a um velho servidor, bomem crite
rioso, decente, correcto e distincto somente em satisfação a
quem nenhuma autoridade tinha sobre elles !
• Achará V. Ex . nisso cousa de pouca monta ? Não será
amesquinhar o exercito, tirar- lhe o brio, a dignidade e o
amor proprio, requesitos estes sem os quaes não haverá sol
dados , mas sim vis e despresiveis escravos ?
" A ferida foi forte, cruel e mortal, e com justa razão,
sangrará emquanto Madureira e Cunha Mattos estiverem sob
a pressão da injustiça de que foram victimas... '

( 1 ) Anfrisio Fialho – Historia de Fundação via Republica no Brazil, pag . 67.


(2) Simplicio é o nome do deputado que provocou a questão Cunha Mattos.
199

E, depois de fazer largas considerações para provar que


no exercito havia brio e dignidade e não indisciplina, continúa
assim :
" Se a sorte determinar o rebaixamento da classe mili
tar, no dia em que eu desconfiar que na frente de soldados
não passarei de um commandante superior da guarda nacio
nal , especial e simples vulto politico, quebrarei a minha es
pada, e, envergonhado, irei procurar como meio de vida, e a
exemplo de muitos , uma cadeira de deputado para tambem
.

poder insultar a quem quer que seja ."


Concluindo, diz o digno General :: • Pelo que fica ex
pendido, conhecerá V. Ex . que prefiro ser desagradavel
levado pela verdade ee lealdade do que agradavel pela reserva
ou mentira .” (1 )
Eram por demais graves os factos entre a autoridade
Por mais de uma vez o governo tinha ca
civil e o exercito.
pitulado em face da rebeldia da força armada. A guarnição
do Rio Grande não podia inspirar a menor confiança e o go
verno teve então de destacal - a, chamando á capital o chefe da
resistencia contra o principio da autoridade. Assim foram
chamados não só o General Deodoro, como o Tenente -coro
nel Madureira, o Coronel José Simeão de Oliveira, o Coronel
Bernardo Vasques e outros .
O governo já se tinha muito alargado no terreno das
transacções e agora era impossivel readquirir o prestigio da
autoridade, já annullado em face das exigencias do exercito .
Era impossivel, depois da pressão dos precedentes, collocar
as relações entre a autoridade civil e a força publica no pé em
que se deveriam manter. Firmado o aresto do juizo arbitral
de que " segundo a Constituição os officiaes tinham como
outros quaesquer cidadãos o direito de manifestar suas opi .
niões pela imprensa ” o exercito quiz levar sua victoria ás
ultimas consequencias, exigindo que se cancellassem as notas
de censura passadas contra o Coronel Cunka Mattos e Te
nente - coronel Madureira . Para chegar a este resultado o

( 1 ) Anfrisio Fialho - Obr. cit. , pag. 68.


200

espirito de classe assumio as maiores proporções, reunindo


todos os membros da força publica sob a acção de uma só
vontade de uma unica direcção representada na pessoa do Ge.
neral Deodor.), a quem a classe militar delegou todos os
poderes para sustentar os seus brios tão profundamente
offendidos , em uma reunião effectuada a 2 de Fevereiro de
1887 . Todo conceito de disciplina tinha desapparecido da
consciencia do exercito . Dominado pela paixão de zelar
aquillo que suppunha um direito contestado pela autoridade
civil , que o fez não só em nome dos precedentes como da
propria indole do exercito, elle no programma firmado na
quella reunião não fazia mais do que exercer a maior pressão
sobre as deliberações do governo, obrigando-o a retirar or.
dens expedidas e executadas e a annullar actos que já tinham
chegado ás ultimas consequencias.
Não era um, dois ou mais membros da classe que se em
penhavam na lucta. Era todo o exercito . Afigurava -se como
um conflicto entre dois poderes constituidos da nação, gy
rando cada um em sua orbita constitucional e não como
uma contenda entre o governo e uma classe creada por lei e
cujas attribuições nella mesma estão traçadas. E na execução
que o General Deodoro deu do mandato de que fôra investido
pelos seus companheiros, por meio de cartas dirigidas ao
Imperador, o exercito já tomava as feições de um poder,
já interpretava suas funcções , seus deveres como supremo
arbitro de disposições legaes. Já ditava as relações que devia
manter para com a autoridade constituida , traçando o se
campo de acção em relação a ella . " Senhor ! Sabe V. M. Im
perial da reprebensão que foi infligida a um coronel do exer
cito por sua justa e quiça franca resposta a insultantes does
tos de um deputado da Nação ; e da maneira por que se tratou
desse assumpto no parlamento, mesmo por parte do minis
terio, como que se fazendo proposital alarde em desprestigio
do exercito.
" Sabe tambem V. M. Imperial da reprehensão infli.
gida a outro official superior do exercito, chamado a ter.
reiro n'esta discussão alimentada pelo proprio governo,
201

que já não se contentava com o desprestigio da classe militar,


que a rebaixava ante cidadãos que, não sendo governo, não
podiam ser considerados superiores hierarchicos de classe al
guma, e que, não sendo militares, com elles não entendem os
preceitos disciplinares sobre discussões na imprensa , entre
militares.
íó Sabe V. M, Imperial dessas reprehensões injustas
feitas com espalhafato, com publicidade em todos os jornaes,
e, por conseguinte, tornadas patentes á nação e ao mundo
inteiro, a dois officiaes superiores do exercito. No parlamento
que representa a Nação, rejubilava -se, e quasi sem imputação,
pela responsabilidade de que gozam, apraziam-se em molestar
e insultar os militares !
“ Senhor ! só quem não for soldado, só quem não tiver
ou comprehender a menor noção do brio e dignidade militar,
só quem julgar que a farda do soldado é a libré do servilismo
e da baixeza - poderá vêr, sem corar de vergonha, sem estre
mecer de indignação, um tal procedimento, que já não é
um desacato da autoridade, mas um insulto a classe mili .
tar. " ( 1 )
E depois de levar, na mesma carta, ao conhecimento do
Imperador a delegação que recebera dos camaradas, dizia, aa
proposito do que reclamavam : “ E não são exigencias de
um pretenso pundonor : é a propria disciplina que o exige:
A disciplina militar não permitte ao soldado receber affrontas
e vilipendios ; a disciplina quer no soldado, -e isso no mais
alto gráo, --brio, dignidade e honra. A obediencia do soldado
não vae até o proprio aviltamento : o soldado é obediente ,
mas não servil ; e aquelle a quem não repugnarem actos de
baixeza e servilismo não é digno da classe a que pertence,
não é digno da farda que veste, farda que é a mesma que
V. M. honra trazendo-a . (2 ) ” Em face desta carta, olvidada
por aquelles que hoje no programma de atacarem o credito
das instituições republicanas , responsabilisam -n'a pela in

(1) Anfrisio Fialho -Obr . cit . pag . 73.


(2 ) Anfrisio Fialho - Obr. cit. pag. 74.
202

disciplina militar, o governo demittio o General do logar de


Ajudante quartel - mestre.
Foi um acto de energia apparente, dictado pelo machia
velismo da politica imperial , na esperança de que o General
demittido se desligasse do exercito.
Repetiram -se suas cartas em tom cada vez mais franco.
Chegaram mesmo á ameça.
66 A cousa é muito séria, Senhor, e somente quem por
uma lado, não tiver a intuição do brio e do pundonor natural
e por outro lado, não cogitar das conseqencias a advir, po
derá encatrar descuidoso a tormenta que se annuncia !
66 Senhor, vosso ministro vos atraiçôa ! - pelo menos
n'esta causa. Elle tem exasperado o exercito e o provoca á
reacção." (1 )
Não foi sómente na vida da Republica que o uso do di
reito de petição collectiva pelos militares foi uma realidade.
O manifesto dos Generaes de 5 de Abril de 1892 ao Marechal
Floriano Peixoto teve o precedente na carta de Deodoro ao
Imperador de 12 de Fevereiro de 1887 e o manifesto de 14 de
Maio ao parlamento e á nação por elle e Pelotas assignado e
que foi um ultimatum á crise da questão militar . “ Não quiz
porem, o ministerio dar esse exemplo de respeito a si pro.
prio, aos seus actos solemnes, aos seus compromissos officiaes
e pelos publicistas que eram notoriamente, em certas folhas,
os interpretes directos do gabinete, se fez saber que as notas
de censura aos officiaes não se retirariam emquanto estes o não
requeressem . Como si á autoridade, que de publico reconhece
haver lesado a lei n'uma especie determinada e correta, não
tocasse, por nobresa , por decoro, por justiça estricta, por
encargo especial de suas fucções, o dever de reintegral-a.
Como, ainda, si as victimas da prepotencia fossem mais
interessadas n'essa restituição do que a propria legali
dade exautorada ! Humilhação era inadmissivel aos nossos
brios " .

(1) Idem Obr. cit . pag. 77.


203

" Sobre taes theorias juridicas não ha exercito, nem


pode haver patria ; porque a primeira condição da patria é
pundunor dos defensores porfissionaes de sua honra .
" O que se agita portanto, não é uma questão de classe :
o aviltamento do exercito en volveria e daria triste medida do
caracter nacional .
“ Mas a jurisprudencia do governo exclue da lei o exer
cito ; e dessa proscripção intoleravel , porque envolve a nossa
vergonha, força é que haja recurso.
“ Não obstante , não seriamos leaes ao principe honrado
e patriota que reina sobre nós, se pactuassemos com o vilipen
dio de uma posição, que nos ludibria , arrancando-nos a di
gnidade de cidadãos armados, para não nos deixar mais que
a subserviencia de janizaros.
" Não nos resta, pois, senão recorrer para a opinião do
paiz, que desde o principio esposou a nossa causa identica
á delle, endereçar ao parlamento esse derradeiro appello e
protestar que nos havemos de manter no nosso posto de resis
tencia á illegalidade, que é o do nosso dever, do qual nada nos
arredará emquanto o direito postergado não receber a sua sa
tisfação plena. Havemos de ser consequentes , como quem
não conhece o caminho por onde se recúa sem honra ” .
Não era só o cancellamento das notas o que o exercito
exigia do governo, e sim que isto fosse feito expontaneamente
sem a solicitação da parte offendida, julgando um direito seu,
em face do aresto do juizo arbitral , pelo qual o governo ex
officio devia corrigir e annullar os actos anteriores que tão de
perto feriram os brios da classe. Estavam frescos na memoria
de todos, os actos de fraqueza do governo, para que o exer
cito reclamasse a effectividade de seu direito garantido pelo
conselho militar. Era uma fraqueza sua ir solicital - o. Vê -se
por ahi as relações em que já estavam o governo e a força
publica pelo facto do exercito collocar uma questão puramente
de principios no terreno da vaidade pessoal e dos brios da
classe.
Deslocada ella do seu terreno proprio, do terreno legal ,
para o terreno da suggestão pessoal, comprehende -se que o
204

que havia de vingar não era a força do direito e sim o direito


da força .
“ Não é da classe, dizia o presidente do conselho no Se.
nado , perdôe -me V. Ex. , a questão é individual. Si esses
officiaes julgam que têm direito ou é de equidade trancarem-se
as notas que foram postas em consequencia das adverten
cias do ministro, por que o não requerem ? (1 )
A esta pergunta, o Srs. Affonso Celso Junior, que nas
suas obras de propaganda monarchica de hoje imputa á re
publica a responsabilidade do militarismo, lamentando a
época actual dos erros e desatinos em contraste com a época
de sabedoria e de patriotismo do Imperio , respondia -
: Por
que é um direito ” .
“ D'aqui duas questões ; dizia ainda o presidente do con
selho, os avisos eram inconstitucionaes ? Sendo inconstitu
cionaes , depois da declaração do governo, de accordo com o
parecer do Conselho Supremo Militar, deviam ser cassadas
ex -officio todas as penas que havim sido impostas em virtude
dos mesmos avisos ?
“ Tinham ou não elles sido applicados até então sem a
menor reclamação da parte dos offendidos e muitos menos do
exercito " .
66 Senhores a franqueza com que me exprimo é de um
homem, que não tem rebuços e que nada teme. Poucos dias
tenho de existencia, e, assim como os nobres Generaes de .
claram que não sabem recuar no caminho da honra, permit.
tam que haja igualmente coragem civica, e que haja quem não
recue no caminho da honra.
" O governo tem por mais de um vez declarado que os
officiaes devem requerer, pois é este o mais legal . Não
querem requerer. Ficarão as notas até que venha um ministro
que as mande retirar. "
Em seu discurso de 18 de Maio de 1887 ainda dizia :
“ O governo podia mandar levantar estas notas ex -officio,
mas demonstrações que appareceram immediatamente depois

( 1 ) Barão de Cotegipe - Questão Militar - Discurso , pag. 3.


205

da consulta do Conselho Supremo Militar, com a qual os mi .


litares se mostraram satisfeitos, e as nossas reclamações de.
clarando elles que continuariam na mesma attitude emquanto
não retiradas as notas , collocaram o governo em uma posição
na phrase do nobre senador, de submetter ou esperar que os
officiaes viessem requerer, conforme era de estylo e de que
deviam usar. ”
66 Onde está o desar de requerer ao superior que lhe

faça justiça de tal ou tal acto praticado ? onde está o desar


de pedir ao superior que reconsidere o seu acto e que o re
vogue, se assim o ententender ?”
Estes trechos dão a medida do lado puramente pessoal
que já assumia a questão, perante a qual o governo não
poude manter o prestigio da autoridade .
E depois do Barão de Cotegipe ter dito que não são so .
mente os Generaes que não sabem recuar do caminho da hon
ra, reconhecendo assim a expressão pessoal que já affectava o
conflicto, acabou por transigir, trancando as notas, sem so
licitação da parte offendida.
Punha por terra todas as doutrinas que até tão tinha
sustentado em relação não mais ao reconhecimento do direito
dos militares de defenderem - se na imprensa , nem tão pouco
do cancellamento de notas de censura e sim como devia ope
rar -se esse cancellamento si por espontaneidade de acção da
autoridade, si por solicitação da parte.
O exercito conquistou no Imperio todos estes direitos e
todas estas regalias, ampliando -se consideravelmente suas
attribuições politicas.
206

III

SUMMARIO

As opiniões da propaganda monarchica de hoje sobre a indisciplina militar. Respon .


sabilisam a dictadura de 1889. Foi no Imperio que ella se creou e se desen
volveu. Frederico de S. O principio da obediencia passiva contestada por
Benjamin Constant já o tinha sido pelos directores da questão militar de
1887, com acquiescencia da autoridade Questão Militar Leite Lobo. Club
Naval . Petição de Club Militar de 25 de Outubro de 1880. Ministerio João Al
fredo , Passou pelas mesmas humilhações do ministerio Cotegipe. Espirito
da época. O programma de reacção contra o exercito era um perigo . Chefe
de policia de S. Paulo , O 17 de infanteria e o ministerio . Incumbencia do
gabinete 7 de Junho .

Os factos que temos passado em revista são sufficientes


para provar a inexactidão de proposições como essas que
hoje dictam o odio á Republica e o amor á monarchia, na
propaganda que se abre sorrateiramente contra as intitui.
ções . " N’um paiz sem instrução onde a brutalidade da des
ordem militar devia primar tudo, a monarchia conseguio,
desde logo, formar a preponderancia do elemento civil,,
cousa quc na Ameriea latina, só o Chile conseguio muitos
annos depois e que a Argentina só ultimamente parece ter
realisado ." ( 1 )
" O preambulo do Decreto (refere-se ao Decreto de Ben
jamin Constant sobre o ensino militar) em que o militarismo
republicano expõe a sua doutrina do soldado politico, é um
curioso monumento , uma verdadeira excentricidade militar e
um documento digno de ser registrado , tanto pelas confusas
resonancias da fórma, como pelo emaranhado das idéas . (2)
" A proposito dos considerandos deste Decreto que firma
para o exercito “ uma missão altamente civilisadora, emi.
nentemente moral e humanitaria que de futuro lhe está des
tinada e que jámais será um instrumento servil e maleavel
por uma obediencia passiva e inconsciente que rebaixa o
caracter, anniquilla e estimulo o abate o moral”, diz a opi.
( 1 ) Frederico de S. - Factos da Dictadura Alilitar no Brazil, pag. 17.
(2) Frederico S. -Obr. cit. pag. 279.
207

nião da propaganda monarchica de hoje ; “ Este ideal militar,


sul-americano, que a dictadura achou no presente para o
exercito brazileiro e lhe quer garantir no futuro , nem ao
menos é uma novidade . (1 )
“ Na America Central o General Benjamin Constant
não seria um innovador . No Brasil , porém , a sua theoria é
nova. As doutrinas têm o seu destino. Já meio desmorali
sado em Guatemala, o militarismo politico refioresce no
Brasil . (2 )
" A dictadura brasileira , no Decreto destinado a reor
ganisar o ensino militar, começa condemnando a obediencia
passiva do soldado. Começa pela destruição da base de toda a
organisação militar, porque ou é passiva ou já não é obe
diencia . ( 3 )
A historia ahi está, com as suas provas irrecusaveis de
que a dictadura republicana não é responsavel pela indisci
plina militar. Por ella ser um facto, foi que o exercito se poz
á frente da revolução de 15 de Novembro, proclamando a re
publica como forma de governo . Foi no regimen monarchico
que a autoridade civil deu o primeiro exemplo de capitulação
em face das bayonetas e acquiesceu com o reconhecimento de
direitos militares que até então tinham sido contestados ou
pelo menos olvidados. Foi nesse regimen que o principio da
lei abrio excepções para com a classe militar e que os repre
sentantes dos poderes constituidos resolveram conflictos no
terreno da transacção pessoal.
Foi nessa época que as questões com o exercito agitadas
dentro da lei assumiram essa feição que de todo as dominou .
O principio da obediencia passiva e inconsciente do exercito
contra o qual Benjamin Constant se insurgio, eliminando o
da legislação militar, já não era uma realidade no tempo do
Imperio.
Os militares, á força de capitulações e fraquezas da au
toridade, já tinham conquistado direitos civis, que lhe deram
(1) Frederico de S. -Obr . cit , pag. 288.
( 2 ) Frederico de S. - Obr . cit .. pag. 289 .
(3) Idem - Obr. cit . , pag. 292.
208

ampla intervenção na politica e na resolução dos poderes pu


blicos. No advento da Republica o problema militar já era
uma verdade. E ' mais uma herança que lhe adveio do Im
perio e para a qual converge a attenção do governo republi
cano no intuito de resolvel-a. E nos acontecimentos que até
aqui temos estudado, fecha - se uma phase da questão militar
para de novo abrir- se outra que terminou com maior prepon :
derancia da força armada e a maior amplitude da sua orbita
de acção .
De facto . A prisão de um official de marinha - feita tão
arbitraria quanto injustificavelmente, deu lugar á reclamação
do Club Naval .
Si até então a marinha nenhuma parte tinha tomado em
acontecimentos que affectassem as relações civis , em todo o
caso a creação do Club é a expressão de uma medida preven
tiva, pela qual podesse resistir contra a autoridade e manter
illeso o espirito de classe.
O governo manda abrir um inquerito. O Club Militar
adhere espontaneamente á causa dos camaradas. O governo
protela a questão por meio das formalidades policiaes. Então
o Club Naval declara- se em sessão permanente até que o
governo resolva a questão.
Isto se dava em Fevereiro de 1888. quando a agitação
abolicionista chegava ao seu auge, dominando todas as
opiniões.
( ministerio do Sr. Cotegipe que governou em nome da
resistencia negreira, não podia offerecer diques á onda abo
licionista que já tinha avassalado aquelles mesmos que até
então tinham prestado á situação ministerial o maior apoio .
A phase a que chegou a questão nos ultimos dias do niinis
terio Cotegipe veio trazer um contingente as relações em que
já se achava a força publica para com a autoridade. Para
deter a fuga dos negros nas fazenılas , o governo recorreu
ao exercito afim de manter no eito o principio do se
nhorio .
A este papel não quiz elle submetter- se e na petição do
Club Militar de 25 de Outubro offerece a mais formal re
209

cusa ao cumprimento de ordens incompativeis com a sua


dignidade.
O novo ministerio que subio herdara como un contin
gente de difficuldades insuperaveis as conquistas que as
classes armadas já tinham obtido contra o principio da auto
ridade. Fazel-as recuar da situação a que tinham chegado,
no intuito do elevar o prestigio do governo, tão decahido pelas
capitulações a que fora obrigado, era um perigo. Romper
as relações em que gyravam o governo e o exercito, era
um programma cuja realisação poderia custar a quéda das
proprias instituições. O novo ministerio, por conseguinte,
não tentou abordar o problema militar.
Aceitou os factos como factos consummados e a supre
macia militar como uma realidade .
A época era de agitação, de indisciplina, de rebeldia, de
desfallecimentos da lei e do governo, de capitulações da au
toridade em face das exigencias das classes armadas.
Os elementos que lhe davam este aspecto já vinham de
longe, de uma elaboração lenta e demorada.
Chegariam as consequencias de uma transformação ra
dical , que se annunciava de ha muito e claramente estam
pada na evolucão que seguiam as forças vivas da nação. A
acção de todas estas causas , que até aqui temos passado em
revista, já tinham lançado no seio da sociedade os germens
dessa transformação, os quaes por um reciproco concurso
soffriam um activo processo de proliferação. O novo mi
nisterio estava por conseguinte votado ás mesmas de
cepções, aos mesmos desfallecimentos do ministerio pas
sado .
E os factos occorridos em S. Paulo vieram pôr á luz da
evidencia a contingencia em que já vivia o governo, em face
da força. Soldados de policia e de linha espancaram -se
naquella cidade.
Isto deu lugar a que o chefe de policia da capital pene
trasse no quartel do 17° de infanteria e ahi injuriasse os re
presentantes do exercito, e que o commandante do batalhão,
em ordem do dia , dissesse só que o chefe de policia devia14 ter
v. 1
210

sido posto fóra do quartel a couce d'armas” . Si o batalhão


foi retirado, o chefe de policia foi demittido.
E, tendo aa imprensa diaria noticiado esta demissão de
maneira a suppôr-se que fôra a pedido, deu lugar a dimittir .
se o Ajudante-general do exercito Severiano da Fonseca, que
perfilhára a aspiração da officialidade do 17° de que fosse o
chefe de policia demittido a bem do serviço publico .
E então um confidente ministerial fez chegar ao General
esta carta :
" Illm . amigo senhor ... -Acabo de ser surprehendido
com o officio do Ajudante -general solicitando sua exone
ração. O motivo de tal deliberação é a exoneração do chefe
de policia de S. Paulo. O Paiz de hoje insinúa que essa au
toridade fôra demittida a pedido. O General Severiano deve
estar prevenido contra as intrigas e mexerico dos novelleiros ,
que estão explorando o que elles chamam nova questão mi.
litar.
- Sabendo que o General está doente, peço-lhe que o
procure de minha parte, manifestando minha grande sur
preza . assegurar ao Conselheiro Severiano que o chefe
Póde
de policia foi demittido por Decreto de 1 do corrente, não
a pedido, mas por conveniencia ou a bem do serviço pu
blico.
• Confio que melhor informado, elle retirará seu pedido
de demissão, se o motivo porque o fez é, como diz no seu
officio, a demissão do chefe de policia.
“ Hoje estarei cedo na secretaria. Seu amigo obrigado
- Thomaz Coelho.
" Cosme Velho, 4 de Dezembro de 1888.” (1 )
O governo passou pelas forcas caudinas. Não podia
resistir contra os precedentes . Ou capitular ou reagir. Para
realisar a segunda hypothese, tornava-se preciso um pro
gramma politico profundamente habil e que não se trahisse
aos olhos da publicidade, por não trazer a sua esterilidade

( 1 ) Anfrisio Fialho Historia da Fundação da Republica 910 Brazil,


pag . 95.
1

211

prematura. Os estadistas do Imperio, todo o seu pessoal po


litico, já tinham sentido a impossibilidade de governo auto
nomo, energico, e que trouxesse o exercito aos limites da
disciplina.
Todos viam a necessidade dessa aspiração, sem a qual o
eixo do poder se deslocava dos orgãos constitucionaes para
ser entregue ás paixões das classes, assim como viam todos
as difficuldades ingentes dessa tarefa.
Della incumbio-se o gabinete 7 de Junho. E' esta a sua
feição historica. Por isso mesmo merece um capitulo á parte
o que faremos quando estudarmos o ultimo ministerio da
monarchia .
CAPITULO V

A propaganda
SUMMARIO

Caracter das primitivas aspirações republicanas. Faltou -lhes o trabalho preliminar


da propaganda. Razão de ser deste facto. Influencia do terror pelas exe .
cuções . Quando começa o trabalho da propaganda . Data do primeiro ma
nifesto e do primeiro club. Primeiro jornal republicano da provincia do Rio .
Influencia da mocidade academica . E ' do seu seio que sae a primeira aspi .
ração republicana. O Radical Academico e seus redactores. Data da creação
do partido em S. Paulo em 1872. Idéas capitaes de seu programma. A con
venção de Itú. Resoluções da convenção. O primeiro Congresso . Suas
resoluções. O primeiro manifesto paulista . Suas idéas. Lucta do partido
nas urnas. Organisação do partido no sul e no norte .

Os primeiros rebentos da idéa republicana não explodi


ram como o resultado de um trabalho activo de propaganda,
sob a inspiração de um programma bem definido e consub
stanciado em formulas de systema politico.
Não passaram de aspirações confusas e indefinidas, sem a
base segura de uma educação politica do povo, e ainda menos
sem a força da orientação haurida na cultura da sciencia .
Não passaram de explosões populares , provocadas pelo
regimen do absolutismo e tyrania. E ainda que ellas conver
gissem para a instituição republicana, todavia não davam a
medida de um trabalho preliminar, pelo qual a consciencia
publica chegasse á convicção da superioridade do governo
democratico .
Taes foram as manifestações republicanas de Minas-Ge
raes, no seculo passado e neste seculo as de Pernambuco, Rio
de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul.
As commoções que ellas produziram não trouxeram a
victoria da idéa, por isso que lhe faltava o terreno convenien
temente adubado para a sua germinação. As condições da
cultura intellectual do paiz ao tempo d'aquelles movimentos e
214

os meios de communicação profundamente atrasados, consti


tuiam outras tantas difficuldades ao trabalho da propaganda.
No primeiro reinado, na regencia, no segundo reinado,
até 1870, ella era profundamente restricta e circumscripta a
fócos isolados. Além d'isto, as scenas de execução dos marty
res pernambucanos de 1817 e 1824 tinham lançado o terror no
espirito publico. Isto contribuio para que a propaganda
além de restricta a pequenas collectividades e a pequenos focos ,
sem a reciprocidade de concurso, fosse feita ás occultas, sem
a responsabilidade dos seus autores , em vista das tendencias
sanguinarias da autoridade.
Foi nessa época que as lojas maçonicas se constituiram
como elementos collaboradores da democracia. E já estudamos
os serviços que prestaram .
A livre manifestação do pensamento pela imprensa era
um crime e o direito de livre discussão não era permittido.
Foi esta a politica que caracterisou o programma do primeiro
reinado e que não foi seguida pelo segundo, durante o qual
se garantio em toda amplitude esse direito.
E então podemos marcar como ponto de partida do tra
balho da propaganda republicana o anno de 1870, de quando
data a emancipação da cultura intellectual do paiz. N'este
anno publica -se o primeiro manifesto republicano, o de 3 de
Dezembro no jornal Republica, sob a redacção de Quintino
Bocayuva e outros, e organisa -se o Club Republicano. A este
manifesto adheriram diversos cidadãos de outras provincias
e a 10 de Dezembro de 1872 organisa - se o primeiro directorio
republicano, de que fizeram parte os cidadãos Joaquim Sal
danha Marinho, Pedro Bandeira de Gouvêa , Francisco Cunha,
Quintino Bocayuva, Salvador de Mendonça, Ferreira de Me
nezes e Eloy Ottoni. Por circular deste mesmo dia convidam
os correligionarios do Municipio Neutro e Nictheroy a reuni.
rem-se, afim de dar ao partido acção e uniformidade ; tendo
logar essa reunião no dia 15 do mesmo mez, quando medidas
importantes e attinentes á propaganda foram tomadas.
Em Nictheroy, desde Outubro deste mesmo anno, publi
cava-se o jornal republicano 0 Nucional, que foi na provincia
215

do Rio de Janeiro a primeira voz a levantar-se a favor da


nova idéa. Sentimos não poder consignar aqui os nomes dos
seus fundadores, por falta de dados e esclarecimentos a res
peito.
No decennio de 1870 a 1880 nessa provincia o movi
mento limitou -se á creação deste orgão e á publicação d’A
Republica em Campos, com o auxilio do Dr. Francisco Por
tella e outros. Vê-se que na provincia o partido não teve
organisação completa.
O mesmo não se deu no Municipio Neutro e principal
mente em S. Paulo, onde o trabalho da propaganda seguio a
direcção que lhe imprimio o directorio. A mocidade acade
mica de então trouxe um grande concurso. Antes mesmo do
manifesto de 3 de Dezembro começou ella a publicar o Radi
cal Academico, (9 de Junho de 1870) folha hebdomadaria e
republicana, cujos artigos levantaram a resistencia por parte
do corpo docente e á frente da qual combateram Lopes Trovão,
Ramiro Barcellos , Felisardo de Azevedo, Silva Lara, Costa
Senna, Ferreira Leal , Miranda Azevedo, Matta Machado (1 ),
Carlos de Almeida, todos estudantes de medicina. O Radical
Academico é por conseguinte a primeira voz republicana, do
meiado do seculo para cá. A este jornal adheriram os esforços
da mocidade da Escola Polytechnica. Appareceu então (Ou
tubro de 1872) O Centro Academico, sob a redacção de Aarão
Reis , Matta Machado, Teixeira de Souza, Costa Senna, Mi
randa Azevedo, Lopes , José Leão , Lopes Trovão, Garcia Re
dondo e outros . E d'ahi em diante não deixou ella de manter
sempre um jornal republicano.
Esta propaganda que era sustentada no Municipio Neu .
tro por estes moços e pelos signatarios do manifesto de 3 de
Dezembro (2) despertou em S. Paulo e Minas a mesma reac
ção contra as instituições.

( 1 ) Quando diplomado foi ministro dos estrangeiros no Imperio


( 2) O Dr, Jonquim Saldanha Marinho , Dr. Aristides da Sliveira Lobo . Chris .
tiano Benedicto Ottoni, Dr. Flavio Farnese, Dr. Pedro Antonio Ferreira l'ianna,
Dr. Lafayette Rodrigues Pereira ( depois ministro do imperio ) , Dr. Bernardino
Pamplona, Joio de Almeida , Dr. Bandeira de Gouvêa . Dr. Francisco Rangel
216

Depois da fundação do Club Republicano na capital do


Imperio e da publicação do celebre manifesto de 3 de Dezem
bro de 1870, alguns clubs radicaes, que existiam na provincia,
declararam--se republicanos. O primeiro , que assim se pro
nunciou, foi o da Capital , onde o novo partido encontrou
adhesão enthusiastica do Dr. Americo de Campos, redactor
do Correio Paulistano, de Luiz Gama , redactor do Radical
Paulistano e do joven engenheiro A. S. de Paula Souza que
fizera a sua educação nos Estados Unidos e na Suissa.
Este club tinha grande affinidade de sentimentos com a
loja maçonica America que se installara em 1868 e que foi
durante muitos annos , na provincia, um centro de propa
ganda das ideas democraticas. Ahi ganhou corpo a idéa abo
licionista .
Os clubs de Campinas, do Amparo , de Itú e Rio Claro
acompanharam o da capital.
Outros se formaram em diversos municipios e a propa
ganda republicana se estendeu.
O Correio Paulistano na Capital e pouco depois a Gazeta
de Campinas na cidade do mesmo nome activaram na imprensa
a organisação do novo partido e doutrinavam em favor da
fórma republicana.
Em 17 de Janeiro de 1872 realisou - se na Capital , por ini.
ciativa do Dr. Americo Brasiliense e outros correligionarios ,
Pestana , Dr. Henrique Limpo de Abreu , Dr. Augusto Cesar de Miranda, Cesar Aze
vedo, Elias Antonio Freire, Joaquim Garcia Pires de Almeida, Quintino Bocayura,
Dr. Joaquim Mauricio de Abreu, Dr. Miguel Vieira Ferreira , Dr. Pedro Rodrigues
Soares, Julio de Cesar de Freitas Coitinho , Alfredo Moreira Pinto , Carlos Ameri
cano Freire, Jeronymo Simões, José Teixeira Leitão, João Vicente de Brito Galvão ,
Dr. José Maria de Albuquerque Mello , Gabriel José de Freitas, Joaquim Heliodoro
Gomes, Francisco Antonio Castorino de Faria , José Caetano de Moraes e Castro,
Octaviano Hudson, Dr. Luiz de Souza Araujo, Dr. João Baptista Lopes, Dr. Anto .
nio da Silva Netto , Dr. Antonio José de Oliveira Filho, Dr. Francisco Peregrino
Viriato de Medeiros, Dr. Antonio de Souza Campos. Dr. Manuel Marques da Silva
Acauãn, Mariano Antonio da Silva , Dr. Francisco Leite de Bittencourt Sampaio ,
Dr. Salvador de Mendonça, Eduardo Baptista R. Franco, Dr. Manuel Benicio Fon
tenelli , Dr. Telles José da Costa Souza , Paulo Emilio dos Santos Lobo , Dr. José
Lopes da Silva Trovão, Dr. Intonio Paulino Limpo de Abreu, Macedo Sodré, ul .
fredo Gomes Braga , SCO de Brisio , Emilio Rangel Pestana , Antonio
nes Galvão , Manuel Marques de Freitas, Thomé Ignacio Botelho, Eduardo Carneiro
de Mendonça , Julio V. Guttierres, Candido Luiz de Andrade, Dr. José Jorge Para
nhos da Silva ,
217

uma reunião para dar- se melhor organisação ao novo partido


que não tinha centro director. Notavam já certos pontos de
divergencia nos grupos politicos que surgiam em diversas
localidades da provincia, alguns dos quaes mostravam reluc
tancia em acceitar a influencia dos republicanos da Capital ,
cujas opiniões se resentiam da tendencia abolicionista que se
manifestava na loja America.
Nessa reunião de 17 assentaram- se as bases da organi
sação do partido para ser dirigido por uma commissão eleita
pelos delegados dos nucleos locaes. Uma das bases era esta :
" De accórdo com as idéas democraticas e regimen fede
rativo, o partido republicano de S. Paulo conservará sua inde
pendencia e autonomia ante o centro estabelecido na Côrte,
assim como igual independencia- imagem viva da autonomia
municipal guardarão entre si os clubs ou nucleos locaes,
prestando -se, entretanto , mutuamente os conselhos, avisos ,
consultas e auxilios no interesse dos principios."
Ficou resolvida a convocação de um congresso dos repre
sentantes locaes , o qual se reuniria em qualquer localidade ,
conforme fosse combinado.
" Das bases expostas, dessa commissão eleita naquella
reunião fica evidente que o elemento essencial de vida e mar
cha regular do partido é a plena liberdade de acção dos clubs
ou nucleos locaes, conservando-se estes na possivel fé da igual
dade, quer entre si , quer em relação ao central actualmente
na Côrte sem desconhecer entretanto , a conveniencia de mutuo
accordo em harmonia entre a independencia autonoma e o en
lace federativo ."
A commissão afastou habilmente do debate a questão
abolicionista e sem combatel-a considerou-a social e não poli
tica na occasião. Teve a franqueza de declarar : " Cumpre não
esquecer que, se a democracia brazileira consubstanciasse em
suas reformas praticas semelhante pensamento, alienaria de
si a maior parte das adhesões que tem , e as sympathias que
espera attrahir.
" Sendo certo que o partido republicano não pode ser
indifferente a uma questão altamente social, cuja solução
218

affecta a todos os interesses, é mister entretanto ponderar que


elle não tem e nem terá a responsabilidade de tal solução, pois
que antes de ser governo estará ella definida por um dos par
tidos monarchicos. "
Entrando em outra ordem de considerações, a commissão
terminon assim a sua circular de 18 de Janeiro de 1872 :
6
“ Fique portanto bem firmado que o partido republicano,
tal como o consideramos, queremos e julgamos capaz de fazer,
a felicidade do Brazil , quanto á questão do elemento servil
fita desassombrado o futuro, confiado na indole do povo e nos
meios de educação por aquelle empregados , os quaes , unidos
ao todo harmonico de suas reformas e de seu inodo de vêr, hão
de facilitar a solução mais justa, mais pratica e moderada,
sellada com o cunho da vontade nacional.
6
“ Enunciando - nos deste modo tão franco, temos a mais
profunda convicção de não divergir dos amigos, em nome de
quem vos dirigimos a presente, e acreditamos que tudo fareis
a bem do partido e dos principios que sustentaremos."
Firmavam a aircular os Drs. Americo Brasiliense, Cam
pos Salles e Americo de Campos.
Estava assim contornada a difficuldade do momento e o
partido republicano se organisava, conciliando opiniões diver
gentes no tocante á abolição do elemento servi) .
Eleitos os representantes dos diversos nucleos republi .
canos, realisou-se em Itú a 18 de Abril de 1873 o primeiro
congresso do partido republicano paulista, estando represen
tados varios municipios.
Essa notavel assembléa tomou a denominação de Conven
cão dle Itú. Presidiu - a o Dr. João Tebyriçá Piratininga , presi
dente do Club Republicano da cidade, então em festas, por ter
sido inaugurada a linha ferrea que a punha em communicação
com a capital da provincia.
Na Convenção de Itú que se compoz dos representantes
dos municipios de Itú, Jundialy, Campinas, S. Paulo, Amparo,
Bragança, Mogy -Mirim , Constituição, ( Piracicaba ), Botucatú,
Tieté, Porto Feliz, Capivary, Sorocaba, Indaiatuba, Itatiba,
219

Monte -mór ee Jahú, foram adoptadas resoluções para servirem


de bases á organisação e representação do partido.
Resolveu-se pois : que seria constituida, para funccionar
na capital da provincia, uma assembléa de representantes de
todos os municipios; que a assembléa funccionaria a primeira
vez no dia 1º de Julho de 1873 e posteriormente como e
quando fosse determinado pelos meios adoptados em sua cons
tituição ; que cada municipio elegeria um representante ; que
o systema de eleição seria o suffragio universal , tendo direito
de votar o republicano maior de 21 annos e que não estivesse
condemnado por sentença criminal ; que a assembléa de repre
sentantes no fim de cada sessão nomearia uma commissão na
Capital para dirigir no intervallo das reuniões os negocios do
partido, entender-se com os clubs municipaes e tomar as pro
videncias urgentes, ficando porém seus actos sujeitos a appro
vação da assembléa.
A representação dos municipios se faria, quer houvesse
club organisado, quer não, bastando que os republicanos ele
gessem o seu representante ou o nomeassem por instrumento
publico ou particular.
Em virtude das deliberações da convenção de Itú , o pri
meiro congresso republicano reuniu-se na capital da provincia
e celebrou a sua primeira sessão no dia 1º de Julho de 1873.
Fizeram-se representar 29 dos mais importantes municipios,
que elegeram os cidadãos importantes , engenheiros, advo
gados, fazendeiros, commerciantes e industriaes. Ahi se
acharam ; os Drs. Raphael Paes de Barros, João Tobias de
Aguiar, Martinho Prado Junior, Manoel de Moraes Barros,
João Ty biriçá Piratininga, Antonio de Araujo Ferreira Jaco
bina e Antonio Augusto da Fonseca , fazendeiros ; os Drs.
Francisco Quirino dos Santos , José Alves de Cerqueira Cesar,
A. F. de Araujo Cintra, M. F. de Campos Salles, Americo
Brasiliense, Ubaldino do Amaral, Jorge Miranda, Bernardino
de Campos , Francisco Glicerio, e Luiz Gama, advogados ;
A. F. de Paula e Souza, engenheiro; Joaquim Roberto de
Azevedo Marques, major Diogo Antonio de Barros, indus
trial .
220

Na terceira sessão do congresso foi eleita a commissão


permanente do partido que assim se compoz : João Tebyriçá,
presidente; Americo de Campos, secretario ; Antonio Augusto
da Fonseca, Americo Brasiliense, João Tobias , Campos Salles ,
Martinho Prado Junior.
Esta commissão apresentou um manifesto dirigido á pro
vincia e assignado por todos os membros do congresso.
Nesse documento politico que teve por fim especial
tornar bem definida a attitude do novo partido na lucta ini
niciada para a libertação dos escravos, os representantes
reunidos em congresso, julgaram conveniente confirmar com
sua autoridade o que fôra resolvido na reunião de 17 de Ja
neiro de 1871 .
Ahi sustentaram que a emancipação dos cscravos , como
questão politica, devia ser resolvida por um dos partidos mo
narchicos, com a responsabilidade do poder.
Desfazendo a intriga que os adversarios armaram para
enfraquecer a aggremiação republicana, o congresso pro
mettia :
6 Como quer que seja, se o negocio fôr entregue á nossa
deliberação (referia - se a possibilidade de ter o seu prazo
breve) , nós chegaremos a elle do seguinte modo :
1. ° Em respeito ao principio da União Federativa, cada
provincia realisará a reforma de accordo com os interesses
peculiares mais ou menos lentamente, conforme a maior ou
menor facilidade na substituição do trabalho escravo pelo tra
balho livre ;
2. ° Em respeito aos direitos adquiridos e para conciliar
a propriedade de facto com o principio da liberdade, a re
forma se fará tendo por base a indemnisação e resgate.
“ Estas são as nossas idéas expostas com toda a franqueza
da convicção sincera. Consignando-as por esta forma expli
cita , temos em mira dizer mais uma vez que, não se podendo
aferir por este lado as dimensões da nossa bandeira, porque
se trata de um ponto de alcance collectivo para todas as opi
niões e para todos os homens, todavia sobre elle como sobre
todas as fibras do corpo nacional existente, temos doutrinas
221

claras e definidas que não podem ser outras senão aquellas


formadas na consciencia dos povos entre a razão e o direito . ”
Era este o compromisso do partido no momento em que
se organisava, enfrentando o complexo e gravissimo pro
blema da emancipação dos escravos. Como collectividade
estava definido o seu pensamento. Fóra della, porém , os abo
licionistas guardavam as suas convicções, actuando na socie
dade individualmente. Todavia Luiz Gama, o mais apaixo
nado abolicionista de então, não assignou esse documento
politico, que teve o merito da opportunidade e facilitou a
formação rapida do partido republicano na provideia de São
Paulo.
Hoje estudando-se com calma as condições dessa pro
vincia, no periodo em que o partido republicano se organisava
e a propaganda abolicionista surgia medrosa , pode -se affirmar
que o movimento republicano não se alargaria, ganhando tão
grande ascendencia sobre o espirito publico nas outras pro
vincias, se outro tivesse sido o seu proceder.
Em 5 de Abril de 1874 reunio - se de novo o congresso
em S. Paulo. Examinou e approvou o projecto de Consti
tuição do Estado, redigido pela commissão permanente para
servir de base e ponto de partida á organisação republicana
na provincia de S. Paulo como Estado Federal dos Estados
Unidos do Brazil ” ; autorisou a commissão permanente a
crear um jornal, orgão do partido na provincia e a publicar
um manifesto redigido por commissão especial do congresso ,
a proposito da questão religiosa, designou o dia 15 de Janeiro
de 1875 para reunião do novo congresso, salvo o caso de con
vocação extraordinaria pela commissão permanente ou аa
requisição de tres municipios pelo menos; determinou que fin
dos os trabalhos da reunião, se considerasse dissolvido o con
gresso e extinctos os poderes de seu srepresentantes, devendo os
municipios proceder a novas eleições em dia marcado a juizo
de cada club ou nucleo municipal; prorogou os poderes con
feridos á commissão permanente .
Conforme a deliberação citada, a commissão permanente
publicou o manifesto sobre a questão religiosa, firmando o
222

principio da separação da Igreja e do Estado, e consequente


mente : a liberdade de cultos e perfeita igualdade de todos elles
ante a sociedade temporal e politica ; a abolição do caracter
official da Igreja e do Estado e sua separação e emancipação
do poder civil pela suppressão dos privilegios e encargos
temporaes, outorgados a seus representantes e secretarios ;
ensino secular separado do ensino religioso, cabendo aquelle
ás escolas e este aos paes no seio da familia e aos ministros
de cada religião na respectiva igreja; instituição do casa
mento civil, sem prejuizo do voluntario preenchimento das
cerimonias religiosas, conforme o rito particular dos con
juges ; instituição do registro civil de nascimento e obitos ;
secularisação dos cemiterios e sua administração pelas muni
cipalidades .
A questão religiosa, que corria agitando todo o paiz, era
um outro embaraço á arregimentação republicana. O mani
festo com a autoridade do congresso, exerceu real influencia
e pôde como naquella outra questão social, disciplinar os re
publicanos, dando unidade á deliberações collectivas, não
obstante o modo de sentir individual dos que aceitavam a
fórma republicana e já então desejavam o advento da Repu
blica.
O projecto da Constituição do Estado, approvado e pu
blicado, apezar da divergencia do voto e opinião sobre
alguns pontos, principalmente quanto á organisação dos po
deres , tornou-se o programma concreto com que a propa
ganda abria caminho por entre as forças conservadoras do
Imperio, para chegar ao seu idéal de governo da republica
federativa.
Quaesquer que fossem as divergencias, appareceu esse
documento politico com a affirmação das idéas do manifesto
de 3 de Dezembro de 1870 .
Ao partido republicano paulista cabe, pois , a iniciativa
de legislar no sentido de verdadeira federação,
Sob a influencia dos principios ahi concretisados, entrou
o partido nos pleitos eleitoraes , e exerceram os seus represen
tantes os mandatos que lhes foram conferidos. De tal sorte
223

formaram os republicanos paulistas a sua educação , durante


a acção centralisadora do Imperio.
Foi assim que se formou o partido republicano paulista
que pela sua forte arregimentação, pela sua incontestavel
disciplina, pela sua maneira habil e prudente de operar entre
os partidos monarchicos, pôde, em pouco tempo, fazer-se
representar nas camaras municipaes, na assembléa provin
cial e na camara dos deputados .
Depois de 1875 o congresso dos republicanos paulistas
só se reuniu em 1877. Passaram - se portanto 3 annos em que
a direcção do partido esteve exclusivamente confiada á com
missão permanente e nesse intervallo pleiteou o partido duas
eleições . Tendo cuidado seriamente da qualificação de vo
tantes em 1876 , em Outubro desse anno pleiteou as eleições de
camaras municipaes , juizes de paz e eleitores geraes de con
formidade com a Lei de 1875. Em algumas localidades al
cançou victoria e em outras o terço, podendo assim ter repre
sentação em maioria em alguns municipios e do terço em
outros . No eleitorado, alcançou tambem o terço em varios
pontos da provincia.
Legitimara portanto a sua existencia politica, firmando o
seu direito de concorrer ás urnas.
Nesses pleitos a direcção da commissão permanente foi
criteriosa e valentemente auxiliada pela Provincia de São
Paulo , cujo primeiro numero foi publicado a 4 de Janeiro de
1875 . Esta folha, propriedade de uma associação comman
ditaria, tinha por socios solidarios os Drs. Rangel Pestana e
Americo de Campos , que foram escolhidos para redac
tores .
Sobre Rangel Pestana fazemos nossas as palavras de
Silva Jardim : " Era a elle a quem cabia a tarefa mais ardua,
de pensar por todos, de organisar a direcção, de guiar a ban
cada republicana na Assembléa Provincial, de redigir os ma
nifestos , de escrever no jornal , gastando a sua vida no ser
viço inglorio, mal apreciado, combatido, calumniado, da
apreciação diaria das cousas e pessoas, em que a recompensa
mais que exigua punha uma familia sempre em lucta com a
224

fraqueza. Sua natureza recta que o impedia de fazer as pe


queninas concessões da advocacia ou da politica, podia trazer
lhe as horas de desalento intimo, mas salvava-o tambem ,
como aos factos , da quéda dos ambiciosos sem valor ; ella
podia por vezes dar - lhe á compostura moral uma rigidez irri
tante, mas impunha um respeito que ninguem ousava con
testar. O nome deste homem era sempre pronunciado com
um profundo acatamento . "
Eram dois jornalistas já conhecidos e com bastante au
toridade para o trabalho de doutrinamento . A Provincia
exerceu real influencia no desenvolvimento e disciplinação do
partido republicano. Redigida com muito tino e habilidade,
conseguio penetrar todas as classes sociaes e tornou -se uma
força poderosa no desdobrar do progresso da provincia de
S. Paulo .
De sua acção effectiva e intelligentemente dirigida no
largo campo das aspirações dos paulistas emprehendedores,
activos e doceis, sem contestação ao partido republicano,
dependeu a preponderancia que elle exerceu sobre os dois
partidos monarchicos.
Tratando das eleições municipaes, dizia a Provincia :
“ Não pode ser indifferente aos estadistas brasileiros o
facto de entrarem republicanos nas camaras de tantos muni
cipios da provincia.
* Dupla significação tem este facto, mostra a acceitação
que a idéa republicana vae encontrando no povo e o valor
da propaganda calma e prudente que se faz na provincia.
" Quando um povo trabalhador e activo revela assim
sympathia pelos homens representantes da forma democratica
pura , -a republica , -- é força confessar, tem elles adquirido um
factor politico e por isso entrado como factores importantes
na economia social .
- Os nossos estadistas não devem perder de vista este
quadro que a provincia de S. Paulo lhes apresenta como a
prova de seu progresso e do espirito que a domina.
" Não se rompe assim com as tradições, com os privile
gios da monarchia, com os interesses a ella ligados , para se
225

legitimar um partido opposto a tudo isso, sem que se tenha


pesado bem a influencia desse novo partido no organismo
social. ”

Definindo a posição dos republicanos nas camaras , obser


vava a mesma folha :
- Acceita a evolução como causa da Republica, a expe
riencia serve á formação do caracter administrativo desse
partido que deve apoiar a sua propaganda no estudo das
questões praticas, firmando no meio dos partidos monar
chicos os exemplos de coherencia, de honestidade e de ci
vismo .
Como minoria o partido republicano representado nas
municipalidades deve ter o bom senso de proceder de accórdo
com suas idéas, com as necessidades de occasião e com a
possibilidade da victoria. Cumpre, pois, nio recuar diante
da praticabilidade dos seus principios e não avançar extempo
raneamente além do meio que achou formado.
Todas as vezes que houver opportunidade para firmar
um principio democratico e tornal-o elemento preponderante
na vida municipal, deve fazel - o, procurando accommodar - se
ao criterio scientifico de preferencia á paixão partidaria.”
A Provincia exercia constantemente influencia benefica
sobre os seus correligionarios , levando - lhes a advertencia, o
conselho e a boa norma de conducta .
Na eleição para assembléa geral em 1876 o partido
disputou uma cadeira de deputado.
Foi indicado para candidato o Dr. Americo Brasiliense
que, apezar de grande votação, não pode ser incluido na lista ,
dos eleitos .
Para leval - o á assembléa geral , o partido republicano es
tava disposto a transigir com qualquer dos monarchicos.
Bem votado o nome do candidato republicano na indicação
prévia dos liberaes , todavia o accórdo com estes tornou - se
impossivel pela difficuldade da combinação do terço . Accei
taram - n'o os conservadores, abrindo -lhe um lugar na sua
lista de nomes . Este facto , que pareceu a muitos estranhavel,
V. 1 15
226

teve entretanto o merito de revelar a força e disciplina do


novo partido.
Elle se apresentou nas urnas arregimentado, não obs
tante todos os esforços dos adversarios para indisciplinal-o.
A proposito da eleição do Dr. Americo Brasiliense, com
bateu-se vigorosamente em toda a linha o agrupamento li
beral . Os candidatos liberaes e sua imprensa atacaram o
accôrdo como deprimente do caracter politico dos republi
canos e levaram as vezes o desgosto e a frieza ás fileiras re
publicanas. Estava em perigo a arregimentação do novo
partido.
Referindo- se a esta campanha eleitoral, disse o Dr. Ame
rico Brasiliense no seu livro 0 programma dos par
tidos :
" O candidato republicano foi muito guerreado pela im
prensa liberal da capital .
O partido e o candidato tiveram brilhante defesa em
uma serie de artigos publicados na secção livre da Provincia
de S. Paulo, sob o pseudonymo — Thomaz Jefferson.
Era da penna do muito conhecido jornalista, o Sr. Ran
gel Pestana, como o declarou ao publicar os ultimos . Foram
depois reunidos em folheto.”
Nesses artigos o citado escriptor mostrava a conve
niencia de ter a propaganda republicana representantes nas
camaras municipaes , na assembléa provincial e camara dos
deputados.
Assim o partido arregimenta - se, assegura Thomaz Je
fferson , os elementos de sua formação davam-ihe cohesão, os
seus homens de talento e merito real se distinguem no ser
viço do municipio, da provincia e da Patria ; applicam as
suas aptidões no estudo e exame das administrações e pre
param -se pela actividade e pelo trato de negocios publicos
para o0 desempenho dos altos cargos da Republica.
O republicanismo platonico, a adoração concentrada da
fórma e a esperança vaga da realisação de um bello idéal,
cuja concepção pode estar muito longe da praticabilidade,
servem para alentar as imaginações ; mas tudo isso é incapaz
227

de educar os grandes cidadãos que hão de organisar um dia


a Republica no Brasil .
A sciencia de governar os povos não se funda em abs
tracções, não é um complexo de theorias absolutas applicaveis
a uma sociedade dada, segundo os caprichos ou as justas e
patrioticas intenções de alguns homens ; ella se forma pela
experiencia e desenvolve- se e aperfeiçoa-se pela obser
vação.
Desde pois que o partido republicano não pode ou não
quer sahir do terreno legal , cumpre - lhe mostrar que tem ho
mens capazes de honrar a sua propaganda pelos exemplos de
civismo, de honradez, de dedicação ao serviço publico e de
coragem de atacar de frente, com a responsabilidade da pa
lavra e do voto , os actos máos dos adversarios .
A sua comparticipação nos negocios publicos, servirá de
escola a si proprio e aos partidos monarchicos.
Respondendo aos que condemnavam o accôrdo, Thomaz
Jefferson sustentava que não havia inconveniente algum em
acceital-o, porque a pureza da idéa republicana em nada
perdia na lucta, nem depois na execução do mandato ; que a
victoria da candidatura republicana explicaria a legitimação
do novo partido pelo reconhecimento de sua influencia por
parte dos monarchicos ; que o deputado republicano, não fa
zendo nem desfazendo situação no regimen monarchico, tra
tando das questões politicas , sujeitas a debate , influiria nas
que estivessem de accórdo com o programma do seu partido,
e que nas outras , interessando o desenvolvimento material do
paiz, votaria conforme os dictames de sua consciencia escla
recida pelo estudo.
Apezar da judiciosa defesa deste modo de proceder do
partido republicano, a derrota do candidato não deixou de
produzir certo enfraquecimento em suas fileiras, parecendo
ter callado no animo de muitos as accusações apaixonadas dos
adversarios.
A esta lucta seguio - se a eleição para deputados á assem
bléa provincial . O partido republicano apresentou seis can
didatos e conseguio eleger tres : os Drs . Prudente de Moraes,
228

Cesario Motta e Martinho Prado Junior ; os dous primeiros


com votação liberal e o ultimo com votação conservadora ,
mas espontanea, sem nenhum accordo de caracter partidario.
Na indicação dos seis candidatos por eleição prévia co
meçou de novo o trabalho de séria arregimentação. O partido
passava a ter verdadeiramente uma existencia propria, per
feitamente descriminada dos que lhe haviam fornecido em
grande parte o pessoal de agrupamento.
Tinha se constituido, pois , realmente o partido republi .
cano na provincia de S. Paulo. As luctas posteriores , as suas
victorias e as allianças monarchicas para derrotal-o, confir
maram a força de sua constituição.
D'ahi em diante elegeu camaras municipaes, juizes de
paz e deputados provinciaes , independente do apoio de qual.
quer dos partidos constitucionaes e até contra seus colliga
dos. Póde -se dizer que constituio o governo municipal em
Campinas, Rio Claro, Santos , Itú, Indaiatuba, Araras e outros
municipios.
Houve entretanto um periodo em que a sua disciplina es
teve em prova pela segunda vez : em 1878, quando os liberaes
foram chamados ao poder com a tal promessa de carta branca
para realisar reformas radicaes e annular o movimento repu
blicano .
Merece sério estudo esta prova da politica republicana.
A mudança da situação politica de 1878 e a organisação
do gabinete de 5 de Janeiro, em que entrou o Dr. Lafayette
Rodrigues Pereira, signatario do manifesto de 3 de Dezembro
de 1870 , influiram sobre o desenvolvimento do partido repu
blicano, ainda em começo de organisação em algumas pro
vincias . Essa influencia não foi tão grande na de S. Paulo ,
onde com razão os republicanos se mantiveram firmes ee dei
xaram passar a onda democratica, que sahio do palacio impe
rial .
Em S. Paulo, a Provincia aconselhou logo aos seus corre
ligionarios que se conservassem unidos e disciplinados , para
bem observarem a execução das promessas de reformas radi .
caes , que pareciam tão fellizes como outras em diversas situa
229

ções . Nessa attitude manteve-se prudente, j usta e severa no


estudo dos factos da nossa historia politica. Foi a grande
barreira opposta á corrente da opinião, que havia dominado
os outros agrupamentos republicanos em varios pontos do
Imperio.
Orientada assim dia a dia a opinião republicana, facil foi
exercer a commissão permanente a sua autoridade, dirigindo
se aos correligionarios.
Não querendo tomar a responsabilidade de um conselho
em tal conjunctura, convocou um novo congresso para deli
berar sobre a attitude do partido.
A 10 de Março celebrou o congresso a sua primeira ses
são. Compareceram representantes de 36 municipios, figu
rando entre elles : os Drs. Luiz Pereira Barreto (medico) ;
Nogueira de Cardoso (medico) ; Bernardino de Campos , F.
Quirino dos Santos, José Tebyriçá, Paula Souza, Campos
Salles, Francisco Glicerio, Jorge Miranda, Rangel Pestana,
Cesario Motta (medico) ; Raphael de Barros, Costa Machado,
V. de Souza Queiroz e Martinho Prado Junior.
Nomeou -se uma commissão para apresentar no dia se
guinte um projecto de manifesto, definindo a attitude do par .
tido diante da situação. Recahio a escolha do presidente no
Dr. Rangel Pestana, Quirino dos Santos e Cesario Motta.
Na sessão seguinte o Dr. Rangel Pestana , relator da
commissão especial, leu o manifesto que foi approvado sem
discussão.
O congresso nessa peça politica, redigida com cuidado e
exacta comprehensão das difficuldades que cumpria vencer,
aconselhou aos seus correligionarios que se mantivessem fir
mes e unidos e esperassem que o ministerio se apresentasse
perante as camaras e expozesse suas idéas e medidas gover
namentaes, para deliberarem então se poderiam apoiar as
reformas que facilitassem a victoria da idea capital do pro
gramma do partido - a Republica Federativa. " Antes disso,
observava o congresso, não nos é permittido, por nossos pro
prios intuitos politicos , prometter apoio aos actos do governo
que nem sequer disse ainda ao paiz ao que veio.
230

Apreciando assim a situação e os acontecimentos ante


riores , julgamos conveniente, como necessidade de occasião,
aconselhar aos nossos correligionarios que se organisem por
toda a parte e permaneçam firmes, guardando com vigor sua
completa autonomia em frente dos partidos monarchicos, es
perando novos acontecimentos que serão estudados pelo pro.
ximo Congresso cuja reunião se marcará opportunamente."
Este manifesto que consubstanciou a historia politica dos
partidos monarchicos, salientando as desilusões soffridas pelo
paiz com os programmas dos liberaes e indicando na situação
o mesmo vicio de outras anteriores , conseguio conter o en.
thusiasmo dos que acreditavam na realidade das reformas
radicaes pelo ministerio de 5 de Janeiro que annunciára a
convocação de uma Constituinte.
No seio do Congresso e na propria commissão permanente
havia quem opinasse pelo apoio áá situação. Para gloria do
partido republicano paulista porém, o manifesto só teve um
voto contrario, o de um illustre cidadão que poucos dias de
pois , convencido pela realidade dos factos, applaudia aquella
justa e correcta deliberação dos correligionarios.
A conducta que o Congresso havia traçado para o novo
partido não satisfez aos liberaes que reagiam contra o acto da
assembléa republicana com ameaças e insultos.
Diante da calma e da firmeza da PROVINCIA , secundando
os esforços do Congresso, crescia o excesso de linguagem da
TRIBUNA LIBERAL .

A's palavras da folha governista correspondiam medidas


reaccionarias do presidente da provincia.
Prevendo graves perigos na lucta que se ia travar nas
urnas, a commissão permanente dirigio aos seus correligio
narios instrucções para que pleiteassem a eleição primaria,
concorrendo ás urnas e defendessem o seu direito do voto e
deliberação, apoiando na lei a resistencia ao ataque e á vio
lação d'elle.
Apezar da direcção intelligente e circumspecta da capital
e dos esforços das localidades , o partido republicano na elei .
ção de 5 de Agosto não alcançou victoria, nem mesmo nos lo .
231

gares onde havia triumphado em 1876 ; apenas fez o terço dos


eleitores em uma ou outra parochia. Não disputou portanto
nenhum logar na representação nacional.
Verificou-se todavia, que o grosso do partido republicano
se conservou autonomo, guardando a sua posição em face das ..
victorias pela força e prestigio do governo. Quando em meio
da situação, lançando -se as vistas sobre os outros pontos do
paiz , raramente se encontravam grupos republicanos, lá es
tavam vigorosos nas uberrimas terras paulistas os sustenta
dores da bandeira gloriosamente levantada em 3 de Dezembro
de 1870. Foi por isso que d'ahi em diante nunca mais a causa
republicana soffreu em S. Paulo pelo desfallecimento dos seus
defensores .
Com a eleição directa affirmou o seu direito de represen
tação e elegeu deputados provinciaes para todas as legislatu
ras , camaras municipaes e dous deputados á assembléa geral .
Falharam os intuitos da situação creada em 5 de Janeiro
de 1878 .
Em 1875 o Imperador tinha visitado a provincia e conhe
cera de visu a força da propaganda alli ,
Acolhido attenciosamente, sem demonstração de hostili.
dade, o velho Imperador não deixou de se impressionar com
o que vio.
A importante folha republicana, a de maior circulação
na provincia, recebia-o com certa altivez, mas sem ataques
pessoaes . Os republicanos nas directorias das estradas de
ferro, de vias de navegação, de estabelecimentos industriaes
e de ensino, não fugiam ao cumprimento de seus deveres e
por toda a parte os encontrara a postos, cortezes , francos, sin
ceros . A todos tratara com delicadeza e ás vezes com amabi .
lidade .
Entretanto não os via nas recepções officiaes de caracter
um tanto aulico.
De volta á Côrte verificou - se que o novo partido seguia
a sua marcha sempre crescente .
Aquella nota saliente - a comparticipação directa dos re
publicanos no progresso da provincia - influio no seu espirito,
232

para tentar a politica da absorpção, que poz em execução ,


formando o gabinete de 5 de Janeiro com o combinado esforço
de metter nelle mais um republicano, e dous radicaes, os Srs .
Leoncio de Carvalho e Silveira Martins.
Os factos provaram que se illudira.
Pode-se affirmar que só a disciplina do novo partido pau
lista constituio permanente, alli, o foco da propaganda repu
blicana .
Bem orientado no estudo dos acontecimentos, doutrinado
sem paixão e pelo criterio scientifico, disciplinado livremente,
com uma boa direcção, sempre obedecida no momento da acção,
fortalecido pela eleição directa , o partido republicano atraves
sou todo o periodo das luctas politicas que se succederam de
1878 até 15 de Novembro de 1889 .
Obedecendo naturalmente á corrente abolicionista que
encontrára apoio na monarchia, o partido republicano adian
tou- se muito , não obstante offerecer até a ultima para dar pro
gramma formulado em 1873 .
Na eleição de 1881 os candidatos aos logares da Assem
bléa Provincial, na Camara dos Deputados foram indicados em
eleição prévia e apresentaram -se ao eleitorado com um pro
gramma organisado pela commissão permanente que então se
compunha dos Srs. :
Americo Brasiliense, presidente; F. Rangel Pestana, se
cretario ; Rafael A. Paes de Barros, José Alves de Cerqueira
Cesar, Americo de Campos, João Tobias, Pereira Barreto,
Costa Machado e Lopes de Oliveira.
E ' tão distincta a formula de apresentação dos candidatos
como a do programma que 66 acceito por estes , constituem ,
disse a commissão, compromisso solemne para o desempenho
do mandato , se lhes fôra confiado por alguns districtos da
provincia.
Trabalho de incontestavel merito, appareceu firmado
pelos candidatos Americo Brasiliense de Almeida Mello, Ma
noel Ferraz de Campos Salles , Martinho da Silva Prado Ju
nior, Prudente José de Moraes Barros, Dr. Lycurgo de Castro
Santos, Dr. Luiz Pereira Barreto, Dr. Francisco Nogueira
233

Cardoso, José Fortunato da Silveira Bulcão ee Francisco Ran


gel Pestana .
O programma dos candidatos foi escripto por Americo
Brasiliense, Campos Salles e Rangel Pestana. O primeiro
tratou das finanças , o segundo da descentralisação, locação
de serviços, e o ultimo fez a parte final do programma, a syn
these com que o fechou e tratou da instrucção publica, da
liberdade de consciencia e de cultos, de transformação agri
cola , dos capitaes para a lavoura, da naturalisação , da liber
tação dos escravos e da politica externa. Enfeixar em um

programma tantas questões complexas, problemas politicos e


economicos sobre os quaes as opiniões divergiam , e fazel.o de
modo a obter a assignatura e responsabilidade de dous cida
dãos como os illustrados medicos Pereira Barreto e Lycurgo
da Costa , era difficil e arriscado.
Pois bem , os redactores do programma desempenharam
n'o a contento de todos . Está nisto sem duvida o grande va
lor politico desse trabalho que resolveu a disciplina mental
dos candidatos e do eleitorado republicano.
Quasi todos os candidatos percorreram os respectivos
districtos, sustentando em conferencias publicas as idéas e
reformas desse programma.
Produzio effeito este meio de propaganda. Os adversarios
que ouviam e applaudiam os oradores, não eram convertidos,
guardavam no animo o germen da proxima conversão.
Este programma de combate ao regimen de centralisa
ção e tutela governamental, servio para os pleitos eleitoraes
com pequenas alterações. Firmados nelle os candidatos aos
logares na camara dos deputados na eleição de 1884 , acceita
ram a idéa capital do projecto Dantas que reconhecia o prin
cipio abolicionista da libertação do escravo sem indemnisação.
Os candidatos de 1881 já haviam proclamado :
" Não se discute a legitimidade da escravidão ; questio
na- se apenas acerca de sua necessidade relativa aos meios de
substituir o escravo por trabalhadores livres . O titulo que
garante a propriedade do homem sobre outro homem susten
234

ta - se hoje pelo respeito á lei em um periodo transitorio . Não


é mais um direito que deve passar ás gerações futuras."
Os candidatos da eleição de 1 de Dezembro de 1883 , que
eram Campos Salles, Prudente de Moraes, Rangel Pestana,
Francisco Glicerio, Martinho Prado Junior, Cesario Motta e
Muniz de Souza, additaram com audiencia da commissão di
rectora esclarecimentos ao programma de 1881. Disseram
elles, em seu importante manifesto :
" Eleito o candidato republicano, como procederá elle na
votação do projecto que deu logar á consulta ?
- Formulada a questão nestes termos , na camara, não
resta ao deputado republicano sinão a alternativa : votar a
favor ou contra .
6. Não lhe assiste o direito de mudar os termos da
questão, parlamentarmente assim apresentada para delibe.
ração.
“ Sem tergiversar, procurando soluções que não cabem
na fórma legal da consulta, julgamos preferivel ser francos
e sinceros : collocados nessa alternativa, votariamos pelas
idéas capitaes do projecto que motivou a dissolução da camara
dos deputados , reservando-nos o direito, quanto aos detalhes,
de acceitar emendas que melhorem as suas disposições , taes
como as referentes aos impostos, alguns onerosos, á obriga
toriedade de prestações de serviços pouco' praticaveis ou defi
cientes quanto aos fins.
66 Parece- nos tambem falho o projecto no tocante á
obrigatoriedade dos serviços, no caso de libertação com onus
de prestal- os por certo e determinado tempo .
Eis como exerceriamos o mandato em relação a esse
importantissimo assumpto.
6. Se a consulta é sincera, real ou nảo, não nos importa ,
e teremos tudo a ganhar, se fôr falsa e arteiramente prepa
rada para illudir a opinião nacional. Pela nossa parte somos
leaes para com os nossos concidadãos.
66
Republicanos , certamente, não ficariamos mais atra
sados que aquelles que, em nome do governo, elemento es
tavel da sociedade, tomaram a iniciativa do movimento. Não
235

significa isto, nem significará solidariedade com O go


verno. ”
Foram eleitos o Dr. Prudente de Moraes pelo gº districto
e o Dr. Campos Salles pelo 7º, districtos onde o eleitorado
republicano era mais numeroso .
Mudada a situação politica e proseguindo mais violenta
mente a lucta pela libertação dos escravos , o partido republi
cano paulista, afastando-se prudentemente do partido cujos
chefes assumiam a responsabilidade da reacção, continuou o
seu trabalho de preparo da opinião, para acceitar a reforma
que faziam impor-se pela força das circumstancias.
Certo que a abolição traria a Republica , o partido repu
blicano paulista agia no movimento da opinião, arredando
de si , a responsabilidade das soluções absolutas, mas sem
todavia concorrer para obtel - as .
Entregava -as aos partidos monarchicos com a responsa
bilidade do poder.
Foi por isso que a reforma revolucionaria de 13 de Maio
não influio sobre o partido republicano da provincia de
S. Paulo, como influio sobre os pequenos nucleos de outras
onde o agrupamento se fez rapidamente depois dessa lei .
Conhecida a força dos republicanos nas eleições , os con
servadores no governo deixavam entrever nos seus actos
hostilidade ao partido que sempre acolhera com sympathias e
tendo mais de uma vez entrado com elles francamente em
accôrdo nas urnas .
A palavra official de ordem era -- enfraquecer os repu
blicanos . A colligação dos monarchistas se tornára manifesta
Pensamento vindo da Côrte, não encontrára todavia con
gresso preparado para arraigar-se. Todavia essa politica
prevaleceu , creando desyostos e resentimentos entre os mo
narchistas e abrindo larga margem ao novo agrupamento
cujas fileiras engrossavam constantemente.
A indisciplina que a propaganda abolicionista, bafejada
pelas altas regiões do governo, levára aos velhos par
tidos , cresceu com o esforço para unil- os na solução da mo
narchia .
236

Os chefes republicanos que acompanhavam a questão mi


litar e consideraram imminente a morte do Imperador, não se
intimidaram com taes esforços e até tiravam vantagem da
politica de reacção .
Nesse periodo uma nova crise ia surgindo para o par
tido republicano : a aspiração separatista se accentuou e
fracções dos antigos partidos se pronunciaram nesse sentido.
Alguns chefes republicanos quizeram adoptal- a como objec
tivo de sua politica. No Congresso de 1887 foi apresentado
um projecto de manifesto em que o partido republicano de
clarava assumir a responsabilidade de dirigir o movimento da
opinião corrente á aspiração que parecia apparecer com fortes
elementos de victoria.
O Congresso acolheu a leitura do manifesto com enthu
siasticos applausos .
Antes de se votar, porém, o redactor-chefe da Provincia,
que já havia prudentemente procurado no jornal afastar o
partido desse terreno escabroso no momento , combateu as
conclusões do manifesto e fêl -o, de certo , com tanta felici
dade que o Congresso resolveu adiar a deliberação sobre
o assumpto. A occasião era incontestavelmente inoppor
tuna .
Os acontecimentos se precipitaram compromettendo a
sorte da monarchia e não convinha isolar o partido republi
cano paulista, fazendo a reforma e por uma politica egoistica
no momento e portanto perturbando e paralysando o tra
balho da eliminação da monarchia .
Passado o perigo e verificada mais uma vez a disciplina
dos republicanos, reunio -se o Congresso em Maio de 1888,
convocado para resolver sobre questões importantes e tendo
sido preludiado por manifestações adversas ao terceiro rei
nado.
Como se ve , S. Paulo foi onde a organisação do partido
foi mais completa e melhor definidos os principios de seu
programma. Em relação mesmo ao municipio neutro elle
avantajou - se consideravelmente. Podemos consideral- a como
o ponto de maior actividade republicana e onde a aspi
237

ração democratica angariou mais adhesões e mais se gene


ralisou .
Antes de 1880 era a unica provincia, podemos dizel - o,
em que o partido estava completamente organisado . Isto
deve -se aos esforços de uma pleiade de homens distinctos,
não só pelo seu talento , como pelas suas arraigadas idéas.
Nas outras provincias , no decennio de 1870 a 1880, li
mitou -se a propaganda a uma ou outra publicação de orgãos
republicanos , a uma ou outra creação de clubs . Em nenhuma
dellas o partido chegou á organisação completa da provincia
de S. Paulo, como um corpo solidario, coherente, discipli
nado e movido pelas mesmas aspirações.
Em Minas, não obstante a adhesão prestada ao mani
festo pelos fazendeiros de Araruahy e a fundação do Club
Campanhense (1873) com o seu jornal Colombo o movi
mento não alcançou firmar a organisação partidaria com a
estabilidade da propaganda paulista.
A’ proposito deste trecho da primeira edição desta obra
e que conservei na segunda, somente para servir de ponto de
partida das rectificações da critica sensata e criteriosa, recebi
a seguinte carta do illustrado republicano Dr. Lucio de Men
donça e que aqui mesmo transcrevemos textualmente, como
agradecimento do serviço que me presta em ratificar erros
que se ligam á insufficiencia de informações :
“ Illustre Sr. Dr. Felisbello Freire Na vossa bella e
conscienciosa obra Historia Constitucional da Republica dos
Estados Unidos do Brazil, cujo 1º volume, consagrado á his
toria da revolução de 15 de novembro, acabo de ler, encontro
com referencia á propaganda republicana em Minas, os se
guintes periodos :
" Em Minas, não obstante a adhesão prestada ao mani.
festo pelos fazendeiros de Araruahy e a fundação do Club
Campanhense ( 1873) com o seu jornal Colombo - o movimento
não alcançou firmar a organisação partidaria com a estabili
dade da propaganda paulista ." (pags . 223 e 224).
" Não obstante as tradições democraticas de Minas Ge
raes, centro legendario da Republica, todavia a sua organi
238

zação partidaria em sua phase definitiva foi muito tardia. No


decennio de 1870 a 1880 quando o movimento em S. Paulo já
tinha chegado a uma phase completa de organização, Minas
ainda apresentava como foco republicano o Club Campa
nhense e poucos outros. Só em 1887 organiza-se o Club de
Itabira, a que seguia-se a creação de outros , etc.
" A effervescencia do movimento está no numero dos
clubs que se organizaram em 1889. Se no decennio de 1870
a 1880 somente um club organizou-se, em 1880 organizaram-se
44. " (pags. 227 e 228) .
O intuito destas linhas não é outro senão sanar, em parte
ao menos, a deficiencia das informações que pudestes colher ;
nem me proponho aqui um estudo completo da propaganda
Republicana em Minas (que espero ainda escrever em livro),
nem reinvindicar como gloria o que foi mero cumprimento do
dever civico .
Ainda não ha muito que deixei passar sem protesto ou
contradicta uma phrase inexactissima do Sr. João Pinheiro
na Opinião Mineira, declarando haver sido elle o primeiro a
arvorar na imprensa de Minas o pavilhão republicano, com o
seu Movimento, de Ouro Preto, apparecido tantos annos de
pois da longa existencia do Colombo, que só de minha reda
cção teve seis annos (de março de 1897 a junho de 1885) .
Ainda mais alguns serviços á causa podia eu perder em favor
de outrem , sem que sentisse grande falta. . . E já me vou um
pouco habituando, em politica, a ver sem magua pennas mi
nhas em azas alheias.
Desculpe a digressão ; volto ao assumpto .
No Colombo de 21 de dezembro de 1884 transcrevo os
seguintes periodos de uma acta :
" Aos dezoito dias do mez de dezembro de 1884, em casa
de residencia do cidadão Dr. Lucio de Mendonça, ás 3 horas
da tarde, nesta cidade de S. Gonçalo de Sapucahy, provincia
de Minas Geraes, reunidos os cidadãos republicanos Antonio
Julio de Araujo Macedo, Dr. Americo Werneck, Carlos Lentz
de Araujo , Marciliano Borges de Almeida Fleming, Dr. Fran
239

cisco Soares , Bernardo de Gouveia Filho, Francisco das Cha


gas Ladisláo , Olympio Theodoro de Araujo, Francisco Bres
sane de Azevedo, Manoel de Oliveira Andrade ee Dr. Lucio de
Mendonça declarou este ultimo o fim da reunião convocada,
e em seguida, depois de discussão, adoptaram- se as seguintes
deliberações :
Fundar um centro de organização do partido neste 13 °
districto eleitoral e de iniciativa e convite de organização nos
outros tres districtos 11 °, 12° e 14 °, que costituem o sul de
Minas, com a denominação de União Republicana Sul-Mineira,
sobre estas bases : -- completa intranzigencia de todos os co
religionarios que adherirem a esta organização, importando
na restricta obrigação, que assumem , de não votar senão
em candidato republicano, o qual deverá ser indicado por
escrutinio prévio do partido no districto, como praticam
os republicanos de S. Paulo e Rio Grande do Sul , sem
nenhuma concessão a qualquer dos partidos monarchicos,
pelo menos emquanto não possuirmos forças eleitoraes suffi
cientes para licitas transações de votos . Que este centro pro
visorio eleja quatro commissarios, sendo cada um encarre

gado de indicar o trabalho de organização em cada um dos


quatro districtos eleitoraes, ficando o encarregado deste 13°
districto incumbido de promover desde já a organização defi
nitiva neste districto, devendo os outros propor apenas a co
religionarios dos tres outros districtos estas bases de orga
nização. Estas communicações se farão com a remessa de
cópias desta acta, pedindo remessa das respostas, que será
adoptada em reunião dos co -religionarios de cada localidade.
Além disto, publicar -se- ha cópia desta mesma acta e um
appello aos co -religionarios sul-mineiros no Colombo, da
Campanha.
Em seguida procedeu - se, por acclamação, á eleição dos
commissarios, ficando eleitos : para o 11 ° districto, o cidadão
Dr. Lucio de Mendonça ; para o 12º, o cidadão Marciliano
Borges de Almeida Fleming ; para o 13º, o cidadão Dr. Am
rico Werneck , e para o 14º, o cidadão Manoel de Oliveira
Andrade. ”
240

Em desempenho de tal encargo, fundei na cidade da


Christina (séde do 11 ° districto eleitoral) um club republicano
que lá deixei organizado e que pleiteou candidaturas republi
canas nas eleições que se seguiram .
Contribui tambem directamente para a fundação do club
republicano do Douradinho, ainda agora um baluarte da Re
publica no sul de Minas, mercê da dedicação do velho demo
crata José Luiz Lopes de Vasconcellos .
Peza -me de ver citado, na vossa Historia Constitucional
da Republica, o Club Campanhense, que tão pouco fez, pois o
Colombo, dado como seu orgão na imprensa, nunca o foi ,
tendo mais de uma vez aberto luta contra a má orientação
politica daquelle club : esse periodico sustentou - se 10 annos
por esforços de seu proprietario e co -redactor Manoel de Oli
veira Andrade, nome inolvidavel na propaganda republicana
em Minas; e omittido o club republicano de S. Gonçalo de
Sapucahy, que, esse, sim , foi o verdadeiro nucleo da organi
zação republicana sul-mineira, e prestou á causa os melhores
serviços.
Abi fui efficazmente auxiliado e depois vantajosamente
substituido pelos illustres republicanos historicos Drs . Tho
maz Delfino e Americo Werneck, redactores da Gazeta Sul
Vineira , ainda hoje folha republicana redigida pelos distinctos
irmãos Francisco e João Bressano .
Cuido que com estas poucas linhas ficará, pelo menos,
mais completa a noticia da propaganda republicana em
Minas.

Não terminarei sem cumprimentar- vos calorosamente


pelo optimo serviço que prestais á historia patria com a pu
blicação do vosso livro, em que brilham todos os dotes de um
elevado espirito esclarecido e moderado, quer dizer, constru
ctor -- Vosso correligionario e admirador- Lucio Mendonça .
Rio de Janeiro, 21 de maio de 1894."
E foi completamente nullo nas outras provincias do sul,
com excepção do Rio Grande, onde se publicou a Democracia
em Janeiro de 1872 .
241

No norte, a agitação limitou-se tambem a manifestações


esporadicas. Assim , publicou-se em Therezina (Piauhy) , em
Janeiro de 1871 o primeiro numero do Amigo do Povo, orgão
republicano, sob a direcção de David Moreira Caldas, e de
pois 0 Vinte Nove sob a mesma redacção. No Recife , em
1872, a Republica Federativa, O Seis de Março sob a redacção
do Dr. José Maria de Albuquerque Mello, e em Maceió A Re
publica sob a direcção do Dr. João Gomes Ribeiro, na Bahia
o Horisonte, sob as inspirações de Guedes Cabral e a Senti
nella da Liberdade, na Fortaleza a Revolução e o Argos em
Manáos , em 1871 .
De clubs , somente fundou- se um no Recife, em Dezembro
de 1871 , sendo eleito presidente, o Dr. José Maria de Albu
querque Mello. Eis a primeira phase da propaganda.
J

SUMMARIO

Caracter da propaganda depois de 1880. Os factos mais salientes. Questão militar


e abolição. O despeito da lavoura . Opinião de Silva Jardim . O estado social
e a instituição monarchica . Diminuição do seu apoio nas classes sociaes.
Caracter de Silva Jardim . Opinião de Rangel Pestana sobre elle . A propa
ganda dirige-se em duas correntes – os evolucionistas e revolucionarios .
Silva Jardim chefe do segundo grupo. Sua entrada na propaganda. A moção
da camara de S. Borja . Primeira excursão de Silva Jardim . Guarda Vegra .
Sua creação historica. Por ella a monarchia resiste contra a Republica. Seu
primeiro ataque. O 30 de Dezembro. O partido na capital do paiz. Sua
scisão. Silva Jardim e Quintino Boca yuva . Dissidencias e protestos. Viagem
do Cond'Eu ao norte. Insuccesso da politica de excursões . Sua historia . A
Guarda Negra da Bahia . A mashorca da Ladeira do Tabuão . Opinião da im
prensa da Bahia. Silva Jardim e Conde d'Eu. Excursão daquelle em Per
nambuco . Outra dissidencia do partido pelos defensores da princeza . Os
adversarios da adhesão agricola .

Na phase da propaganda que se iniciou em 1880, causas


outras que não a influencia moral de um manifesto vieram
dar-lhe actividade. Por isso que ellas vieram affectar rela
ções sociaes e economicas, pondo em franco relevo a respon
sabilidade do poder publico, trouxeram um poderoso conti
gente ao desenvolvimento e a generalidade da idea que se
enfeixava na propaganda. Os acontecimentos que deram uma
v. 1 16
242

feição tão especial á politica da nação, de 1880 a 1889 , não


podiam deixar de exercer a influencia que exerceram . As
questões militares , a propaganda abolicionista, traziam como
consequencia o desprestigio do poder na consciencia publica,
avassalado pela rebeldia do exercito, contra o qual ou não
poude ou não quiz reagir, e punha á prova evidente a inepcia
do governo que , não se apercebendo da celeridade do movi
mento emancipador, do plano inclinado em que seus agitado
res já o tinham collocado, foi indifferente em face de uma
medida radical , que, por alterar profundamente todas as re
lações economicas do paiz , devia inspirar nos agentes da
administração publica as mais sabias medidas para que o tra
balho agricola não ficasse entregue, como ficou, á mais com
pleta desordem ee anarchia, na contigencia de não poder ser
feito nem pelo braço escravo , nem pelo braço livre que não
havia... Em face das aspirações abolicionistas e quando ellas
chegaram ao seu periodo agudo, o governo só assumio uma
posição- resistir. Poderia fazel -o, si ao mesmo tempo que re
sistia, tomasse medidas preparatorias do trabalho livre, as
quaes seriam outras tantas valvulas que dariam escoamento
áquellas exigencias. Resistindo o governo sem prevenir e
acautelar - se contra o lado economico da reforma social , havia
de vir um momento em que essa resistencia seria vencida
pela aspiração liberal e o proprio governo iria na onda abo
licionista . Foi o que succedeu. As sommas de interesses que
foram prejudicados, sem que elles fossem acautelados pelos
representantes da autoridade, resfriaram as dedicações monar
chicas e abriram uma corrente de adhesões da lavoura para
a republica. Ou expressão de despeito, ou defesa de interes
ses , contra os quaes o egoismo humano não assume a insensi
bilidade da monera, ou a convicção da fraqueza, da impericia,
da imprevidencia das instituições e seus servidores, o facto é
que a abolição da escravidão veio trazer á propaganda re
publicana um periodo de effervescencia tal que todos prognos
ticaram a morte das instituições com a morte do segundo
Imperador. Analysando o lado psychologico do facto histo
rico, já demos nossa opinião em um dos capitulos anteriores .
213

* Teu espirito pratico , dizia Silva Jardim , concordará


commigo que, se bem que a Politica deva sempre ser subor .
dinada á Moral, comtudo um partido não é uma confraria re
ligiosa que exija dos seus adeptos a virtude, até mesmo nas
intenções. Essas qualidades devem ser exigidas aos chefes ;
quanto aos soldados, pouco me importa a mim que sejam taes
ou quaes os móveis dos seus actos , desde que obedeçam aos
bons directores, e sirvam com dedicação a causa commum . E'
a resposta que eu poderia dar aos que começam a accusar- me
de explorar o despeito da lavoura .
" E porque não attribuir a exigencia do partido paulista
antes ao sentimento liberal da provincia que o levava a ligar
se em torno do manifesto de 3 de Dezembro de 1870 ? Esse
partido já é bastante antigo ; e tu sabes que o odio por si só
não faz obra passageira.
“ Por sua vez , por que não suppôr generoso o actual
movimento dos lavradores fluminenses e mineiros ? Se apenas
o despeito contra a Princeza os movesse, elles poriam suas
esperanças noutro principe. E, si os chamam despeitados con
tra o throno, não teriam elles direito de chamar peitados aos
que os combatem ?
" Quando eu pudesse pensar assim um só momento, bas
tava o acolhimento á propaganda genuinamente republicana,
que lhes faço, para demonstrar-me o contrario. Demais, tu
sabes que é muito fraca a razão philosophica que suppõe no
homem a incoherencia mental de se declarar republicano de
um dia para o outro, por capricho, sem nenhum antecedente
social ou pessoal. Isso seria incompativel com o bom senso
do lavrador, de sua natureza conservador, pela sua profissão
de cultor do solo," ( 1 )
A' proporção que a abolição ganhou terreno pelos esfor
ços dos proprios republicanos, a propaganda tendia a accen
tuar-se e a generalisar - se, chegando á phase aguda de que
falámos, em 1888 .

( 1 ) Silva Jardim - Memorias e Viagens. pag. 140.


214

Si a abolição vinha lançar na vida economica do paiz os


elementos revolucionarios , as questões militares já tinham
alterado profundamente as relações da autoridade para com
a força. Deste concurso de factos , originados em pontos tão
differentes, resultava o enfraquecimento das instituições e a
generalisação democratica .
Sem o apoio de forças tão conservadoras , sem o sustenta
culo da classe agricola, das classes armadas, a instituição
monarchica ficaria em uma situação accentuadamente insta
vel . Eram estas as suas condições, em 1888. Já profundos re
sentimentos distanciavam o exercito da autoridade e a la.
voura do throno. No seio social, desfalcados estes contigentes ,
o que ficava como apoio das instituições ? As classes liberaes
entregues á lucta pela vida, indifferentes á sorte dellas, ti
nham em seu seio o germen da desaffeição e do retrahimento,
pelas difficuldades em que se debatiam em face do programma
centralisador da politica, que levou o Estado a absorver o in
dividuo .
Assim tambem, nas classes intellectuaes , as instituições
não lançaram suas raizes, porque já se achavam em um adian
tado processo de emancipação pela divulgação das sciencias
naturaes . Com a cultura veio a descrença e fortaleceram - se as
tendencias de rebeldia e de revolta. No proprio clero, que a
historia registra como o alliado secular do throno, sangrava
ainda bem fundo o golpe desfechado pelo principe na questão
dos bispos. Ficavam , por conseguinte, na massa popular,
como o leito das instituições o funccionalismo publico e os
politicos. Comprehende -se facilmente a que situação instavel
chegam as instituições de um paiz, quando da massa popular,
que é o terreno onde ellas se proliferam , se desenvolvem e
criam raizes , se desfalca o contingente de uma notavel maioria.
Era esta a situação, em que se achava a instituição monarchica,
em 1888. As causas de transformação, os elementos revolu
cionarios, os factores do progresso historico, já vinham de
longe em elaboração contra ellas . Então a propaganda assumiu
um periodo febril, destacando - se o vulto proeminente de Silva
Jardim . Elle representa a maior força mental do movimento,
245

a par de um jornal , que de alguns annos se tinha constituido


como uma sentinella avançada : -0 Paiz .
Passemos ao detalhe dos factos :
Silva Jardim é a organisação moral mais integrada , a
dedicação mais sincera, o ardor mais pronunciado pela victo
ria da idea que de todo o dominou, a audacia mais requintada
em affrontar as iras do preconceito, e o espirito mais affeito
á propaganda, de todos quantos nella tomaram parte em sua
segunda phase. Espirito rebelde, intransigente, autoritario e
insubordinado, poz á causa da republica toda sua actividade,
todo o seu concurso. Pouco affeito ás difficuldades da organi .
sação para que não se sentia com as condições precisas,
era entretanto um homem feito e talhado para a propa
ganda. Podemos mesmo dizer-della é a figura mais proe
minente.
" O Dr. Silva Jardim, dizia Rangel Pestana, compre
hendeu bem a disposição dos espiritos no movimento republi
cano e tomou a róta que lhe paraceu melhor, convidando a
acompanhal-o os que revelavam a coragem de affrontar os
perigos.
66 A dictadura do Dr. Silva Jardim é, portanto , producto
natural do meio d'onde ella brotou. Fomos todos nós que a
levantámos.
" Elle é o unico homem que até hoje nos apresentou o
movimento revolucionario, porque só elle tem sabido caracte
risar os sentimentos nacionaes , dando -lhes, pela sua energia ,
pelos seus trabalhos, pela sua acção intelligente e bem defi .
nida , a representação na lucta com a monarchia. Reconhecer
isto é ter a franqueza de proclamar a verdade.
6
E ' possivel que elle se enfraqueça por haver commettido
o erro de exceder- se no seu rigor de concentrar a direcção,
impondo um tanto violentamente a sua autoridade e deixando
claramente posta a sua dictadura.
" O enthusiasmo e a fé do moço talvez tenham inutilisado
em parte o grande trabalho de preparos para o ataque ás ve .
lhas instituições, sem garantia de organisação da Republica.
246

“ E ' fora de duvida, porém, que só elle hoje reune as


condições de chefe do movimento revolucionario, ainda que o
não seja do partido republicano.
- Atraz delle deviam estar os homens da organisação, os
espiritos directores, capazes de medir friamente o effeito da
sua ousadia de agitador e de assegurar a victoria em um mo
mento dado e de assentar em bases fortes o edificio da Repu
blica.

“ Mas... parece- me que elle é a unica vontade que vence


tudo, que procura meios de acção por toda parte, e que
reune em redor de sua individualidade sympathias, enthu
siasmo, admiração e confiança , esse conjuncto de factos que
annunciam a elevação politica de um homem á chefia de uma
revolução.
" Podeis eleger commissões , tentar reunir homens que
se illudam de boa fé, que esterilisam esforços communs por
cortezia, que se annullam pelas reciprocas provas de uma
desnecessaria cordialidade, que se fiscalisam , olhando-se de
soslaio por um falso respeito á popularidade ; tudo isso com
plicará as funcções partidarias e apressará a agitação revo
lucionaria. Esta é a minha convicção.
- O Dr. Silva Jardim continuará a ser o homem da re
volução onde quer que elle appareça.” (1 )
De facto era assim .

O movimento republicano que já lavrava em todas as


provincias no anno da abolição, reclamava já duas especies
de collaboração mental : daquelles que se deviam constituir
seus organisadores e dos que fossem no meio social implantar
a nova idéa d'aquelles, cuja acção se restringia á direcção in
telligente do movimento, entregando -o á acção das leis evolu
tivas sem quererem precipital-o nas aventuras de um golpe de
audacia e d'aquelles que no ardor da lucta appellavam para os
meios radicaes até mesmo para a revolução, convictos de que
só elles correspondiam á contingencia das instituições mo
( 1 ) F. Rangel Pestana - Memorial Politico do Congresso Paulistu , pag. 15.
247

narchicas e ás especulações com que já se preparava o


advento do terceiro reinado .
Antes porém de estudarmos essa dupla corrente de opi
niões , que já se operava no seio do partido republicano, pre
cisamos vêr as causas e os factos que a motivaram .
Si antes da abolição, a propaganda republicana, ainda
que tivesse assumido um caracter de sensivel actividade,
obedecia á influencia do desenvolvimento natural da idéa de
mocratica, depois da promulgação da lei que operou no paiz
uma radical transformação, ella precipitou-se, principal
mente pela intervenção de Silva Jardim. Basta dizer que até
13 de Maio se tinham organisado 60 clubs republicanos e desta
data até Dezembro de 1888 organisaram - se 80 .
Sua entrada na propaganda liga- se á consulta dos ve .
readores de S. Borja ás outras camaras em Janeiro de 1888,
para que se consultasse o paiz sobre a opportunidade desde
logo da destituição da monarchia pela morte de D. Pedro,
visto como era herdeira do throno uma princeza fanatica,
casada com um principe estrangeiro. Esse brado de revolta
que foi acompanhado pelas camaras do Rio Grande do Sul e
S. Paulo, desperta as iras do governo que procura castigar
os vereadores de S. Borja , dando -se lugar a uma notavel po
lemica da imprensa sobre a legalidade da consulta. Então
Silva Jardim annuncia seu primeiro meeting e sua primeira
conferencia em Santos, em 28 de Janeiro de 1888 A patria
em perigo, — por convite do radical republicano Francisco
Lobo.
Ahi abre elle sua campanha de propagandista , devo
tando então toda sua actividade á victoria da idéa , no intuito
de generalisal- a pelas camadas populares. D'ahi segue a
percorrer cidades e villas de S. Paulo, Rio de Janeiro e
Minas , attrahindo as multidões que o ouviam , presas pela
eloquencia, energia e convicções de sua palavra. " Quando
cheguei á tribuna, dizia elle, e olhei a multidão, senti esse in .
explicavel acanhamento que sente o homem diante da supe
rioridade do povo, que representa a Patria ; é essa invasão
insensivel da alma popular, na alma do orador, que estabeece
248

a sympathia entre estes e os ouvintes. Fui recebido por uma


chuva de applausos, sem nenhum protesto, e emquanto cada
um se preparava para ouvir e o silencio se fazia, senti.me
suavemente aquecer ao calor da animação popular, sem perder
a serenidade necessaria para a sondagem continua da impres
são que as palavras produziam, e para não cahir em divaga
ções ou perder-me, esquecendo a filiação dos assumptos.
" E eis-me agorasó, diante de todo o publico, timido ao
principio, еe pouco a pouco animando minha voz, á proporção
que sentia 0o olhar geral de approvação."
Ouviram- n'o as populações do Rio Claro, Limeira, São
Carlos do Pinhal, Campinas , Jacarehy, Pindamonhamgaba,
Taubaté, Guaratinguetá, Lorena, Rezende, Barra Mansa, Pi
rahy, Vassouras, Valença, Parahyba, Juiz de Fóra, Petro
polis , Friburgo, Cantagallo, S. Fidelis , Campos, Macahé,
Barra de S. João, Capivary, Rio Bonito, Itaborahy e Nic
theroy, em uma excursão de 30 dias .
Por onde passou , deixou o germen revolucionario.
A agitação crescia e os clubs se organisavam em toda a
parte.
A nota vibrada pela palavra de Silva Jardim já echoava
no norte, onde a imprensa republicana feria polemica com os
orgãos dos partidos constituidos. Na capital do Imperio os
esforços de Saldanha Marinho, Quintino Bocayuva, Aristides
Lobo, Esteves Junior, Silva Netto, Rodolpho de Abreu, Hen
rique Deslander, Julio Diniz, Annibal Falcão, Sá Valle , Po
lycarpo, Almeida Pernambuco, Julio do Carmo, Mathias
Carvalho, Jeronymo Simões , Valentim Magalhães , Cyro de
Azevedo e Barata Ribeiro, mantinham a mesma effervescencia
que grassava no interior. As instituições monarchicas e seus
servidores acordavam do somno que lhes tinha trazido a vi
ctoria abolicionista ee resolveram dar a primeira prova de re
sistencia.. Ella não veio em começo por meio da suspensão
de garantias dos direitos constitucionaes , como a liberdade
da palavra e da imprensa, e sim por meio de uma sociedade
composta de homens de côr, organisada para garantir as ins
tituições em nome do sentimento de gratidão da raça negra
249

pela abolição . Era a Guarda Negra o orgão pelo qual o


throno se preparava para resistir contra as conquistas da pro
paganda republicana. Nascida na capital do Imperio, gene
ralisou - se por todas as provincias, obedecendo em toda a
parte aos mesmos principios com que a tinham organisado na
capital do paiz, votando o mesmo odio aos republicanos e pro
movendo as mesmas desordens nos auditorios que ouviam a
palavra convicta dos propagandistas . A sua primeira façanha
foi na conferencia que Silva Jardim fez a 30 de Dezembro de
1888 no salão da Sociedade Franceza de Gymnastica á Tra
vessa da Barreira.
6 Subito, dizia Silva Jardim , ouvimos o ruido dos pro
jectis , e dos tiros que lançavam contra a frente do edificio .
Todos são preza de uma agitação enorme. Muitos correm para
a entrada, e para o andar superior afim de repellirem os
aggressores . Estabelece-se uma lucta horrivel, que dura
cerca de uma hora. Fechada a principal porta, um grupo
defende-a dos esforços que faziam os aggressores para pol -a
abaixo. Estes atiravam pedras e disparavam tiros. Por duas
pequenas janellas lateraes , a modo de setteiras , os nossos
respondiam não menos valentemente.
" Conservei-me de pé, na tribuna, protestando não me
retirar d'alli, máo grado solicitações geraes em contrario . Tirei
o meu revolver e dispuz-me a defender a vida com a liber
dade de pensamento. Ahi fiquei para bem symbolisar esse
direito ; era alli que devia morrer , ou continuar a falar. De
resto, era um melhor ponto para dirigir o combate. As pedras
vinham cahir- me aos pés, e o ruido dos tiros chegavam -me
cada vez mais forte aos ouvidos .
" Além de outros amigos , Barata Ribeiro estava a um
lado, e Sampaio Ferraz (1 ) a outro, dessa tribuna que, por
alta, expunha -me ao olhar geral. Um moço, empregado no
commercio subira-a e collocara-se a par de mim , declarando-se
prompto a morrer alli em minha defesa : tinha já um dedo fe
rido por uma bala, d'onde o sangue corria fortemente. Um

(1 ) Era promotor publico da Capital n'esta occasião.


250

bravo estudante do Rio Grande do Sul estava ferido na testa ;


com uma das mãos amparava o sangue que gottejava , e com
outra desfechava tiros . Luiz Pires gritava como um louco ,
por não ter mais munições. Um rapaz dos nossos, chamado
Jacaré, quebrava todos os moveis para que pudessem servir
de projectis . Candido Marianno, da Escola Militar, máo
grado a enorme responsabilidade de sua farda, batia-se se
reno e denodado. No andar superior, os estudantes Menna
Barreto Mascarenhas e outros dirigiam o ataque das janellas
para fóra . steves Junior combatia com vigor, e animava a
todos, sem que suas barbas brancas lhe impedissem a va

lentia. Silverio Barbosa, como elle negociante e chefe de


familia, tambem combatia. Perto de mim , Francisco Pes
sanha , o meu companheiro de infancia, inteiramente desar
mado, guardava a calma que sempre lhe conhecera .

• Silva Netto estava calmo, Lopes Trovão passeava de


um lado a outro do salão, tendo acompanhado o combate.
Havia proximo a mim um desconhecido, que mais tarde soube
ser um medico, o Dr. Monte Godinho, que me dizia com um
olhar de segurança terrivel : Não se incommode. Quando
chegarem á sua pessoa, voaremos todos pelos ares .

E terminava o orador :
- Eu concluo saudando -vos, Povo Fluminense, pela vossa
coragem , pelo vosso civismo, pela vossa abnegação. Povo,
ouvi : quando fordes atacado, repelli firme e forte os ataques
quando elles partam dos representantes da raça preta, olhae
para o futuro da Republica, que é a fraternidade, que é a ele
vação do proletario, e desculpae -os, elles são irresponsaveis,
o odio os céga, a ignorancia os illude , a simpleza os corrompe.
Os responsaveis pelos desatinos d'elles são os negros indignos
que os dirigem , "
Scenas como estas repetiram - se em muitos logares . Te
remos de estudal-as em occasião opportuna.
A Guarda Negra era pois a expressão da reação monar
chica.
251

O movimento republicano já tinha conquistado bastante


terreno para a monarchia não permanecer na indifferença da
vaidade do Sr. João Alfredo na phrase atirada ao partido re
?1
publicano— " cresça e appareça .” Aos olhos dos republicanos
a resistencia era uma realidade. Comprehenderam então que a
lucta no terreno material ia começar. A situação moral das
instituições e a indifferença do povo, do qual já se tinha des
falcado uma não pequena somma de concurso e de apoio que
francamente já convergia para a Republica, não deixavam de
ser perigosa e fraca em face recurso de uma guarda com
posta de libertos e assalariados, que affrontavam a propa
ganda sob a suggestão de um sentimento de gratidão e reco
nhecimento . Sem offerecer apoio moral nem mental , não
passaria de um contingente transitorio, e que só servio para
salientar o plano de decadencia a que ja tinham chegado as
instituições. E esse signal de reacção monarchica que chegou
ao extremo de um edital da policia , proi.ibindo vivas á Repu
blica e reuniões republicanas, plantou nos arraiaes da pro
paganda uma dualidade de opinião acerca do processo que
devia ella seguir, se pelos meios radicaes , sem retroceder nem
mesmo da lucta material, se pelos processos brandos e con
vincentes. Um grupo, e não pequeno, do partido acceitou a
primeira orientação.
Na capital do Imperio já se tinha organisado em con
gresso Federal , em 9 de Outubro, em que foram representa
das as provincias do Rio de Janeiro, S. Paulo, Espirito Santo,
Santa Catarina, Paraná, Minas e Bahia, além do Municipio
Neutro, sendo eleito presidente Saldanha Marinho, vice-pre
sidente Quintino Bocayuva, secretarios Aristides Lobo e Sá
Valle . (1 )

( 1 ) Este congresso ficou composto dos seguintes cidadãos : Dr. Joaquim Sul.
danha Marinho , Dr. Antonio da Silva Jardim , Quintino Boca yuva . Dr. Ubaldino do
Amaral, Dr. Aristides Lobo, Dr. F. Rangel Pestana , Dr. Manoel F. de Campos Sal .
les, Francisco Glicerio , Dr. J. B. de Sampaio Ferraz, Pedro José Fernandes Mae
deira , Eugenio A. B. do Valle , Dr. Francisco Portella , João de L. e Silva, Bernardo
M. de Araujo, Dr. Raymundo de Sá Valle, Dr. Augusto de Oliveira Pinto , Dr. Cy .
rillo de Lemos Nunes Fagundes, Dr. Alberto de Seixas Martins Torres, Dr. Leonel
L. da Silva Lima, Lydio Martins Barbosa , Antonio Justiniano Esteves Junior, José
252

Esta mesa directora do partido , por orgão do seu presi


dente e vice-presidente, acceitava a orientação evolutiva da
propaganda e por meio de manifestos aconselhava aos corre
ligionarios, além da disciplina partidaria e de toda dedicação
á propaganda, a maior prudencia e cautela nos seus meios e
nos seus processos. • Temos visado e visamos , dizia Quintino
Bocayuva em seu manifesto de 22 de Maio de 1889 , depois de
sagrado chefe no Congresso de S. Paulo, a transformação
social , politica e legal , pelo esclarecimento da opinião publica
e pelas conquistas graduaes effectuadas no dominio da cons
ciencia nacional. "
6. Esse processo evolutivo, tão de accordo com a politica
scientifica dos tempos modernos , foi tambem o que melhor se
ajustou com a indole do povo brazileiro generoso , paciente e
soffredor como nenhum outro povo da terra.
“ Graças a esse methodo, em um periodo relativamente
curto dilatamos a influencia dos nossos principios por uma
vasta zona da opinião nacional . ”
Com a eleição do Sr. Quintino como chefe, accentuou -se
ainda mais essa diversidade que já existia no seio do partido,
caracterisada pela corrente dos evolucionistas e dos revolu
cionarios .
Em vista dos symptomas de reacção monarchica, deter
minada pelo avanço que Silva Jardim dera com a sua excur
são pelas provincia de S. Paulo e Rio de Janeiro, onde deixou
o rastilho revolucionario nos auditorios que lhe ouviram ,
entendeu fazer da capital seu campo de lucta .
A viagem de Lopes Trovão á Europa tinha dado lugar
ao silencio da tribuna do Municipio Neutro , faltando assim
esse estimulo para aggremiar forças e manter a actividade
da propaganda na effervescencia em que Silva Jardim a tinha

Arthur Boiteux, Antonio Dutra, Alfredo Esteves, Dr. Eduardo Mendes Gonçalves,
Dr. Cyro de Azevedo , Henrique Deslandes, Dr. Gabriel de Paula Almeida Maga
Thães, Dr. Henrique Cezar de S. Vaz, Dr. João Pinheiro , Antero Magalhães, Dr.
Alexandre Stockler, Rodolpho de Abreu e Dr. Vicente de Souza.
Foi eleita uma commissão composta dos Drs. Silva Jardim , F. Glicerio e
Francisco Portella, para se encarregar da revisão da lei organica do partido.
253

feito chegar. E um ou outro orador que se fazia ouvir, nem


sempre tinha o apoio dos chefes e nem sempre contava com
a sua presença . Elles convergiam mais para a imprensa. As
columnas republicanas d'o Paiz, da Gazeta de Noticias e de
pois do Diario de Noticias, diariamente traziam os bellos arti
gos de Aristides Lobo e de outros correligionarios .
" Decididamente o palacio de S. Christovão, dizia Silva
Jardim , empestara a cidade do Rio de Janeiro, a ponto de
fazer com que fosse levado, mesmo mal, que dividia os mo
narchistas, aquillo que a alma nacional tinha de mais puro e
mais forte, o partido republicano. Suas faltas eram uma con
sequencia fatal do meio formado por uma cidade heterogenea,
composta de uma amálgama de nacionaes e estrangeiros, desde
o bairro dos Benedictinos , onde só se pensava no café, á rua
da Alfandega em que se tratavam jogos de bolsa, á rua do Ou
vidor, frivola e maledicente, aos bairros aristocraticos que a
côrte fizera banaes pelo luxo immoderado, e á vasa da popu
lação sempre disposta á desordem ." ( 1 )
Não se deve abandonar a propaganda nas provincias,
dizia ainda elle, porque ellas incitam a capital ; mas aqui é
que é preciso combater até vencer. As revoluções feitas no
interior do paiz abortam todas . O Rio de Janeiro monopolisou
a vida nacional." (2)
Silva Jardim communicou estas suas idéas a Quintino
Bocayuva, reservando para si aa mais ampla liberdade de acção
e significando que este programma não o tiraria do proposito
de manter os melhores laços de fraternidade partidaria.
" O chefe republicano, dizia elle , disse com franqueza e
lealdade, n'uma conferencia que tivemos, que não podia assu
mir a responsabilidade da propaganda no tom de combate em
que estava lançada, encarregava Barata Ribeiro e a mim , de
organisar um centro de direcção differente do que existia.
Essa operação ter- se-ia realisado com o accórdo geral , se a ex
cessiva timidez de alguns companheiros não a tivessem feito
abortar.

( 1 ) Silva Jardim - llemorias e Viagens, pag. 245.


(2) Silva Jardim - Ob . cit. , pag. 246.
254

" Que fazer ? a situação não admittia delongas. Que o


grosso do partido apoiava uma propaganda energica via-o eu
pelo apoio constante á minha attitude . Rendo justiça aos es
forços dos antigos directores, declarei - continuar sob res .
ponsabilidade individual" que só o assentimento tacito ou
expresso ao meu manifesto tornaria collectiva, a envidar os
esforços para o ataque formal em todos os terrenos contra a
monarchia . Justificava -me pessoalmente pelo não dever con
sentir no sacrificio da minha dignidade com a paralysação do
movimento encetado, e considerava -me não chefe, mas simples
centro de acção, partidaria, cargo modesto, espontaneo e pro
visorio, que não significava divergencias, luctas ou resenti
mentos , nem dava direito a nenhuma má vontade . (1 )
E em Janeiro de 1889 publicou seu manifesto n'o Paiz
em que expõe suas convicções e a necessidade do partido de
não recuar dos meios revolucionarios, renunciando 0o mandato
de que fôra in vestido como membro do directorio . Estava
feita a dissidencia constituindo -se elle como o centro prin
cipal. Em nome della o Sr. Annibal Falcão como dele
gado do partido republicano de Pernambuco protesta contra
a chefia do Sr. Quintino, reconhecendo somente a de Silva
Jardim, sendo acompanhado este protesto pelo partido do Rio
Grande do Norte, pelo seu delegado José Leão e pequena
fracção do partido do Rio de Janeiro por Sá Valle .
" A situação brasileira, dizia o chefe da dissidencia , era
identica á de 1831. Por que razão o 7 de Abril degenerara
em movimento monarchico ? Por que o grupo dos exaltados
se deixou vencer pelo dos moderados . Era mister evitar a
nossa entrega ao liberalismo, sequioso de poder, tornado re
publicano de um dia para outro . Era preciso tirar o partido
republicano deste perigo : que a Republica fosse a monar
chia sem Imperador.” (2)
E inspirado nestas convicções, foi Silva Jardim des
pertar o sentimento democratico no norte, onde a propaganda

(1 ) Silva Jardim - Obr, cit . , pag. 247.


( 2) Idem - Obr. cit . pag . 332.
255

até então só se fazia a custa da imprensa. Sua excursão coin


cide com a viagem do Conde d'Eu aquellas paragens.
As instituições appellavam para o recurso da excursão
do principe consorte no intuito de despertar as aspirações
monarchicas do norte, desde quando no sul a sua visita tinha
sido recebida com indifferença do povo . Alli se affigurava ao
throno uma população sobre a qual podesse instituir um ba
luarte de defesa, contra as tendencias tão accentuadas do sul
e iniciar contra ellas a reacção, custando mesmo a separação
do paiz, se aquella região se constituisse com a zona monar
chica do Brasil . Era um programma politico da dynastia que
se repetia na historia.
Tambem Pedro I , quando sentio faltar - lhe aos pés o
apoio da dedicação popular, foi despertal- a aos povos de
Minas , comprehendendo que seria o quebra -mar do senti
mento democratico que tanto agitava a provincia.
" Como na provincia de Minas, dizia um historiador,
uma das mais populosas do Imperio, o descontentamento tinhai
augmentado ainda mais que no Rio de Janeiro, pensou , o Im
perador reprimir com a sua presença o desenvolvimento das
idéas de federação, que alli tinha tomado grande corpo, e re
solveu visitar aquella provincia ...
" O Imperador, dirigindo - se á provincia de Minas, espe
rava que revivesse o enthusiasmo em 1822. Mas os tempos
haviam mudado e em toilo o seu transito teve muitas vezes de
presenciar os effeitos do descredito em que tinha cahilo ."
O mallogro do programma imperial tão eloquentemente
confirmado pela historia do primeiro reinado, não abalou na
consciencia dynastica a resolução da excursão do Conde d'Eu
ao norte e do Imperador a Minas. Ella se fez . A imprensa
da capital prognosticou mal e os acontecimentos posteriores
vieram confirmar as apprehensões com que fôra ella rece
bida. O mesmo vapor que levava o principe consorte á
região do norte, conduzia tambem Silva Jardim . Si um le
vava a esperança das dedicações monarchicas , o outro levava
a convicção de amortecel-as com o exemplo vivo do ci
vismo .
256

Não deixou de corresponder ás apprehensões da opinião


o que se deu na Bahia.
Eis como são descriptos os factos nas Memorias de Silva
Jardim :

“ A’s 7 horas da manhã o paquete Alagoas deu fundo no


porto de S. Salvador. Fomos surprehendidos pela noticia
de uma recepção festiva, pois não julgavamos que houvesse
tempo para preparação de qualquer festejo ou conferencia,
entre a nossa partida do Rio e a nossa chegada a esta
cidade .
" Meia hora depois, chegou a bordo uma lancha, con
duzindo cerca de duzentas pessoas do povo, academicos, com
mercio e artistas , que acclamavam o Dr. Silva Jardim e a
Republica. Em um bote approximou -se então uma com
missão do partido, composta dos Srs. Conselheiro Virgilio
Damasio, Deocleciano Ramos , lente da Faculdade de Medi
cina, e Cosme Moreira, que nos transportou á lancha, sendo
o Dr. Silva Jardim recebido com uma prolongadissima salva
de palmas e enthusiasticos vivas.
66 Seguimos em busca do caes da Companhia Babiana
onde grande massa de povo esperava o tribuno republicano,
que ao chegar foi saudado estrepitosamente por parte do povo
e do commercio.
- Era tal o enthusiasmo, que alguns homens, com suas
vestes de trabalho vinham abraçal-o. Formado o prestito , ca
minhámos pela ladeira do Taboão, quando um grupo de mais
de cem capadocios , homens de côr, policias disfarçados e ar
mados de cacetes, facas e pedras, começou a dar morras á
Republica e ao Dr. Silva Jardim , e vivas á monarchia e ao
partido liberal.
“ Um delles rasgou o estandarte do Club Republicano.
6 Silva Jardim aconselhou calma diante do conflicto im
minente .
“ Ao entrarmos na praça dos Tamarinheiros, os mem
bros da Guarda Negra, creação do Sr. João Alfredo, des
envolvida pelo Sr. Visconde de Ouro Preto e hoje ao seu ser
viço, arremessam -se furiosamente contra os republicanos e
257

começam a distribuir barbaramente cacetadas e pedradas,


acompanhadas de vivas ao partido liberal e morras á Repu
blica ! Os republicanos, completamente desarmados , visto
como faziam uma simples manifestação, resistiram emquanto
puderam até que foram obrigados a refugiar-se em casas par
ticulares .
" Grande parte dos republicanos, disse o Diario do Povo,
foram espancados . Não se descreve a barbaria, a selvageria
sem nome dos miseraveis assalariados, atacando republicanos
inermes que festejavam o grande propagandista ."
Sobre o assumpto, entre outras cousas , disse o seguinte
o Diario de Noticias : « attentado que denunciamos não
pode ser attribuido á população desta capital : foi obra de
um grupo, em sua maioria, constituido de individuos que não
primam pelo sentimento da moralidade. E ' bom que fique
isto consignado para honra da mansuetude dos nossos cos
tumes e do gráo de adiantamento em que nos achamos."
Não foi em vão que a imprensa da capital dizia que
" a viagem do Sr. Conde d'Eu iria ser um triumpho republi
cano, sendo sua presença uma scentelha de anarchia que
atravessará o norte, fazendo deflagrar por toda parte as anti
pathias mal latentes hoje no seio da nação contra os repre
sentantes do terceiro reinado” (1 ) e que " no momento
actual essa viagem parecia inopportuna e não seria mais do
que um novo erro accrescentado á lista de tantos outros , com
que ultimamente tanto se tem impressionado e convencido a
sociedade brasileira, erros estes que são a demonstração da
verdade do proloquio latino : quos Jupiter perdere vult,
prius... " (2)
E para honra das tradições democraticas do norte a
mashorca de 14 de Junho na ladeira do Taboão era obra do
liberalismo imperial. Não exprimia o sentimento popular.
Elle fôra apparentado por essa obra official que não firmou
programma e que ficou isolada na região partidaria das pro
vincias septentrionaes .

( 1 ) Diario de Noticias de 17 de Junho de 1889 .


( 2) O Paiz de 15 de Junho de 1889.
v. 1 17
258

A influencia historica de Paes de Andrade, Frei Caneca,


Bezerra Cavalcanti e Radicliff, proclamando a Confederação
do Equador, dos agitadores de 1817, custando as perse
guições de Domingos Martins, Abreu Lima e Domingos
Theotonio, de Nunes Machado e Pedro Ivo em 1848, não po
deria sobrepôr a crosta official das manifestações ao principe,
como a expressão da sinceridade politica de um povo e da
sua dedicação ás instituições . Se na Bahia a Guarda Negra
impediu a palavra da propaganda, no Recife esta foi ouvida
com applausos e enthusiasmos das populações da capital,
Nazareth, Timbaúba, Goyanna, Iguassú, Olinda, Palmares,
Escada e Victoria.
Todos esses lugares percorreu Silva Jardim , deixando nos
espiritos o germen da nova idéa, auxiliado pelos seus correli
gionarios — Maciel Pinheiro, Martins Junior, Annibal Falcão,
Martiniano Veras, Raymundo Bandeira, Albino Meira, Con
selheiro Pessoa, Honorio Silva, Ambrosio Machado, Soares
Quintas , Ribeiro de Brito, Leonardo de Albuquerque e tantos
outros. Era nas columnas d'O Norte, um dos melhores orgãos
de publicidade então existente, que esta pleiade de moços
punha ao serviço da propaganda os recursos do seu talento
e foi na casa da redacção do jornal que Silva Jardim fora in
timado pelo delegado de policia do Recife para que não fi
zesse o celebre meeting de 14 de Julho, que de facto não se rea
lisou , violando - se assim o direito de reunião e a liberdade da
tribuna, em homenagem áá presença do principe con
sorte .
Eis ahi os serviços que prestou Silva Jardim na phase
mais aguda e mais perigosa da propaganda. Foi elle quem
lhe deu esta actividade e quem lhe imprimio a celeridade que
se accentuou de 1888 a Novembro de 1889. E ' uma das suas
mais imponentes figuras. Podemos mesmo dizel -0 — nesta
phase foi elle quem melhores serviços prestou. Occupou o
plano superior da collaboração mental da proganda, da qual
decabio, logo que a aspiração democratica foi uma realidade
com a revolução. Por que ? Responderemos opportuna
mente .
259

Antes da dissidencia do partido, motivada pela resis


tencia que os fanaticos das instituições procuravam pôr em
acção, quer pela Guarda Negra , quer pelas excursões do
principe ao norte, outra não menos importante já minava as
fileiras republicanas . A' frente della collocou-se o Sr. José
do Patrocinio, que foi a alma viva do movimento libertador
da raça negra .
Iniciara essa humanitaria campanha logo depois da pro
mulgação da lei Rio Branco, nas columnas da Gazeta de No
ticias, sob o pseudonymo de Nemo. D'abi passou -se para a
Gazeta da Tarde, para a Cidade do Rio e depois para a Tri
buna Popular, de onde encandescera as massas que o ouviam.
Nessa campanha fitava não só os direitos de liberdade de uma
raça , comoos direitos politicos do povo, sob a tutela da
herança de uma dynastia.
Era ao mesmo tempo propagandista da abolição e da
republica. Logo porém que as aspirações abolicionistas
chegaram á realidade, operou-se em seu espirito uma pro
funda transformação .
Hallucinou-se em face da conquista e julgou acabada a
sua obra. Seu espirito indignou- se contra a corrente agri
cola que veio engrossar a onda republicana, não vendo nella
senão a expressão do despeito. E essa indignação inspirou a
dissidencia. Ao mesmo tempo que considerava a Guarda
Negra como obra anti- revolucionaria dos libertos e dos des
cendentes da raça negra, dizia :
" O partido republicano , que nunca se julgou obrigado
a fazer sua a causa dos escravos , acceitava agora como sin
cera a conversão dos antigos senhores , e dando- lhes , em troca
da força que estes lhe emprestavam , todo o prestigio parti
dario, commetteu o erro de ameaçar, não immediatamente o
throno, mas o reinado da mulher, que tinha tido a extra
ordinaria coragem de decretar a lei da abolição da escra
vidão.
· Apezar de republicano, foi um dos quecom bateram
este erro e dos que justificaram a attitude dos libertos . En
tendi, como entendo hoje, que só os antigos senhores tinham
2
260

o direito de revolução contra a princeza, que os privou do


gozo immoral da escravidão ; os libertos tinham o dever
de manter aquella que os havia salvo da tyrannia dos se
nhores .
" Silva Jardim , porém , olhava para o effeito da sua pro
paganda sobre a consciencia publica, e acreditando que
todas as questões que decorriam da revolução humanitaria
de 13 de Maio, podiam ser resolvidas pela Republica, multi
plicou de esforços desde que appareceram as primeiras resis
tencias .
66 Os adversarios passaram das ameaças á reali
dade.” ( 1 )
Por sua vez, dizia Silva Jardim ;
6. Era difficil esquecer esse concurso preliminar á obra
da propaganda republicana, e era triste vêr por que tão va
lente espirito se deslocava do verdadeiro norte , hypothe
cando apoio ao throno de Izabel, que elle suppunha ter - se
redimido quando apenas tinha capitulado. (2 )
Os esforços abolicionistas de José do Patrocionio eram
secundados pelo concurso intelligente de um grupo de moços
que na tribuna faziam ganhar terreno a obra humanitaria da
abolição, como Campos da Paz, Pardal Mallet, Luiz Murat,
Olavo Bilac , Coelho Netto, João Clapp, Luiz de Andrade e
muitos outros . Este mesmo grupo que se inspirava na orien
tação de Patrocinio , abrio com elle a dissidencia do par
tido , ainda que nenhum delles se trahisse pela menor phrase
de admiração e devotamento á generosidade da princeza
que o aulicismo chrismara com o nome de Izabel a Redem
ptora .
Ainda o partido não tinha organisação com
bem
pleta e definida em todas as provincias, já se apresentava
dividido, pelas divergencias que grassavam em suas .ti
leiras .

( 1 ) Silva Jardim - Obr. cit . , pag . 451 .


( 2) Idem - Obr. cit . , pag. 188 .
261

II

SUMMARIO

Condições das provincias. A propaganda em Amazonas. Yo Pará ; de quando data


nest : provincia a organisação do partido. Os clubs . Commissão perma.
nente . A propaganda em Maranhão, Piauhy, Ceará, Parahyba, Rio Grande
do Norte, Pernambuco , Alagoas, Sergipe, Bahia , Espirito Santo , S. Paulo ,
Rio de Janeiro , Minas, Santa Catharina, Paraná, Matto -Grosso , Goyaz e Rio
Grande do Sul .

Estudada a organisação do partido na capital do Imperio e


na provincia de S. Paulo, no decennio de 1870 a 1880 e d'esta
data até 1889 , precisamos agora traçar a synthese geral da
organisação republicana nas provincias, afim de melhor de
finirmos o papel do directorio republicano central, eleito
pelos representantes das provincias e investido das funcções
directoras da vida republicana nacional. Passaremos em re
vista todas as provincias onde a idéa republicana creou raizes
e deixou proselytos .
Além de tardia, a organisação do partido republicano
em quasi todas as provincias não foi tão completa, discipli
nada e homogenea como o fora na provincia de S. Paulo. As
causas que mais directamente actuaram para trazer um pe
riodo de effervescencia á generalisação da idéa pelas camadas
populares, só se fizeram sentir depois da substituição do tra
balho escravo pelo trabalho livre , encontrando assim a vida
politica republicana das provincias em condições pouco favo
raveis de desenvolvimento .
Um ou outro jornal, um ou outro club havia , sustentados
pela dedicação de pequenos grupos , contra os quaes resistiam
os partidos constituidos do Imperio. E comprehende-se bem
que , a datar de Maio de 1880 até á revolução, o partido não
podia ter ganho grande supremacia na vida politica das pro
vincias. Sua organisação estava longe de dar-lhe uma forte
estructura e as opiniões , que lhe prestavam apoio, não ti
nham firmado uma maioria no seio das aspirações poli
ticas .
262

Utilisando-se da tribuna e da imprensa para expôr as


idéas essenciaes do seu programma, não tinba ainda contri
buido para a victoria de uma aspiração, de onde derivasse a
menor somma de utilidade á vida local das provincias. Suas
finanças, sua instrucção publica, sua economia, o bem -estar
de sua população, seus negocios administrativos em summa,
apresentavam os mesmos males e a decadencia da vida provin
ciana, depauperada pela absorpção do governo central.
Deste terreno theorico em que exercia o direito de cri
tica para mostrar a imprestabilidade das instituições , em
face dos innumeros problemas nacionaes ahi insoluveis e que
tão directamente affectavam os interesses do paiz, o partido
nunca desceu ao terreno pratico das soluções, pela impossibi
lidade de meios que lhe permittissem a intervenção na pros
peridade material das provincias.
Sem representação nas assembléas , nos municipios, fal
tavam- lhe os elementos indispensaveis para obrar como factor
pratico do desenvolvimento material. Obrava como factor de
educação politica, de cultura popular, por meio das doutrinas
que pregava e defendia no seio da opinião Foi este o seu
papel na propaganda, tendo -se a notar as differenças relativas
nessa acção educadora, segundo a phase de adiantamento a
que chegou nas diversas provincias.
Façamos o estudo do seu desenvolvimento em cada uma
dellas .
Na provincia do Amazonas, o movimento republicano foi
restricto. Limitou- se á creação do centro republicano do
Amazonas e á propaganda pelos jornaes : Corneta e Cidade
de Mandos.
Na provincia do Pará sua creação definitiva data de Se
tembro de 1888, quando foi publicado o manifesto de 7
d'aquelle mez, assignado além de outros, pelo presidente do
club organisado em Abril de 1886 do qual tinha sido presi
dente o Dr. João Paes de Carvalho .
O manifesto obedeceu á orientação de todos os mais que
até então tinham sido publicados . Eram peças mais de critica
politica do que programmas de governo ou de partidos. Orga
263

nisado com o directorio central na capital da provincia o qual


dirigia o partido, limitou -se á creação de cinco clubs : Club
Republicano Saldanha Marinho, Club Republicano do Pará,
Club Republicano de Bragança, Club Republicano de Obidos e
Club Republicano de Vizeu.
Nunca pôde eleger quer nas camaras municipaes e da
provincia, quer na representação nacional, nenhum dos seus
membros . A commissão permanente do partido republicano
compunha- se dos Srs. Drs . Manoel de Mello Cardoso Barata ,
José da Matta Teixeira Barcellar, Basilio Magno de Araujo e
Fileto Bezerra da Rocha Moraes e Ignacio Gonçalves No
gueira.
Na provincia do Maranhão o partido data de Maio de
1887 com a creação do Club Tiradentes em Cururupú, sendo
presidente Manoel Pires da Fonseca. Ajudado pela propa
ganda no Novo Brasil elle alcançou estender- se pela pro
vincia, organisando-se os Clubs de S. Luiz, de Cururupú e
de Caxias .
Ahi não teve o partido organisação tão completa como de
outras provincias do norte. Desconhecemos sua lei organica
e não sabemos mesmo se alcançou eleger alguma commissão
directora.
Mais restricto do que mesmo em Maranhão foi o movi
mento republicano em Piauby , onde só sabemos se ter orga
nisado o Club Republicano de Therezina.
Ao contrario, no Ceará, lavrou com intensidade a
propaganda com o mesmo esforço que se notava no Pará e
Pernambuco A organisação de seu partido data de Março
de 1888, com a creação do club Congresso Republicano da
Fortaleza, pelos esforços de João Cordeiro e muitos outros e
depois com a creação do Club Republicuno de Saboeiro , do
qual foi presidente Cicero de Lima.
Em derredor della agruparam - se os abolicionistas e rea
lisaram as suas aspirações com a emancipação do elemento
servil em toda a provincia, antes que os poderes constituidos
a fizessem , forçados pela contingencia da situação.
264

Na Parahyba, o movimento restringio-se á creação do


Centro Republicano da Parahyba e á propaganda pela Gazeta
do Sertão e a Verdade.
Muito maior agitação operou-se na provincia do Rio
Grande do Norte, sob a direcção intelligente do Dr. Pedro
Velho, que actualmente é o governador do Estado, e que na
propaganda prestou grandes serviços á favor da propagação
da idéa por aquellas paragens. Publicado o manifesto de 1º
de Dezembro de 1888, em que alguns cidadãos se declaram
republicanos, o partido definitivamente organi zou-se em 1º
de Janeiro de 1889 com a creação do club na capital da pro
vincia, Centro Republicano do Rio Grande do Norte, e da com
missão directora do mesmo partido .
Diversos jornaes foram creados e a propaganda levantou
clubs em diversas localidades da provincia .
Essa agitação liga - se talvez ás suas visinhanças com
Pernambuco, que representa na região do norte do paiz, o
mais activo centro da propaganda republicana e onde ella
obedeceu a acção intelligente dos seus directores . Na phase
da propaganda, que aqui estudamos, o partido funda -se com
o concurso de Maciel Pinheiro, Martins Junior, Annibal
Falcão, Albino Meira, Ambrosio, Gonçalves Bandeira e
muitos outros . O movimento é iniciado pela creação do
Club 12 de Setembro, sob a presidencia de Antonio de Freitas.
Outros se organisam na provincia , como o do Recife, da
Goyana, da Escada, de Páo d'Alho. Na imprensa firmavam -se
os mais correctos principios republicanos nas columnas do
Norte, que se constitue um dos melhores jornaes republicanos 1
.
do paiz, além de outros que a propaganda sustentava como a
Nova Patria e a Republica. A idéa diffunde -se pela provincia ,
organisando-se o partido em diversos municipios. Chega
então a eleger sua commissão permanente, composta dos Srs .
Drs . Izidoro Martins Junior, Raymundo Gonçalves Bandeira,
Albino Meira, João Walfredo de Medeiros , Antonio Marti
nianno Veras , João Cardoso, Honorio Silva, Dr. L. Maciel
Pinheiro, Dr. Antonio de Souza Pinto , Dr. A. Pereira Si
mões e Rodolpho Lima.
265

A commissão convida o partido a reunir-se em congresso


com a presença dos representantes municipaes, o que se rea
lisa a 8 de Dezembro de 1888 , celebrando sessões a 9 e 10 do
mesmo mez . Importantes medidas foram tomadas, comple
tando -se então a organisação partidaria da provincia. O
partido de Pernambuco foi um dos que divergiram da investi
dura de Chefe do Sr. Quintino Bocayuva, no congresso de
S. Paulo, com a presença de delegados do partido de diversas
provincias, e pregou em larga escala a orientação positivista .
a

Alcançou eleger á representação provincial o Dr. Leonardo


de Albuquerque.
Em Alagoas , si o movimento não foi tão intenso, não
deixou entretanto de ter sua importancia. A ' sua frente
collocou -se o Dr. João Gomes, na direcção dos Clubs e na
>

propaganda da imprensa.
Em Sergipe o partido chegou a uma organisação mais ou
menos regular. O movimento irradiou -se por algumas loca
lidades da provincia, partindo de Larangeiras, onde o espirito
publico estava preparado para assimilai- c por um conjuncto
de circumstancias que passaremos em revista. Uma das
cidades mais commerciaes da provincia e que offerecia boas
condições á vida das classes intellectuaes, tornou - se ella o
centro predilecto dos medicos e advogados que procuravam
viver de sua profissão.
Ahi morou por longos annos o illustrado clinico Dr.
Guedes Cabral , que sem fugir ás suas tradições academicas
de liberdade e emancipação de pensamento, em assumptos
religiosos, não desistio de sua propaganda contra os precon
ceitos populares em taes materias.
O autor deste livro escolheu para centro de sua clinica
esta mesma cidade em começo de 1882 e encontrou as melhores
condições para collaborar na emancipação intellectual do
povo sergipano. Para isto teve o concurso de moços intelli
gentes e habeis como Josino de Menezes, Balthazar Góes , Vi
cente Ribeiro e muitos outros .
Em 1884 começou a ser publicado um jornal O Hori
zonte, —onde seus redactores procuravam incutir no espirito
266

publico as verdadeiras idéas da educação civica e intellectual.


Este jornal foi substituido pelo Larangeirense e depois pelo
Republicano, todos sob a redacção principal do autor destas
linhas , de Josino de Menezes e da Colonia Sergipana da
escola militar, sobresahindo o illustrado alumno José Maria
Moreira Guimarães . Esta propaganda politica era auxi .
liada pela propaganda do magisterio, sob a direcção de Bal
thazar Góes , que abrio um collegio de ensino secundario e um
club de prelecções sobre assumptos de ordem de educação
intellectual . Ajudava no mesmo sentido o grupo dos pro
testantes da cidade, sob a direcção do illustrado americano
John Kolb, uma das individualidades mais distinctas que
nos tem sido dado conhecer. Na imprensa agitava-se com o
maior ardor a propaganda abolicionista e nisto eramos auxi
liados pelos honrados fazendeiros do reconcavo da cidade.
Deste conjuncto de circumstancias nasceu o primeiro club
republicano e o primeiro manifesto da provincia, sob a direc
ção do autor destas linhas. Organisado o primeiro club em
Larangeiras com um orgão do partido, o movimento espa
lhou- se pela provincia, creando- se clubs em Itaporanga, Es
tancia , Aracajú , Villa - Nova. Todo este movimento que fi
nalmente assumio o caracter essencialmente politico foi
ajudado por Josino de Menezes, Balthazar Góes , Vicente Ri
beiro, Antonio Horta, Antonio Curvello, Leandro Diniz,
Francisco Nogueira, Manoel David, Santos Silva, Olyntho
Dantas , Siqueira Menezes, Sylvio Bastos , Tupy , Serafim
Vieira e muitos outros que seria longo enumerar.
O partido organisou -se com uma commissão directora,
em Larangeiras e reunio -se em Congresso com a presença dos
representantes dos clubs já existentes .
A commissão directora conselho fiscal-era composta
dos Srs . Drs . : Felisbello Freire, presidente ; Balthazar Góes,
Rodrigues Nogueira, Antonio David , Antonio Curvello, e
Pinheiro da Fraga.
O partido reunio-se em congresso em Dezembro de 1888,
e d'entre as medidas tomadas approvou a seguinte lei orga
nica :
267

Art.. 1º - Será creada , n'esta cidade, donde partio o


brado republicano, uma assembléa de representantes de todos
os municipios.
Art. 2º — Funccionará logo que haja representantes de
mais de dous municipios .
Art. 3º - Cada municipio elegerá seu representante,
bastando que ahi residam tres ou mais republicanos , os
quaes têm plena liberdade de escolher d'entre os correligio
narios de qualquer ponto da provincia.
° – O systema de eleição será o suffragio
Art. 4º univer
sal , tendo direito de votar todo o cidadão maior de 21 annos ,
em pleno gozo de seus direitos civis.
Art. 5º. -A Assembléa de representantes elegerá, em
cada sessão ordinaria, no ponto de suas reuniões, um conse
lho federal, para dirigir os negocios do partido, entender-se
com os clubs municipaes, convocar extraordinariamente o
congresso federal e tomar as providencias urgentes ; ficando,
porém , seus actos sujeitos á approvação do mesmo con .

gresso.
Art. 6º. -Servirá de diploma ao representante a cópia
authenticada da sua eleição.
Art. 7º. -Os clubs existentes , reunidos na sessão de hoje,
nesta cidade, elegeram o conselho federal de que trata o
art. 5º composto de um presidente, um orador, dous secreta
rios , e dous vogaes , o qual funccionará até a primeira sessão
da Assembléa de representantes ao Congresso Republicano
Federal de Sergipe. Larangeiras, vinte e cinco de Dezembro
de mil oitocentos e oitenta e oito Sebastião A. Solidade. --Bal
thazar Góes.
Fci approvado o projecto em todos os seus artigos , sem
nenhuma discussão .
Nos congressos convocados para S. Paulo e Juiz de Fora,
elle elegeu seus representantes-- Sylvio Romero, Bittencourt
Sampaio, Pereira Guimarães , Cyro de Azevedo e João Ribei
ro, só tendo comparecido ás sessões Cyro de Azevedo e Pe
reira Guimarães . Nas eleições municipaes e provinciaes
concorreu ás urnas por mais de uma vez.
268

Eis em synthese o movimento republicano de Sergipe . -


Para melhor desenvolvimento o leitor poderá ler a importante
obra recentemente publicada por Balthazar Góes A Repu
blica em Sergipe.
Na Bahia o movimento não correspondeu ás tradições de
mocraticas da provincia, nem á cultura intellectual principal.
mente da população da capital.
A'sua frente collocou-se o illustrado professor da Fa
culdade de Medicina, Virgilio Damasio, auxiliado por um
grupo de moços academicos e do commercio, onde se distin .
guem Deocleciano Ramos, Virgilio, Landulpho Machado e
muitos outros.
A propaganda na imprensa fazia-se nas columnas da Re
publica Federal, um dos melhores jornaes republicanos do
norte, e nos clubs que ella alcançou crear em diversos pontos
da provincia, como o Club Federal, Academico, Bom Jesus dos
Passos e Guarany. A lei organica do partido elaborada em
congresso , pouca ou nenhuma differença apresenta dos prin
cipios geraes que tinham dictado á organisação republicana
em outras provincias.
A organisação definitiva do partido data de Junho de 1888 .
O movimento no Espirito Santo foi muito mais generali
sado ee activo. O primeiro club da provincia – Club da Ca
choeira data de Maio de 1887 , sendo seu presidente o Dr.
Joaquim Pires de Amorim . D'ahi irradiou - se o movimento ,
auxiliado principalmente por Bernardo Horta de Araujo, por
Manoel Joaquim Fernandes de Azevedo, Domingos José de
Almeida, Dr. Antonio Rodrigues de Miranda , capitão Athay.
de, Gil Goulart, Affonso Claudio, Gomes Aguirre, Eugenio
Aurelio Brandão do Valle e muitos outros , e foram creados
os Clubs de Boa Vista, de Alegre, de Cachoeiro de Itapemirim ,
de S. Pedro de Itabapoana, de Castello do Alto Benerente,
S. João da Escossia , S. Pedro de Alcantara .
O partido reunio - se em congresso com a representação
dos municipios e elegeu a seguinte commissão directora :
Affonso Claudio de Freitas Rosa, Dr. Antonio Gomes Aguir
269

re, Pedro Vieira da Cunha, Diogo Pires de Amorim e Ber.


nardo Horta de Araujo.
Temos sufficientemente estudado o movimento do partido
republicano em S. Paulo .
Precisamos completal- o em sua ultima phase , a que pre
cedeu a revolução de 15 de Novembro.
A aggravação da molestia do Imperador e o receio da
sua morte proxima no estrangeiro foram causa de manifesta
ções contra o terceiro reinado. A moção da camara de S. Borja,
na provincia do Rio Graude do Sul , modificada na fórma,
reappareceu em outras além da provincia de S. Paulo.
O governo mandou processar as camaras que assim pro
cediam e novos protestos surgiram em meetings e ainda mais
violentos.
A questão chegou á Assembléa Provincial , em virtude de
representação das camaras, e ficou resolvido que ellas tinham
direito de votar taes moções e que nos termos em que o faziam
não violavam as leis .
Alguns chefes bem apoiados entendiam ser conveniente
alterar o modo de actuar do partido republicano na sociedade
brazileira. A morte do Imperador e a questão militar punham
em duvida a estabilidade das instituições monarchicas. 0
terceiro reinado estava previamente condemnado.
Sob tal influencia se reunio o congresso de 1888 .
Verificados os poderes de seus membros , foi nomeada
uma commissão para redigir um manifesto, indicando a atti
tude do partido diante dos acontecimentos. Faziam parte
dessa commissão Rangel Pestana, Americo de Campos e Silva
Jardim .
O relator, que foi Rangel Pestana, leu na sessão seguinte
um longo manifesto, trabalho importante como consubstan
ciação da historia do movimento republicano na provincia.
Esse documento politico que teve a data de 24 de Maio,
terminou aconselhando franca resistencia ao terceiro reinado.
Verdadeiro grito de guerra, repercutio em todo o paiz.
Repetia-se fóra da provincia : Vem de S. Paulo a Repu.
blica !
270

O Congresso, tendo votado o0 manifesto, elegeu nova com


missão permanente com plenos poderes para agir de confor
midade com as conclusões adoptadas . A commissão compoz
se assim : Campos Salles, presidente ; Silva Gordo, secreta
rio ; Francisco Glicerio, Carrilho, Paulino Botelho, Bernar
dino de Campos e Lopes de Oliveira.
Eis o manifesto :
" Ahi está, cidadão, o processo iniciado do 3º reinado e
depuzeram como testemunhas chefes notaveis dos partidos
monarchicos .
- Entrementes esses partidos, antes do julgamento, ten
tam expedientes em que se hão de emmaranhar sem vantagem
para a elevação moral da Patria.
" O novo gabinete affaga a popularidade com um pro
gramma liberal e os liberaes procuram ganhar o terreno per
dido appellando para a federação, mas a federação feita pelos
meios constitucionaes, como se isso fosse possivel pela transi
gencia da monarchia, até hoje armada de todos os meios de
embaraçar as reformas mais simples como aquellas que temos
pedido durante tantos annos !
" Não ,cidadão ! o futuro da Patria não deve sahir dos des
conjuntados moldes da politica das mystificações, que consiste
nas largas promessas da opposição e nas estreitas concessões
do poder .
" O terceiro reinado está previamente julgado e com elle
66

a monarchia do Brazil .
“ Quanto ao partido republicano, não mais lhe cabe re
presentar a funcção publica como simples cooperador das
reformas que operam por partes a eliminação da monarchia .
" Queremos a Republica como a solução mais prompta á
crise social .
Portanto :
" não podemos receber com sympathia o 3º reinado, que
não é capaz de corresponder nem ás aspirações dos conserva
dores ;
" recusamos -lhe qualquer apoio por mais indirecto que
seja ;
271

“ declaramos- nos por todos os meios em franca hostili


dade ;
6 havemos de combatel - o em todos os terrenos .
" No meio da dispersão dos elementos conservadores da
sociedade brazileira, o nosso trabalho n'este momento é de
integração das forças revolucionarias e conseguintemente só
temos hoje um postulado :
" A Republica.
“ Assim, o partido republicano, pelos seus representan
tes reunidos em congresso , para tornar efficaz esse trabalho
de integração das forças revolucionarias , resolve :
I- Combater o 3º reinado em todos os terrenos em que
as circumstancias o colloquem .
II — Entrar em acção mais vigorosa, combinando todos
os esforços e meios de tornal - a efficaz e leval -a a effeito — ta
lentos , actividades , recursos pecuniarios , sympathias popu .
lares , influencia da tribuna, da imprensa e dos meetings e
levando o exemplo, o auxilio e a protecção a todos os pontos
onde a sua acção possa e deva chegar.
III - Investir a autoridade directora do partido de plenos
poderes para coordenar esses esforços, levantar e combinar
os meios de acção e imprimir na vida do partido mais vigor,
mais animação, mais enthusiasmo por maior concurso de
todas as classes sociaes .
" Trazendo a publico a patriotica resolução do Congresso
dirigimos aos nossos concidadãos esta exortação que condiz
com os nossos sentimentos e com os do povo brazileiro.
66 Cidadãos !
" A'acção intelligente, bem dirigida, bem combinada !”
Succederam entretanto os congressos federaes e a atti
tude energica, mas prudente, aconselhada pelo manifesto de
24 de Maio, modificou - se.
Em Março de 1886 , reunio - se de novo o Congresso pau
lista e ahi o partido correu o perigo de séria desaggregação.
Felizmente, porém, a onda passou, e elle ficou de pé,
aguardando a marcha dos acontecimentos que presagiavamo
advento da Republica .
272

A revolução de 15 de Novembro não o surprenendeu e


antes o encontrou prompto e á espreita do momento de acção.
Essas conclusões que já exprimiam uma transacção dos
mais exaltados com os moderados, que era uma formula con
ciliadora, foram em pleno Congresso qualificadas de fracas,
timidas e deficientes ; de não corresponderem ao momento
historico e de ficarem aquem das manifestações populares.
Os mais exaltados e os mais moderados, unidos e activos
cooperaram na revolução que levou Rangel Pestana, Prudente
de Moraes e Mursa ao governo provisorio do Estado e Cam
pos Salles a ministro da justiça do governo da União.
Na provincia do Rio de Janeiro o movimento da organi
sação do partido republicano é digno de interesse e cheio de
importancia
Póde-se assignalar quatro periodos fundamentaes na sna
organisação ; o 1º até 1870 ; 0 2º de 1870 até 13 de Maio ; o
3º de 13 de Maio a 15 de Novembro e o 4º finalmente de 15 de
Novembro até hoje .
Consideremos o primeiro periodo .
O observador que, desprendido de qualquer paixão ou
interesse partidario, se transportar ao periodo que estainos
encarando, achar -se- á diante da antiga provincia do Rio de
Janeiro, quanto á idéa republicana, se mostrava tão avessa, a
ponto do espirito mais optimista em relação a este idéal , derer
sentir um forte desalento , taes eram as resistencias enormes
que se offereciam á passagem de uma corrente francamente
democratica atravez das espessas camadas conservadoras que
formavam o sub - solo politico desta antiga circumscripção do
Imperio.
Em frente do ideal republicano, o Rio de Janeiro bem
poderia ser comparado a um immenso monolitho de granito,
isolado no valle e soffrendo aa influencia dos agentes atmosphe
ricos que só de longe em longe conseguem desaggregar uma
ou outra de suas molleculas, sendo portanto necessario o tra
balho de seculos para operar a sua completa decomposição.
Comparada com as suas limitrophes, S. Paulo e Minas, a
sua situação era bastante differente.
273

Não ha contestar : -S . Paulo offerecia terreno muito mais


proprio para o inicio da propaganda republicana.
De facto, a indole do paulista é de si muito mais ousada
e aventurosa do que a do fluminense ; nas veias d'aquelle
ainda ferve o sangue ambicioso e de alguma sorte irrequieto
do bandeirante, que o levava, em épocas remotas, a desbravar
os sertões inhospitos , em uma guerra de conquista do ouro ,
pelas remotas paragens de Minas Geraes , Goyaz e Matto.
Grosso.
E ' este o factor da herança. Resta ainda considerar
outras influencias devidas a verdadeiros phenomenos de ada
ptação.
Como consequencia mesma desta indole, não era, ou
antes, era mesmo muito commum , os ricos fazendeiros e pro .
prietarios paulistas enviarem seus filhos ás capitaes da Eu
ropa e da America do Norte, para lá receberem educação,
resultando portanto d'ahi o aperfeiçoamento das suas faculdades
e o desejo de verem plantadas em seu paiz instituições mais
democraticas e cuja pratica tinham já verificado no estran .
geiro.
S. Paulo , além d'isso, era a séde de uma faculdade de di
reito, isto é, o rendez -vous natural de um grande numero de
moços de todas as provincias , principalmente das do Sul , que
desde verdes annos lá iam fazer o seu tirocinio academico, a
começar quasi sempre pelos preparatorios.
Dizer que S. Paulo era a séde de uma Academia de Di
reito é o mesmo que affirmar que em seu favor se faria um
verdadeiro processo de selecção intellectual.
E' inilludivel : como regra geral, todas as grandes intelli
gencias , que se sentiam com o pendor decisivo para a vida das
lettras, procuravam de preferencia adquirir um diploma de
bacharel em direito, salvo -conducto que lhes abria de par em
par todas as portas que davam accesso para as mais impor
tantes e ambicionadas carreiras no Brasil : a politica, com os
seus desgostos, mas tambem com as suas grandes fascinações ;
a diplomacia, deixando entrever o contacto e o goso das socie
dades civilisadas ; a administração, com a quietude dos habitos
v. 1 18
274

burocraticos e a garantia do futuro da familia, e a justiça,


com o monopolio da influencia indisputada no turbilhão da
vida de campanario.
A Academia de S. Paulo tornava- se portanto a mais po
derosa sementeira de homens de lettras e o que foi a Paulicéa
na propagação das idéas democraticas é um facto de evidencia
historica para dispensar a pallida descripção que porventura
pudessemos fazer d'aquellas constellações brilhantes que,
como gerações successivas , fulguraram no firmamento da
nossa Patria.
D'ahi, desse immenso foco de luz, jorravam os mais pos
santes mananciaes para a propagação da idéa republicana,
cujas manifestações palpaveis eram os clubs e os jornaas, es
pecialidades de propaganda, em que de facto esta provincia
não teve rivaes no Brasil .
Prescindindo de detalhes , eis assim os grandes factores
da evolução republicana em S. Paulo e que, em seus traços
analyticos, pode ser com facilidade e certeza descriptas como
maior brilhantismo por algum procere da idéa republicana.
Em Minas, o phenomeno se passa em condições algum
tanto differentes.
Os traços , os lineamentos da passagem da idéa republi
cana, não são tão decisivos, o processo é um pouco mais lento;
os meios de acção não são tão brilhantes , mas os resultados
praticos são mais efficazes.
O mineiro não dispõe, em geral, da ousadia e da intre
pidez do paulista, não tem o espirito de iniciativa tão desen
volvido, mas, em compensação, tem uma certa sobriedade de
habitos, uma confiança inabalavel no trabalho, uma convicção
profunda de que basta ter os meios de subsistencia e não é
preciso ser um ricaço para se poder ser feliz, e tudo isto aju
dado pela variedade de climas, de terrenos, de productos
naturaes de toda a especie, offerecendo campo de actividade a
todas as aptidões, torna o mineiro um brasileiro independente
por natureza, alma franca e aberta a todas as aspirações no
bres e desinteressadas, e eis ahi um terreno eminentemente
proprio para a germinação da semente republicana.
275

São estes grandes factores que em épocas de tyrannia


geram Tiradentes e seus companheiros e nos periodos de refi
namento e mystificação politica produzem aa revolução
de 1842 .
Não temos, porém , o encargo de photographar o facies
democratico do povo mineiro, mas aquelle que sobre tal tiver
de escrever burilará nas paginas da historia os factos mais
uteis á implantação da idéa republicana e ao mesmo tempo
descreverá os processos mais seguros para a sua consoli
dação.
Mas cheguemos ao termo desta comparação : a antig
provincia do Rio de Janeiro.
Tudo aqui se passa em condições absolutamente diver
sas ; o meio é o mais improprio para a propagação da onda
democratica.
Uma classe poderosa e rica, a dos lavradores, tem o pri
vilegio quasi exclusivo da influencia politica ; como unica
industria a agricultura, e como unico ramo de actividade
agricola o café, este producto por tal forma vinculado ao
braço escravo, que aqui é que se applicava com toda a pro
priedade o aphorismo muitas vezes repetido : o cafe é o negro
e o negro é o café !
Esta engrenagem de interesses se fazia por laços tão
estreitos , que se pode dizer com segurança -
- a provincia do
Rio de Janeiro se constituiu o mais poderoso nucleo de resis
tencia á emancipação dos escravos , phase inicial e imprescin
divel para a implantação definitiva da idéa republicana.
O escravagismo dominava, pois, sem peias na antiga pro
vincia e, emquanto a monarchia garantisse a escravidão, o
Rio de Janeiro seria fatalmente monarchista.
Os espiritos atilados , aquelles que maiores predile
cções sentissem pela idea democratica, chegando ao Rio do
Janeiro, si queriam fazer carreira, era-lhes preciso accom
modar- se, resignar -se a aspirar á liberdade, mas tolerando o
enkistamento do escravo á civilisação fluminense.
Era por este motivo que os conservadores tinham até
orgulho em se proclamar escravocratas, ee os liberaes, si
276

eram abolicionistas , tinham como seu primeiro cuidado escon


der esta aspiração, não a confessando alto, nem a si proprios,
com receio de que mais uma vez se realizasse o proloquio
popular de que — as paredes têm ouvidos .
Chegou-se portanto ao grande absurdo : a maior auto
ridade para o Rio de Janeiro, em todos os assumptos, era o
Commissario da Capital do Brasil !
Diante d'este massico de resistencia inexpugnavel, ne
nhuma força maior e mais respeitavel era capaz de operar
modificação profunda ; havia como que uma fortaleza contra
cujas baterias nem ligeiros projectis se assestavam para me
servir da linguagem propria do momento.
Por muito tempo nenhum centro intellectual de impor
tancia havia, apparelhado para a luta ; propriamente a antiga
provincia nem tinha capital ; Nictheroy, avassallada inteira
mente á Côrte , mal servia de residencia aos delegados do
governo geral , á laia de uma praia de banhos, e os presi
dentes da provincia iam semanalmente a S. Christovão, dar
conta da sua gestão governamental, em um inquerito tão me
ticuloso como o que se faz a um caloiro em sabbatina apertada.
Dados estes elementos, bem se pode ajuizar do valor da
propaganda republicana ; quem fosse candidato a um ostra
cismo tão prolongado e cruel como o das chammas do inferno,
não tinha caminho mais facil : era fazer- se republicano no
Estado do Rio de Janeiro .
No entretanto, oh ! força miraculosa da convicção : -havia
alguns republicanos no Estado do Rio de Janeiro !
Prescindiremos, porém , de passar em resenha todos os
esforços isolados de um ou outro paladino que porventura se
aventurasse nos mares encapellados da escravidão a atirar o
seu fragil batel , hasteando o labaro republicano, que devia
ser o phanal da libertação dos escravos.
Pedimos permissão aos republicanos fluminenses para
destacar tres nomes , que devem symbolisar o esforço repu
blicano neste primeiro periodo, sem que desta menção possam
resultar desgostos por qualquer omissão involuntaria : José
Maria do Amaral, Quintino Bocayuva e Francisco Portella.
277

Os meios de acção destes tres proceres do republicanismo


fluminense foram, algum tanto differentes sem duvida, os
unicos verdadeiramente accentuados, no periodo que estamos
assignalando.
Os dous primeiros não fizeram propriamente a propa
ganda fluminense no sentido genuino da palavra, mas sobre
ella exerceram uma influencia decisiva .
José Maria do Amaral foi talvez o jornalista brasileiro
de maior força legendaria que temos possuido ; talento bri
Thantissimo, vocação decidida para a imprensa, espirito divi
namente poeta, intelligencia finamente cultivada pela convi
vencia das grandes civilisações européas e americanas , alma
macerada pelo infortunio da vida, quem não sentiria como
que um respeito quasi supersticioso, quando via atravessar
umas das ruas da Côrte aquelle velho alto, magro, macil
lento, com os longos cabellos brancos, como a cabelleira de
prata de um marmore, já quasi amortalhado em sua vida,
uma mui longa sobre -casaca preta, dirigindo - se a passos
lentos , afim de tomar a barca para ir esconder as suas ma
guas e as suas desillusões num velho castello em ruinas , a
que o povo chamava em Nictheroy o palacio da soledade e que
era o retiro do anachoreta republicano?!
Muito embora nessa época o grande jornalista já rara
mente escrevesse para a imprensa, constituia-se no entre
tanto o chefe espiritual do republicanismo brasileiro e, como
era fluminense e residia em Nictheroy , esta cidade tornou- se ,
por assim dizer, a séde do papado republicano, do mesmo
modo que a Roma é o centro para onde gravita o mundo ca
tholico, muito embora o Vaticano se considere um prisioneiro
do Quirinal .
A influencia de Bocayuva é de cunho mais moderno e de
acção mais accentuada .
Tambem fluminense e relacionado mais ou menos em toda
a provincia, este illustre paladino da idéa republicana serviu
por assim dizer de traço - de - união entre o republicanismo
fluminense e o das demais provincias do Brasil , e , como o seu
centro de acção era a antiga Côrte , que influenciava directa
278

e immediatamente sobre a provincia na qual estava encravado


o municipio, segue- se que todo o esforço, e foi enorme, dis
pendido pelo seu masculo e brilhante talento era prompta
mente encaminhado e tinha immediata repercursão na antiga
provincia.
Resta falar de Francisco Portella .
Dos tres , foi seguramente o que fez politica mais genui
namente fluminense.
Embora filho do Norte, residiu desde estudante na pro
vincia do Rio , e, depois de formado, estabeleceu- se em um

centro agricola, o mais importante do Rio de Janeiro e, na


quella occasião, seguramente mesmo de todo o Brasil : o mu
nicipio de Campos .
Pela affabilidade de seu tracto , pela cultura de seu espi
rito, devotamento á idéa republicana e profundo desprendi
mento de interesses pessoaes , pelos lances de caridade
christā, o joven medico estava destinado a ser o maior propa
gandista fluminense, levando a força das suas convicções
pela imprensa e pela palavra em extenso raio que abrangia
uma zona de acção, que tinha para limites os Estados de
Minas e do Espirito Santo, até onde chegava pelas necessi
dades de sua clinica, a qual muitas vezes se estendia ou pelas
regiões de Carangola ou até as margens do Itapemerim .
Pela força da sua profissão, a sua propaganda penetrava
até profundas camadas populares e o amor que elle devotava
ás instituições municipaes o puzeram por tal fórma em con
tacto com o povo , que teve de collaborar muito praticamente
no governo da sociedade .
Eleito por varias vezes membro das Camaras Municipaes
com assento na antiga assembléa provincial do Rio de Ja
neiro, foi affeiçoando o seu espirito ás questões praticas e
vendo para ellas as evoluções democraticas, e por essa fórma
ia , por um lado, prestando serviços ao seu paiz e, por outro,
habituando o povo a vêr em um republicano não simplesmente
um propagandista theorico , imbuido apenas de preferencias
de sympathia, armado só do camartello da destruição, porém,
ao contrario, um homem de governo, capaz de offerecer solu
279

ção aos problemas sociaes , cujo emaranhamento foi a teia em


que se embaraçam tantas vezes os espiritos superficiaes e que
não se preparam para a face pratica da vida.
Em torno destas tres forças gravitam todas as outras de
maior ou menor importancia, que deviam servir de pedra
angular para a campanha republicana no 1º periodo.
E' muito ? é pouco ?
A uma época mais futura, se assim se pode exprimir,
caberá a tarefa de dizel-o, fóra das cogitações do momento
e livre das preoccupações, sympathias, ou prevenções que
possam dispertar as individualidades figurantes e ainda
sobreviventes .
Em todo o caso, muito ou pouco, é com este cabedal que
passamos ao 2º periodo da propaganda republicana na antiga
provincia do Rio de Janeiro .
Estamos em 1870 .

Desde 1864 até aquella data, a guerra do Paraguay absor


vera todas as attenções e actividades em nossa patria.
Este grande acontecimento, que desviava do seu campo
natural de acção as manifestações da vida publica, devia ser
tambem o ante- mural das idéas democraticas , visto que, como
unica preoccupação, se empenharam todos no mesmo fim
commum : debellar o inimigo externo.
Terminada porém a guerra, devia restabelecer -se a cor
rente natural das expansões commerciaes, economicas, in .
dustriaes e politicas.
Um outro facto : o partido liberal acabava de soffrer um
novo revez, que ia cavar profundas desillusões em suas
fileiras.
Affastado quasi sempre das graças do throno, por sus
peitas de demasias democraticas , occupava no entretanto o
poder desde alguns annos, tendo - lhe cabido aa dolorosa tarefa de
declarar a guerra á republica visinha.
Quando se deveria suppôr que era perfeita a identificação
do gabinete de 3 de Agosto com a corða, eis que surge a di
vergencia pelo motivo apparente da escolha de Salles Torres
280

Homem para occupar no Senado, pelo Rio Grande do Norte,


a cadeira que fôra de D. Manoel de Assis Mascarenhas .
Zacharias de Góes retira- se então do poder, talvez que
menos pelo motivo allegado, do que por entrever com saga
cidade e segurança que, de facto, se avisin hava uma situação
critica para o seu partido, situação que, si não nos falha a
memoria, era synthetisada em uma bella phrase por Christi
niano Ottoni, quando dizia, no dia da apresentação do minis
terio Itaborahy, que havia muito a espada gloriosa do General
em Chefe apontava do Sul ao partido conservador as escadarias
do poder
Dous factores, pois , cada qual mais poderoso, deviam
influir fatalmente para o engrossammento das fileiras republi
canas ; a terminação da guerra, em 1870 , e a queda do partido
liberal , que se dera em 1868.
O primeiro factor influia de dous modos diversos : ces
sada a guerra, era natural que a corrente republicana, que
não se extinguira e que fôra apenas perturbada, retomasse o
seu curso normal ; porém, si era verdade que a victoria das
armas brasileiras prestigiava de alguma sorte ao Imperador,
que nunca desanimava atravez de todas as difficuldades, por
outro lado abrira -se facil caminho á propaganda republicana, a
qual habilmente mostrava que os enormes sacrificios de vidas
e de dinheiros que de longa data acarretavam as guerras do
Sul e que importavam em avultados compromissos para fu
turas gerações, seriam provavelmente poupados, si porven
tura não fôra o antagonismo das instituições monarchicas no
Brasil , que constituiam a unica excepção da America e se
tornavam por conseguinte um elemento divergente, causa
constante e sempre latente de desconfianças e de attritos no
meio da unidade republicana do nosso mundo.
A quéda do partido liberal era uma fonte não menos fe
cunda de aggregações , de altas significações, para o partido
republicano.
Os movimentos revolucionarios do Rio Grande do Sul,
de Pernambuco , de S. Paulo) e de Minas , tinham contribuido
para afastar de longos annos o partido liberal do poder, mon
281

tanha a que elle sempre subiacom grande difficuldade e em


que pouco se demorava, não podendo realisar as suas idéas e
fazendo sempre o papel de Moysés , que morria no Monte
Nebo, ao avistar a terra da promissão.
Todos os revezes que soffria o partido liberal se trans
formavam em outros tantos engrossamentos da onda republi
cana , visto como os partidos politicos se resignam difficil
mente á abstinencia do ostracismo, e, como o aperfeiçoamento
das organisações é incompativel com a retrogradação, segue
se que, como regra geral , todo o liberal desilludido devia
transformar -se em republicano.
A quéda de 1868 foi extraordinariamente sentida e teve
repercussão immensa no partido liberal ; a dissolução da Ca
mara foi qualificada pelos seus pro -homens como um verda
deiro attentado , um golpe de Estado ; o estribilho do poder
pessoal passou a ser glosado com tal insistencia pelos seus
publicistas, como si fôra o thema predilecto de que se servem
os mestres no enfeixamento dos accordes com que compõem as
suas partituras.
O momento era, pois , o mais opportuno para um pronun
ciamento republicano, e surgiu o manifesto de 3 de Dezembro
de 1870 .
Não ha negar : foi um acontecimento de grande alcance
politico ; sobretudo attendendo- se para a significação de al
guns nomes que representavam optimas acquisições para o
joven partido, que vinha terçar as suas armas na arena em
que se debatiam os velhos credos constitucionaes .
De facto, alguns d'elles eram verdadeiras culminancias ,
por exemplo :
Saldanha Marinho, o jornalista ardente e impetuoso, o
grande administrador de S. Paulo e Minas, o companheiro
de Theophilo Ottoni e F. Octaviano, que, juntos, constituiram
o mais bello e popular triumvirato que o Brasil tem possuido;
Christiano Ottoni , o discutidor sem rival na imprensa e na
tribuna, por si só capaz de substituir uma Camara inteira, a
tenacidade feita homem , o corajoso director da E. de F.
D. Pedro II, que, como alguem já disse, transpoz o espi
282

nhaço da serra do mar para levar locomotivas a beber agua


nas margens do caudaloso Parahyba ; Lafayette, o publicista
modelo, o litterato erudito e, mais do que isso, destinado a ser
ungido o David da jurisprudencia brasileira, herdeiro do sce
ptro de Nabuco e Teixeira de Freitas ; Flavio Farnese, o jor
nalista sem jaça, o Bayard da democracia brasileira, arca
bouço de estadista da estofa de Tavares Bastos e tempera
mento de advogado da estatura de Souza Franco ; e com elles
grandes esperanças, em esplendidas realidades, como Quintino
Bocayuva, Salvador de Mendonça, Rangel Pestana, Henrique
Limpo de Abreu, Pamplona de Menezes, Aristides Lobo e
.

tantos outros , que seria longo enumerar .


Até que ponto, porém, influiu o manifesto de 1870 sobre
os destinos da propaganda republicana na provincia do Rio
de Janeiro ?
Neste periodo ainda se accentúa a mesma resistencia á
propagação da onda democratica nesta parte do Imperio.
Do partido liberal fluminense bem poucos foram os que
caminharam obedecendo á lei progressiva do aperfeiçoamento
politico.
Octaviano, o estadista sem rival , o poeta mavioso , o par
lamentar diplomata , de finura, discrição e sagacidade, capaz
de fazer in veja a um Talleyrand , já então empunhava, sem
competencia, as redeas do partido liberal e , si olhava em
torno de si, podia ufanar -se do seu estado-maior, em que ser
viam homens como Pedro Lima, Baptista Pereira, Eduardo
de Andrade, Bezerra de Menezes, Dias da Cruz, Joaquim
Manoel de Macedo, Moraes Costa, Frederico do Rego, Ro
drigo Octavio e tantos outros.
O partido conservador era o que todos sabemos : uma
especie de organisação militar de inflexivel e ferrea disci
plina, e, si é verdade que Uruguay e Euzebio já haviam des
apparecido da scena da vida, ainda era vigoroso o braço do
Visconde de Itaborahy para empunhar o estandarte que le
vara ao combate não só os veteranos como Sayão Lobato,
Teixeira Junior, Pereira da Silva, João de Almeida Pereira,
Candido Borges e mais alguns, como tambem os jovens e
283

ardentes paladinos , que mais tarde tanto deviam celebrar -se :


Paulino de Souza, Ferreira Vianna, Francisco Belisario,
Duque- Estrada Teixeira, Thomaz Coelho, Andrade Figueira,
Mello Mattos e muitos outros illustres brasileiros, cujos nomes
seria longo enumerar.
Do movimento de 1870 o republicanismo pouco respigou
no campo do partido liberal e seguramente nada no partido
conservador.
Mantinham - se mais ou menos os inesmos nucleos , os mes
mos pharóes que deixámos assignalados no periodo anterior :
José Maria do Amaral , com as fulgurações de um velho pagé
do republicanismo historico, quasi que , como Victor Hugo , en
trando vivo na posteridade ; Quintino Bocayuva, o grande sol
da imprensa republicana, dardejando os seus raios sobre todo
o Brasil e, portanto, tambem influenciando sobre a provincia
do Rio ; e Francisco Portella, lutando braço a braço, e sem
pre salvando as suas convicções pessoaes , mas muitas vezes ,
por amor do seu ideal politico, vendo -se obrigado a transigir
com os elementos mais approximados, os liberaes, para que
a idéa republicana não morresse no solo ingrato do Rio de
Janeiro, como a gotta d'agua que se semêa nas areias estereis
e ardentes dos desertos do Sahara .
E' verdade que alguns fluminenses de raro merecimento,
já nessa época, com o maior brilhantismo e denodo empu
nhavam a penna em prol da Republica e entre elles notada
mente Rangel Pestana e Salvador de Mendonça ; mas a força
das circumstancias não permittiu que elles pudessem localisar
os seus esforços propriamente na antiga provincia.
Rangel Pestana, depois de doutrinar valentemente na
Capital do Brasil , escrevendo quotidianamente na imprensa
e fundando com Henrique Limpo de Abreu, Miguel Ferreira
e Telles de Menezes , a Escola do Povo, vasto amphitheatro de
educação civica republicana, ia procurar um meio mais ade
quado ao seu temperamento calmo e reflectido , assumindo em
S. Paulo a direcção espiritual do partido republicano.
Salvador de Mendonça localisava -se no Rio de Janeiro,
é certo , mas exercia de facto toda a sua actividade na Ca
284

pital do Imperio e talvez que, mais amante da litteratura do


que da politica, reser vava as suas horas de lazer, em Ni .
theroy, para, em um culto apaixonado do bello, admirar as
brancas areias do Icarahy, os silenciosos, carcomidos e
sphyngeticos monolithos da Praia dus Flechas e as aguas tran
quillas da soberba bahia de Guanabara.
O manifesto de 3 de Dezembrojteve, porém , uma conse
quencia digna de registrar-se nestas notas desalin havadas e
despretenciosas .
Alguns jovens estudantes fluminenses subscreveram este
documento , quebrando assim aquelles sellos apocalypticos,
que aconselhavam até ahi tanta reserva á mocidade da pro
vincia, ávida de glorias e de posições sociaes, e é justo que
alguns destes nomes, que agora occorrem á memoria, sejam
aqui lembrados ; são elles :
João Baptista Laper, que então concluia o seu curso me
dico e que hoje figura no Senado da Republica ; Lopes Trovão,
que frequentava o 3º anno , que se tornou notabilissimo pro
pagandista e que teve assento na primeira Camara republi
cana brasileira ; e Mauricio de Abreu , que então encetara o
seu curso tambem medico e que hoje exerce posição politica
no Estado do Rio de Janeiro.
A partir de 1870 as cousas mantinham -se mais ou menos
como em época anterior: uma estagnação de mar morto para
as aguas do partido republicano, e sempre a questão do ele .
mento servil enfileirando as velhas resistencias conservadoras,
que deviam mais tarde se desaggregar, permittindo a passa
gem da idéa victoriosa .
Em 1871 , o Visconde do Rio Branco, talvez que o esta
dista mais fecundo do 2º reinado, a par de uma larga politica
caracterisada por liberaes reformas de ensino e pelo inicio de
melhoramentos materiaes de toda a ordem, apresentou o seu
projecto de libertação do ventre da mulher escrava.
Foi uma campanha homerica , em que o genio de Paranhos
só pode ser comparado ao de Gladstone, advogando os di
reitos da autonomia irlandeza .
285

Contra a grande causa da emancipação dos nascituros


assestaram - se todos os argumentos que os interesses conser
vadores pódem engendrar, mas tambem, como defesa da mais
justa e santa de todas as aspirações, foi , é força confessar,
proferida a phrase mais eloquente, que talvez a palavra hu
mana tenha produzido até hoje , — pela bocca de Salles Torres
Homem .
Nesta grande campanha, a provincia do Rio de Janeiro
foi a que parte mais saliente tomou em favor do emperra
mento escravagista, e as honras do commando couberam
mesmo ao Conselheiro Paulino de Souza, que, algum tanto
novo ainda em politica, passou desde então a ser cognominado
pelos seus adversarios de - Marechal do futuro .
A incandescente questão social , que trabalhou profunda
mente o partido conservador em todo o Imperio, no entretanto
não deixou impressão equivalente na grey fluminense e os
proprios liberaes começaram a se esbater em nuances conser
vadoras; a respeito de alguns, já mal se distinguindo si obede
ciam ás ordens do Sr. Octaviano ou do Sr. Paulino .
A lavoura começou a agitar- se : os commissarios de café
da capital do Brasil promoveram meetings, a que comparece
ram os maioraes da classe agricola, os barões feudaes da
grande propriedade territorial .
Attribuindo -se ao Imperante toda a iniciativa do impulso
libertador, as formas , embora respeitosas, das representações
da lavoura já deixavam entrever o desgosto latente que devia
alluir o velho aferro ás instituições juradas, á semelhança do
tenue fio d'agua, que desce da montanha, que vai desaggre
gando aos poucos a argamassa que une as pedras da mura
lha destinada a desmoronar no precipicio.
Concomitantemente com este amollentamento de devo
tação aos representantes da instituição monarchica, vão -se
dando alguns factos , que são de alguma sorte salientes, na
historia do partido republicano da provincia do Rio de Ja
neiro.
Em Nictheroy, engrossa um pouco o partido repu
blicano .
286

Antonio Paulino Limpo de Abreu, os irmãos Travassos ,


João Clapp e mais alguns patriotas proclamam-se franca
mente como taes .
Em Campos, Francisco Portella une- se a Rodrigues Pei
xoto, e ambos, aliás republicanos , batem eleições , fazem
transacções justificadas ee uteis , e podem portanto defender as
suas idéas no proprio seio das corporações officiaes.
Francisco Portella, recebendo do povo campista a justa
recompensa da sua immensa bondade como medico e dos
seus grandes serviços como defensor das liberdades popu
lares , vem quasi que ininterrompidamente á assembléa pro
vincial durante um largo prazo de tempo e ahi os seus
grandes conhecimentos em materia orçamentaria e de organi
sação municipal exercem notabilissimo ascendente sobre os
espiritos mais adiantados do liberalismo fluminense, consti
tuindo a chamada montanha, onde tinham assento Pedro Lima,
Alberto Brandão, Joaquim Travassos , Joaquim Breves, Vir
gilio Pessôa e outros.
Mais tarde, em pleno dominio conservador, começam a
dar- se alguns pronunciamentos dignos de nota.
Em um dia,> é um dos mais talentosos ee illustres membros
do partido conservador, oriundo de familia devotada ás insti
tuições monarchicas, o Dr. Santos Werneck , quem rompe
com o seu passado e em um bello discurso , que produziu a
mais profunda impressão, declara francamente adherir á
politica republicana.
Em outro dia, igual procedimento tinha o seu collega, o
Dr. José Thomaz da Porciuncula, eleito pelo partido liberal.
Algum tempo depois, ambos faziam circular republicana,
pedindo a renovação do seu mandato, sendo reeleito o se.
gundo e deixando de sel -o o primeiro por um pequeno numero
de votos , devido a um calculo de exaggerada cautela para ga
rantir um dos dous candidatos .
Principiam a formar-se algumas aggremiações republi
canas, accentuadamente em Petropolis, Parahyba do Sul
S. Fidelis , Rezende, Campos e outros pontos .
287

O governo começa a presentir os perigos da propaganda


e o Sr. Rocha Leão, então presidente da provincia do Rio e
delegado de confiança da politica do Conselheiro Paulino de
Souza, demitte de promotor publico de Petropolis o Dr. Leonel
Soretti e dá como mudado o Dr. Barros Franco, eleito verea
dor da Camara Municipal, por serem ambos republicanos na
cidade imperial , que começava a ser assoberbada pela avalan .
che democratica .
Mais ou menos na mesma occasião alguns factos vinham
indispôr ainda mais as classes conservadoras contra o throno .
A propaganda abolicionista estava então em sva plena
pujança e denunciava todas as demasias do uso e do abuso da
propriedade escrava.
Assim é que, um dia, a imprensa abolicionista de José do
Patrocinio, que se tornava o mais dedicado apostolo do aboli
cionismo, annunciou que um medico de certo municipio da
provincia do Rio matara ou deixara morrer com surras horro
rosas dous ou tres infelizes escravos ; a magistratura era
quasi impotente para punição dos culpados , que encontravam
a nais decidida protecção da parte dos governistas da si
tuação .
Disse - se mesmo que o Imperante, sabendo que o medico
já referido se achava na Côrte e hospedado em casa de um
deputado geral do Rio de Janeiro , mandou chamar o chefe
de policia, cidadão que se tornou notavel pela ferocidade
que se lhe attribuia contra os pobres escravos , e ordenou -lhe
a prisão do criminoso, que, embora dispondo de todas as
protecções, teve de assentar - se no banco dos réos .
Noutro dia, era uma commissão de fazendeiros de certo
municipio agricola, tambem da mesma provincia, que fora
ao palacio do Imperador pedir- lhe que não commutasse a pena
de morte a que fôra condemnado um escravo que matara o seu
senhor, e a respeito de cuja commissão se rosnou que o Impe
rador respondera que não se admiraria que lhe pedissem para
usar da magnanimidade do perdão, mas que lhe fossem soli
citar que fizesse rolar uma cabeça no cadafalso, era o que de
facto lhe fazia desmerecer da grandeza do coração brasileiro.
288

Posteriormente, facto de maior importancia se apresen


tava : tendo o Dr. Joaquim Nabuco dado publicidade n'o Paiz
a uma carta, que mais tarde se soube ser do Dr. Martinho
Garcez, em que se denunciava que dous infelizes escravos ,
depois de barbaramente castigados pela justiça publica, com a
applicação da pena de açoites , foram entregues aos seus se
nhores e arrastados para as fazendas, morrendo em caminho
em consequencia dos máos tratos recebidos , propalou- se
tambem que foi graças á indignação imperial que um
senador liberal propoz a abolição da barbara pena, ao
que teve de sujeitar- se o gabinete presidido pelo Barão
de Cotegipe .
Anteriormente, já o Imperador, depois da libertação do
Ceará e do Amazonas , ao cahir o ministerio Lafayette, entre
os Srs . Sinimbú , Affonso Celso e Dantas , havia-se decidido
por este benemerito estadista para lhe confiar a organisação
do ministerio 6 de Julho, porque fôra o unico que lhe fallára
que era preciso cogitar da questão servil , tirando - a das agi
tações da praça publica, para dar -lhe a conveniente direcção
no parlamento.
Ao mesmo tempo se dizia , e mais ou menos era notorio,
que a futura Imperatriz do Brasil, que já assignara o decreto
da 1a lei de 28 de Setembro, era sympathica á causa da re
dempção dos captivos .
Todas as vezes que estes factos e idéas vinham á tona da
discussão, era patente o fermento de desgosto das classes con
servadoras do Rio de Janeiro contra os representantes das
instituições monarchicas.
O trabalho da desaggregação ia -se fazendo, pois, lenta mas
efficazmente e os republicanos iam com sagacidade se apro
veitando de todos estes elementos indicativos da perda de so
lidez, do solapamento dos alicerces sobre que repousavam a
sympathia e o apoio da monarchia no Rio de Janeiro.
Um facto decisivo devia, porém, precipitar os aconteci
mentos, apressando o desenvolvimento do partido republicano
na provincia.
289

Esta facto foi o acto de 13 de Maio de 1888 e é exacta


mente com elle que se abrem os pontos do 3º periodo da evo
lução da idéa republicana neste Estado.
O sol de 13 de Maio de 1888 illumina com seus clarões os
primeiros dias que iniciam o terceiro periodo da genese repu
blicana no Rio de Janeiro.
Muito embora existissem os prodromos que deixamos
assignalados nas paginas anteriores, e que já denunciavam as
desconfianças da lavoura em relação ás intenções da Corôa, a
abolição immediata e sem indemnisação foi uma verdadeira
bomba que explodio no seio da classe agricola fluminense, dei
xando - a profundamente atordoada nos primeiros momentos,
até que, medindo sufficientemente a extensão do prejuizo de
que se queixava, preparou -se para a lucta da desforra.
Não ha negar : a infeliz provincia do Rio de Janeiro foi
victima da imprevidencia de seus dominadores que, si têm a
attenuante de serem coherentes com os principios que defen
diam , não se mostraram no entretanto estadistas , pela falta
de previsão com que aconselharam aos seus constituintes a
resistencia intransigente, contra uma ordem de ideas definiti
vamente victoriosas , no seio de todas as outras classes da so
ciedade .
Dis-se-á que a provincia do Rio de Janeiro era essencial
mente agricola, repetindo para desfastio destas linhas uma
phrase que passou até a se constituir um estribilho jocoso, to
das as vezes que os abolicionistas pretendiam ridicularisar o
emperramento escravagista.
Mas, tambem agricola era a provincia de S. Paulo e no
entretanto os seus homens de Estado de todos os partidos , em
relação áa questão abolicionista, transiyiram , fizeram uma po
litica debil de opportunismo, aconselharam a sua provincia a
preparar- se com os succedaneos do escravo , servirain -se do
seu ascendente para monopolisarem assim por longo tempo a
pasta da Agricultura ee assim encaminharem para aquella parte
do Brasil a onda emigratoria do elemento europeu, ao mesmo
tempo que abriam as vias de communicação que facilitariam
v. 1 19
290

a collocação do colono, abrindo-lhe mercados francos e pondo


os centros de producção em relação immediata com os emporios
do consumo e da exportação .
Foi por estes lances de previdencia que o immaculado
José Bonifacio, combatendo a inopportunidade de medidas li
bertadoras, emquanto sustentavamos a guerra do Paraguay,
tornou -se no entretanto o maior de todos os abolicionistas,
dando o ultimo alento da sua vida em favor da redempção dos
captivos e, tão grande como Pitt, morrendo quasi que litteral .
mente na tribuna , depois do esforço o mais extraordinario de
que é susceptivel um cerebro privilegiado em defesa da mais
sagrada de todas as causas .
E' ainda seguindo os impulsos do bom senso paulista que
Antonio Prado, adversario de Rio Branco em 1877, prescruta
com vistas praticas e seguras as conveniencias da sua pro
vincia, convence -se de que a sabedoria não consiste em deie
jar o impossivel, porém em alcançar o melhor, e eil -o guiando
a opinião de S. Paulo para encaminhar a corrente libertadora ,
até que chamou a si a questão em sua phase mais aguda, con
vertendo -se finalmente na molla real , no verdadeiro nervo do
gabinete João Alfredo, para enterrar até os copos a espada
com que atravessou de lado a lado o corpo miserando da ne .
gregada instituição.
Finalmente foi graças ainda a um sentimento de penetra
ção politica que o partido republicano paulista, depois de con
temporisar com a questão servil, quando se tratou do pro
jecto Dantas, disse na Camara dos Deputados, pelo orgão de
um de seus representantes, o Sr. Campos Salles , que a ban
deira republicana não podia ser o farrapo para cobrir o reducto
da escravidão .
No Rio de Janeiro as cousas se passaram de modo inteira
mente diverso !
Quando se tratou da lei Rio Branco, já vimos o papel sa
liente que representou a deputação fluminense no emperra
mento da liberdade dos nascituros ; a frieza de argumentação
de seus representantes não recuou nem mesmo diante do argu
mento juridico de que as miseras crianças deviam acompanhar
291

a sorte de suas mães, pela mesma razão porque o bezerro per


tence ao dono da vacca !
Quando se organisavam as sociedades abolicionistas , os
representantes fluminenses, como unico meio de encaminhar
as correntes da opinião, propunham a creação de clubs da la
voura em que se prégava o direito do sequestro da correspon
dencia particular, e o desforço da expulsão do territorio, e , si
o misero escravo commettia algum acto de desespero, não era
o levantamento das forças moraes dos seus parceiros que se
aconselhava , porém antes a lei de Lynch , que se é verdade que
offerecia o inconveniente de não corrigir o individuo, era no
entretanto considerada o melhor meio para edificar as almas
dos infelizes que quizessem se achar em frente das mesmas
desgraças que tinham levado os seus companheiros a situa
ções igualmente desesperadas .
Se os traficantes de carne humana , prevendo os impulsos
abolicionistas das provincias do Norte , atulhavam de escravos
os mercados do Rio de Janeiro, os representantes da opinião
fluminense aconselhavam aos lavradores que fizessem em um
largo stock uma farta provisão da mercadoria negra, e, porque
o Sr. Gavião Peixoto se lembrou da idéa do imposto de
1 : 500$000 sobre venda de escravos entrados no territorio
da provincia, para evitar que dada a libertação ella ficasse
como no jogo do burro, isto é com as cartas na mão, na phrase
do Sr. Martinko Campos, pouco faltou para que este presi
dente fosse enxotado do palacio do Ingá com as mesmas armas
do supplicio com que foi santificado o martyr Estevão !
Sei o ministerio Dantas hasteou a bandeira da liberdade
dos sexagenarios, os representantes da provincia do Rio de
Janeiro se levantaram quasi como um só homem para dizer
que era muito cedo aspirar a liberdade de morrer livre aos 60
annos e aquelles mesmos liberaes que se achavam directa
mente ligados ao gabinete abolicionista, tinham um tal receio
de se comprometter com os cardeaes da igreja escravagista
fluminense, que o proprio presidente da provincia, delegado
de confiança do governo e candidato por outra ciscumscripção
do Brazil , declarou em sua circular que, se fosse eleito, se
292

collocaria no parlamento ao lado da lavoura, quando exacta.


mente ella só se queixava e só clamava contra um esbulho de
que fazia responsavel o ministerio !
No proprio dia em que se votou na Camara a lei de 13 de
Maio, quando as impaciencias da opinião publica eram taes
que as provas já não se contavam por horas nem por segundos ,
quando o paiz em peso sem discrepancia de provincias, sem di
vergencias de opiniões politicas, annunciou ao mundo que o
Brasil ia finalmente commungar á mesa da civilisação, dos
nove unicos votos que se levantaram para lançar um anathema
contra a liberdade, um só era de provincia diversa , todos os
outros oito eram dos representantes do Rio de Janeiro.
E poucos dias depois , porque o Sr. Conselheiro Thomaz
Coelho, vinha collaborar no ministerio João Allredo, para que
em um verdadeiro momento psychologico se resolvesse uma
questão que adiada seria um perigo, uma conflagração social ,
o Sr. Conselheiro Paulino de Souza deu - lhe immediatamente
passaporte para o outro mundo, chamando - o em pleno Senado
um illustre correligionario de saudosa memoria !
E, si um ou outro fazendeiro perspicaz e temeroso pela
sorte da lavoura inqueria dos seus representantes sobre os
perigos provaveis da cessação do braço escravo, recebia como
resposta que a escravidão ultrapassaria o seculo XX e que,
quando faltasse a pelle preta, viria então a onda amarella , a
vasta mongolisação que fornece o unico elemento capaz de
lavrar os charcos da serra baixa ou de supportar as ardentias
do sol que doira o cafeeiro, e que offerece além disso as ines
timaveis vantagens de só comer arroz com dous pausinhos , o
que convida aos habitos da paciencia, e da resignação de ador
mecer aos vapores do opio, o que seguramente não é a melhor
therapeutica para embalar os sonhos da liberdade e tonificar
a fibra do civismo ; de ganhar um salario ridiculo que aug
menta a conta do café, mata pela concurrencia o salario do
trabalhador nacional e renova as velleidades da vinculação do
operario pelo estimulo da posse do solo ; e finalmente de acei
tar em seus contractos os onus de ser marcado a fogo e de
apanhar vergastadas de bambú, o que é uma delicia para
293

matar a nostalgia que causem por ventura as saudades da


gargalheira, do tronco, do bacalhão e do viramundo !
Diante de todos estes antecedentes historicos é facil de
imaginar dous factos oppostos e successivos , por um lado a
difficuldade de qualquer propaganda republicana, por outro a
perda absoluta de popularidade em que a monarchia incorreu
no seio das classes conservadoras.
O facto de 13 de Maio, em relação á influencia que teve
sobre o infiltramento das idéas republicanas , póde perfeita
mente ser comparado a certa ordem de phenomenos physicos.
Supponhamos um vasto globo terrestre coberto por uma
espessa crosta rija e polida como a superficie de um espelho.
Imaginemos as chuvas as mais copiosas cahindo sobre elle e é
impossivel conceber a penetração de molleculas aquosas na
massa tellurica , de maneira a serem apreciaveis os effeitos de
suas acções physicas e chimicas.
Supponhamos mais agora que uma força viva e inespe
rada que , partindo das camadas internas, como por exemplo
as plutonicas , formam os vulcões, determinam uma intumes
cencia exaggerada do globo, consegue fendel-o em varios
pontos, determinando outros tantos sulcos na sua superficie ;
immediatamente as infiltrações dão- se em todos os sentidos ;
o agente aquoso penetra até as camadas as mais profundas ,
as desagregações vão aos poucos se fazendo , o meio vae- se
tornando apto para o apparecimento da vida dos organismos
inferiores e assim em escala ascendente aos superiores , até
que pode apparecer sobre a terra o homem, o animal o mais
perfeito da creação.
Foi o que aconteceu á idéa republicana no Rio de Janeiro.
A convicção de que a monarchia era a garantia segura
da permanencia da escravidão foi a camada protectora contra
a penetração das idéas republicanas .
O 13 de Maio foi, por assim dizer, o phenomeno pluto
nico, a grande força viva que rompeu a cohesão das camadas
conservadoras para deixar passar as correntes democraticas .
O ponto de apoio das velhas instituições perdera o seu
centro de gravidade ; a sentinella vigilante do throno que
294

brara a sua arma. Aladino tinha perdido o talisman , a sua


lampada maravilhosa , para me servir de uma imagem tirada
da phantasia oriental de um conto das Mil e uma noites.
Era facil de prever o que deveria succeder no primeiro
momento. Por toda a parte o abandono das instituições jura
das ; mais do que isso, não houve um recanto do sólo flumi
nense em que os desgostos pela lei de 13 de Maio não abalas
sem em seus fundamentos as dedicações com que até ahi
tinham sido amparadas as instituições então vigentes .
Tinha chegado o momento azado e a idéa republicana co
meçou a germinar em todos os pontos, ainda mesmo naquelles
que pareciam até pouco tempo os mais avessos, tal qual como
as vegetações que, dadas certas condições de luz, de calor
e humidade, vivem e se expandem nos meios os mais im
proprios , como a superficie lisa de um grande penedo ou as
asperezas inhospitas de um gradil.
Formam -se clubs republicanos em todos os pontos da
provincia, eleitorados inteiros fazem a sua profissão de fé
republicana ; commendadores, barões e viscondes despem em
publico os arminhos da sua nobiliarchia, começam então os
pronunciamentos de individualidades de valor politico, tal
qual como se fazem as crystallisações dos sáes quando as
suas dissoluções chegam a um certo estado de saturação.
Na assembléa provincial onde só havia um republicano
confesso, o Dr. Francisco Portella, dão -se manifestações da
maior significação.
Um dia é Oliveira Pinto, republicano desde aa academia ,
filiado mesmo ao partido em Rio Claro, de S. Paulo, porém
no Rio de Janeiro alliado aos liberaes, por entender que não
devia esterilisar os seus esforços, quando não havia no seu
novo campo de acção um aggregado regular que se pudesse
chamar partido republicano.
No outro dia, Braz Carneiro oriundo da familia tradicio
nalmente imperialista que rompe com as tendencias do seu
coração e colloca-se ao lado dos republicanos.
Ora é Theophilo de Almeida que despe as velhas crenças
de seus avoengos, e ora Ceryllo de Lemos quem sacrifica no
295

altar da republica as justas ambições a que tinha dado ao po


deroso partido conservador.
Tambem enfileiraram sob as mesmas bandeiras Oscar
Varady e Gonçalves de S. Thiago, representantes de districtos
em que era indispensavel o triumpho da quinta - essencia do
conservatorismo.
No ministerio de João Alfredo, dando-se a vaga do Con .
selheiro João Manoel Pereira da Silva, escolhido senador, o
Dr. Candido Drummond Furtado de Mendonça por poucos
votos deixou de ser derrotado, no antigo 9º districto, tendo
por emulo o candidato republicano Dr. Antonio Luiz dos
Santos Werneck .
Logo em seguida assomou no horizonte politico o infati
gavel propagandista Silva Jardim , que, depois de iniciar o
trabalho em S. Paulo, passa-se para o Rio de Janeiro, sua
provincia natal, e ahi desenvolve prodigios de actividade,
fazendo innumeras conferencias, fundando clubs , em muitos
pontos, sendo alvo ora commummente de adhesões freneticas ,
ora ao contrario mais raramente de opposição violenta, que
algumas vezes attingio até ás raias de aggressões materiaes
entre si e seus adeptos.
Outros propagandistas incorporaram -se no seu modo de
sentir e de agir, como Alberto Torres , Nilo Peçanha, Leal da
Cunha, Franklin de Lima, Laurindo Pitta e alguns mais .
Subindo o partido liberal , tendo á sua frente o Visconde
de Ouro Preto, o partido republicano apparelhou -se para a
lucta, apresentando candidatos em todos os districtos ; notan
do-se entre elles Francisco Portella, Nilo Peçanha, Lau
rindo Pitta, Ceryllo de Lemos , Alberto Torres, Oliveira
Pinto , Santos Werneck , Joaquim Breves e Luiz Murat.
Em todos os districtos o partido republicano ostentou mais
ou menos o seu nascente vigor, devendo salientar -se alguns em
que houve mais de um candidato deste credo. Quintino Bocayu
va foi quem apresentou a chapa do partido, abstendo -se de o
fazer no districto em que havia mais de um candidato repu
blicano. Onde porém a lucta se passou em condições mais
brilhantes foi inquestionavelmente no antigo 7º districto, Can
296

tagallo e São Fidelis , em que se apresentarai Eduardo de


Andrade, chefe do partido liberal , Alberto Bezamat, membro
proeminente do partido conservador e Laurindo Pitta , can
didato republicano, que conseguio galgar a lista em primeiro
logar, passando ao segundo escrutinio com Eduardo de An
drade, ja escolhido senador, e pondo de fóra do combate o
representante dos conservadores .
E' facil de prever-se que em segundo escrutinio Pitta foi
derrotado diante da colligação dos partidos monarchicos,
luctando contra o inimigo commum : o republicano.
De então em diante não houve mais treguas ; organisou
se um directorio central composto, si me não engano, de Por
tella, Silva Jardim, Alberto Torres , Oliveira Pinto e Santos
Werneck .
Na assembléa provincial diariamente em todas as ques .
tões politicas , ou administrativas feria-se a nota repu
blicana.
Francisco Portella commandava em chefe as forças do
partido, discutindo as magnas questões, distribuindo os as
sumptos para serem orientados pelos companheiros de ban
cada ; ao mesmo tempo que Oliveira Pinto preenchia as
funcções de leader, assumindo quasi que quotidianamente a
tribuna .
O partido republicano era já pois uma realidade no Rio
de Janeiro e si se pode garantir que numericamente em rela
ção a cada um dos outros dous isoladamente ainda não for
mava maioria, era já no entretanto uma força respeitavel
pela sua energia nascente.
Os representantes das classes conservadoras em parte se
retiraram da lucta politica, convencidos de que bastaria a sua
abstenção para a quéda da monarchia, tendo de luctar com os
elementos genuinamente democraticos e em parte incorpora
ram -se mesmo ao nascente partido.
Era esta a situação da idéa republicana na antiga pro
vincia do Rio de Janeiro quando se deu a revolução de
15 de Novembro e com ella a quéda das instituições monar
chicas.
297

E' ahi que se deve contar o ultimo periodo da evolução


da idéa republicana no Estado do Rio de Janeiro. ( 1 )
Dos Estados de segunda ordem da região do Sul , Santa
Catharina foi aquelle onde a propaganda assumio grandes
proporções. De Maio de 1887 ao fim do anno, organisaram -se
os clubs de Joinville, d: S. Francisco, de S. Bento da Tijuca, de
Laguna, de S. João Baptista, de Assis Brasil, sendo os seus fun
dadores Manoel Anastacio Pereira, Alvaro Nobrega, Oscar
Gressen , João Filgueiras de Camargo, Padre Manoel de Mi.
randa Cruz, Luiz Antonio Pinto de Magalhães, Benigno Alves
dos Santos , Marcellino Antonio Duarte e Emanuel Pereira
Liberato. Si até então o partido não teve a organisação com .
pleta que lhe adveio com os progressos da propaganda depois
da lei da abolição, comtudo, importantes centros partidarios
já offerecia a provincia.
Eram outros tantos centros de onde se irradiava o movi
mento. No anno de 1889 tomou maiores proporções . O partido
reune-se para eleger então sua commissão directora .
Não obstante as tradições democraticas de Minas - Geraes ,
centro legendario da Republica, todavia a sua organisação
partidaria em sua phase definitiva foi muito tardia . No decennio
de 1870 a 1880, quando o movimento em S. Paulo já tinha
chegado a uma phase completa de organisação, Minas ainda
apresentava como foco republicano o Club Campanhense ee pou
cos outros. Só em Fevereiro de 1887 organisa -se o Club de Ita
bira, a que se seguio a creação de outros sob a presidencia de
José Justiniano de Rezende Silva, José Gomes da Rocha Aze .
vedo, Francisco da Silva Mascarenhas. O movimento as .
sumio maiores proporções no anno de 1888 e 1889. Então
generalisa-se a organisação dos clubs por toda a provincia, á
custa da propaganda da imprensa e da tribuna, e em Dezembro
de 1888 o partido reunio-se em congresso com a presença de
35 representantes dos municipios. (2)
( 1 ) Devemos á illustrada collaboração do Dr. Getulio das Neves as paginas sobre
o partido republicano do Rio de Janeiro e á do Dr. Rangel Pestana o historico do par .
tido de S. Paulo .
(2) Os representantes dos municipios foram os Srs. : Leonidas Damasio , João
Pinheiro, Ferreira Alves, Aristides Maia , Antonio Olyntho, Carlos Silva , Oliveira
298

Além da lei organica elaborada neste primeiro comicio re


publicano que teve a provincia e da eleição da commissão di .
rectora, o congresso dirigio um manifesto á provincia, assi
gnado por não pequeno numero de cidadãos. No anno de 1889
o partido progredio consideravelmente. As adhesões se repe
tiam , os jornaes dedicados á propaganda multiplicavam -se,
prestigiosos chefes dos partidos monarchicos adheriam ao mo
vimento, dando isto lugar á prosperidade republicana que se
operou na provincia nos mezes anteriores á revolução.
A effervescencia do movimento está no numero dos
clubs que se organisaram em 1889. Si no decennio de 1870
a 1880 somente um club se organisou, em 1889. organisa
ram -se 44. (1 )
O movimento partidario obedecia á direcção intelligente
da commissão permanente composta dos Srs. : Dr. João Pi
nheiro da Silva, Dr. Leonidas Botelho Damasio, Francisco
Ferreira Alves , Dr. Antonio Olyntho dos Santos Pires, Dr.
Domingos José da Rocha.
No Paraná, o movimento além de restricto foi moderno
No primeiro decennio da phase do partido só sabemos da crea .
ção do Club ile Curytibu, pelos esforços do Dr. Eduardo Men
des Gonçalves em 1884. A este seguiram -se os clubs de Para
naguá, da Lapu, dle S. João Buptista. Em identicas condições
estão as provincias de Matto -Grosso e Goyaz. Naquella a crea .
ção do partido data de Fevereiro de 1888, com a organisação
do club de Miranda e depois, dos clubs de Cuyabá e Corumbá,
sob a presidencia de Bento José Fernandes e José da Silva
Rondon . A direcção do partido foi entregue aos cidadãos José
da Silva Rondon , Pedro Leite Osorio , Henrique Vieira Filho,
José Mariano de Campos e Barnabé de Mesquita.

Santos, E. Limpo de Abreu, Luiz Orsini, Bernardo Manso , Dr. Bernardo Cr - neiro,
Joaquim Verissimo, Arthur Itabirano , Dr. Henrique Diniz . Henrique Schmidt. Frane
cisco de Paula , Arthur de Rezende, Juvenal de Sá, Araujo Antunes , Arthur Guima
rães, Dias Primo, Dr. Antero Moraes, Dr. Necesio Tavares. Quintiliano Ribeiro . Pes.
tana de Aguiar, Arthur Campos, Necesio Macedo, Dr. Cysneiro, Gama Cerqueira,
A. Medrado , Diogo Azevedo , Chagas Lobato , Rocha Lasoa , Baptista do Audrade e
Cupertino Siqueira .
( 1 ) .timanak Republicano Brasilciro de 1889. pag. 310.
299

Em Goyaz. o movimento limitou -se á creação do club Re.


publicano Federal, tendo como presidente o Dr. Guimarães
Natal .
Rio Grande do Sul foi um grande centro de agitação re
publicana e por isso mesmo merece -nos um estudo mais deta
lhado. Provincia situada no extremo sul e onde a idéa demo .
cratica já tinha firmado uma não pequena conquista no espirito
dos seus filhos, que, appellando para as armas , protestaram
contra a instituição monarchica, em uma lucta que durou 10
annos, para sustentar a republica do Pirutiny, Rio Grande
offerece á consideração do historiador um facto geral quanto a
politica do todo o paiz , uma phase morta da propaganda repu
blicana, desde o inicio do segundo reinado até quasi 1880 .
Nesse periodo ella descançou da grande agitação em que
se empenhou para firmar o governo democratico e nos dez
annos de lucta não se esterilisou a aspiração republicana, que
veio estimular o civismo do rio - grandense na propaganda que
de novo abrio contra o Imperio de 1880 em diante. Não é aqui
occasião opportuna para estudarmos essa phase politica da pro .
vincia, em que a idéa republicana reunio em derredor de si as
mais sinceras adhesões dos rio -grandenses. Nós o faremos com
o detalle que o assumpto reclama, quando estudarmos as diffe
rentes formas por que passou a idéa republicana entre nós.
Neste capitulo só temos de convergir nossa attenção para a
phase mais moderna da propaganda nessa provincia. Nesta
phase o facto que define o inicio da organisação do partido é
a creação do club S. Geraldo em 1879 e a fundação em Porto
Alegre de um importante jornal A Federação, em 1881 , sob a
redacção do Dr. Venancio Ayres . Em derredor deste elemento
de propaganda agrupam-se os moços que incarnam a maior
força mental da provincia.
Em Março de 1882 reunem -se na capital os republicanos
para organisarem definitivamente o partido. Ficou resolvido
então a convocação de um congresso legislativo que se reunio,
elaborando as leis que deviam servir de base á organisação do
partido. Foram collaboradores dessa obra Venancio Ayres ,
Assis Brasil , Julio de Castilhos, Ramiro Barcellos, Demetrio
300

Ribeiro, Antão de Faria , José Pedro Ayres, Lescignevvi ,


Alvaro Chaves, Cassiano do Nascimento, Homero Baptista e
muitos outros .
Eram estes os moços que das columnas da Federação dou
trinavam a provincia, lançando as bases da educação demo .
cratica. Essa reunião que caracterisa a organisação do partido
tomou o nome de convenção de 23 de Março. Constitue a pri
meira phase de sua organisação. Ainda que elle ficasse orga
nisado e os seus factores em actividade , todavia neste periodo
a propaganda não deu grande avanço á idéa. Contra ella re
sistia o partido liberal da provincia sob a direcção politica do
Sr. Silveira Martins, cujo programma junto do governo cen
tral era dotar a terra natal dos maiores beneficios materiaes ,
e assim aquelle partido constituio-se – sempre como a maior
resistencia contra a propaganda republicana.
Não foi só no Rio Grande que este facto se tornou uma
realidade. Em todas as outras provincias, a idéa republicana
encontrou sempre os maiores embaraços no liberalismo monar
chico . Offereceu sempre o maior apoio politico ás instituições
monarchicas. Eis a razão da ascenção do partido liberal ao
poder, justamente quando contra as instituições agiam as mais
profundas causas de perturbação, como vemos na phase poli
tica do paiz depois da lei da abolição.
Quando estudarmos o ultimo ministerio do Imperio ,
agindo no meio de uma situação impossivel de sustentar- se
com o programma de caprichos e de temeridades que o carac
terisou, veremos o aulicismo do partido liberal. O facto con
seguintemente que registramos na vida republicana do Rio.
Grande não se liga á influencias locaes . Assume uma expressão
nacional.

Si na primeira phase da politica republicana rio - gran


dense, os acontecimentos salientes foram a convenção de 23 de
Marco e a creação d'A Federação, em sua segunda phase o
acontecimento mais notavel e que imprimio á propaganda o
caracter de incandescencia a que chegou , foi a moção da Ca.
mara de S. Borja em Janeiro de 1888 .
301

O seu procedimento foi acompanhado pelas outras cama


ra
e pelos clubs republicanos da provincia, como o de Porto
Alegre, o de Bagé, o de Santo Agostinho, de Villa Rica, de
Bento Gonçalves, de Felix da Cunha, de Dores de Camaquam ,
de Cachoeira.
Este facto repercutio em outras paragens, dando logar á
adhesão de outros municipios. Como resultado o partido reu
nio - se em Porto Alegre em Março de 1888, fundando a União
Republicana. Para ella convergiam as adhesões , emanadas dos
partidos constitucionaes, principalmente do partido conser
vador, com o manifesto do barão de Itaqui.
Os clubs multiplicaram-se e o partido alcançou grande
ascendencia no espirito publico da provincia, cuja mocidade
se achava á sua frente . Elege a commissão permanente com
posta dos Srs . Drs . Ramiro Barcellos , Candido Pacheco de
Moraes Castro, João de Barros Cassal , Alfredo Augusto de
Azevedo, Ernesto Alves . E em 1889 a provincia contava para
mais de 40 clubs .
Mais do que o partido de Pernambuco, o do Rio Grande
deixou-se influenciar pela politica de Augusto Conte. Ahi
está a organisação politica actual do Estado, modelada exclu
sivamente sob taes principios e dando logar a uma profunda
divergencia de opiniões dos seus habitantes, que procuram
resistir contra o positivismo que inspirou tão profundamente
a sua constituição.
Eis em uma ligeira synthese o movimento da propaganda
em todas as provincias antes da revolução.
III

SUMMARIO

A propaganda no municipio neutro. Constitue -se como o centro mais activo da


propaganda pela imprensa . Os primeiros jornalistas. Lopes Trovão. A
propaganda se faz mais pelos esforços pessoaes do que pela acção do par.
tido. Resultado destes esforços. Tentativa da organisação do partido.

Propositalmente deixamos o estudo da propaganda no


antigo municipio neutro para depois que a estudassemos em
302

todas as provincias . Por isso mesmo que nellas o movimento


se communicava com o centro que recebia o prestigio e o
apoio das convicções locaes, ficaria melhor definida a propa
ganda da Capital do Imperio, depois que o leitor se habili.
tasse a apanhar bem a feição e o caracter do movimento nas
provincias.
Para a propaganda do municipio neutro estabelecemos o::
mesmos periodos que temos estabelecido para aa propaganda
em geral , ainda que n'elle o partido nunca alcançasse a orga
nisação homogenea, disciplinada e compacta de São Paulo e
Rio Grande do Sul . Si isto é uma verdade, não é menos ver
dade tambem que o movimento nesta porção do Imperio,
ligado mais aos esforços individuaes dos republicanos, do que
á direcção intelligente de um partido, inspirava e dirigia a
propaganda nas provincias. Ahi nasceu o primeiro brado em
favor da Republica, o manifesto de 1870 , notavel documento
politico que se constituio como uma fonte de inspirações da
propaganda ulterior e uma animação ás tendencias de revolta
ás instituições vigentes. Ahi a imprensa pelos esforços de
Quintino Bocayuva, Aristides Lobo, Saldanha Marinho, Ba
rata Ribeiro e outros patriotas, traçava quasi que diariamente
a orientação republicana e golpeava fundo os defeitos da
instituição, salientando seus erros, e sua inadaptação ao meio
americano.
Isto exprimia o concurso mental da propaganda, abrindo
uma larga via de sympathias e de adhesões pela nova idéa e
circumdando o antigo regimen de uma atmosphera de impo
pularidade. Pelo lado do trabalho da imprensa, desde o anno
de 1870 á segunda phase do partido em Maio de 1888 , o mu
nicipio neutro podemos apontar como séde mais rica e intelli E

gente da collaboração mental, em relação a qualquer outra


provincia. O combate iniciou -se nas columnas da Republica,
onde fôra publicado o manifesto de 1870 , jornal que sob a
redacção de Quintino Bocayuva foi editado pela segunda vez
em 1873, pelo assalto que lhe fizeram as dedicações monarchi .
cas nas noites de 22 e 23 de Fevereiro de 1873. A este esforço
allia- se o da mocidade academica dos estudantes do Rio de
303

Janeiro que depois de ter fundado O Radical Academico,


O Centro Academico (1872) , furidava em 1873 A União sob a
redacção em chefe de Lopes Trovão, cujo concurso na vida da
imprensa republicana foi notavel, não só pela ousadia do seu
vigoroso talento e a sinceridade de suas convicções, como
pela parte que tomou na creação de orgãos republicanos.
Assim não só elle collabora e redige estes jornaes, de que
acabamos de fallar, como a Gazeta da Noite ( 1879) , O Grito do
Povo, O Combate, (1880) do qual foi um dos fundadores e re
dactores com Arthur de Oliveira, Felinto de Almeida, Julio
de Vasconcellos, Adelino Fontoura ee outros . Não menos im
portante é a phase mais recente da propaganda. Muitos foram
os jornaes por ella creados . Destacaremos o Correio do Povo,
orgão redigido por Sampaio Ferraz e Chagas Lobato e as co
lumnas republicanas do Paiz, do Diario de Noticias, redigidas
por Aristides Lobo e da Gazeta de Noticias, por Silva Jardim .
Aos esforços da imprensa reuniram -se os da tribuna e então
seria longo enumerar aquelles que nos clubs puzeram em
favor da propaganda a eloquencia da palavra,
Não era a custa dos esforços de um partido organisado
que de facto nunca existio na capital do paiz, que a idéa ca
minhava, retirando das instituições monarchicas dedicações
até então existentes . Não era pela acção organisadora, pelo
espirito de disciplina, pela homogeneidade e unidade de di
recção que no antigo municipio neutro se engrossavam as
fileiras republicanas. Tudo o que hoje a historia registra como
sagrado escrinio das dedicações democraticas que não trepi.
daram em affontar as iras dos dominadores do tempo e que
não se resfriaram em face dos meios de lucta e das persegui
ções com que o Imperio entendeu enfrentar a propaganda ,
tudo isto é mais o resultado de esforços pessoaes do que de
esforços de partido. E' em nome destes esforços que Lopes
Trovão affronta as iras do governo, dispertando a resistencia
da opinião contra o imposto do vintem ; que José do Patroci
nio , João Clapp e seus companheiros assestam baterias contra
a olygarchia agricola e batalham em favor dos direitos da
liberdade de uma raça ; que Silva Jardim , Barata Ribeiro,
304

Cyro de Azevedo alastram com os meetings e conferencias o


enthusiasmo popular, pondo a preço das iras do mundo offi
cial a sinceridade de suas convicções ; que os redactores da
imprensa republicana, sem as garantias do livre direito da
critica, se tornam o pasto insaciavel da policia e da capanga
gem em um delirio de perseguições que chegou ao extremo da
destruição material das typographias, centros onde se elabo .
rava o pensamento republicano e ao extremo da prohibição de
um viva á Republica ; que Quintino Bocayuva , convergia a
habilidade e a diplomacia de sua penna para as questões mili
tares , avivando na consciencia publica o desprestigio a que
tinha chegado o principio da autoridade em face das forças
armadas, animando -as nos assomos de independencia ; que
Aristides Lobo traçava a linha vermelha de um radicalismo
intransigente, levando a convicção da opinião publica os erros
do programma financeiro do Ministerio 6 de Junho, que pro
curou crear o credito hypothecario entre nós , por uma série
de medidas decretadas com o nome de auxilios á lavoura ,
quando o intuito que as elaborou foi o falseamento e a cor
rupção do voto , para assegurar uma maioria parlamentar do
liberalismo aulico ; que Erico Coelho , Barata Ribeiro e Do
mingos Freire, no recinto da congregação da Faculdade de
Medicina, lançavam o germen da emancipação do ensino offi
cial , avivando o enthusiasmo democratico da mocidade acade
mica que abria clubs , creava jornaes e sociedades em toda
parte ; que Domingos Freire, como paranympho dos douto.
randos , convida o Imperador a tornar-se rei republicano,
comparticipando assim da patriotica aspiração nacional , pro
vocação a que o soberano respondeu nas celebres phrases –
havemos de fallar quando o senhor estiver mais calmo, hei de
convencel-0— ; que Silva Jardim offerece em holocausto sua
vida ao odio sanguinario da guarda negru na mashorca de 30
de Dezembro ; que o espirito da propaganda converge os
esforços para a creação de clubs, destacando - se o de Tiraden
tes, a mais nobre instituição d'aquelles tempos , que ainda
hoje perdura e onde se organisou o batalhão Tiradentes, bel
lissima expressão do « ivismo e do patriotismo ; que Monteiro
305

Manso impunha a abolição do juramento e fidelidade ao Im


perador, no seio do parlamento, como sello indelevel das de
dicações monarchicas da representação nacional ! E isto tudo,
esta somma de esforços , inspirados todos elles na sinceridade
de opiniões politicas, dava em resultado o exaltamento da idéa
e a sua generalisação pelas camadas populares .
Não era resultado de uma obra de partido e sim a somma
de esforços puramente pessoaes .
Como trabalho de partido organisado, dependendo exclu
sivamente de um programma utilitario que deixasse vestigios
e que animasse a propaganda, nada foi feito. Basta dizer que
a idéa republicana não se consubstanciou em um partido or
ganisado. De facto . Publicado o manifesto de 1870 , organizou
se em 1872 um directorio republicano, do qual faziam parte :
Saldanha Marinbo, Pedro Bandeira Gouvêa, Francisco Cunha ,
Quintino Bocayuva, Salvador de Mendonça , Ferreira de Me
nezes e Eloy Ottoni.
Seu primeiro acto foi convidar os correligioparios então
existentes para organisar e incorporar a idéa em um partido,
dando - lhe uniformidade e direcção, o que teve lugar em 15 de
Dezembro de 1872. D'ahi em diante o partido cuja organisação
não alcançou passar do papel ao terreno pratico, quasi que
desappareceu, ficando entretanto os seus elementos componen
tes , a sua tradição, sujeitos á orientação mental de Saldanha
Marinho, figura legendaria na Republica e a quem de direito
pertencia a posição com que lhe honraram seus correligionarios.
Nestas condições permaneceu a idéa republicana no municipio
neutro , entregue á dedicação pessoal de seus adeptos até 1886
(Setembro) quando de novo se reunem os republicanos para
organisar o partido, installando -se em 1886 a assemblea con
stituinte que elaborou a lei organica e em 1887 o Congresso
Republicano Nacional. Ainda a idéa não alcançou definir -se em
partido. Só enn meiados de 1888, quando de novo se reunem os
elementos profundamente augmentados pelo choque que já se
havia operado nas instituições juradas, foi que o processo da
organisação se iniciou e seguio as suas phases tanto mais suc
cessivas , quanto se repetiam as adhesões pela Republica. En
V. 1 20
306

tão elege -se uma commissão organisadora ( 1 ) , convoca-se um


congresso para os meiados deste anno que celebra tres sessões ;
comprebende - se a necessidade de fazer do partido do municipio
o traço de união para com os partidos das provincias ; procura
se dar á fórma partidaria um cunho nacional por meio de um
comicio republicano em que as aspirações partidarias das pro .
vincias fossem representadas .
Isto teve lugar em S. Paulo, pelo começo de 1889 , quando
fci sagrado chefe o Sr. Quintino.
Eis em sua synthese a mais gerala marcha da organisação
do partido no municipio neutro.

( 1 ) A commissão reorganisadora era composta do Dr. Candido Barata , presi


dente ; Dr. Silva Jardim , secretario ; Esteves Junior, thesoureiro ; Sampaio Ferraz e
Ubaldino do Amaral. Reunem - se no Hotel de França e adherem ao partido grande nu .
mero de negociantes da cidade do Rio de Janeiro.
CAPITULO IV

As fórmas republicanas da propaganda


SUMMARIO

Tres formas do principio republicano . Causas deste facto . As tres formas são re
presentadas nos tres paizes – França,'Suissa e Estados t'nidos. A federação
foi a forma para que convergio a idén republicana, como resultado de causas
historicas. Caracter politico da Inconfidencia de Minas. Falta -lhe a aspiração
federalista . Caracter politico da revolução de 1817 em Pernambuco . A mesma
ausencia da aspiração federalista . Razão historica . Governo provisorio . Sessão
de 8 de Março. O discurso de José Luiz de Mendonça. Caracter militar do mo.
vimento . Falta de preparo dos seus autores. Sua proclamação. Actos do governo
provisorio.

A evolução geral da idéa republicana nos paizes em que


ella se tem constituido como o principio basico das organisa
ções politicas, abrio-lhe uma triplice corrente de desenvolvi
mento que lhe fez revestir tres fórmas muito distinctas.
Ligado esse facto a causas que não affectaram a natureza
intima do principio politico em si, não deixou de imprimir
modificações tanto mais importantes , quanto revelam differen
ças profundas no meio social em que se implantou e se
desenvolveu .
A influencia das causas physicas, moraes e intellectuaes ,
não deixando de repercutir no typo em que se devia vasar a
organisação politica ; os precedentes historicos dos povos pro
fundamente poderosos para influir na natureza de uma insti
tuição politica ; o seu gráo de cultura, tão diverso entre os
paizes, por uma differença de processos de emancipação e de
educação, todos estes factos foram de grande alcance para
complicar a forma republicana com tres typos bem diversos
entre si .
E estas differenças não podiam deixar de operar modifi
cações na forma de governo, fazendo - a revestir um triplice
caracter, adaptado ás condições historicas em que ella nasceu
308

е
se desenvolveu. Ainda que o principio politico, a idea
capital , não se desvirtuasse sob a acção differencial dos agen
tes , todavia nos pontos secundarios de organisação, não re
vestiu uma unidade de fórma.
Assim temos a França com a forma de governo republi
cano sob o typo unitario e parlamentar, a Suissa com a mesma
fórma de governo, com o typo cantonal e os Estados Unidos
sob o typo federativo e presidencial .
Não nos compete aqui dar a razão historica desta triplice
fórma do principio republicano nesses tres paizes. Appellamos
para este facto, simplesmente no intuito de vermos qual a
fórma que revestio a idéa republicana no desenvolvimento que
The imprimiram os nossos factores historicos , procurando por
este meio vêrmos para qual das tres fórmas convergio a
tradição historica do principio democratico.
Na natureza politica dos movimentos revolucionarios,
que a nossa bistoria registra, éé que devemos ver a forma que
quiz revestir a idéa republicana.
Incontestavelmente ella convergio accentuadamente para
a federação, por isso que em nome da autonomia local e para
resistir contra a absorpção do governo central, foi que se de.
senvolveu e se activou a propaganda republicana. A federação
está, pois, na tradição hisotrica do partido e constituio-se
como a sua mais accentuada aspiração. E ' o resultado dos fac.
tores que a desenvolveram e das causas que geraram a idéa
republicana. Basta, para proval-o, passar um olhar retrospec
tivo sobre os movimentos revolucionarios do começo do seculo
para cá .
Na Inconfidencia de Minas, grande movimento politico e
berço das nossas tradições republicanas, a federação não é
uma realidade historica em redor da qual se agrupassem os
autores do movimento .
Elle antes se caracterisa pela aspiração indefinida , in
decisa mesmo da Republica, como a expressão do sentimento
popular contra as violencias e arbitrariedades da autoridade
legal e sua influencia lesiva sobre os interesses economicos da
capitania, com um regimen tributario profundamente pesado
309

e oppressor, do que por um trabalho combinado, organisado


e bem homogeneo, descendo ás minucias da forma politica em
que devia consubstanciar- se a revolução.
Appellaram para a Republica como para um meio de
reagir contra a situação official do momento . Ainda que no
meio das forças mentaes e directoras da revolução estivesse o
contingente de homens educados na Europa e dominados pela
impressão da independencia e da organisação politica dos Es .
tados -Unidos , todavia não podemos asseverar que a federação
se constituisse como uma de suas aspirações. Ha uma grande
falta de documentos politicos que esclareçam esse ponto.
Parece que convergiam mais para a conquista da inde.
pendencia da capitania, do que para sua federação, aspiração
inadaptada ás condições politicas do tempo e da época .
Na revolução de 1817 de Pernambuco, não deixa de
haver a mesma indecisão a respeito da aspiração federalista,
ainda que o movimento fosse mais accentuadamente repu
blicano .
Uma razão historica explica a ausencia dessa aspiração.
No regimen colonial a centralisação era mais em favor dos
interesses da metropole do que do proprio paiz e do go
verno que empunhava as redeas da administração publica.
Lisboa se constituia mais como um centro activo da politica
e dos interesses do Brazil, em maior gráo do que o proprio
Rio de Janeiro .
Só depois da emancipação politica esta ultima cidade
tornou - se o centro mais activo da vida nacional, convergindo
para ella todas as forças vivas da nação. D'ahi em diante
iniciou -se o depauperamento dos governos provinciaes em
favor do governo geral. E só então teria razão de ser a aspi.
ração federalista , como uma resistencia a esta plethora do
centro. Antes da emancipação politica, o movimento revolu
cionario só podia resistir contra o regimen colonial e con
vergir para a Republica como um idéal de independencia da
Patria .
A pura fórma republicana era, pois, o ponto convergente
da diathese revolucionaria do tempo .
310

Sobre os interesses dos governos locaes não tinha ainda


repercutido a acção absorvente da centralisação instituida
pelo Imperio . Até então elles só sentiam essa acção que tanto
affectou -lhes a economia, por influencia da metropole. E' na
tural pois que estes interesses prejudicados , resistissem
contra ella e appellassem para a liberdade e a emancipação
da Patria.
E esse sentimento tanto mais se accentuava, quanto
lavrava fundo o odio entre estrangeiros e nacionaes, odio
que já tinha dado logar em Pernambuco á revolução dos
mascates.
E' esta a expressão da revolução de 1817 .
Vencedora a revolução contra o governo legal de Cae
tano Pinto, em Março de 1817, organisou-se um governo
provisorio, eleito por um numero restricto de eleitores, 15
cidadãos no paço do Erario do Recife. Os eleitos foram :
João Ribeiro Pessoa de Mello ( padre ); capitão Domingos
Theotonio Jorge Martins Pessoa ( militar ) ; José Luiz de
Mendonça (magistrado ) ; coronel Manoel Corrêa de Araujo
( agricultor ) ; Domingos José Martins ( commerciante ). (1 )
Passada a primeira impressão da victoria, suffocado o
enthusiasmo que domina todo o acontecimento popular, em
emergencias revoluciunarias, entrou o governo provisorio a
deliberar sobre a nova ordem de cousas que fôra instituida.
Era enorme a responsabilidade que pesava sobre aquelles
que compunham o novo governo para não permanecerem na
esterilidade das glorias de um triumpho, sem que medidas
que attendessem ás necessidades do bem publico viessem
captivar a confiança popular e abrir uma corrente de dedi .
cação e sympathia pela revolução. O governo entrou a deli.
berar em sessão de 8 de Março. Foi uma das reuniões mais
celebres do governo revolucionario .
D'elle fazia parte José Luiz de Mendonça, a quem foi

entregue a administração dos negocios da justiça publica.

(1) F. Muniz Tavares Rev, de l'ernambuco, em 1817, pag. 52.


311

Espirito prudente , illustrado e profundamente pratico nos


negocios, rompeu o debate no seio do governo, sendo as suas
palavras uma especie de ducha fria no meio da effervescencia
republicana que dominava o governo. Tendo-se constituido
como factor da revolução e uma das suas melhores collabo .
rações mentaes, pareceu e quiz recuar do objectivo a que já
tinha ella chegado, justamente quando a sua consciencia lhe
avivou na posição em que estava a grande responsabilidade
da nova ordem de cousas .
Foram estas suas palavras dirigidas aos seus collegas :
“ O governo republicano é o unico digno dos homens no
estado social. Filho do direito que cada um tem de se dirigir
por si mesmo, elle representa o direito, que tem a totalidade,
ou ao menos, a maioria da nação, de governar a propria na
ção. Esta igualdade, que assenta no sentimento christão e na
philosophia politica mais esclarecida, é tão accessivel á razão
que somente podem oppôr-se á Republica os que, por má fé
ou maldade, fingem desconhecer a sua primazia, dizendo vêr
perigos onde não ha senão vantagens, ou os que não têm a
menor noção do que seja a instituição a que se chama governo.
6
“ Tendo por incontestaveis estas verdades , devo declarar
comtudo que, em certas circumstancias a Republica pode ser
a morte da liberdade, não obstante a sua origem divina. Na
quellas sociedades onde só ha uma raça de homens, e o grau
de instrucção de uns regula pouco mais ou menos pelo dos
outros , a Republica deve ser preferida a qualquer forma de
governo.
6
" Fazendo applicação destes principios ao nosso Pernam
buco, ou antes ao Brasil , eu tenho pezar em reconhecer que
somos um povo a que faltam ainda as essenciaes condições para
o estabelecimento do governo republicano : porquanto, além
de termos em nosso seio todas as raças , sem excluir a mais
aviltada pela escravidão, o governo que até ante - hontem tive.
mos , foi o absoluto .
“ Tudo pois o que existe não só na ordem politica, mas
na social , está claramente indicando que do estabelecimento
da Republica entre nós , sem falarmos no modo violento por
312

que substituimos o governo real, não podemos esperar bens ,


senão males .
" Já tive occasião de revelar a minha verdadeira fé poli
tica, quando se tratou das bases da capitulação. Quero a liber
dade. Quero a Republica. Mas entendo que, para termos aquella
hoje, não é necessario que estabeleçamos esta. Antes de uma
completa fusão das nossas raças, que faça desapparecer 0o pre
conceito de primazia ; antes do desapparecimento da escravidão ;
antes do melhoramento das fortunas particulares, ainda tão
desiguaes entre nós ; antes de estarem generalisadas a instruc
ção, as profissões e industrias que são as bases da indepen .
dencia individual, não devemos pensar em fundar uma inde
pendencia social tão ampla como a que exige a fórma repu
blicana.
6
“ Entre a Republica e o absolutismo, ha uma forma de
governo mais branda que o ultimo, e menos exigente que a
primeira. Quero referir-me ao governo constitucional, no qual
se fazem menção dos direitos do rei, e os direitos do povo ;
onde os reis têm obrigações , e não sómente direitos ; onde ha
meios de refrear as paixões e os caprichos reaes sem pertur
bações publicas , mas unicamente em nome da constituição ;
onde os povos podem ser felizes , porque os reis não podem
ser oppressores .
" Tenho reflectido maduramente no grave ponto da nossa
6

fórma politica. As minhas reflexões talvez por curteza da mi


nha intelligencia, geraram -me no espirito esta convicção –
que, para não ser de todo perdida a nossa preciosa revolução,
devemos seguir caminho algum tanto differente. Serei franco
e leal na revelação dos meus sentimentos .
" Foi Caetano Pinto a causa do desgosto, cuja explosão
inspirida deu em resultado aa presente ordem de cousas . Foi eile
que planejou levar as lagrimas e o luto ao seio das nossas fa
milias ; foi elle que, por suas ultimas maldades e violencias ,
nos forçou a pegar das armas contra o governo de el - rei .
“ Ora, porque o delegado, ou o representante de um go
verno converte em força compressora a lei , que só lhe foi con
fiada para segurança do socego, da propriedade e da vida dos
313

particulares, não se segue logicamente que, na reacção contra


o que abusou dessa força, alcancem os que reagem áquelle
que no abuso não teve a menor parte .
" Entendo por isso, e sugeito o meu parecer á delibera
ção do governo provisorio, que remettendo esse governador
para a côrte, devemos remetter a el -rei um submisso memorial
em que ;
-1 ° Sejam expostos os motivos que compelliram os per
nambucanos a ultrapassar os limites da obediencia .
* 2 ° Se solicite a revogação dos impostos mais duros que
estamos soffrendo .
5-3° Se peça uma constituição em que venha convenien
temente limitado e regulado o poder dos capitães -generaes,
afim de que não possam estes abusar, ou no caso de abuso,
encontrarem nas leis a devida repressão. " ( 1 )
Por maiores que fossem as suspeitas que estas palavras
lançassem no seio do governo provisorio, traduziam entretanto
um fundo de verdade, brilhantemente comprovada nas con
dições da educação politica do paiz. O movimento não se de
teve em face dos conselhos de Mendonça. Chegou francamente
á Republica como a sua real caracteristica e verdadeira aspi.
ração. Entretanto , os proprios revolucionarios não estavam
preparados para a obra. Quasi que foram apanhados de sur
preza por um incidente militar, ainda que a elaboração do
movimento viesse de longa data , ligando- se a factos que se
operavam no meio da sociedade pernambucana e á causas
economicas , financeiras, sociaes e politicas que affectavam a
vida politica e financeira da capitania. De facto, as guerras
no Rio da Prata tinham feito convergir para essa região
grande parte da força de linha. quasi toda composta de ele
mentos europeus . Houve necessidade, por conseguinte, de
supprir essa falta com os corpos de milicia, que passaram
então a guarnecer as capitaes das capitanias. Isto deu logar
a aggravar- se ainda mais o odio entre officiaes nacionaes e
estrangeiros . O elemento civil não deixava de explorar a si

( 1 ) Redista Brazijeira , pags. 51 a 53.


314

tuação. As reuniões se repetiam em casa de homens de pres


tigio politico, acirrando-se ainda mais as rivalidades entre
brazileiros e europeus , até que uma ordem de prisão por con
selho de 5 de Março de 1817 , feito só por officiaes estrangei
ros , foi lavrada contra officiaes brazileiros.
Isto foi a bomba que explodio e trouxe á rua a revolução
que foi victoriosa, sem trazer um plano de governo, um pro
jecto de organisação politica, tendo comsigo sómente a dedi
cação e as boas intenções dos seus autores. Na propria
proclamação que dirigiram ao governo vem somente regis
trado como sua causa significativa o regimen de privilegios
em cuja posse vivia o elemento estrangeiro, com a acquies
cencia da autoridade constituida , contra os interesses dos na
cionaes . Não é um documento politico que seja o thermometro
da alta capacidade dos chefes . Limita -se a justificar a revo
lução sem trazer ao conhecimento da opinião o programma
em nome do qual ella assumio a gerencia dos negocios publi
cos e termina appellando para o concurso dos pernambuca
nos , cujos interesses ella ha de procurar zelar , defender e
prosperar . ( 1 )
" Pernambucanos, estae tranquillos, apparecei na Capi
tal , o povo está contente, já não ha distincção entre Brazilei
ros e Europeus , todos se conhecem irmãos, descendentes da
mesma origem, habitantes do mesmo Paiz, professores da
mesma Religião. Um governo provisorio illuminado, escolhi.
do entre todas as ordens do Estado, preside á vossa felicidade ;
confiae no seu zelo e no seu patriotismo. A Providencia que
dirigio a obra, a levará ao termo. Vós vereis consolidar - se a
vossa fortuna, vós sereis livres d) peso de enormes tributos ,
que gravam sobre vós ; o vosso e nosso Paiz , subirá ao ponto
de grandeza, que ha muito o espera e vós comereis o fructo
dos trabalhos e do zelo dos vossos Cidadãos.
• Ajudae-os com os vossos conselhos, elles serão ouvidos;
com os vossos braços , a Patria espera por elles ; com a vossa
applicação á agricultura, uma nação rica é uma nação pode.

( 1 ) Francisco Muniz Tavares - Revolução de Fernambuco, jeg 157.


315

rosa .
A Patria é a nossa mãe commum, vós sois seus filhos,
sois descendentes dos valorosos Lusos , sois Portuguezes , sois
Americanos, sois Brazileiros , sois Pernambucanos."
Sem o preparo para a obra que intentaram não podiam
ir além do que fizeram . Sob o peso da pressão do elemento
militar, sem o qual a victoria não seria uma realidade, decre
tam promoções e augmentam os soldos . Mudam as côres da
bandeira e instituem uma nova. Supprimem as insignias e
distincções e as condecorações e substituem o tratamento offi
cial pelo tratamento de Vós.
Suspendem a liberdade de locomoção, privando a sahida
de estrangeiros do porto do Recife, sem prévio consentimento
do governo ; embargam toda a propriedade de subditos por
tuguezes para aa garantia de actos futuros do governo ; sus
pendem muitos impostos que pesavam sobre a agricultura e
fazem reverter para o erario a cobrança do imposto em favor
da Junta do Commercio da Côrte ; dão caracter official á Com
panhia Pernambucana, instituição agricola creada para em
prestar dinheiro á lavoura, e que incarnava em si o maior
monopolio contra os interesses da agricultura. Cream bata
lhões e regimentos de milicia, como elemento de defesa mate
rial á nova ordem de cousas : eis ali os actos administrativos
e politicos do governo provisorio. Ainda que a revolução se
estendesse a Alagoas, Rio Grande do Norte e Parahyba, onde
se organisaram juntas governativas, todavia seus recursos
foram insufficientes para mantel- a e fazel - a resistir aos planos
de ataque com que o regimen real a enfrentou para abafal- a.
Dessa incumbencia encarregou- se o Conde d'Arcos , gover
nador da Bahia e a victoria custou o martyrio de muitos pa
triotas e o sacrificio de vidas de outros que nas prisões , no
desterro, no cadafalso, pagaram a ousadia de terem attentado
contra a tyrannia da autoridade e a falta de patriotismo da
instituição
316

SUMMARIO

pevolução de 1817 é mais emancipacionista do que federalista . O contrario da re .


volução de 1894. Sua feição sui generis. Differenças dit situação politica do
paiz nas duas épocas. Influencia da dissolução da constituinte . Data da
aspiração federalista . Seus excessos. Chega ás raias do separatismo. Per.
nato buco é o berço dessa aspiração . Causas proximas da revolução de 1824 .
Seu começo. Eleição do governo provisorio. Resoluções dos collegios de
Olinda e Recife . O povo rejeita o delegado imperial. Voto de Caneca.
Dous governos. Opinião de Caneca sobre o projecto de constituição. Suas
opiniós politicas. Proclamação da Republica. Primeiros actos do governo ,
Lei organica do estado .

Si a revolução de 1817 é mais a expressão de uma aspi


ração emancipacionista, com um cunho accentuadamente re
publicano, do que uma aspiração federalista, a revolução de
1824 , de que foi theatro tambem a provincia de Pernambuco,
offerece uma feição sui generis de autonomismo e de indepen
dencia local , a ponto de se distinguir do movimento anterior
que tanto lhe servio de berço e de estimulo, pela phase pre
paratoria de seu inicio e pela organisação politica em que ella
procurou vasar -se . De facto. A situação politica do paiz con
temporanea desse acontecimento era muito diversa d'aquella
em que rebentou o grito revolucionario de 1817 .
A emancipação do paiz era já uma realidade e este prepa
rava - se para organisar sua forma de governo e lançar as
bases de suas instituições. Uma camara constituinte já tinha
sido convocada para elaborar o direito constitucional da nação
e no exercicio de suas funcções tinha sido o objecto de um
profundo golpe de abuso de autoridade, que repercutio dolo
rosamente em todo paiz, resfriando as sympathias com que
havia sido saudado o regimen imperial e desejado o governo
constitucional. A dissolução da constituinte, inspirada na vai
dade pessoal do soberano, irritou os animos dos patriotas e
despertou então nas provincias os desejos da autonomia local ,
desligando -se ellas da jurisdição imperialista, cujo inicio fôra
sellado com um crime de estado . Esse sentimento dominou
então todo o paiz, accentuando - se na região do norte, onde as
317

tentativas de independencia já tinham feito victimas e heroes.


D'ahi data a aspiração federalista . Essa aspiração rompeu
mesmo as raias da federação. Chegou aos desejos separatistas
que foram nutridos como uma resistencia ao regimen monar
chico, que iniciava a phase constitucional da nação com uma
série de actos arbitrarios ee criminosos . Aos desejos da inde
pendencia e da emancipação nacionaes, em redor de que
gyrava toda a politica, antes de 7 de Setembro, associou - se o
ideal federalista e mesmo separatista das provincias, depois
do golpe de 12 de Novembro. E esse ideal tornou - se a fórma
politica do principio republicano d'ahi em diante, tanto mais
individualisado e caracteristico da propaganda, quanto a ab
sorpção do centro annullava a independencia e autonomia
locaes, creando- se o regimen centralisador como regimen
basico da politica monarchica. Os proprios partidos consti
tucionaes , algumas de suas fracções, tenderam para a fede
ração, como, para uma formula constitucional da monarchia.
Ahi está o projecto approvado pela Camara dos deputados em
13 de Outubro de 1831 em que estabelecia como forma do go
verno do Brazil a Monarchia Federativa .
Foi Pernambuco principalmente o theatro do primeiro
niovimento republicano de caracter federalista que se seguio
á dissolução da constituinte, ainda que em outras provincias
do norte, como Bahia, a agitação popular que se seguio ao
golpe de estado servisse de medida das liberdades ee autonomia
locaes que ellas queriam possuir e defender. Em Pernambuco,
porém , o movimento é mais completo, mais franco e decidido.
.. Desde a Cisplatina até a Babia não houve quasi locali
dade que lhe não applaudisse o acto da dissolução da assembléa,
tomando a camara de S. Paulo a iniciativa e dando o exemplo
de enviar-lhe um officio de congratulação e agradecimento, no
que foi por muitas outras seguida e acompanhada. Acolheram
com jubilo igualmente os novos presidentes nomeados para
administral-as, e cujas escolhas recahiram em geral em pessoas
sizudas e discretas . (1 )

( 1 ) Pereira da Silva - Historia da Fundação do Loper ic Brasieiro, pag. 242.


318

A chegada dos deputados de Pernambuco á capital da


provincia e a publicação do manifesto em que expunbam o
golpe de estado, não podiam deixar de produzir grande agita
ção na opinião. A villa de Goyanna proclama-se independente
do governo do Rio de Janeiro ee da Junta do Recife, que, sem
elementos de governo, se dimitte de suas funcções , em pre .
sença de um conselho que se reunio a 13 de Dezembro e que
elegeu uma outra de que faziam parte Manoel de Carvalho
Paes de Andrade presidente, secretario José da Natividade
Saldanha, e conselheiros Bernardo Luiz Ferreira Portugal ,
Francisco Xavier Pereira de Brito, Manoel Ignacio de Car
valho, Luiz José Cavalcanti Lins, Felix José Tavares de Lira
e Bento Joaquim de Miranda Henriques . Acclamou- se igual.
mente para governador das armas o coronel José de Barros
Falcão de Lacerda, que acabava de servir no exercito liberta
dor da Bahia como chefe de brigada. (1 ) Eleita esta junta por
um numero restricto de eleitores, convocou ella mesma o corpo
eleitoral da provincia para eleger o seu governo, ratificando
se a eleição anterior com pequenas modificações. Este pleito
teve lugar a 8 de Janeiro, quando os collegios de Olinda e do
Recife tomaram duas resoluções ---- uma que a provincia não
elegeria novos deputados áá segunda assembléa convocada por
D. Pedro, porque « tendo a provincia já escolhido aquelles a
quem incumbira de firmar o pacto social e não tendo elles con
cluido essa soberana commissão e nem prostituido o seu ca
racter, está contrario á dignidade e decoro da provincia nomear
novos, e mesmo era opposto a direito, porque os procuradores ,
depois de se fazerem senhores do negocio, não podiam ser ex .
pulsos senão por prevaricação, ou suspeita, o que não existia
nos dignos deputados da provincia ; e porque tambem o facto
da dissolução do congresso não era dissolutivo dos direitos dos
povos em conservarem os seus mesmos representantes ( 2 ) " outra
que " comquanto pela Lei de 22 de Outubro de 1823 , promul .
gada pela assembléa constituinte, pertencesse ao Imperador a

( 1 ) Pereira da Silva Obr. cit . , pag. 260.


( 2 ) Palavras textuas das actas , Pereira Pinto Noticia Historia,
319

escolha dos presidentes de provincia, procediam os eleitores


á eleição de um presidente para a de Pernambuco e de uma
junta que o coadjuvasse no exercicio da autoridade, em atten
ção á gravidade das circumstancias ; que, posto voz corresse
já de que nomeara o governo do Rio de Janeiro para aquelle
cargo o cidadão Francisco Paes Barreto, não o considerando
os eleitores habilitado para o emprego, esperavam que o Im
perador rivalidasse a eleição de Manoel de Carvalho, que go.
vernaria, emquanto se não desvanecessem as esperanças do
povo, nascidas do acto despotico da dissolução da constituinte " ,
" a que estavam dispostos a resistir corajosamente. ” (3)
Todas essas resoluções foram communicadas ao principe
que nem por isso deixou de nomear para Presidente de Per
nambuco a Francisco de Paes Barreto, a quem Manoel de Car
valho, presidente eleito, não quiz entregar a administração,
quando se apresentou em Olinda com a carta imperial . Re
uniram-se então no paço da camara de Olinda os representantes
das camaras do Limoeiro, Pau d'Alho, Recife , Iguarassú e
Cabo e resolveram não reconhecer a autoridade de Paes Bar
reto .
Estava aberto o conflicto. A revolução começava pelo
exercicio autonomo do direito do voto na organisação do go
verno local . Ainda a provincia não tinha roto os laços de obe
diencia á autoridade imperial e já o exercicio desse direito era
uma realidade. E no primeiro acto de hostilidade apparece logo
a figura saliente da revolução de 1824 – Frei Joaquim do
Amor Divino Caneca uma das cabeças mais luminosas deste
seculo na America do Sul . No congresso dos representantes
das camaras para resolver sobre o principio de autoridade de
Paes Barreto, disse Caneca :
6
“ Convidado eu , como membro do corpo litterario desta
praça , por officio de 5 deste, para que unido aos demais cida
dãos desta provincia tratasse da tranquilidade e segurança da
mesma que se acha ameaçada desde que aqui appareceu a carta
de S. M. I. e C. , pela qual elegia para presidente politico du
e
)

( 3 ) Idem , idem - ( br. cit . , etc.


320

provincia ao morgado do Cabo, Francisco Paes Barreto, eu


iria de encontro aos meus sentimentos patrioticos, se acaso
deixasse ficar embalado na rêde da indolencia, e não viesse
ter parte nos trabalhos dos meus compatriotas, correndo o
mesmo risco delles em dizer com franqueza a minha opinião
sobre a materia inteiramente espinhosa e arriscada. Trata -se
deste respeitavel ajuntamento dos pernambucanos mais distin
ctos por suas luzes , suas virtudes moraes e civicas, pelo mais
apurado zelo, pelo bem do seu paiz, si acaso attendendo- se
unicamente á nomeação feita por S. M. I. a favor de Fran
cisco Paes Barreto, para presidente politico desta provincia,
dever-se- á dar posse ao dito nomeado.
- Se nada mais devesse entrar em linha de calculo, que
a autoridade do mandante, e os officios de obediencia dos man
dados , estava a questão resolvida. Nada restava a dizer-se
senão que se deve dar posse ao eleito por S. M. Mas como o
problema não tem a simplicidade que parece á primeira vista,
e se acha revestido de muitas e ponderosas circumstancias ,
que não são para serem desprezadas , a primeira resolução é
irracional, injusta e inexequivel ; pois que não abrange tudo
que devera comprehender. Por isso vóto, que se pão admitta
na presidencia da provincia o dito Francisco Paes Barreto ;
e as razões, em que me estribo para assim opinar são deduzi
das das intenções de S. M. I. e C. , dos fins desta eleição, das
qualidades e sufficiencias do eleito e das consequencias desta
posse. ” ( 1 )
E depois de fundamentar o seu voto disse : “ Afinal , se
nhores, não é um direito constitucional o direito de petição ?
Poderá S. M. que por tantas vezes nos tem dito, que na sua
alma está gravada a monarchia constitucional, deixar de atten
der -nos como testifica o commandante da força raval ? E nós
já não usamos delle nos termos que deviamos ? Se S. M. não
recebeu as nossas reclamações, foi somente pela ma fé do seu
ministerio, e a malicia deste não deve damnificar o nosso di
reito ; e é um absurdo que o direito de petição se applique de

( 1 ) Frei Caneca Obras, pag . 24.


321

pois da morte do morgado. Este direito é não só estabelecido


para suspender os males , como tambem para previnil - os. Se
assim não fosse , estavamos no governo constitucional em peio
res circumstancias , do que no regimen absoluto. Neste se sus
pende a execução de qualquer ordem superior, emqanto se
offerecem a quem a dá as razões, que prohibem a sua execução ;
e si agora não tem esta mesma virtude, este direito vem a ser
illusorio e irrisorio ; pois é fóra de toda a razão e prudencia
que se deixem succeder os males , para depois se curarem , po
dendo ter prevenido os seus estragos. E por esta razão e pelas
mais , que hei produzido, que ultimamente digo, que se não
deve dar posse a Francisco Paes Barreto . ” (1 )
Organisam- se então dous governos - o de Manoel de Car
valho, delegado do povo, tendo por séde Olinda, e o de Paes
Barreto, delegado imperial, tendo por séde Barra Mansa, li
mite sul da provincia. A transação com que a politica impe
rial procurou resolver a crise, nomeando um outro presidente ,
não poz termo ao conflicto que não podia assumir a expressão
de uma questão de caracter pessoal, para ter seu derivativo
na substituição de uma autoridade. Ella affectava questões
de principios politicos. Repudiados os dous presidentes, o
povo do Recife nega -se a jurar o projecto de constituição, que
o soberano entendeu impor á nação. O governo da provincia
nada resolvia, em questões importantes, sem previamente
reunir o conselho e inspirar-se em suas opiniões. Foi em uma
destas reuniões que ficou deliberado não adoptar- se uma con
stituição outorgada á nação, em nome da violencia e da tyra
nia. A opinião de Frei Caneca foi sempre a luz que illuminava
as resoluções. Não podemos deixar de aqui transcrever tre
chos de seu voto sobre o projecto de constituição, por isso
que por elle póde- se aquilatar da orientação politica em que
se inspiravam o governo e a revolução. Os conceitos com que
Caneca regeitava o projecto, foram os mesmos que deviam
servir de base á organisação politica de Pernambuco. Eis suas
palavras ; " Sendo a nossa primeira e principal questão, em

( 1 ) Frei Caneca - Obras, pag. 30 .


v. 1 21
322

que temos empenhado os nossos esforços, brio e honra, a


emancipação e independencia de Portugal, esta não se acha
garantida no projecto com aquella determinação e dignidade
necessarias, porque primeiro no projecto não se determina
positiva e exclusivamente o territorio do Imperio, como é de
razão, e tem feito sabiamente as constituições mais bem for .
madas da Europa e da America ; e com isto se deixa uma
fisga, para se aspirar á união com Portugal ; o que não só
trabalham por conseguir os despotas da santa alliança e o rei
de Portugal , como o manifestam os periodicos mais aprecia
veis da mesma Europa e as negociações do ministerio portu
guez com o do Rio de Janeiro e correspondencia d'aquelle
rei com o nosso Imperador, com o que S. M. tendo dado for
tes indicios de estar de accórdo, não só pela dissolução arbi
traria e despotica da soberana assembléa constituinte , e
prohibição de outra que nos havia promettido, mas tambem
além de outras muitas cousas , porque se retirou da capital do
Imperio para não solemnisar o dia 3 de Maio, anniversario da
installação da assembléa, que por decreto era dia de grande
gala ; e no dia 13, dia dos annos do reidePortugal, S. M. deu
beija - mão no paço, e foi á ilha das Enxadas , onde se achavam
as tropas de Portugal vindas de Montevidéo, estando arvo
rada com o maior escandalo a bandeira portugueza ; segundo,
porquanto ainda que no primeiro artigo se diga que a nação
brazileira não admitte com outra qualquer laço de união ou
federação que se opponha á sua independencia, comtudo esta
expressão é para illudir-nos ; pois que o executivo pela sua
oita va attribuição (art. 102) póde ceder ou trocar o territorio
do Imperio ou de possessões, a que o Imperio tenha direito ;
e isto independentemente da assembléa geral ; terceiro, por
que jurando o Imperador a integridade e indivisibilidade do
Imperio, não jura a sua independencia .

" O art. 2º não pode ser mais prejudicial á liberdade po


litica do Brazil ; porque permittindo que as provincias actuaes
soffram novas subdivisões, as reduz a um Imperio da China ,
como já se lembrou e conheceu igual machiavelismo no pro
323

jecto dos Andradas o deputado Barata, enfraquece as provin


cias, introduzindo rivalidades, augmentando os interesses dos
ambiciosos para melhor poder subjugal - as umas por outras ;
e esta desunião tanto mais se manifesta pelo art . 83 , em que
se prohibe aos conselhos provinciaes, de poderem propôr e
deliberar sobre projectos de quaesquer ajustes de umas para
outras provincias, o fim nada menos é, que estabelecer a des
ligação das provincias entre si, e fazel -as todas dependentes
do governo executivo, e reduzir a mesma nação, á diversas
hordas de povos desligados e indifferentes entre si, para me
1 ::or poder em ultima analyse estabelecer-se o despotismo
asiatico .
" O poder moderador de nova invenção machiavelica é a
chave mestra da oppressão da nação brazileira e o garrote
mais forte da liberdade dos povos. Por elle o Imperador póde
dissolver a camara dos deputados, que é a representante do
povo, ficando sempre no gozo dos seus direitos o senado, que
é o representante dos apaniguados do Imperador. Esta mons
truosa desigualdade das duas camaras, além de se oppôr de
frente ao systema constitucional, que se deve chegar o mais
possivel á igualdade civil , dá ao Imperador, que já tem sua
parte o senado, o poder de mudar a seu bel prazer os deputa
dos , que elle entender, que se oppõem aos interesses pessoaes,
e fazer escolher outros de sua facção, ficando o povo indefeso
nos attentados do Imperador contra seus direitos, e realmente
escravos , debaixo porém das fórmas da lei, que é realmente o
cumulo da desgraça ; como tudo agora está succedendo na
França, cujo rei, em Dezembro passado, dissolveu a camara
dos deputados, e mandou-se eleger outros, foram ordens do
ministerio para os departamentos afim de que os prefeitos
fizessem eleger taes e taes pessoas para deputados , declaran .
do- se - lhes logo, que, quando o governo empregava a qual .
quer, era na esperança de que este marcharia por onde lhe
mostrassem a estrada . Demais , eu não posso conceber como
é possivel que a camara dos deputados possa dar motivos para
ser dissolvida, sem jamais poder dal-os a dos senadores.
A qualidade de ser a dos deputados temporaria, e vitalicia a
324

dos senadores , não só é uma desigualdade , que se redunda toda


em augmentar os interesses do Imperador, como é o meio de
crear no Brazil , que felizmente não a tem , a classe da nobreza
oppressora dos povos ; a qual só se tem attendido naquelles
povos , que foram constituidos depois de já terem entre si
seus duques, seus condes , seus marquezes , etc. E este é o
mesmo fim da attribuição undecima do poder executivo, que
na minha opinião é o braço esquerdo do despotismo, sendo o
direito o ministerio organisado da maneira que se vê no pro.
jecto.
- Podemos ministros de estado propor leis (art . 53),
assistir á sua discussão , votar sendo senadores e deputados
(art. 51).) Qual será a cousa, portanto, que deixarão elles de
conseguir na assembléa geral ? Podem ser senadores e depu.
tados (art. 30) , exercitando ambos os empregos de senadores
e ministros ; e o mesmo se diz dos conselneiros (art. 32) , ao
mesmo tempo que o deputado, sendo escolhido para ministro,,
não pode conservar um e outro emprego , isto além de ser um
estatuto sem o equilibrio, que deve haver entre os mandados
e o mandante, é um absurdo em politica, que aquelles que
fazem ou influem na factura das leis sejam os mesmos que as
executem ; e não se pode apresentar uma prova mais authen
tica da falta de liberdade do projecto, do que esta. E' por este
motivo, que diz o sabio cardeal Moury , que : 6. Todo o cida
dão que sabe calcular as consequencias dos principios politi
cos , deve abjurar uma patria em que aquelles que fazem as
leis , são magistrados, e onde os representantes do povo que
tem fixado a legislação , pretendein influir na administração
da justiça .” (1 )
- Pelos arts . 55, 56, 57, 58 e 59, a camara dos deputados
está quasi escrava da dos senadores, e o remedio que se ap
plica, no caso de discordia, me parece palliativo, obscuro e
impraticavel. Os conselhos das provincias são uns meros
phantasmas para illudir os povos ; porque devendo levar suas
decisões á assemblea geral e ao executivo conjunctamente,

( 1 ) A. Brasiliense - Os progranımas dos partidos, pag. 20 .


225

isto bem nenhum póde produzir ás provincias ; pois que o


arranjo, attribuições e manejo da assembléa geral faz tudo
em ultimo resultado depender da vontade e arbitrio do Impe
rador, que arteiramente avoca tudo a si , e de tudo dispõe a
seu contento e póde opprimir a nação do modo mais prejudi .
cial debaixo das formas da lei. Depois tira-se aos conselhos o
poder de projectar sobre a execução das leis , attribuição esta
que parece de summa necessidade ao conselho, pois que este,
mais que nenhum outro, deve de estar ao facto das circums
tancias do tempo, logar, etc. , da sua provincia, conhecimen
tos indispensaveis para a commoda e fructuosa applicação das
7
leis. " ( 1 )
Ahi estão bem definidas as formulas do direito constitu
cional que caracterisam o governo republicano federativo.
Caneca reclamava a favor da autonomia do governo local que
elle levava mesmo ás raias da soberania ; da independencia e
harmonia dos poderes politicos, não competindo a nenhum
delles a supremacia funccional, d'onde a contestação que offe
recia ao direito por parte do executivo de dissolver as cama
ras ; da igualdade dos dois ramos do parlamento, sem que o
senado fosse o objecto de prerogativas de que a camara não
podesse ser investida ; da prohibição dos ministros serem ao
mesmo tempo deputados e de proporem no recinto do parla
mento projectos de lei e reforma de governo.
Vê - se por ahi as mais correctas idéas não só da formula
federativa de governo, como do regimen presidencial, de que
se constituio a revolução de 1824 , a primeira e mais antiga
aspiração entre nós . Foi em nome destes principios que insti
tuio uma nova ordem de cousas em Pernambuco, sendo Ca
neca incontestavelmente a cabeça dirigente dessa organi
sação. Si a Confederação do Equador é o berço historico da
formula federativa presidencial em que procurou vasar -se o
governo republicano , Caneca foi o primeiro a formular e
resolver o problema constitucional. Eis ahi o papel historico
deste grande homem e o caracter politico da revolução. As

( 1 ) A. Brasiliense - Obr. cit . , pag . 23.


326

idéas que elle lhe imprimio, ella realisou no terreno pratico


como passamos a mostrar.
Falando de Caneca como do primeiro factor da formula
federativa presidencial na republica, vem a proposito aqui ,
emprasarmos o leitor para pôr em confronto da verdade histo
rica o que hoje se apregoa em nome da vaidade pessoal , sobre
a autoria da Constituição republicana de 24 de Fevereiro
de 1891 .
A serie de actos do governo de Paes de Carvalho obri
gou- o a romper definitivamente com a autoridade imperial ,
quando nas provincias do Rio Grande do Norte, Parahyba
e Ceará os adeptos de sua causa tinham já conquistado as
posições officiaes, imitando estas provincias o procedimento
de Pernambuco em não acceitar o presidente nomeado pelo
principe. “ Então, Carvalho publica o seu manifesto de 2 de
Julho em que proclama a Republica nestas provincias com o
titulo de Confederação do Equador. Publica e distribue a
Constituição Politica da Republica da Columbia, destinada
a reger o novo Estado, emquanto uma assembléa regular de
deputados eleita pelo povo não approvasse outra, que a sub
stituisse permanentemente. Nova bandeira foi imaginada e
erguida sobre os monumentos e edificios publicos , dos quaes
se arreiou o estandarte brasileiro .
" Limpou as repartições de empregados suspeitos . Pren
deu uns, deportou outros , figurando entre os ultimos varios
desen bargadores do Tribunal da Relação, e pessoa de impor
tancia. Compellio os funccionarios publicos que quizessem
conservar - se no serviço da provincias a abraçar o systema
politico inaugurado, e prestar -lhe juramento de obediencia
e lealdade. ” ( 1 )
Proclamado o governo, decretou o seguinte projecto de
lei que devia regular suas funcções, até que o Estado em as
semblea constituinte votasse a sua Constituição : 6 O governo
provisorio da Republica de Pernambuco revestido da sobe
rania do povo, em que ella só reside, desejando corresponder
( 1 ) Pereira da Silva – Historia via Fundação do Imperic Brasicerro, pag. 281.
327

á confiança do dito povo, e conhecendo que m formas e re


gras fixas e distinctas o exercicio das funcções, que lhe são
attribuidas, por vago, inexacto e confuso, não pode deixar
de produzir choques e dissenções, sempre nocivas ao bem
geral e assustadoras da segurança individual, fim e alvo dos
sacrificios sociaes , decréta e tem decretado :
1. ° Os poderes de execução e legislatura estão concen
trados no governo provisorio, emquanto se não conclue a
Constituição do Estado, determinada pela assembléa consti
tuinte, que será convocada, assim que se incorporarem as
comarcas, que formavam a antiga capitania, e ainda não tem
abraçado os principios da independencia.
2. ° Para o exercicio da legislatura haverá um conselho
permanente, composto de seis membros escolhidos pelo
governo dentre os patriotas de mais probidade e luzes em
materia de administração publica, e que não sejam parentes
entre si , até segundo gráo canonico.
3. ° O governo e o conselho assim reunidos formarão a
legislatura propriamente dita, e a decisão da penalidade dará
existencia aos actos de legislatura, ou decretos, que serão
assignados pelo governo só, sendo porém passados em con
selho á pluralidade ; o que se declara, pena de insanavel nul
lidade, e ninguem deve- lhe dar a devida execução.
4. ° As sessões da legislatura constituirão todos os dias ,
á excepção dos consagrados ao culto divino.
Ellas começarão ás seis horas da tarde , e durarão por
todo o tempo, que a discussão e conclusão dos negocios pro
postos o exigirem.
Serão presidididas pelos cinco membros do governo, um
cada semana ; o qual mal se assentar, guardar- se-á o mais
inviolavel silencio, estando todos attentos ao que se propõe e
opina, não interrompendo uns aos outros , mas oppondo-se,
mal findar algum de falar, as objecções, que se tiver contra
a opinião emittida. Nas ditas sessões escreverá as delibe
rações o secretario do interior,
5. ° Os projectos de lei , depois propostos, ficarão sobre
a mesa pelo espaço de seis dias , para dar tempo a que os
328

membros os meditem, e se apromptem para a discussão ; para


cujo fim , em trabalhando a imprensa, serão impressos e distri.
buidos por cada membro.
6. ° Cada membro opinará com plena liberdade e igual
dade, e pela opinião, que emittir em conselho, ninguem será
increpado, e menos perseguido.
7.º Serão membros do conselho, além dos seis , de que
elle se compõe, os secretarios do governo, o inspector do
erario, e o bispo de Pernambuco, e na falta o deão.
8. ° Para o exercicio do poder executivo crearam - se duas
secretarias , uma para o expediente dos negocios do Interior,
graça, policia, justiça e culto, outra para o expediente dos
negocios da guerra, fazenda, marinha e negocios estrangei
ros .
Os patriotas, nomeados para estes empregos, nomearão
os officiaes, que carecerem, e farão subir ao governo para sua
approvação.
9. ° O despacho dos negocios , pertencentes ás duas se
cretarias , far-se- á todos os dias , das 9 horas da manhã em
diante , e durará o tempo preciso para sua ultimação.
10. Parecendo ao governo ouvir o conselho sobre medi
das que deva tomar na parte executiva, convocal -o- á ; e as
sessões n'este caso se farão fóra do alcance dos ouvidos curio
sos, para não abortarem negocios que dependam de segredo.
11. Pelos actos do governo, que minem a soberania do
povo, e os direitos dos homens , e que produzam desharmonia
entre os differentes membros da Republica, serão responsa
veis os governadores, que os assignarem , e os secretarios,
por cuja secretaria forem passados ; e não devem por esse
motivo ter execução sem a prévia assignatura do secretario
respectivo. Os secretarios podem ser logo accusados ; os go
vernadores, porém, só findo o seu tempo de serviço.
12. Para a boa administração, arrecadação, e contabili
dade das rendas publicas, crèa- se um inspector do erario, a
quem éé sujeita a toda repartição, e que só depende do go
verno , de quem recebe ordens , pela secretaria de fazenda.
E ordenase que a receita e despeza das rendas se publiquem
cada anno por via da imprensa.
329

13. A administração da justiça na primeira instancia fica


a cargo de dous juizes ordinarios, que serão eleitos , em cada
cidade e villa, pelo povo do seu districto na forma estabele
cida ; e as eleições serão remettidas ao collegio da justiça, de
que abaixo se faz menção, para approvação das pautas . A um
delles pertencerá o expediente crime e de policia, ao outro o
das contendas civis, e bom regimen dos orphãos e engeitados .
Não terão salario algum do publico, nem cousa alguma das
partes pelo desempenho de suas funcções, contentando -se com
o respeito que lhe resulta do exercicio dos seus cargos. Delles
se aggravará e appellará em direitura para o collegio de jus
tiça. Serão os inquiridores. distribuidores e contadores do
seu juizo, tudo gratuitamente.
14. São extinctos os ouvidores e corregedores das co
marcas e igualmente os juizes de orphãos nas villas aonde os
ha , por serem commettidas suas attribuições aos juizes ordi
narios .
15. Crêa-se na capital do governo um collegio supremo
de justiça, para decidir em ultima instancia as causas civeis e
crimes. Será composto o dito collegio de cinco membros
litteratos, de bons costumes , prudentes e zelosos do bem
publico.
16. Serão pagos os membros do collegio pelo erario,
sendo- lhes vedado receber salario algum, assignaturas ou
próes das partes , que perante elles requererem , afim de evitar
as concussões .
17. Farão cada anno dois membros do collegio supreino
justiça a vista dos julgados do estado, e conhecerão das om
missões e commissões do juizes ordinarios, para se lhes dar a
devida pena. Terão estes juizes ordinarios uma ajuda de custo
do governo , além do salario e aposentadoria á cnsta das co
marcas ou municipalidades.
18. Os magistrados, uma vez empregados , não podem
mais ser removidos senão por sentença, em pena de suas pre
varicações .
19. O collegio de justiça deverá apresentar ao governo,
pela secretaria da justiça, os planos tendentes ao melhora -
330

mento desta repartição e reforma dos abusos n'ella introdu


zidos .
20. Para decisão dos crimes dos militares em ultima ins .
tancia, crêa-se uma commissão militar composta de quatro
membros, dous do collegio de justiça, e dous officiaes generaes
e na sua falta, coroneis. A commissão será presidida pelo ge
neral das armas .
21. As leis até agora em vigor e que não estão ou forem
abrogadas , continuarão a ter a mesma autoridade, emquanto
lhes não fôr subrogado um codigo nacional, e apropriado ás
nossas circumstancias e precisões .
22. A administração das comarcas ou municipalidades
continúa no pé antigo.
23. A religião do estado é a catholica romana. Todas as
mais seitas christãs de qualquer denominação são toleradas .
E’-lhes, porém, vedado o invectivar em pulpito e publicamente
umas contra as outras , pena de serem, os que o fizerem , per
seguidos como perturbadores do socego publico. E' prohibido
a todos os patriotas o inquietar e perseguir a alguem por mo
tivo de consciencia.
24. Os ministros da communhão catholica são assalaria
dos pelo governo, os das outras communhões, porém, só o po
dem ser pelos individuos da sua communhão. E basta que haja
de cada communhão vinte familias n'uma povoação, para o
governo conceder-lhe a sua instancia a erecção dos lugares
publicos de adoração e culto de sua respectiva seita.
25. A liberdade de imprensa é proclamada, ficando, porém ,
o autor de qualquer obra, o seu impressor sujeitos a respon
der pelos ataques feitos á religião, á constituição, bons cos .
tumes e caracter dos individuos, na maneira determinada pelas
leis em vigor.
26. Os europeus entre nós naturalisados e estabelecidos
que derem prova de adhesão ao partido da regeneração e liber
dade , são nossos patriotas e ficam habilitados para entrar nos
empregos da Republica , para que forem habeis e capazes .
27. Os estrangeiros, de qualquer paize communhão christä
que sejam , podem ser entre nós naturalisados por actos do
331

governo e ficam habeis para exercer os cargos da Republica,


uma vez assim naturalisados .
28. O presente governo e suas formas durarão somente
emquanto se não ultimar a Constituição do Estado. E como
póde succeder, o que não é de esperar, e Deus não permitta,
que o governo para conservar o poder, de que se acha apos
sado , frustre a justa esperança do povo, não se achando con
cluida a Constituição no espaço de tres annos ; fica cessado de
facto, o dito governo, e entra o povo no exercicio da soberania,
para o delegar a quem melhor cumpra os fins de sua dele
gação. ”
Eis ahi a lei organica dentro da qual devia exercer o go
verno suas funcções. Os mais bellos principios de liberdade
nella estão estabelecidos, além da divisão de trabalho no terreno
administrativo .
Caneca era a força creadora do trabalho da organisação
politica da revolução. A sua alta capacidade mental reunida
a não pequena somma de conhecimentos de sciencias politicas
e sociaes, dava - lhe a posição saliente que representou nesta
phase politica de nossa historia . São luminosos os votos que
dava em sessão do conselho, sempre convocada pelo governo
a proposito das altas questões de administração publica. E
para melhor orientar o trabalho de organisação em que se em
penhava a revolução e dotar a Confederação da Constituição
e leis organicas precisas, inceta a publicação de um jornal ---
Typhes Pernambucano em que são discutidos com a habili .
dade genial deste homem , todas as quesões referentes á revo
lução e á politica do paiz. Nesta serie do artigos e correspon .
dencias que o leitor poderá lêr em suas Obrus, encaminha o
trabalho organisador para a solução federalista, publicando e
discutindo a Constituição da Columbia, que devia servir de
base á Constituição da Confederação do Equador. E'em derre
dor quasi que exclusivamente de Caneca que gyra todo o tra .
balho intelligente da organisação revolucionaria. Elle é incon
testavelmente a sua maior força mental .
Não obstante os seus esforços e as medidas tomadas pelo
governo para assegurar toda estabilidade da nova ordem de
332

cousas instituida em Pernambuco e nas provincias limitrophes,


a revolução não alcançou sahir de sua phase dictatorial para
o regimen constitucional . Quando seus elementos organisa
dores se preparavam para dar-lhe essa forma, foi ella vencida
pelas forças imperialistas. Nem por isso perde a feição histo
rica que lbe temos pintado, de ser o esforço mais accentuado,
mais intelligente, mais bem orientado até então, de dar vida
e realidade á fórma republicana federativa. Para esse ideal
convergiam todas as suas aspirações. Seus autores foram per
seguidos , martyrisados e executados. Nem por isso a idéa des .
appareceu.
D’ahi em diante, a federação tornou- se o ponto conver.
gente das aspirações republicanas.

11

SUMMARIO

A federação torna -se a idea deminante dos partidos. Republica de Piratinin . Sus
feição politica. Differenças que a separam da Confederação do Equador.
Duas épocas — 1824 e 1835. Os chefes da revolução. Eleição do governo.
Seus primeiros actos . Os ministros. Medidas administrativas em relação
as finanças, ao exercito e a justiça. Actos legislativos sobre nacionalisação
do juramento civico . Relações diplomaticas e religiosas. Organisação poli
tica da Republica. Phase dictatorial. Creação de um conselho legislativo .
Reunião do congresso constituinte. Sua sessão inaugural. Primeira assen
Seus primeiros passos na formação do direito constitu
bléa constituinte .
cional. O projecto de constituição . Suas idéas geraes.

Não foi nos arraiaes republicanos que a federação se


tornara uma aspiração politica. Depois dos acontecimentos
que temos estudado, ella passou a servir de programma de
partido . Para ella appellou -se em nome dos interesses do
paiz e como um protesto á politica dos servidores do throno.
Desde a dissolução da constituinte, berço da concepção fede
ralista, até os ultimos momentos do primeiro reinado e da
primeira phase da regencia, ella apresenta-se como a idéa
dominante da politica nacional .
Nesse periodo dos tres partidos existentes o restau .
rador, republicano e o liberal - os dois ultimos foram na
1

333

federação buscar ponto essencial de seu programma, com


excepção da fracção moderada do partido liberal que a re
pellia como uma idéa incompativel com a instituição monar
chica. Si na capital do paiz os espiritos se achavam profun
damente dominados por essa idéa, nas provincias o movi
mento ainda era maior em favor das liberdades e da auto
pomia locaes . Iniciado o movimento em Pernambuco, com a
Confederação do Equador, o principio que o alimentava gene
ralisou - se por toda parte, encontrando terreno preparado
para desenvolver - se.
O exemplo de Pernambuco foi imitado pelo Rio Grande
do Sul em 1835 , com a Republica do Piratinin que, como a
Confederação do Equador, representa o esforço dos rio -gran
denses para firmarem o governo republicano federal . E o
alcançaram em um periodo muito mais longo que não foi
permittido aos esforços dos Pernambucanos. Sob o ponto de
vista da feição politica as duas revoluções não offerecem a
menor differença. Ambas conquistaram o governo local em
nome da republica federativa . Protestaram não só contra o
regimen imperial, como contra o regimen centralisador.
Affagaram as liberdades locaes como o principio basico de
suas tentativas .
A unica differença que as separa é relativa ás suas
condições de estabilidade e duração.
Uma, durou poucos mezes, e a outra, 10 annos . Uma não
teve tempo para pôr em pratica os seus principios, as suas
idéas , o programma em nome do qual conquistou o poder.
A outra levou seu processo de organisação á sua phase difi
nitiva , não só em relação à vida civil , como á vida politica e
administrativa da provincia. E essa differença que affecta
as condições de estabilidade das duas victorias da idéa repu
blicana federativa, liga-se a differenças nas condições politicas
e sociaes do paiz nas duas épocas — 1824 e 1835. De facto.
Uma é a primeira tentativa em favor de uma idéa nova ,
contra a qual reagem as forças dos contemporaneos.
E ainda que no seio da sociedade brasileira se resfrias
sem muitas dedicações com que fôra saudado o regimen im
334

perial , pelos actos de tyrannia com que elle iniciara a phase


constitucional, todavia ellas continuaram a existir e a lhe
servir de ponto de apoio. Poucos divergiram e poucos assu
miram a posição definida do protesto.
A maioria continuou aconchegada ao throno e aos inte
resses officiaes da situação. Outra razão da mais alta impor.
tancia. O elemento estrangeiro dominava profundamente a
politica nacional. Era de facto um elemento de força. Con
tra tal situação era impossivel resistir um nucleo de patrio
tas como os da Confederação do Equador que, si tinham a seu
favor a sinceridade de suas convicções , tinham de luctar
contra uma situação impossivel de ser transformada de mo
mento . Não eram estas as condições sociaes e politicas em
1835. Uma serie de actos arbitrarios e tyrannicos já se
tinha seguido á dissolução da Constituinte e serviam de me
dida da incapacidade do primeiro magistrado da nação e do
engodo com que o mundo official queria apparentar a vida de
um governo constitucional representativo, que se tinha pro
clamado e instituido, quando a nação vivia de facto sob um
governo pessoal sujeito a todos os caprichos e inspirações do
meio que o cercava. Não era no terreno da lei , no respeito
á sua fidelidade, aos direitos dos cidadãos , que a autoridade ia
auferir o espirito de obediencia e de sympathias populares.
Esse principio era mais uma realidade pelo regimen do terror
do que pela convicção das regalias legaes. E esse programma
politico que foi a caracteristica do primeiro reinado já tinha
despertado o civismo nacional a ponto de impor- se á abdica
ção do soberano, como o resultado inevitavel da dictadura
pessoal em que viveu a nação desde as suas primeiras tenta
tivas de governo constitucional. Com a revolução de 7 de
Abril de 1831 , além da decadencia da supremacia estrangeira
na politica da nação , mais encandesceram -se as aspirações de
autonomia local . A federação tornou -se a idéa dominante.
O exaltamento popular fazia para ella convergir a maioria da
opinião. Creou -se uma situação subjectiva essencialmente
revolucionaria e anarchica, pela qual se pode apreciar o sen
timento de liberdade e independencia que inspirava aos ho
335

mens de então . Elle chegou mesmo a collocar em situação


precaria e litigiosa a sorte das instituições contra as quaes se
levantavam as forças civis do paiz, inspirando um projecto
de republica federativa que foi apresentado á consideração da
camara dos deputados em 16 de Maio de 1834 , pelo Dr. Fer
reira França. ( 1 )
Eis ahi as diferenças das duas épocas que tanto influi
ram sobre as condições de successo das duas revoluções .
Foi no meio de uma tal situação que o Rio -Grande do
Sul , onde grassavam as ideas federalistas, levantou o grito
de revolução nas visinhanças de Porto -Alegre em 20 de Se
tembro de 1835 . Poz - se á frente do movimento o coronel
Bento Gonçalves com o auxilio do coronel Bento Manoel ,
major João Manoel de Lima, capitão Domingos Crescencio e
Victoriosa a revolução na capital da pro
outros officiaes.
vincia, empossaram na presidencia o quarto vice-presidente
Dr. Marciano Pereira Ribeiro, adepto do partido revolucio
nario . Todas as camaras reconheceram a sua autoridade,
recusando-se somente os municipios da cidade do Rio Grande,
de S. José do Norte e Pelotas . Não obstante isto, o novo
presidente nomeado para a provincia, Dr. José de Araujo
Ribeiro, empossa- se do seu cargo no Rio- Grande sob os pro
testos e impugnação da assembléa provincial, que reconheceu
a autoridade do vice -presidente revolucionario . A provincia
com dous governos tornou -se o theatro das maiores luctas,
até o fim do anno de 1836 , quando o movimento até então de
caracter sedicioso , assume a feição de uma revolução popular
que almeja uma nova forma de governo. Os revolucionarios
concentram - se em Piratinin , onde proclamam a Republica e
a separação da provincia da communhão brasileira , reunin
do -se o povo destas paragens para eleger os membros do

(1) Eis o projecto :


** 1.0 O Governo do Brasil cessará de ser patrimonio de uma familia .
* 2.0 O actual Imperador e suas augustas irmās cederão de seu privilegio, e
receberão por uma vez um subsidio para completar sua educação, e principiarem
seu estabelecimento .
“ 3.0 A nução será governada por um chefe eleito de dous em dous annos,
no dia 7 de Setembro , á maioria de votos dos cidadãos eleitores do Brasil."
336

novo governo de que fizeram parte : Bento Gonçalves da


Silva, como presidente, e vice-presidentes : Paulo Antonio
da Fontoura, o coronel José Marianno de Mattos, coronel
Domingos José de Almeida e Ignacio José de Oliveira
Gomes .
Organisado o governo que devia dirigir os destinos do
novo Estado, seu primeiro acto foi dividir os serviços da
administração por entre seis ministerios que creou do in .
terior, exterior , fazenda, justiça, guerra e marinha, sendo
nomeado para a repartição do interior, o cidadão Domin
gos José de Almeida encarregado interinamente da pasta
da fazenda ; para a repartição da justiça o cidadão José Pi.
nheiro de Ulhoa Cintra, encarregado interinamente da pasta
do exterior ; para a repartição da guerra o coronel José
Mariano de Mattos, encarregado interinamente da pasta da
marinha .
Os novos ministros entraram a organisar os serviços in
ternos da Republica, salientando- se Domingos de Almeida
na organisação financeira e tributaria com que dotou a
administração .
Creou -se uma repartição fiscal com o titulo de Thesouro
Publico e regulou -se a arrecadação dos impostos. Esta re
partição fiscal dirigida á semelhança do Thesouro, pelo
ministro da fazenda, tinha um contador e escripturarios para
o seu movimento interno e servia-se de collectores municipaes
para a arrecadação das rendas publicas.
Systematisou -se o pagamento dos funccionarios publicos,
fundou -se a divida publica da Republica, e determinou - se o
modo de prover as despezas do exercito, e suppril- o em suas
necessidades emquanto a viveres, fardamento e munições
bellicas . (1 )
A organisação do exercito se fez de accordo com as
leis do Imperio. Seus elementos componentes foram a força
de linha , a guarda nacional e o corpo de milicia da pro
vincia .

( 1 ) Alencar Araripe – Guerra Civil no Rio Grande do Sui, pag. 15 .


337

A organisação da justiça não soffreu a menor alteração


com a nova ordem de cousas , e sua administração continuou
a cargo das autoridades civis pelas leis anteriores , devendo
os negocios seguir os mesmos processos. A revolução só
pôde organisar a justiça territorial . Os tribunaes superiores ,
como a Relação e o Supremo Tribunal , ficaram fóra do terri
torio sujeito á jurisdicção. Isto deu logar a que a adminis
tração da justiça não deixasse de soffrer embaraços em seu
desenvolvimento.
Além destes actos de caracter administrativo, outros de
não menos importancia ee de caracter politico foram decreta
dos pelo governo. Assim legislou sobre as condições de
nacionalidade do cidadão rio-grandense, a bandeira da nova
Republica e o juramento civico.
" Pelo juramento civico o cidadão da Republica obriga-se
a manter a religião catholica apostolica romana, a sustentar
a independencia e indivisibilidade da Republica Constitu
cional Rio -Grandense, a observar as leis do novo estado, e
provisoriamente a Constituição e leis do Brasil , em tudo
tudo quanto fosse compativel com as circumstancias da nova
nacionalidade e a cumprir as ordens do governo.
Era cidadão rio - grandense todo aquelle que, nascido na
provincia do Rio Grande do Sul , adheria á causa da Re.
publica ; aquelle porém que não contribuisse com sua pessoa
e bens em prol della e que se ausentasse para não servil-a,
perderia para sempre o direito ao foro de cidadão do novo
estado .
Emquanto á nacionalisação, tornavam -se cidadãos da
Republica todos os estrangeiros que trabalhassem na defesa
da liberdade, independencia e prosperidade da mesma Repu
blica, provando :
" 1º. Constancia e permanencia continuada por mais de
um anno no serviço do exercito, marinha, ou commando
militar.
“ 2º. Permanencia definitiva no territorio da Republica .
“ 3º. A introducção de objectos bellicos, munição e
apparelho do exercito e de qualquer genero de industria.
v. 1
338

“ 4°. A posse na Republica de capital de 4 : 000$000 em


estabelecimento industrial ou commercial, ou o exercicio
de alguma profissão util , , ou qualquer genero honesto de
vida.
6 50. Casamento com cidadã rio -grandense ou adopção
de um rio -grandense de qualquer dos sexos .
** 6º. Conhecimentos indispensaveis para o magisterio
das universidades, lyceus, academias ou cursos juridicos da
Republica. ”
Vê-se por ahi quão largo foi o direito de nacionalisação
que a republica firmou.
Não se esqueceu de cogitar das relações diplomaticas e
religiosas , nomeando representantes diplomaticos nas Repu.
blicas do Prata, o cidadão Antonio Manoel Corrêa da Camara
e o padre Francisco das Chagas Martins Avila, vigario
apostolico com superintendencia sobre materias religiosas.
Eis ahi a organisação administrativa da Republica. Ve
jamos agora sua organisação politica.
Quando a 6 de Novembro de 1836 o voto popular investiu
nas altas funcções de supremo magistrado da Republica a
Bento Gonçalves, foi -lhe imposta a obrigação de convocar
uma constituinte em cujas mãos resignasse o poder, afim de
abrir-se a phase constitucional do governo.
Emquanto não se reuniu o congresso constituinte, as
funcções legislativas do governo foram exercidas por um
conselho representativo dos municipios , convocado por de
creto presidencial de 18 de Setembro de 1838. Procederam
á eleição os municipios de Piratinin , Jaguarão, Rio Pardo,
S. Borja, Alegrete, Cachoeira, Cruz Alta, Caçapava e Trium
pho. Installara -se este corpo legislativo em Março de 1839 em
Alegrete, com a presença dos representantes de seis destes
dez municipios.
O acto da creação deste conselho, emanado do suffragio
popular, corrigia uma falta do governo da Republica , cujo
chefe fôra eleito como depositario de funcções legislativas,
até que a representação municipal veio annular o ca
racter dictatorial de governo republicano. Este conselho
339

funccionou até o inicio do congresso constituinte, que só veio


reunir -se em Dezembro de 1842 , com a presença de 22 de
putados.
A sua sessão inaugural compareceu Bento Gonçalves e
depositou nas mãos da assembléa os poderes de que estava
investido e a mensagem que dirigio aos representantes da
Republica
“ Meu coração palpita de prazer, dizia nella Bento Gon
çalves , vendo hoje assentados neste venerando recinto os
escolhidos do povo, em quem estão fundadas as mais bellas
esperanças do nosso paiz. Eu me congratulo convosco por tão
plausivel successo.
Em seguida o presidente exhibio as causas da demora
da reunião do congresso nacional, attribuindo- a ao estado
convulsivo da provincia e pedio aos representantes populares
a organisação da Constituição Politica do Estado, a decre
tação de meios para bem governar e a reforma das leis pro
visorias da nação no sentido de moralisar os costumes ,
garantir a vida e assegurar a propriedade.
A assembléa constituinte inciou seus trabalhos prepara
torios , elegeu sua mesa, decretou a lei que devia regular seus
trabalhos , nomeou uma commissão para agradecer as palavras
da mensagem presidencial e elegeu a commissão que devia
elaborar o projecto de Constituição da Republica. Desse tra
balho desempenhou -se ella apresentando á consideração da
constituinte o projecto em sessão de 8 de Fevereiro de 1843 ,
que se dissolveu espontaneamente a 10 de Fevereiro, pelas pro
fundas dissenções que já a agitavam , sem que tivesse tempo
de discutil -o e approval -o.
Em todo o caso a constituinte da Republica de Piratinin é
a primeira assembléa republicana que tirou de seu seio as
formulas e as bases de uma constituição. Constitue oO elemento
historico do direito constitucional da republica que é preciso
consultar como uma phase da evolução republicana.. Si a
Confederação do Equador não chegou a definir em projecto
sua organisação politica, a Republica de Piratinin consub
stanciou em lei o direito publico, traçando as attribuições dos
340

seus poderes . Eis ahi sua maior conquista. O principio


politico não se limitava mais á discussão theorica de suas
vantagens, angariando em derredor de si, pelo effeito da
propaganda, as sympathias e dedicações do povo. Já tinha
galgado phase bem adiantada de desenvolvimento na con
sciencia publica e já servia de base e ponto de partida não
só de codificação de doutrinas , de garantias de direitos indi
viduaes, como da elaboração do direito publico. Até este
ponto chegára a Republica de Piratinin . Ella representa o
primeiro esforço da funcção legislativa.
Temos agora d'aqui em diante de acompanhar a evolução
de dous factos : a idéa republicana e o direito constitucional
n'ella inspirado e em começo de elaboração.
Si a Confederação do Equador é o berço historico da fe
deração, ainda que se limitasse a delinear os principios geraes
do direito republicano, a Republica de Piratinin é o berço his
torico desse direito. Nella estão os seus primeiros factores de
elaboração.
Eis o projecto :
Emquanto á sociedade, territorio e fórma do governo,
dispunha o projecto, que a Republica rio -grandense seria a
associação politica de todos os cidadãos rio- grandenses , os
quaes formariam uma nação livre e independente, não admit
tindo com qualquer outro laço algum de união ou federação
opposta á independencia de seu regimen interno.
" O seu territorio constaria de todo o paiz da provincia do
Rio Grande do Sul ; o seu governo seria republicano, consti
tucional e representativo, residindo essencialmente no povo
a sua soberania, da qual todo o cidadão fazia parte.
• Esta soberania não se exercia directamente pela nação,
mas sim por via de delegação conferida por eleição.
" Para 0o exercicio da suprema autoridade, dividia -se esta
em tres ramos, que constituiam o poder legislativo, o poder
executivo e o poder judicial ; e as funcções desses poderes
eram delegados pelo povo a corpos separados e independentes
uns dos outros .
341

“ Eram representantes da Republica a Assembléa Geral


e o Presidente do Estado .
" A Assembléa Geral dividia-se em Camara dos Deputa
das e Senado ; legislava com sancção do Presidente do Estado,
e

decretava a guerra, concedia amnistias e perdão, creava em


pregos , e approvava ou desapprovava os tratados com as po
tencias estrangeiras .
" A Camara dos Deputados era eleita directamente pelo
povo , e durava por 4 annos .
" Cada deputado corresponderia a 5.000 habitantes ;
mas emquanto se não fizesse o cadastro da população, eleger.
se- iam 25 representantes .
“ Os deputados teriam subsidio e ajuda de custo .
“ A esta Camara competia - accusar perante o Senado ao
Presidente da Republica, aos membros das duas Camaras, ao
Ministerio, aos Conselheiros de Estado, e aos juizes do Su
premo Tribunal de Justiça, bem como proporia em lista triplice
os senadores que se houvessem de renovar por terço.
" Cabia - lhe privativamente a iniciativa sobre impos
tos e recrutamento, o exame da administração presiden
cial , e a precedencia na discussão das propostas do poder
>

executivo ; o que significa a immediata influencia do povo no


governo .
" Os senadores seriam em numero de metade dos depu .
tados , duraria por 12 annos o seu mandato , substituindo-se
um terço do pessoal em cada legislatura.
" A reforma do primeiro e segundo terço far-se -ia por
lista triplice apresentada pela Camara dos Deputados ao po .
der executivo ; o terceiro terço seria substituido por eleição
indirecta do povo .
“ Os membros deste corpo legislativo recebiam o dôbro
do subsidio dos deputados.
" O Senado tinha por attribuição privativa julgar os
funccionarios accusados pela Camara dos Deputados , e con
vocar a Assembléa Geral nos casos extraordinarios, ou pro .
viessem de abusos do Presidente da Republica ou da urgencia
de providencias legislativas.
342

" O Presidente do Estado era eleito pela Assembléa Geral


no 1 ° dia de Julho do 2° anno de cada legislatura.
" O poder deste funccionario era restricto : não amnis
tiava, e as nomeações de magistrados, de commandantes de
forças de mar e terra, e de diplomatas, dependiam da appro
vação do Senado .
" . Tambem dessa approvação dependiam as nomeações de
chefes de repartições de fazenda, e a promoção de generaes e
de coroneis .
- Era o Presidente da Republica o supremo director do
exercito nacional , mas não o commandava pessoalmente sem
consenso do Senado, e neste caso o Presidente do mesmo Se .
nado exercia as funcções de Presidente da Republica.
“ A força militar era permanente ; mas o seu numero era
annualmente fixado por lei da Assembléa Geral .
6. Para o exercicio das funcções presidenciaes, o Presi
dente da Republica nomeava livremente ministros , que aliás
respondiam por seus actos, não obstante a existencia da orden
do chefe do governo .
6. Este nomeava conselheiros por quatro annos para con
sultar em negocios graves do Estado.
66 O poder judicial incumbido da faculdade de applicar
as leis nas causas civis e criminaes, era independente e ex
clusivamente exercido por tribunaes, juizes e jurados.
" Na capital da Republica haveria um Supremo Tribunal
de Justiça ; na mesma capital , nas cidades e villas crear-se
iam os tribunaes de appellação, que parecessem necessarios,
para julgar em segunda instancia ; nas cabeças de comarca
estariam juizes de direito para a bôa administração da justiça ,
e juizes de paz para conciliar os litigios.
6. Os juizes de direito eram perpetuos, mas podiam ser
removidos e suspensos pelo poder executivo.
" A administração local era regulada por municipios.
“ Na cabeça de cada municipio havia um director, e em
cada districto um intendente subordinado aquelle , ambos
nomeados pelo poder executivo. A elles estava confiada a
policia.
343

6. Em todas as cidades e villas haveria uma Camara Mu


nicipal, eleita directamente pelo povo, incu.nbida da econo
especial do municipio.
“ Liberdade de imprensa, prohibição de vinculos, abo
lição de nobreza, liberdade de industria e commercio, instru
cção primaria gratuita, soccorros publicos, direito de repre
sentação ante os poderes nacionaes, direito de denuncias e
accusar por crimes de responsabilidade, liberdade de acção
só limitada pela prohibição expressa em lei, taes eram os
principios que o projecto de Constituição consagrava para
segurança das regalias individuaes.
“ Não gozavam do direito do voto os cidadãos que não
sabiam ler e escrever, nem podiam ser eleitos para o cargo
de deputado os naturalisados e os acatholicos.
Emquanto á materia de consciencia o mesmo projecto
estabelecia uma religião dominante, e era ella a religião ca
tholica apostolica romana, permittindo ás demais religiões
cultos domes : icos unicamente .
" A Constituição projectada mandava vigorar as leis
actualmente existentes não opposta a ella.
6 A mesma Constituição era reformavel ; devendo proce
der -se á reforma, quando dous terços dos votos de ambas as
Camaras legislativas reunidas a decretassem ."
Os principios geraes do projecto caracterisam a fórma
federativa do governo republicano ee até mesmo a phase em
bryonaria do regimen presidencial.
De facto. Ao mesmo tempo que estabelecia o principio
de autonomia local como condição prohibitiva de qualquer
laço de união opposta á independencia do seu regimen interno
estabelecia tambem a independencia e separação dos poderes
constitucionaes da Republica, podendo o executivo demittir
livremente os ministros de Estado, sem a menor pressão e
intervenção do poder legislativo. E esta formula não deixa de
ser o principio basico do regimen presidencial.
Ainda que a Confeileração do Equador não tivesse em
projecto de lei dado corpo a estes principios de direito,
todavia elles resaltam dos votos com que Caneca rejeitava o
344

projecto de Constituição do Imperio. Elle tambem pugnava


pela soberania do estado confederado, pela independencia e
separação dos poderes , pela igualdade das duas Camaras,
pelas inconveniencias da prerogativa dos ministros em inter
virem no trabalho parlamentar, podendo fazer propostas e
apresentar projectos de lei, pela faculdade do executivo em
demittil-os livremente.
Eis a que ponto chegou a evolução da idéa republicana
na sua primeira phase de propaganda, cujo cyclo se fecha
justamente com a Republica de Piratinin .
D'ahi data o periodo morno e indifferente das conquistas
democraticas que se seguio aos patrioticos esforços dos autores
destes dous acontecimentos , para abrir-se então a phase re
cente da propaganda que vamos agora estudar, afim de
acompanharmos a evolução da concepção federalista e da
elaboração do direito constitucional.

III

SUMMARIO

Os precedentes historicos influem sobre o caracter da evolução democratica na


phase moderna da propaganda . O seu primeiro documento politico e o pri.
meiro projecto de Constituição. Suas idéas geraes. Seu estudo compara
tivo com a Constituição da Republica de Piratinin . Differenças na organi
sação dos poderes. Supremacia do Senado. Interprete das leis. Os defeitos
de ambos os projectos .

A influencia dos precedentes historicos estava bem fir


mada no caracter da evolução democratica para guiar a mar
cha que ella devia seguir d'ahi em diante.
Já tinha chegado ás bellas conquistas da federação e da
organisação do direito constitucional , inspirado em princi
pios liberaes, para não retroceder ou convergir para a forma
unitaria e centralisadora na phase de propaganda que se se
guio a este primeiro periodo da evolução. E de facto não re
trocedeu. Os principios melhor firmaram -se e a elaboração
do direito melhor definio -se, logrando revestir mais adian
tadas formas, como passamos a mostrar.
7
345

Na segunda phase da propaganda, o acto pelo qual se


póde aferir o seu caracter politico é o manifesto de 3 de De
zembro de 1870 . E' um documento francamente federalista
profundamente liberal . Resente - se do defeito de ser mais
uma pagina de critica de litteratura republicana, do que
mesmo um esboço de organisação politica. Neste sentido
nada traz por onde se possa concluir o avanço que pudesse
ter a idéa. Como este manifesto foram todos os que nessa
época se publicaram. Aspiram a federação, porém nenhum
traz um programma institucional.
Sómente o partido de S. Paulo tentou realisar, desde
1873 , não falando em igual tentativa do partido do municipio
neutro em 1885. Referimo-nos ao projecto de Constituição
em que ambos firmaram as bases do direito constitucional.
São estes os dous documentos da segunda phase da propa
ganda pelos quaes se pode medir a marcha do direito, em re
lação á phase a que já tinha elle chegado na Republica de Pi
ratinin . Façamos o resumo do projecto de Constituição do
partido de S. Paulo .
Sobre a organisação dos poderes do Estado, estabelecia
que a sua extensão territorial era a mesma da antiga provin
cia ; que sua forma de governo era a republicana federativa,
representada por tres poderes , dos quaes o legislativo seria
confiado a uma Camara de deputados é senadores que
collectivamente denominar - se -ia Assemblea Geral dos
Estados .
A' Camara dos Deputados competia a attribuição priva
tiva da iniciativa das leis sobre impostos e força publica, da
decretação da accusação de qualquer dos seus membros, do
chefe do poder executivo e respectivos secretarios, dos mem
bros do tribunal superior e tribunaes de comarcas , nos cri
mes e faltas commettidas no exercicio do cargo. O mandato
duraria dous annos e cada municipio elegeria um deputado.
O Senado como a Camara eram eleitos tambem pelos munici
pios , formando dous municipios uma circumscripção sena
torial , e durando o mandato quatro annos para ser renovado
pela metade de dous em dous annos.
316

Sua attribuição privativa era decretar a accusação de


qualquer dos seus membros, julgar dos delictos destes e de
todos os deputados e funccionarios, cuja accusação fosse de
cretada pela Camara ; annular leis e decisões dos poderes
municipaes , quando offendessem os direitos de outros muni
cipios ou as leis e Constituição do Estado, e resolver sobre os
conflictos entre os municipios.
Competia á Assembléa Geral fazer leis, interpretal-as,
suspendel -as e revogal -as ; nomear e demittir o chefe do
poder executivo, tendo em vista o bem do Estado e a boa
marcha dos negocios ; nomear os membros do tribunal su
premo e dos tribunaes de comarca; tomar juramento ou affir
mação de bem servir a todos os funccionarios de sua nomea
ção. A Assembléa Geral reunir-se- ia independente de con
vocação, dous mezes depois de eleita, sendo suas sessões
annuaes e de 60 dias, procedendo cada uma das Camaras á
verificação dos poderes de seus membros , sendo preciso
metade mais um para haver sessão e as deliberações tomadas
por maioria de votos presentes. Ninguem podia ser eleito
senador ou deputado sem estar em pleno exercicio de seus
direitos politicos, não podendo durante o mandato ser no
meado para outro qualquer cargo publico e menos ser pro
cessado nem perseguido em razão de opinião emittida no
seio da Assembléa, não podendo tambem ser preso durante
as sessões sem permissão da Camara a que pertencesse , salvo
o caso de flagrante delicto de crime inaffiançavel.
O poder executivo era confiado a um funccionario - chefe
do poder executivo—de livre nomeação e demissão da Assem
blea Geral.
Suas attribuições eram :
Cumprir e fazer cumprir as leis do Estado e delibera
ções da Assembléa Geral ;
Nomear e demittir secretarios de Estado que tenham a
seu cargo as repartições de -– instrucção publica, finanças,
agricultura, immigração e commercio, obras publicas e nave
gação, justiça e segurança publica, ou quaesquer outras que
sejam creadas por lei ;
317

Nomear e demittir o commandante em chefe dos corpos


e officiaes da guarda civica ;
Suspender e substituir os membros do tribunal superior
e tribunaes de comarcas ;
Preencher interinamente os cargos judiciarios ;
Convocar sessão extraordinaria da Assembléa ;
Enviar a cada uma das Camaras relatorio circumstan
ciado do estado dos negocios publicos, indicando medidas e
reformas que julgar convenientes ;
Prestar todas as informações e esciarecimentos que forem
exigidos por qualquer das Camaras.
No caso de vaga por morte, renuncia ou qualquer outro
motivo seria substituido pelo presidente do Senado, presi
dente da Camara ou qualquer outro secretario de Estado.
O poder judiciario é independente, e composto de juizes,
tribunaes e jurados , sendo sua organisação, estabelecida por
lei especial.
Este poder compete :
A um tribunal superior com séde na capital do Estado ;
A tribunaes de comarca, ficando o Estado dividido em
12 comarcas, emquanto por lei não fôr alterado este numero ;
A juizes municipaes, devendo haver pelo menos um em
cada municipio ;
E a juizes de paz, devendo haver um em cada districto.
As cidades, villas e freguezias serão organisadas em -
districtos de paz havendo pelo menos para cada agglome
ração de 50 habitantes um juiz de paz.
Perante o tribunal, superior funccionará um advogado
geral de justiça e outros tantos advogados da justiça juntos
aos tribunaes de comarca e a juizes de municipio , sendo as
Todos os
nomeações feitas pelos tribunaes de comarca .
crimes serão julgados nos respectivos municipios perante o
tribunal do jury que será presidido pelo juiz do municipio ,
que se limitará a applicar a lei , sem direito de appellação .
Os membros do tribunal superior e tribunaes de comarca
serão nomeados pela Assembléa Geral do Estado, sendo os
juizes de municipio e de paz eleitos por voto popular.
348

O exercicio dos juizes do tribunal superior será por 12


annos—os dos tribunaes de comarca e os juizes de municipio
e de paz terão exercicio estes por 4 annos, e aquelles por 8
annos .

Serão incompativeis para qualquer cargo os membros


dos tribunaes. superior e de comarca, e os juizes do muni
cipio.
Municipio é a circumscripção territorial, emquanto não
se der outra organisação por lei, havendo um conselho e um
poder executivo municipal em cada municipio, constando
aquelle de 7 a 21 membros, cujo numero será determinado
por lei e sob a base da população. O conselho será eleito
por 4 annos pelo systema eleitoral que cada municipio julgar
melhor e considerando sempre votante todo cidadão activo
maior de 21 annos . O poder executivo municipal será con

fiado a uma ou mais pessoas eleitas ou nomeadas como deter


minar o municipio por deliberação do seu conselho, sendo
que aos poderes municipaes competirá a nomeação e fiscali
sação dos funccionarios da administração do municipio, mar
cando - lhes os vencimentos e regulando suas attribuições.
O conselho organisará seu regimen de trabalho, sessões,
discussões e deliberações, nomeando seu presidente e marcan
do -lhe suas attribuições e prazo de exercicio.
E' de attribuição do conselho.
Organisar o respectivo estatuto municipal.
Regular por meio de posturas sobre estradas , ruas ,
jardins , logradouro publico, mercados , abastecimento d'agua,
obras de irrigação, incendios , iliuminação, instrucção publi
ca, bibliothecas populares , hospitaes , hygiene e saude publica
embellezamento e regularidade das povoações , cemiterios e
sobre todos os serviços e obras de peculiar interesse do mu
nicipio ;
Fixar a despeza municipal e decretar impostos para
ella ;
Crear e organisar uma guarda municipal exclusivamente
destinada a auxiliar os poderes do municipio no exercicio de
suas attribuições e cuprimentos de suas leis ;
349

Decretar desapropriações por utilidade municipal de


harmonia com os casos e formas determinadas por lei do
Estado ;
As leis e decisões dos poderes municipaes que offendem
os direitos de outro municipio ou as leis e Constituição do
Estado serão annulladas pela Assembléa Geral ;
Os deputados, senadores para a Assembléa Geral , os
membros dos poderes municipaes, juizes de municipio e de
paz terão as suas nomeações por eleição directa, podendo
votar nas eleições todo cidadão maior de 21 annos , no gozo
dos direitos politicos e que resida no lugar da eleição pelo
menos um anno .
Salvo o caso de flagrante delicto inafiançavel não poderá
um mez antes e um depois ser preso qualquer votante.
No caso de vaga por morte, renuncia ou inhabilitação de
qualquer dos funccionarios de eleição popular, a respectiva
circumscripção senatorial , municipal , ou districtal elegera
outro para completar o prazo do mandato interrompido.
Haverá no Estado uma guarda civica, cuja organisação
e serviços serão determinados por lei e para a qual não se
empregará nem a rigorosa disciplina do exercito nem o re
crutamento forçado. Esta guarda terá um commandante em
chefe, chefe de corpos e officiaes, os quaes serão nomeados e
demittidos pelo poder executivo.
A Constituição poderá ser reformada quando a experien
cia aconselhar, para esse fim em qualquer sessão, a maioria
de qualquer das Camaras poderá apresentar proposta com
indicações do artigo ou artigos a reformar, devendo ao mesmo
tempo exigir a fusão das duas Camaras para deliberar, de
modo que a Assembléa Geral então depois de discutir a re
forma, converterá em lei do Estado , desde que for appro
vada por dous terços dos votos dos deputados e senadores
presentes.
Lei alguma será estabelecida sem utilidade publica, que
será igual para todos, quer premie, quer castigue, e sua
disposição não terá effeito retroactivo. Niguem será isento de
contribuir para as despezas publicas na forma determinada
350

por lei , ninguem será, entretanto, obrigado a pagar impostos


que não sejam votados por lei annual pelo poder competente.
A liberdade religiosa fica estabelecida em sua plenitude sob
a base da absoluta separação e independencia entre os po
deres temporal e espiritual , cabendo entretanto ao Estado
reprimir quaesquer violencias ou abusos contra os seus di
reitos .
O direito de propriedade é garantido em toda a sua ple
nitude, salvo o caso de desapropriação por utilidade publica
ou municipal, com prévia indemnisação.
A divida publica ficará garantida.
E' , plenamente garantido o direito de reunião e de asso
>

ciação, sem prejuizo da repressão dos abusos commettidos no


exercicio deste direito.
E' livre a todos o direito de petição.
Nenhum genero de trabalho, cultura, industria ou com
mercio, pode ser prohibido, uma vez que se não opponha aos
bons costumes, segurança e saude publica.
Fica estabelecida a liberdade de ensino em todos os
gráos .
O Estado garante a instrucção primaria gratuita a todos.
Os poderes do Estado não podem suspender as garantias
dos direitos individuaes, salvo nos casos de rebellião ou in
vasão de inimigos, por tempo determinado e por expressa
deliberação da Assembléa Geral , quando assim o exija a se
gurança do Estado .
Os funccionarios e empregados publicos são strictamente
responsaveis pelos abusos e omissões praticados no exercicio
de suas funcções .
Ficam abolidos todos os privilegios que não forem es
sencial e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pu
blica .
Os inventores terão a propriedade de suas descobertas
ou producções.
O segredo das cartas é in violavel.
Nenhuma pessoa será obrigada a fazer ou deixar de fazer
alguma cousa, senão em virtude de lei .
351

Todos podem communicar seus pensamentos por palavras


ou escriptos, e publical-os, pela imprensa, sem dependencia
de censura , comtanto que hajam de responder pelos abusos
que commetterem no exercicio deste direito , nos casos e pela
fórma que a lei determinar.
Ninguem por motivo de religião, pode ser perseguido,
nem inhibido de exercer qualquer cargo de ncmeação dos
poderes publicos ou de eleição popular n'este Estado.
Qualquer póde conservar- se ou sahir do Estado , como
lhe convenha, levando comsigo seus bens , guardadas as ex
cepções exaradas em lei .
Toda a pessoa tem em sua casa um asylo in violavel. De
noite não se poderá entrar n'ella senão por consentimento do
seu dono, ou para a defender de incendio ou inundação ; e de
dia só será franqueada a entrada nos casos e pela fórma que
a lei determinar.

Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto


no caso de flagrante delicto e de ter sido a ordem expedida
pela autoridade competente, em virtude de depoimentos de
duas testemunhas, dos quaes conste a existencia do crime e
com as formalidades prescriptas por lei . Si a prisão for arbi
traria o juiz que a ordenou será punido. O que fica disposto
acerca da prisão não comprehende as ordenanças de disci .
plina militar.
Em todos os casos de prisão o juiz que a ordenar, em
uma nota por elle assignada , fará constar ao preso o motivo
da prisão, o nome dos accusados e das testemunhas.
Ainda com culpa formada niguem será levado á prisão
ou n'ella conservado desde que preste fiança nas condições
que a lei admitte.
Nos crimes que não tiverem maior pena que a de seis
mezes de prisão ou de desterro para fóra da comarca, poderá
o réo livrar- se solto .
Ninguem será sentenciado senão pela autoridade compe
tente, em virtude de lei anterior e na fórma por ella pre
scripta.
352

E' mantido em sua plenitude o direito de Habeas


Corpus.
Nenhuma autoridade poderá avocar causas pendentes,
sustal-as ou fazer reviver processos findos.
Todo o cidadão pode ser admittido aos cargos publicos,
civis , politicos , e militares, sem outra differença que não seja
a de seus talentos e virtudes."

Eis ahi o projecto de constituição do partido de S. Paulo.


Ainda que ella seja uma obra mais bem acabada que
o projecto da constituinte de Alegrete, todavia em alguns
pontos que affectam principios de organisação politica de
alta importancia, deixa muito a desejar e é inferior em rela
ção ao direito constitucional da Republica de Piratinin .
Façamos o estudo comparativo.
Ambos os projectos crearam tres poderes. Ao passo que
pela Constituição do Rio Grande, elles são a expressão da
delegação soberana do Estado, pela de S. Paulo não assumem
todos essa feição politica, não passando o chefe do poder
executivo de um delegado do poder legislativo , por isso que
por elle podia ser nomeado ou demittido.
Eis ali uma differença capital que affecta não só as re
lações dos poderes , como firma a supremacia legislativa sobre
as funcções executivas. Admittindo aa Constituição de S. Paulo
esse principio, firmava na vida da Republica o regimen par.
lamentar de uma maneira tyrannica e grosseira, por isso que
a vida , a estabilidade e permanencia do chefe do executivo,
dependiam da vontade e dos caprichos da situação partidaria
do legislativo.
Ella rompia os laços da tradição ee a evolução historica
da idéa republicana que nos comicios , nas assembléas, na
iniprensa, na tribuna, nunca tendeu para o regimen parla
mentar. Ahi estão como prova disto as tentativas de elabora
ção de direito da Confederação do Equador e da Republica de
Piratinin , pelas quaes o principio da divisão e independencia
dos poderes era um axioma constitucional que não figura no
texto da Constituição de S. Paulo.
353

Em compensação, ella melhor definia as suas relações, a


marcha parlamentar dos projectos de lei . Ambas resentiam
se da falta de não definirem as condições em que se devia
exercer a attribuição executiva da sancção e do veto, parecendo
mesmo que esta ultima prerogativa não fôra investida no
chefe do executivo. A organisação do Senado, pela consti
tnição de S. Paulo, assume a feição de poder soberano na
interpretação da lei , podendo annullar as resoluções que
fossem contrarias á Constituição do Estado e resolver os con
flictos entre os municipios .
A Constituição do Rio Grande não o investio de tão altas
prerogativas politicas, observando melhor o principio da
igualdade entre os dous ramos do parlamento .
Sobre organisação municipal ambos os projectos esta
beleciam o principio electivo.
Em relação ao systema federativo presidencial, tal qual
foi estabelecido pela Constituição de 21 de Fevereiro, estes
projectos representam uma verdadeira phase de transição.
N'elles o systema não estava definido e acabado, ainda que
seus principios cardeaes tendessem a assumir a forma que
posteriormente veio a ser uma realidade.
Encarados em seu conjuncto, apresentam faltas essen
ciaes que não podiam deixar de affectar o funccionamento
regular dos poderes, pela ausencia que se nota de disposições
pelas quaes os conflictos fossem resolvidos no terreno legal.
Em ambos elles sente - se a ausencia a mais absoluta da
organisação judiciaria, sob o typo americano, que viesse
prehencher essa lacuna. A Constituição de S. Paulo encarnou
no Senado tão altas attribuições e a do Rio Grande dellas não
cogitou, levando o principio da independencia dos poderes ás
ultimas consequencias.
Eis a evolução da idéa republicana e a forma politica que
ella assumio entre nós.

v. 1 23
CAPITULO VII

O ultimo ministerio da monarchia

SUMMARIO

Como a opinião julgava as instituições. Ministerio 7 de Junho . Sua organisação.


Antecedentes politicos dos seus membros. Como foi acceito pela opinião. As
pastas technicas. Politica de ameaça . Opinião da imprensa, O Diario de l'o
ticias . Uma sessão do parlamento. As questões militares do gabinete. Discurso
de Benjamin Constant. Actos de governo que lançam a desconfiança no exer
cito . Auxilios agricolas.

Temos até aqui estudado a evolução da idéa republicana


e os elementos revolucionarios que ella foi lançando no seio
da sociedade, a proporção que suas conquistas abriram em
seu favor uma corrente de sympathias da opinião. Ao lado
disto temos descripto as phases da propaganda e a feição
aguda que assumio depois da lei da emancipação do escravo
e de acontecimentos outros que se operaram na vida politica
da nação e que repercutiram tão directamente sobre ella. Te.
mos visto tambem a situação do paiz até o fim de 1888 .
As apprehensões mais sérias eram nutridas pela sorte das
instituições. Esse estado subjectivo se transluzia através dos
factos. A libertação dos escravos, as questões militares, a de
cadencia do prestigio da autoridade civil , a molestia do Impe
rador, a perspectiva do terceiro reinado tão mal visto pela
opinião e através do qual iriam renascer a intervenção e o
prestigio estrangeiros na pessoa do principe consorte, ini
ciando -se uma politica pouco intelligente e cheia de intoleran
cia pelos defeitos de educação da princeza ; os excessos dos
partidos dominados pela ambição do poder, que procuravam
galgal-o á custa das maiores violencias e corrupções ; a deca
dencia e a miseria economica das provincias , absorvidas pela
centralisação do governo imperial , tudo isto dava uma feição
356

especial á situação politica do paiz e trazia para as instituições


a influencia dissolvente de todos estes factos. A mais completa
transformação se tinha operado na economia nacional pelo
modo por que se resolveu o problema do trabalho escravo,
encaminhando -se o paiz para uma phase critica de suas finan
ças. Todos o previam.
Si a vida material da nação estava entregue á acção de
elementos revolucionarios que não podiam deixar de agir para
operar uma nova vida economica, sob um novo aspecto e sob
a acção de leis muito diversas d'aquellas que até então ti
nham funccionado, a sua vida moral e intellectual não era
menos presa de radical transformação, pelos factores de eman
cipação e de cultura que agiam ha longo tempo.
Foi no meio de situação tão difficil e que tão de perto
affectava a estabilidade das instituiçães, que se organisou o
ministerio 7 de Junho, sob a presidencia do Visconde de Ouro
Preto. Para todos foi uma sorpreza essa organisação.
O partido conservador que até então tinha estado na posse
do poder, perdera a confiança da corôa , a ponto de não ter no
seu seio um estadista que pudesse amparar e dominar os gol
pes das difficuldades da situação.
Era natural que, depois de uma reforma que tão de perto
affectara a economia publica e que reclamava medidas attinen
tes a organisação do serviço, esse trabalho fosse entregue ao
mesmo partido que no poder a tinha realisado. Póde- se con
ceber a mudança ministerial depois de um acto tão radical.
O que vae pórem contra todos os principios é a mudança da
situação em favor de outro partido que subio ao poder, sem as
responsabilidades da reforma e sem o preparo e o estudo ante
cipado das medidas com que pudesse alliviar os seus choques.
Resulta pois da marcha geral das cousas que a mudança
ministerial de 7 de Junho deixou de obedecer aos mais simples
principios da coherencia politica, não influindo sobre esse
acto as necessidades do serviço publico, que deviam ser atten
didas pelo governo, em quaesquer dos ramos da administração.
Uma necessidade urgente se impoz á crise e á escolha do
pessoal do novo gabinete.
357

Ella se prendia ás condições de estabilidade e segurança


das instituições. O partido conservador podia contar em seu
seio os mais habeis estadistas para seguirem e completarem o
programma emancipacionista do Sr. João Alfredo. As suas
allianças porém com o partido republicano, luctando juntos
contra os candidatos liberaes ; o procedimento que tinha tido
durante aa administração do Sr. João Alfredo e o concurso que
o partido republicano delle recebera com os manifestos e adhe
sões de chefes conservadores ; a victoria alcançada no ultimo
pleito pelos republicanos , enviando á Camara um não pequeno
numero de seus representantes, o desgosto da lavoura onde
o partido conservador firmava uma grande maioria, tudo isto
servio para distancial- o da corôa e tornal- o o objecto de sus
peitas e desconfianças.
O momento era de instincto de conservação.
A mudança ministerial foi em favor do partido liberal ,
sempre mais realista do que o proprio rei, inimigo encarni
çado dos republicanos, intolerante e intransigente na sua im
prensa, a enfrentar a propaganda. Foi por estes precedentes
e em nome destes serviços que se organisou a situação liberal,
sendo elles a causa que dictou a escolha dos membros do ga
binete. Seu programma era mais do que um programma par
tidario, era um programma institucional.
E ' facto que o chefe do gabinete promettia as franquias
provinciaes , abrindo scisão no seio do proprio partido do qual
uma fracção appellava para o federalismo, como um derivativo
e solução da crise institucional . Era pois desfalcado de todo
este concurso que elle creava a nova situação.
A feição aulica do gabinete estava pintada nos seus ele .
mentos, no seu programma, nos antecedentes de seus membros,
em sua genesis em summa.
Contra a espectativa da opinião e dos amigos do go
verno ,o ministerio apresenta-se com dois militares, nas
duas pastas technicas , rompendo-se um habito antigo das
organisações ministeriaes - de só retirar da Camara Os

ministros e de não entregar a militares as pastas da guerra


e da marinha .
358

Por mais falsificado e corrompido que estivesse entre nós


o regimen parlamentar, todavia elle ainda respeitava um dos
seus principios essenciaes — tirar das maiorias parlamentares
os ministros. Nas bancadas governamentaes , no seio dos ami
gos da situação dominante, é onde se organisam os ministerios.
E foi sempre esta a norma na vida do Imperio, não indo bus
car fóra do parlamento elementos sem feição politica.
Além disto, com a existencia de dous militares na alta
administração civil, firmava -se um programma politico de
resistencia e de combate, além de permittir-se a intervenção
militar na politica. E a politica imperial nunca quiz consentir
nessa intervenção, d'onde resultou a série de questðes mili
tares e de attritos entre a autoridade civil e as forças arma
das da nação. Agora porém esse programma esterilisava-se
em face de um perigo que era preciso vencer. Então o gabi
nete de 7 de Junho apresenta -se com o Barão de Ladario,
almirante da marinha brasileira, na pasta da marinha, e com
o Visconde de Maracajú, general do exercito, na pasta da
guerra. Além desses elementos que traduziam os intuitos de
um programma de hostilidade, o gabinete continha outros que
na opinião eram symbolo das vontades do paço, pelos laços
intimos que os prendiam á familia imperial.
A propria imprensa assim se externa : “ A organisação
ministerial, com que acabamos de ser sorprehendidos, disse o
Diario de Noticias, constitue um tal portento, uma tal quinta
essencia de palacianismo, que excede os limites da imaginação
nos espiritos mais pessimistas. Os novos ministros da guerra
e do imperio não representam nada neste paiz, senão a corte
imperial com a qual tambem se acha em relação de semi-affi
nidade o terceiro ministro extra-parlamentar que, na pasta
da marinha, concorre para a formação do estupendo gabinete.
6
" Ainda não tornámos a nós do espanto dessa noticia, que
derrama sobre este novo periodo politico uma triste claridade
reveladora de futuras luctas das quaes ha de sahir em muito
menos tempo do que até hontem se suppunha a revolução repu
blicana ..."
359

" No Sr. Barão de Loreto, o que o paiz inteiro vê, é o


paço, o paço e o paço, a princeza, a princeza e a princeza.
E com razão o vê . "

- Em S. Ex. o que entrou no gabinete é o veador da


casa imperial , o camareiro solicito, assiduo, incansavel nas
miudezas da domesticidade palaciana. Nella está educado o
espirito do novo ministro do imperio, que seria incapaz de
adoptar um alvitre, quando o suspeitasse susceptivel de des
agradar aos seus reaes amos .”

• Parlamentarmente, é um ministerio de bastardia. Mo


ralmente é um ministerio fallido . Liberalmente é um minis
terio de inconfidencia. Monarchicamente é um ministerio
perigoso. Patrioticamente é um ministerio de máo exemplo,
de má vida e de máo fim . "
Si era esta a opinião da imprensa sobre o gabinete, não
lhe era menos favoravel a do parlamento, cujos membros iin
pressionados pela sua feição aulica e a perspectiva de uma
politica de ameaças em que se encobria, não calaram as suas
suspeitas , quando se apresentou á Camara para expôr seu
programma de governo. Então dous deputados declararam
se republicanos, o padre João Manoel e o Dr. Cesario Alvim
– terminando o primeiro o seu discurso com as palavras
abaixo a Monarchia e viva a Republica !
E os actos da administração vieram confirmar todas estas
apprehensões, porque atravez delles se trahia um plano pro
fundamente politico e cujo objectivo era garantir a estabili
dade das instituições no advento do terceiro reinado, cujos
elementos de segurança e bom successo o ministerio desde
logo procurava preparar. A imprensa dizia :
Os acontecimentos precipitam -se para a Republica
mais depressa do que se despenbavam para a abolição.
A federação era o preservativo. Retardando -o, o gabinete
actual está destinado a ser provavelmente o eliminador do
terceiro reinado, derradeiro ministerio da monarchia .
360

A attenção do governo dirige-se para tres assumptos —


assumptos militares, financeiros e politicos.
A presença no ministerio de dous representantes da força
armada da nação indicava o desejo do governo prender a
confiança e boa vontade do exercito.
As mais sérias desconfianças nutriam as altas regiões da
politica em relação as forças de terra que em successivos
attrictos com a autoridade civil , já tinham dado as mais in
equivocas provas de seu descontentamento e do plano inclinado
em que já iam para a democracia. Seus novos elementos,
vindos das escolas militares , já tinham plantado uma orien
tação democratica no exercito, contra a qual era impossivel
resistir o seu antigo pessoal como a tradição personificada dos
antigos habitos de obediencia e passividade.
A nova geração era de facto a força mental da insti
tuição.
Si nas administrações passadas, os attritos quasi que se
contavam pelos actos do poder publico, no governo do Sr.
Ouro Preto as hostilidades abriram a acção governamental
do ministerio . Por uma falta do official da guarda do the
souro que não se apresentou á formatura, quando o ministro
ia para a secretaria e tinha de receber as continencias do
estylo, foi elle preso, e tambem officiaes de marinha por uma
questão de delicadeza pessoal.
Pouco depois, a proposito de uma rixa entre soldados de
policia na capital da provincia de Minas e soldados do 9º re
gimento de cavallaria que alli estava de guarnição, o governo
destaca para aquella capital o 23 ° batalhão de infantaria,
aquelle mesmo cuja officialidade fôra receber o general Deo
doro de volta de sua commissão em Matto-Grosso .
Depois demitte a bem do serviço publico o coronel Mallet,
então director da Escola Militar do Ceará, pelo facto de ter
em officio solicitado sua demissão em termos energicos.
Estes actos que iniciavam a acção do governo, lançavam as
maiores suspeitas no seio da força.
Então, por occasião da visita da officialidade do encou
raçado chileno Almirante Cochrane á Escola Militar, Benjamin
361

Constant, em um discurso, protesta contra a pecha de in


disciplinados , insubordinados e desordeiros, que os parti
darios do governo atiravam constantemente á face do exer
cito, e accrescentava que elles seriam sempre cidadãos
armados , nunca , jámais janizaros. "
Este discurso dá lugar a uma manifestação que os
alumnos da Escola Superior de Guerra , reunidos a muitos
officiaes da 2a brigada composta do 1 ° e 9º regimentos de
cavallaria e 2º de artilharia, promovem a Benjamin Constant,
" em agradecimento á defesa que tres dias antes elle havia
feito do exercito na Escola Militar.”
Com este incidente e a ordem dada pelo governo para
que o 22º batalhão de infantaria embarcasse para o Amazonas,
a questão militar chegou ao periodo agudissimo da crise que
guardamos para estudar no proximo capitulo.
Ao mesmo tempo que estes actos creavam uma situação
impossivel entre a autoridade e a força, outros trahiam clara
mente um plano que o exercito suspeitava ser profundamente
lesivo aos seus interesses, pois que entrevia um acto de disso
lução feito á socapa e traiçoeiramente. O governo receiava
definir -se. Comprehendia a incompatibilidade entre si e a
força publica com a qual não podia conviver e traçou um deri
vativo na elaboração e na execução do plano.
O governo começa a organisar a guarda nacional da
capital do paiz. Além da nomeação dos postos superiores
recahir em pessoas, cujas relações e dependencias com o paço
eram notorias, ordena exercicios militares repetidos para
dar- lhe educação bellica. Crêa na capital uma guarda civica ,
como corpo militar e ao mesmo tempo retira da guarnição da
capital corpos e batalhões e augmenta a policia.
Intenta aristocratisar o paiz , pela prodigalidade na con
cessão de titulos nobiliarchicos.
Si antes do ministerio Ouro Preto toda aa nobreza nacional
se compunha de 7 marquezes , 1 marqueza, 10 condes, & con
dessas , 54 viscondes, 24 viscondessas, 315 barões e 56 baro
nezas , o ministerio em menos de tres mezes nomeou 5 vis
condes e 53 barões .
362

Por isso que na classe agricola mais directamente tinha


repercutido a abolição do escravo, creando- lhe uma situação
de descontentamento para com as instituições , o ministerio
arma- se de um programma financeiro que,, tendo por objecto
crear o credito hypothecario, não teve outro intuito senão
angariar as sympathias agricolas, na lucta eleitoral em que
ia empenhar-se sob o desejo de crear uma camara unanime,
della eliminando os representantes do partido republicano.
Foi mais uma medida eleitoral do que financeira.
Por meio de 16 estabelecimentos de credito ia fornecer
aos lavradores a quantia de 86 mil contos, dos quaes já
se tinham desembolsado 26 mil contos a 15 de Novembro
de 1889 .

" Em vez de organisar solidamente o credito agricola ,


dizia o primeiro ministro da fazenda do governo provisorio,
proporcionando nelle a industria do solo os meios naturaes
da sua reconstituição , a monarchia, incuravelmente corrup
tora, preferio constituir um mecanismo passageiro, de fins
notoriamente eleitoraes destinados a estimular os appetites
da indigencia, explorando a situação afflictiva da classe em
pobrecida, mediante um regimen de emprestimos , que vinha
sobrecarregar inutilmente o credito publico, satisfazendo ,
quando muito, os credores da lavoura, sem fomentar o desen
volvimento da producção."
“ Outros interesses prosperam á sombra desse artificio ,
e essa operação, quando se liquidarem as contas, não terá
deixado de si , na historia economica do paiz, outros vesti
gios maiores que o fardo de cento e nove mil contos, em que
a transacção se traduz para o erario nacional.'
De facto, o tempo veio confirmar esta previsão.
Não só o erario não pôde rehaver o capital desembolsado,
como elle não fomentou a producção economica , nem creou o
credito agricola.
Era uma medida transitoria, de vantagens puramente
apparentes e que só visava os interesses eleitoraes do mo
mento .
363

Não nos cabendo aqui levar adiante o estudo do pro


gramma financeiro do ministerio 7 de Junho, limitamo -nos a
salientar os intuitos politicos dessas medidas.
Todos estes factos vieram aggravar na consciencia pu
blica a convicção de que o fim do governo era matar a golpes
de força o partido republicano, abrindo já uma phase de
organisação preparatoria do terceiro reinado, contra o qual
resistiam até muitas dedicações imperiaes então existentes .
Ao primeiro ministro, organisação fogosa e audaz, do
minada pelo orgulho de ser o creador de uma situação, pare
ceu obra facil o que no paço imperial se lhe tinha posto sobre
os hombros e então entrou franco e destemido na realisação
da empreitada.
Aristocratisou o paiz, creando uma nobreza ficticia e fal
laz ; creou uma época apparente de riquezas, de favores, de
actividade industrial e bancaria , em que o ouro valia menos
do que o papel-moeda ; lançou ás mãos cheias dinheiro sobre
a lavoura ; decretou o resgate do papel-moeda que se escoava
da circulação para ser substituido pelo ouro ; o cambio subio
além dos limites normaes , do padrão monetario, indo acima
do par ; as companhias proliferavam quasi como cogumellos ;
seus titulos ainda não subscriptos subiam já a grandes al
turas .

A uma época de tanta florescencia еe vitalidade em que as


forças economicas do paiz pareciam despenhar -se para uma
phase de riqueza real e em que a moeda fiduciaria se cotejava
ao par como o ouro, só podia corresponder a maior estabili .
dade das instituições que pareciam estar plantadas no cora
ção do povo .
Tudo isto porém não passava de uma phase de galvani
sação. E, logo que o menor choque veio reflectir -se sobre essa
enscenação em que se aureolavam as instituições, a crosta
galvanica desappareceu , para ficar só e desamparado o esque
leto do throno , sem a menor dedicação que viesse em seu
sacrificio, sem a menor voz que se levantasse em seu apoio,
sem o mais enregelado dos corações que por si palpitasse,
sem o menos vigoroso dos braços que cerrasse os punhos e
364

fizesse levantar a resistencia armada em seu favor . Foi o


que se deu .
As dedicações desappareceram, as vozes emmudeceram ,
os defensores occultaram -se. O throno vio em derredor de si
o silencio e o vacuo .

SUMMARIO

Diario de Noticias e o Paiz. Opinião dos seus redactores sobre a jurisprudencia mi


litar. Confronto destas opiniões com as de hoje. O caracter militar da
revolução, é consequencia inevitavel da propaganda. Allianças da força
armada com o elemento civil da propaganda . Primeiras reuniões do exer
cito . Benjamin Constant. As duas reuniões do Club militar . Papel de
Deodoro da Fonseca . Factos de que dependeu o bom successo da revolu
çảo . Papel de Floriano Peixoto . As tres figuras salientes da revolução .
Conferencia de Benjamin com Deodoro . Os acontecimentos dos dias 11 e 15
de Novembro . Proclamação do governo provisorio .

As questões militares tinham chegado á phase aguda. As


desconfianças do exercito denunciavam toda a classe, que
sentia a cada momento o golpe de dissolução. Dous jornaes
não poupavam occasião nem opportunidade para aggraval-as,
procurando abrir um verdadeiro hiatus entre a autoridade e
a força armada -- OO Diario de Noticias e 0 Puiz. O primeiro
sob a redacção de Ruy Barbosa e o segundo, de Quintino
Bocayuva, quasi que diariamente só discutiam questões mili
tares .

Não podemos deixar de lançar uma vista geral sobre as


opiniões que foram então emittidas sobre os deveres do exer
cito, suas relações para com a autoridade civil e acareal - as
com as que hoje emittem estes escriptores, principalmente o
Sr. Ruy Barbosa que pelas columnas do Diario fez sua entrada
para a Republica. Grandes e muito grandes foram seus ser
viços prestados naquella época. Brilhante e luminosa foi sua
opposição ao programma de hostilidade aos republicanos que
se occultava sob as apparencias do liberalismo do gabinete
7 de Junho.
365

Grande e poderosa foi sua intervenção no avanço que


tomou a propaganda e na impopularidade em que cahiram as
instituições .
Não conhecemos mesmo neste paiz phase politica em que
a imprensa subisse tão alto e tanto influisse na opinião, como
aquella em que o redactor do Diario obrou como um poderoso
factor da propaganda republicana e da destruição da monar
chia. E foi por estes serviços que conquistou a posição que
a revolução lhe offereceu , como ministro da fazenda do go
verno provisorio e collaborador directo da vida republicana.
Esta mesma posição é que nos obriga a acarear suas

opiniões, em suas diversas phases politicas, como jornalista,


como propagandista, como governo e como opposiciənista,
levando muito adiante o nosso estudo subjectivo como um
processo historico do seu valor .
A proposito da demissão, a bem do serviço publico, do
coronel Mallet, dizia o redactor do Diario : " A demissão a bem
do serviço publico em materia militar é uma creação admi .
nistrativa do ministerio Ouro Preto, cuja passagem pela ge
rencia das cousas da guerra deixa subvertida a tradição, a
legalidade e a disciplina.

“ No exercito as commissões perdem - se, ou incorrendo


na desconfiança de autoridade superior ou peccando contra as
regras do serviço. No primeiro caso, a destituição exprime
apenas a retracção da confiança pessoal do ministro no seu
subordinado, a interrupção da harmonia moral entre o segun
do e o primeiro. No outro, corresponde a um erro de officio ,
a uma transgressão de obrigações profissionaes. Naquella hy .
pothese, por isso, a exoneração é simples e sem nota . Nesta
invariavelmente se completa pelo conselho de guerra. E' que
a lei militar não quiz deixar ao arbitrio do poder a faculdade
de marear a farda .

• Entretanto, é a isto que sob a administração de um


general do exercito, se pretende reduzir a nobre condição da
força armada. Querem janizaros, querem suissos , querem
366

escravos fardados, querem pretorianos venaes ; não querem


brasileiros, sobre cujas dragonas o sol possa dardejar a pino,
sem lhes descobrir o azebre das transações indignas. Não é
assim que as pastas technicas estão zelando o melindre das
classes militares ?”
Sobre as relações entre a disciplina e a lei , dizia ainda :
" Tem barreiras insuperaveis a disciplina militar, porque nem
do exercito nem da armada se pode reclamar obediencia abso
luta ." Essas palavras são de Lieber, o maior dos publicistas
americanos , aquelle cujas obras os publicistas inglezes elevam
acima das de Montesquieu, cujos livros na apreciação de Hol
tzendorff, representam o mais alto cume da sabedoria politica,
e cujas opiniões se invocam, nos tribunaes anglo-saxonios ,
em ambos os continentes como decisões quasi oraculares. "

“ Ora, eis alguns dos limites que Lieber lhe estabelece,


em seu tratado de moral politica. ( Political Ethics, vol. II.
p. 157 ) ; “ Legitima-se a desobediencia aa ordenssuperiores ...
finalmente se ellas apezar de legaes na accepção litteral da lei ,
forem illegaes, ante o objecto geral e immutavel de toda a lei
e de todo governo, a saber : a segurança, a prosperidade e a
liberdade do povo .
56........Se a mais eminente de todas as autoridades , o
proprio monarcha britannico mandar praticar por um official
contra os cidadãos actos illegaes , vexatorios ou oppressivos ,
responsavel é por elles o official, na mais plena extensão da
palavra, ante a lei do paiz. Tudo o que se conquistou na ar
dua e porfiosa lucta, que principiou a se manifestar mais as
signaladamente sob Carlos I, póde resumir - se em poucas
palavras, dizendo que a lei é superior a todos ramos do go .
verno ; que não ha, em parte nenhuma, no seio do Estado,
poderes mysteriosos, soberanos e inacessiveis, aos quaes
toque o privilegio de dispensar na legalidade, ou contrariar
lhe o curso. Nisto se resume toda a liberdade civil. Os regi
mentos de guerra inglezes e americanos não impoem obedien
cia senão a ordens legaes. O juramento dos soldados, no
codigo militar prussiano, termina por estas palavras : “ Obe
367

decerei por toda a parte ás leis de guerra, cuja leitura acabo


de ouvir, conduzindo -me sempre, na execução de todos os
meus deveres , do modo como convém a um soldado intrepido e
dedicado á honra (ehrliebend ). Não lhe é licito, pois , fazer
nada contra a sua honra e a sua consciencia .......
6
" Todavia o certo é que todo o compromisso de obediencia,
sem excepção, inclusive o juramento de obediencia militar, é
condicional e não pode invocar- se em contradicção com os fins
supremos de todo o governo, os eternos designios da humani
dade organisada em Estado. O militar não degenera, pela farda ,
em instrumento insensivel, cego , irracional , absoluto dos seus
superiores. Quando lhe será licito, porém, recorrer a essa fa
culdade extrema ? Não se podem preestabelecer regras ; por
que essas emergencias são extremas , e só ao individuo aper
tado na difficuldade compete resolvel -as ......
“ .................Emquanto no espirito houver duvida, está
lhe bem, ao soldado, submetter-se ao superior, ainda quando
mal succedido .
" Mas , desde o momento em que se nos tornar claro que
>

a patria e o chefe estão em campos oppostos , cessa de ter sen


tido o nome de honra empregado para designar a obedencia
aos superiores ; porquanto não ha honra contra direito , e o
direito nos impõe pugnarmos pela patria contra tudo.
" Eis os principios da verdade constitucional, interpreta
dos pelo maior dos mestres . O exercito, que não souber obser
val- os, que os transgredir imprudentemente contra a obe
diencia legitima, ou servilmente contra a liberdade necessaria,
não tem a vocação do seu mandato, nem a intelligencia do seu
dever. Nós acreditamos que o exercito brasileiro, nunca dei
xará de ser, como tem sido até hoje, escrupulosamente fiel a
esses principios .
Sobre disciplina militar dizia ainda ; " Na disciplina vêm
a cegueira da estupidez, a pusilanimidade da inconsciencia e
a submissão da obedencia irracional ; quando ella não é senão
a docilidade intelligente das almas heroicas ao sentimento do
direito que as governa, mediante personificações reconhecidas
e incapazes de transgredil -o. Não querem admittir que a mais
368

disciplinadora de todas as forças do poder é o seu imperio


sobre si mesmo, sobre as suas proprias paixões, sobre os seus
proprios interesses, e suppõem que a meneabilidade das gran
des massas armadas se opéra pelo medo , assombrando-as com
o espectaculo da grandeza dos crimes da autoridade contra a
lei . E' que não são estadistas , mas gozadores, sybaritas, para
quem o governo se reduz a uma satisfacção de appetites .
A indisciplina moral, politica , social , administrativa, encarnou
se nelles , para delles se transmittir ao paiz e á força armada,
envolvendo tudo no contagio da desordem , que desgraçada
mente se prepara para complicar a grande commoção renova
dora na qual a constituição do imperio sossobrará talvez toda.
66 Tendencias disciplinares nunca se teve, em parte ne
nhuma, em gráo mais alto do que entre nós a classe militar.
A prova está na cordura com que se vae resignando aos gol
pes do capricho ministerial . Estamos vendo o incidente da
guarda do Thesouro encerrar -se com a denegação do conselho
de guerra a um official maltratado e enxovalhado, cujas in
stancias pela defesa da sua honra se inutilisam ante o não
quero pertinaz de uma casaca, que metteu na algibeira das
abas a corôa, o sceptro e os papos de tucano. E' um roubo per
petrado impunemente contra o exercito em todos os gráos da
sua jerarchia. E ' um confisco geral da dignidade militar, dei
xada agora a mercê das más paixões e dos calcudos máos dos
instrumentos do governo . ”
Eis ahi as doutrinas que se prevagam na imprensa, no
intuito de tornar effectivos novos principios da jurisprudencia
militar. E' facil comprehender -se que essa campanha diaria e
feita com a eloquencia e o talento que dá a paixão de uma re.
sistencia contra a actividade violenta e pessoal de um governo,
havia de reflectir -se profundamente no exercito, exacerbando
suas paixões, animando as tendencias de vindictas e excitando
as deliberações da revolta. Não era esta a primeira experien .
cia da demagogia civil , incarnando na defesa dos direitos mi
litares a opposição á autoridade constituida. Ella era uma re
petição historica entre nós. Não era um programma novo
aquelle que o Diario e O Paiz punham em execução. E esta
369

conquista de direitos e garantias militares em que a imprensa


se empenhava, contra a acção do elemento official, chegou á
affirmativa peremptoria de garantias militares que quasi se
confundem com garantias politicas , como o direito de ddfesa
pela imprensa e de critica das ordens superiores, o principio
da racionalisação da disciplina levado ás ultimas consequencias
do criterio pessoal .
Levado o exercito por este novo horisonte de inde
pendencia e autonomia, por aquelles que na imprensa defen
diam os seus direitos, chegaria inevitavelmente a situação da
revolta contra a autoridade, desde que no seu terreno legal
eram por ella usurpadas e negadas suas garantias e a propria
defesa de seus direitos . Chegaria ao extremo da revolução,
de appellar para as armas em defesa dessas garantias , que
não só a propaganda pela imprensa, como a consciencia
civica da classe, consideravam um direito incontestavel .
Toda propaganda na recente phase convergiu para este fim ,
e o exercito aceitou a luta e entrou no caminho da reivindi.
cação, que por si só deu a feição historica do 15 de No
vembro .
E aquelles que , como o redactor do Diario , abriram tão
largos horisontes a essa reivindicação da força armada, contra
as violencias do poder, hoje , poucos annos depois de susten
tarem aquellas doutrinas e de terem sido os propugnadores
desses novos principios de jurisprudencia militar, dizem :
“ O exercito que fez uma revolução e por ella e após ella sa
boreou o prazer divino da soberania, nunca mais se reconci
liará com a submissão e a ordem. A sociedade, a cuja epiderme
elle adhere, viverá d'ahi em diante inevitavelmente dilacerada
pelo terrivel corrosivo. Para edificação tem o Brasil, em sua
propria historia, o exemplo classico de 1831 e seu desfecho.
" O exercito que aprendeu o direito publico, deixou de
ser exercito : ou se desagrega, ou recusa obedecer .
Não foi só á revolução brasileira que coube a sorte pouco
estimavel, de nascer nos braços do militarismo . Nem essa é
unicamente uma feição peculiar ás revoluções hispano-ame
ricanas.
v. 1 24
370

Entretanto o mesmo escriptor, para quem o 7 de Abril


de 1831 foi uma chaga que dilacerou a sociedade brasileira ,
dizia em 1889 : “ O despotismo de Pedro I não teria cahido
em 7 de Abril de 1831 , si o soldado brasileiro, n'aquella re
volução, se considerasse obrigado a defender o Imperador
contra o povo. A escravidão não se teria abolido em 13 de
Maio de 1888 , si os nossos valorosos batalhões se dessem
pressa em obedecer ao governo de sua magestade, correndo
a afogar em sangue o exodo dos escravos em S. Paulo.

" Nunca se lhe descobriu eiva de militarismo. Toda a sua


tradição é civica, de docilidade ao direito, de firmeza disci
plinar, de indole nacional e pacificadora.
" A julgal - o pela sua historia, que , a este respeito, não
offerece variação, será incapaz jámais de levantar siquer o
o seu pensamento contra a constituição do imperio e as leis
1
do paiz.
Entretanto em 1893 dizia : " Ninguem sente melhor do
que nós os males do militarismo com particular quanto ao
Brasil, consideramos a organisação imperial do exercito como
uma superfectação moral para o organismo republicano.
Si em 1889 o redactor do Diario, no celebre artigo
- o plano contra a patria e no intuito de avivar na
consciencia publica a convicção de que o governo estava
resolvido a dissolver o exercito, procurando assim alarmar
as classes armadas , dizia .:
66 Com o instincto desta missão nacional , com a con
sciencia deste papel patriotitico, o exercito não pode e não
ha de certamente subscrever a sua propria extincção, e
muito menos o aniquilamento pela deshonra, pela calumnia,
pela illegalidade, pela proscripção, essa especie de morte
moral , a que parece quererem condemnal -o, antes de dis
solvel.o ; em 1893 eram, porém, estas as suas palavras :
" De onde emanou propriamente no Brasil o militarismo ?
Suas primeiras vertentes republicanas estão , não ha contestal
o, na transformação de 15 de Novembro.
371

“ Emquanto a dictadura armada puder impellir as


bayonetas contra as urnas , os batalhões contra o povo,
os districtos militares contra as constituições estadoaes ;
emquanto a nação não sentir que quinze milhões de almas ,
firmes na lei , podem mais do que quinze mil soldados fóra
della, o exercito, desencaminhado pelo interesse dos que
o utilisam , ver-se-ha involuntariamente arrastado para a
politica, e a abdicação do militarismo não passará de mi
71
ragem fallaz .
Eis ahi confrontos necessarios para servirem de me
dida da coherencia e da sinceridade das convicções de
nossos politicos e de sua dedicação a favor dos interesses
da patria. Bem sabemos que a paixão politica cega os ho .
mens . Um antagonismo, porém , tão radical, que chega ás
raias da apostasia, só póde traduzir um personalismo egoistico
e o dominio de paixões ambiciosas.
Era impossivel resistir contra o caracter militar que
havia de assumir a solução da crise institucional entre nós .
Seus antecedentes tinham traçado uma marcha impossivel de
ser desviada do curso que os acontecimentos lhe tinham
imprimido. As allianças do exercito com o elemento civil nas
conquistas democraticas, que registra nossa historia, fizeram
com que o partido republicano appellasse para elle como um
poderoso auxiliar da realisação de seu ideal . O exercito já
tinha resistido contra a politica escravocrata do Sr. Cote
gipe, contribuindo como um factor da reforma social de
Maio de 1888. Era preciso resistir contra a politica simples
mente dynastica do Visconde de Ouro Preto, constituindo- se
como outro factor da reforma politica de Novembro de 1889.
E foram os elementos civis da propaganda que espontanea
mente appellaram para a sua intervenção com que elle
acquiesceu, não só pelo instincto de conservação, como e
ainda mais pela maior disseminação da cultura intellectual
em que já se achava nos ultimos tempos do imperio e que
fazia avivar em sua consciencia a imprestabilidade das insti
tuições , impotente para firmar entre nós um regimen que
372

desenvolvesse a prosperidade material e intellectual do


paiz.
Assim , o caracter militar da revolução de 15 de Novem
bro, de que os proprios elementos civis da propaganda foram
os responsaveis, era o resultado inevitavel dos antecedentes
e o novo regimen teria de soffrer inevitavelmente as conse

quencias disso .
Sem o concurso da força armada seria uma utopia
tentar a revolução. Entregal-a á evolução natural da idéa,
quando a politica nacional esforçava-se para preparar os
elementos do terceiro reinado, tão mal visto pela opinião do
paiz, era consentir na perpetração desse plano contra a
patria. Si este processo evolutivo, que constituiu o pro
gramma do chefe republicano Quintino Bocayuva, tinha a
vantagem de preparar e educar o paiz para o governo pro
prio e autonomo, consentia na realisação do programma
do liberalismo monarchico do gabinete de 7 de Junho, cuja
audacia, cujo autoritarismo, cuja soffreguidão em matar a
hydra republicana, foi justamente a causa que apressou a
resolução da crise .
Em face dos actos da administração era impossivel
occultar os intuitos que tão directamente suggestionavam o
ministerio .
Então o exercito, dirigido e aconselhado pelos seus
membros mais prestigiosos , resolveu assumir a posição de
francamente resistir ás violencias do poder, sendo Benjamin
Constant a cabeça dirigente dessa resistencia e o espirito
organisador do movimento.
Reune- se elle com os camaradas e com os chefes republi
canos e nestes conciliabulos elaboram- se forças revoluciona
rias que entram em franca reacção, depois que o governo
ordenou o embarque do 22 ° de infanteria para o Amazonas
e reprehendeu os alumnos das Escolas Militares , pela mani.
festação que fizeram a Benjamin .. Foram estes justamente
os dous factos que obraram como causa determinante da
crise. Conhecida a ordem de embarque do batalhão, Ben .
373

jamin convoca o Club Militar, que se reune nos dias 8 e 9


de Novembro .
Na primeira reunião, por proposta do Sr. Jacques Ou
rique , incumbe- se Benjamin de tentar junto ao governo a
suspensão desse programma de perseguição feita ao exer
cito, e, na reunião do dia 9 , a palavra eloquente do mestre
das escolas exhortava a união dos camaradas, dizendo :
- Tenhamos confiança, meus senhores, nos nossos proprios
esforços ; e, si nestes oito dias o governo não nos tiver
feito justiça e cessado de nos perseguir, então eu abando
narei a familia e irei cumprir o meu dever na praça pu
blica ao vosso lado ! ” O grito tres vezes repetido de
Viva o Dr. Benjamin ! foi a resposta unisona com que
os seus companheiros electrisados o acclamaram estre
pitosamente.
Ao mesmo tempo que no modesto salão do Club Militar
o exercito firmava o seu programma de reacção contra o go
verno, o ministerio, a familia imperial e os aulicos , ban
queteavam- se na Ilha Fiscal , transformada em uma verda
deira Versailles, em um baile offerecido aos chilenos . Já
embriagavam o primeiro ministro os prenuncios da victoria.
Arrodeado da aristocracia corteza e do esplendido luxo, que
da ilha offuscava os olhos da população, não via a desaggre
gação que se operava no baixo fundo das instituições .
Benjamin Constant, indignado com o embarque do bata
lhão, que atravessava tristonho e resoluto as ruas da ci
dade, justamente quando os convivas da festa vinham da
Ilha Fiscal , procura conferenciar com o general Manoel
Deodoro da Fonseca, que gosava no exercito do maior
prestigio e que, como muitos dos seus campanheiros, par
tilhava da indignação que os dominava, sentindo - se resfria
rem -se suas dedicações pelas instituições .
Foi o braço da revolução . Sem a sua audacia, sem a
sua coragem, sem as suas resoluções , talvez a fracção do
exercito rebellada em frente do Quartel-general não pu
desse vencer as forças alli aquartelladas , transformando -se
a revolução em uma sedição por ellas vencida.
374

Deodoro apresenta - se como a figura saliente da luta


material . Ainda que o successo dependesse de circumstancias
estranhas a seus recursos , á sua vontade , á sua intervenção ,
todavia é um facto incontestavel que sua presença á frente
das forças rebeldes influiu em grande parte para que não
se abrisse entre ellas uma corrente de resistencia .
As circumstancias que vieram em seu auxilio redu

zem-se principalmente ao facto de ser Ajudante-general do


exercito o marechal Floriano Peixoto, actual vice - presi
dente da Republica , com quem Deodoro já tinha conferen
A posição official
ciado , no intuito de obter o seu concurso.
que o illustre militar representava junto ao governo en
chia-o de grandes responsabilidades, collocado entre os ca
maradas resolvidos a um golpe de força e o governo que
o investiu da maior confiança no logar que lhe entregara.
E esta situação moral , em que achava no momento em que
se
os interesses patrios pelo orgão dos seus camaradas exigiam
o seu concurso , não passou despercebida em sua consciencia .
“ Eu não julgo, dizia elle a Deodoro, que as cousas
tenham chegado ao ponto em que você deva recorrer a este
extremo. Ainda póde baver um meio de entender -se com o
ministerio. Você sabe que eu estou occupando um cargo de
confiança , mas, si eu suspeitasse um só momento que o go
verno persegue intencionalmente a minha classe, eu daria
immediatamente a minha demissão, e o meu logar seria ao
lado de vocês . Não precipitemos as cousas ; vamos ver o
que se poderá fazer para evitar esta grave resolução. “ Em
todo caso você sabe que, antes de tudo, eu sou soldado e seu
companheiro. ” ( 1 )
Da intimação peremptoria e franca, que fez, de demittir -se
do cargo que occupava junto ao governo, como condição es 1
sencial de hypothecar seu concurso á causa da revolução,
foi pelos seus companheiros demovido, devendo continuar no
exercicio do mesmo logar para não lançar suspeitas que

( 1 ) Anfriso Fialho Hist der fund, da l'ep. pag . 134.


375

viriam perturbar o movimento e tornal-o inteiramente impos


sivel .
Conhecedor, o governo, da conspiração, era facil cor
tar- lhe todos os elementos de bom successo . E a demissão
de Ajudante - general, sem justificativa real e sem explicação
na marcha do serviço e no cumprimento dos deveres do func
cionario, era uma circumstancia mais que sufficiente para
trahir a revolução .
Seu espirito perspicaz, prudente e calmo, dictou -lhe
sempre uma posição cautelosa, como militar, na emergencia
das questões militares. Nunca se julgou disposto a acompa
nhar e apoiar pequenas questões que se limitavam ao simples
interesse de uma classe. Desde, porém, que, em nome dos
interesses patrios e nacionaes , o exercito , associado ao ele
mento civil , se empenhasse na luta, seu concurso era incon
dicional.
Taes foram suas declarações confidenciaes aquelle que
dirigiu os destinos da nação como chefe do governo proviso
rio . Suas tradições republicanas são hoje publicas e conhe
cidas .
Ahi está o chefe do proprio partido republicano, o
Sr. Quintino Bocayuva, a declarar do alto da imprensa :
" Nossa affinidade politica vem de longe. Entre os mais an
tigos papeis do meu archivo republicano tenho o seu nome
registrado. E' um republicano historico assim como eu
tendo subordinado a sua conducta ao regimen da moderação,
da discrição, do opportunismo ; tal qual como eu , e como ou
tros, no largo periodo da propaganda republicana.
Assim , pois , a posição do marechal Floriano, em pre
sença do ministerio, quando as forças insurgidas comman
dadas por Deodoro postaram -se á frente do Quartel -general ,
decidiu da victoria em favor d'ellas .
São estas as tres figuras salientes da revolução, em redor
das quaes gyraram os patrioticos esforços de todos os mais
que se empenharam na luta - Benjamin Constant, Deodoro
da Fonseca e Floriano Peixoto .
376

Benjamin Constant, como o espirito organisador da causa


revolucionaria, a força mental que a elaborou na reunião dos
elementos para uma unidade de acção. Deodoro, como o exe
cutor do programma e o braço forte que o fez transformar em
realidade, e Floriano Peixoto, como o arbitro final do conflicto,
fazendo pender a victoria para o lado daquelles que em numero
insufficiente, vieram assediar o ministerio delendido por uma
força incomparavelmente superior ás forças rebeldes.
Benjamin Constant suggestiona o espirito de Deodoro
para trazel-o á causa da revolução. Em conferencias repetidas
consegue obter o seu concurso, cabendo-lhe o papel de chefe
militar da revolta.
Eis o extracto de uma celebre conferencia, talvez a ul .
tima em que o patriotismo e a eloquencia de Benjamin Cons
tant arrastaram o concurso de Deodoro. O publico deve o
conhecimento, que della tem hoje, á publicação do illustre ca
pitão José Bevilacqua, deputado á Constituinte pelo Estado
do Ceará e genro de Benjamin Constant. 6. Em casa do ge
neral , no Campo da Acclamação , o Dr. Benjamin expoz -lhe a
verdadeira situação em que se achava a nação inteira ; mos
trou - lhe como , em vista dos acontecimentos, esse desconten
tamento profundo, impossivel de remediar com palliativos ,
e que agitava toda a classe militar , sedenta da desaffronta de
seus brios tantas vezes ultrajados , de sua dignidade tantas
vezes escarnecida , nada mais era do que a repressão do
mesmo grito pungente de revolta que suffocava o povo, tão
opprimido , tão vilipendiado , quanto o exercito .
6 Fez- lhe ver que qualquer outra solução seria uma sim
ples sedição monarchica e infructifera, á semelhança do 7
de Abril ; que, em tempo opportuno, os mesmos opprobrios
voltariam revestidos de povas formas, tomadas outras cau
telas , etc. , etc.
O general conservava -se meditativo na cadeira de ba
lanço e subitamente fez - lhe esta pergunta :: E o velho ?
(o Imperador ).
“ A revolução, respondeu o Dr. Benjamin , não pode
absolutamente parar respeitosa ante seu throno ; mas, si
377

vencermos, o Imperador ha de ser tratado com todas as


attenções devidas ao seu estado de saude e á sua idade ,
e sua familia será tambem tratada de modo digno ; não mo
vemos guerra ás pessoas ; ellas seguirão incolumes , com a
subsistencia garantida, para onde bem entenderem.
66 Além disso, não é mais elle quem governa este infeliz
paiz, tão digno de melhor sorte ; é essa camarilha sem pa
triotismo, que pretende a todo o transe, sem escrupulos ,
sem olhar os meios , locupletar-se e firmar o seu predominio
no terceiro reinado, essa monstruosidade que, para honra
nossa, a propria maioria dos proprios monarchistas repelle
indignada, porque seria a ruina e a eterna vergonha de nossa
patria.
“ O Dr. Benjamin pediu ao general que meditasse
bastante na magnitude e gravidade da resolução que iam
tomar, accrescentando que já não se poderia evitar a Repu
blica ; que, si elle a acceitasse, seria mais uma prova
ingente de seu patriotismo, porque avaliava quanto deveria
magoar o seu coração sincero e leal esta separação ; que era
o interesse supremo da patria que reclamava esse magno sa
crificio, e que elle, que tanto a havia servido, não lh’o podia
recusar, evitando deste modo jorro de sangue de irmãos ,
que provavelmente iria correr, si elle não continuasse á testa
do movimento ...
" Depois, querendo que o general meditasse sobre a
proposta que acabava de fazer- lhe, retirou- se para a sala de
jantar, onde se demorou a conversar com a Exma. esposa
do general .
" Quando voltou encontrou - o na mesma posição, taci
turno e meditativo.
6. Benjamin – disse afinal com resolução o general
Deodoro — o velho já não regula, porque, si elle regulasse ,
não haveria esta perseguição contra o exercito ; portanto, já
que não ha outro remedio, leve a breca a monarchia ! Nada
ha mais que esperar della ; venha, pois, a Republica !
E fez um gesto de quem lava as mãos .
378

Não era somente no seio da força armada que Benjamin


reunia os elementos revolucionarios. No seio das forças civis
do partido elle buscava-os tambem . Por mais de uma vez se
tinha entendido com Quintino Bocayuva, Francisco Glyce
rio, Aristides Lobo, que estabeleceu relações estreitas com o
coronel Solon , cujos serviços foram inolvidaveis . Destes
conciliabulos resultou uma conferencia, que teve logar em
casa do general Deodoro , a 11 de Novembro, em que toma
ram parte os chefes acima citados >, alliando -se elementos civis
aos elementos militares .
Foi buscar tambem auxilios nas forças de mar , enten
dendo- se então com o almirante Wandenkolk , os capitães
de fragata Frederico Lorena e Nepomuceno Baptista, ser
vindo de intermediarios dessas conferencias o capitão- tenente
Garcez Palha e o major Serzedello Corrêa.
As conferencias se repetiam. Os chefes civis reuniam -se
principalmente na redacção do Paiz e mandavam emissarios
a S. Paulo. Os chefes militares , em conciliabulos repetidos,
espreitavam a opportunidade do rompimento, que chegou
inesperadamente, fóra mesmo da previsão delles.
A noticia de que tinham sido presos por ordem do go
verno Benjamin Constant e Deodoro ateou a revolta nos
quarteis da 2a brigada, assumindo seu commando o tenente
coronel Telles , que resolveu com seus camaradas chamar
Benjamin Constant e Deodoro. Eram talvez quatro horas da
manhã. Não se demoraram os dois chefes em comparecer a
frente do corpo revoltado. " Ora graças a Deus, disse Ben
jamin Constant, ao chegar aos quarteis da brigada revoltada,
que chegou o dia em que havemos de mostrar que o exercito
tem dignidade . Meus senhores, preparemo- nos para vencer
ou morrer ; mas guardemos o ultimo cartucho, para fazer

saltar os miolos , caso sejamos infelizes na luta contra este


governo infame ! "
Poucos momentos depois, achava -se a brigada postada
em frente do Quartel -general .
379

O governo dormia na indifferença e na imprevisão dos


graves acontecimentos que se preparavam , embriagado dos
louros da victoria do baile na Ilha Fiscal .
Sómente a horas adiantadas da noite de 14 soube que a
24 brigada se tinha revoltado. Então os ministros dirigem -se
para a Secretaria da Policia, para o Arsenal de Guerra e de
Marinha e depois para o Quartel-general .
Ahi ficou todo o ministerio, com excepção do ministro
da marinla, até que á frente do edificio chegou a brigada re
voltada sob o commando do general Deodoro . Em seu nome
foi o tenente - coronel Telles intimal- o a render - se . " Os se
nhores o que querem , pergunta -lhe o presidente do conse
lho ? -A brigada quer a retirada do ministerio , respondeu -lhe
o emissario.— Sr. Ajudante- general , disse o Visconde de
Ouro Preto ao marechal Floriano, faça retirar o general
Deodoro. Em que caracter vem elle aqui com força armada ?
Disponha da força que ahi está, Sr. general ".
A indecisão do marechal em cumprir as ordens do pri
meiro ministro faz com que elle se dirija ao general Almeida
Barreto para tomar a posição defensiva a favor do governo.
As ordens repetidas do ministro, a que os chefes mili
tares respondiam com a inercia e a indifferença, fizeram -n'o
dizer ainda ao marechal Floriano :
" General, já o senhor no Paraguay era um official va
lente e tomava boccas de fogo ao inimigo ; faça agora outro
tanto tomando aquellas que alli estão ” .
66 As boccas de fogo do Paraguay, Sr. ministro, disse o
general, eram inimigas ; aquellas que V. Ex . ali está vendo
são brasileiras e eu sou , antes de tudo, soldado da nação bra
sileira. Fique V. Ex . sabendo que estes galões que trago
nos punhos foram ganhos nos campos da batalha e por ser
viços prestados á nação e não a ministros.
Estava desvendada a situação . Todos os elementos de
apoio material retiravam -se do governo, em favor da revolu
ção. Contando com elles pela intervenção do Ajudante general ,
ella estaria victoriosa. A's 7 horas da manhã do dia 15 era a
380

população da cidade sorprehendida com a noticia da procla .


mação da Republica.
O inesperado, com que foi sorprehendida a opinião pela
transformação do regimen, deu logar á maior impressão no
espirito publico, que valeu bem a phrase do Sr. Aristides
Lobo, quando, para pintar a situação subjectiva da popula
ção, disse : o povo ficou bestialisado.
Presos os ministros , com excepção do ministro da ma
rinha, que fòra ferido, o general Deodoro desfilou pelas ruas
da cidade, debaixo das maiores e enthusiasticas ovações po
pulares que o cobriam e ao exercito de vivas á liberdade e á
Republica
N'esse trajecto nem uma só resistencia se fez sentir,
mesmo de ordem moral , como expressão da mais simples
dedicação pelas instituições decabidas . Parecia mesmo que,
em face desse silencio , a monarchia nunca fôra uma obra
institucional entre nós , a cujas leis e principios estivesse
entregue o futuro da civilisação brazileira. Não passava ella
de um simples accidente da nossa historia , cujos factores
não reflectiam a actividade e a dedicação das forças nacio
naes, contribuindo a contigencia de elementos estranhos
contra os quaes foi de todo impossivel resistir e vencer.
Desde que lhe faltassem os elementos materiaes de apoio
para viver e desenvolver -se, ella desapparecia pela falta de
dedicações populares que não soube criar e nutrir. E a prova
disto temos no 15 de Novembro .
A familia imperial começava a ser abandonada pela ca
marilha palaciana que sempre a cercou.
O Imperador acompanhado da Imperatriz chega á 1 hora
da tarde de Petropolis e segue para o palacio, sem ser mais
acompanhado pelo piquete.
A princeza e o princepe consorte, que estavam no seu
palacete em preparativos do baile que haviam de offerecer á
officialidade chilena, dirigem -se tambem para o palacio, tendo
seus filhos embarcado na enseada de Botafogo para um
navio de guerra.
381

Reunida toda a familia, começaram a chegar alguns con


selheiros de Estado e senadores . E, quando a revolução já
era uma victoria, o Imperador, no seio dos poucos amigos que
o cercavam , ainda dizia a seguinte phrase, que se tornára ce
lebre, como a expressão da opinião que nutria sobre o povo
que por mais de meio seculo governou ; « Isto não é nada ;
amanhã estará tudo acabado ; os brasileiros são assim .”
Tentou organisar gabinete, depois de uma conferencia
no dia 15, incumbindo o Sr. Saraiva da sua organisação.
A ' 1 hora da tarde deste dia na Camara Municipal se tinha
proclamado a Republica , por iniciativa de um dos vereadores ,
-José do Patrocinio . O governo provisorio a essa hora já
se tinha constituido , com o marechal Deodoro , como chefe , e,
como ministros , Aristides da Silveira Lobo , do interior ; Ruy
Barbosa , da fazenda e interino da justiça ; tenente -coronel
Benjamin Constant Botelho de Magalhes , da guerra ; Eduardo
Wandenkolk , da marinha ; Quintino Bocayuva , do exterior e
interino da agricultura . O governo provisorio , já constituido
mesmo no dia 15 , entrava em acção governamental , elabo
rando o notavel documento da proclamação da nova fórma
de governo , que n'este mesmo dia já era conhecida pela
opinião publica , sendo então publicado pela imprensa do
dia 16 :

“ O povo, o exercito ee armada nacional, em perfeita com


munhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes
nas provincias , acabam de decretar a deposição da dynastia
imperial e consequentemente a extincção do systema monar
chico representativo .
" Como resultado immediato desta revolução nacional ,
de caracter essencialmente patriotico, acaba de ser instituido
um governo provisorio, cuja principal missão é garantir com
a ordem publica a liberdade e os direitos dos cidadãos .
Para comporem esse governo, emquanto a nação so
berana, pelos seus orgãos competentes não proceder á esco
lha do governo definitivo, foram nomeados pelo chefe do
poder executivo da nação os cidadãos abaixo assignados .
382

6. Concidadãos ,
“ O governo provisorio , simples agente temporario da
soberania nacional, é o governo da paz, da liberdade , da fra
ternidade e da ordem .
“ No uso das attribuições e faculdades extraordinarias
de que se acha investido, para a defesa da integridade da patria
e da ordem publica, o governo provisorio por todos os meios
ao seu alcance, promette e garante a todos os habitantes
do Brazil nacionaes e estrangeiros, a segurança da vida e
da propriedade, o respeito aos direitos individuaes e politicos,
salvos, quanto a estes, as limitações exigidas pelo bem da
patria e pela legitima defesa do governo proclamado pelo
povo, pelo exercito e pela armada nacional .
66 Concidadãos !
" As funcções de justiça ordinaria, bem como as func
ções de administração civil e militar, continuarão a ser exer
cidas pelos orgãos até aqui existentes , com relação aos actos
na plenitude dos effeitos ; com relação ás pessoas, respeitadas
as vantagens e os direitos adquiridos por cada funccionario .
- Fica , porém , abolida desde já a vitaliciedade do senado
e bem assim o conselho de Estado.
- Fica dissolvida a Camara dos deputados .
6 Cencidadãos !
" O governo provisorio reconhece e acata todos os com
promissos nacionaes e estrangeiros, contrahidos durante o
regimen anterior, os tratados subsistentes com potencias es
trangeiras , divida publica externa e interna, os contractos
vigentes e mais obrigações legalmente estatuidas” .
Ainda que as aspirações monarchicas , em face da revo
lução triumphante, não fossem lobrigadas na menor tentativa
de reacção e mesmo no mais simples protesto , todavia o go
verno provisorio comprehendeu ser uma medida de pruden
cia intimar a sahida do Imperador e da sua familia do ter
ritorio nacional no prazo de 24 horas , porque ante a nova
situação que creou o paiz a situação irrevogavel de 15 de
Novembro , seria absurda , impossivel e provocadora de des
383

gosto, que a salvação publica nos impõe a necessidade de


evitar, a presença da familia imperial" .
E na madrugada de 17 embarcavam os membros da fa
milia imperial na corveta Purnahyba que os levou para bordo
do paquete Alagó18, que partio para Europa escoltado pelo
Riachuelo .
CAPITULO VIII

A revolução nas provincias

SUMMARIO

A revolução nas provincias. Amazonas. Pará . Maranhão . Tentativa de re .


sistencia , Ceará. Piauhy. Rio -Grande do Norte e Parahyba do Norte.
Pernambuco. Alagoas e Sergipe. Bahia . Tentativa de resistencia . Espirito
Santo . Rio de Janeiro . S. Paulo . Minas. Matto Grosso , Goyaz. Paraná.
Santa Catharina. Rio Grande do Sul . Conclusão .

Si na capital do paiz a revolução não encontrou em sua


marcha a menor resistencia, nas provincias ella foi acceita
pela opinião com applausos e ovações. O regimen de centra
lisação tinha feito da cidade do Rio de Janeiro a cabeça e o
coração do paiz. Ella pensava e sentia por toda a nação,
constituindo- se o ponto convergente de toda a seiva nacional
a custa dos interesses locaes que se ischemiavam pela absor
pção das forças centraes. Maior centro politico e commercial,
por essa mesma corrente de riqueza que lhe vinha de todos
os pontos e pela orientação que exercia na politica a opinião
de sua imprensa, o Rio de Janeiro era a retorta de toda a
vida do paiz. Os factos os mais simples das provincias, as
pretenções as mais modestas , vinham nella reflectir - se e ahi
receber a ultima palavra.
Comprehende-se que por esta engrenagem as resisten
cias em defesa dos immensos interesses prejudicados de
viam com mais probabilidade fazer - se sentir na capital do que
nas provincias, onde o descontentamento pelas instituições
já lavrava em larga escala, constituindo -se como uma causa
da propaganda em que ellas se empenhavam .
A ' medida que a noticia da revolução foi chegando ao seu
conhecimento, foi- se instuindo uma nova ordem de cousas ,
v. 1 25
386

sem a menor alteração da ordem publica. Em toda parte a


Republica foi sendo proclamada ee foram-se instituindo novos
governos , debaixo dos applausos do povo. O caracter militar
da revolução não deixou de reflectir - se na transformação por
que passaram os governos locaes, quasi compostos de mili
tares . Foram o elemento que tinha assumido a responsabi
lidade da transformação politica e o povo que os acclamou
membros das juntas governativas , comprehendeu que o mo
mento não era de governo civil , impotente para resistir contra
qualquer tentativa de sublevação e de alteração da ordem .
Passemos em revista a revolução nas provincias.
Achava-se na administração da provincia do Amazonas
o Dr. Manoel Francisco Machado, e funccionava a assembléa
provincial. Somente na tarde do dia 21 de Novembro, foram
conhecidos em Manáos os acontecimentos de 15 , por uma
commissão mandada pelo governo provisorio do Pará e
composta dos Srs. Joaquim Travassos da Rosa, Antonio
Pedro Borralho e Antonio Felippe de Souza. Então o povo,
autoridades civis e militares, reunidos em assembléa, elege
ram um governo provisorio composto do tenente -coronel de
estado- maior de la classe Antonio Florencio Pereira do
Lago, commandante das armas ; capitão de fragata Ma
noel Lopes da Cruz e Dr. Domingos Theophilo de Carvalho
Leal, presidente do club Republicano de Manáos. No mesmo
dia a junta assumio administração da provincia, fazendo
publicar a seguinte proclamação :
56 Cidadãos ! Como vêdes , é uma commissão do povo ,
temporaria, que não tem outro fim senão esperar o estado
definitivo a que nos levará a constituinte convocada pelo go
verno geral . Não podemos, pois, pedir- vos mais do que o
apoio sincero de vossa parte em beneficio da nova insti
tuição ; mostrando- vos calmo, tranquillo diante dos aconte
cimentos, entregues ao vosso trabalho quotidiano em pro
funda paz ; respeitando mais que nunca os direitos de vossos
concidadãos , porque sem isso teriamos a anarchia tão incom
pativel com a liberdade, principal objectivo do systema de
governo que acabamos de adoptar.
387

“ De nossa parte vos garantimos o mnais completo res


peito ao estabelecido, a mais perfeita isenção na escolha dos
homens e a mais inteira justiça na distribuição dos cargos.
Queremos provar que o Brasil era digno de ser uma Repu
blica, porquanto sabemos ser livres, tanto pela somma de
direitos que ella nos outorga, quanto pela somma de deveres
que nos impomos a nós mesmos.
“ Cidadãos. A primeira condição para a liberdade é o
respeito mutuo. Saibamos respeitar-nos que seremos livres
e felizes . Justiça , paz e fraternidade. Tal é o nosso pro
gramma.
Em apoio do novo governo a assembléa provincial
votou a 22 de Novembro a seguinte proclamação, assignada
por 16 deputados que esqueceram suas antigas tradições po
liticas e as responsabilidades dos partidos que em todo paiz
dissolveram-se em face da revolução :
“ Acaba de passar a nossa patria por uma grande trans
formação em sua forma de governo, sendo proclamada a
Republica. A Republica — não é nem póde ser synonymo de
desordem e anarchia ; é, pelo contrario, uma forma de go
verno onde deve sobretudo haver respeito ás leis , aos direitos,
propriedade e segurança individual.
66 Concidadãos , mostrae -vos na altura dos aconteci
mentos que se acabam de produzir e dae um exemplo ao
mundo de um povo livre que não esquece, mesmo nos
momentos mais solemnes de sua vida, o amor á ordem e
o respeito ás autoridades constituidas.
66 Concidadãos , não consintaes que a desordem ou a
anarchia venha perturbar a boa marcha dos negocios pu
blicos .
6 Collocae a patria acima de tudo e pela patria mante
nhaes a ordem sem a qual é impossivel a liberdade. "
Na capital do Pará foi profunda a impressão que produzio
a noticia dos acontecimentos. O povo reunido em grupos
inquiria da verdade dos factos e a imprensa da cidade affixava
boletins nas esquinas. Logo no dia 16 a acclamação popular
elegeu os membros do novo governo (em substituição do
388

Dr. Antonio José Ferreira Braga que era então o presi


dente da provincia) composto do Dr. Justo Chermont, presi
dente de um dos clubs republicanos da capital , do capitão
de fragata José Maria do Nascimento e do tenente-coronel
Bento José Fernandes Junior .
" Agora, dizia o novo governo em sua proclamação,
mais do que nos momentos das luctas que ferimos, é neces
sario que proveis o vosso civismo, constituindo -vos os mais
solidos sustentaculos da ordem e da paz.
" E ' necessario que consolideis a vossa obra de pa
triotismo, dando aos nossos adversarios exemplos de pru
dencia, de tolerancia e de confraternisação, porque a de
mocracia é o laço de amor que liga aos mesmos ideaes ,
crenças e destinos dos povos perfeitos .
“ E' preciso que se mantenha inalterada , como até
agora, a ordem publica, e que todos repousem tranquillos
na convicção de que iniciamos uma éra de paz e garantias
absolutas a todos os direitos .
" O governo provisorio, a quem entregastes os vossos
destinos neste momento augusto e para sempre memoravel,
confia em vós e garante-vos que saberá cumprir cabal .
mente o seu dever. "
Sómente no dia 18 reunio-se a Camara Municipal de
Belém para deferir juramento ao novo governo, solemnidade
que teve lugar debaixo de grande enthusiasmo popular.
No Maranhão as cousas passaram - se de maneira muito
diversa. Provincia de uma educação puramente clerical, e
onde as aspirações democraticas tiveram sempre de luctar
contra os preconceitos e exclusivismos do clero, não offereceu
sua capital o espectaculo da boa ordem e da sympathica
situação subjectiva de sua população em favor da revolução.
Durante quasi dous dias esteve ella de facto sem governo.
Logo no dia 16 O Globo, jornal republicano da pro
vincia , noticia os acontecimentos do Rio, saudando -os como
o inicio de uma época de liberdade.
O povo, instigado pelos especuladores politicos, tenta
atacar a typographia e ao redactor da folha, Dr. Francisco
389

de Paula Belfort Duarte, dando isto lugar a uma alteração


da ordem da capital que se tornaria o theatro de tumultos,
si uma força do batalhão ali estacionado não interviesse
em favor dos interesses da paz publica e das garantias
do redactor . Então o governo provisorio telegrapha ao te
nente-coronel João Luiz Tavares para assumir a adminis
tração da provincia, afim de evitar aa anarchia que ia
dominando a capital.
Então no dia 18, apresenta-se o militar no palacio da pre
sidencia e do desembargador Tito Augusto Pereira de Mattos
recebe o governo, nomeando para membros da junta o Dr.
Francisco de Paula Belfort Duarte, Dr. José Francisco de Vi
veiros , tenente -coronel Francisco Xavier de Carvalho, capitão
José Lourenço da Silva Milanez e primeiros -tenentes Augusto
Fructuoso Monteiro da Silva e Candido Floriano da Costa
Barreto .
A capital voltou á calma habitual e o novo governo en .
cetou seu trabalho administrativo.
As primeiras noticias que chegaram na capital do Ceará
despertaram o maior enthusiasmo no povo, reunido na redac
ção do Libertador. Adheriram logo á causa da revolução o com
mandante do 11º de infanteria e sua officialidade, o corpo do
cente e os alumnos da Escola Militar e os officiaes da armada .
A dubiedade do presidente da provincia, coronel de engenhei.
ros Jeronymo Rodrigues de Moraes Jardim, não querendo
adherir ao movimento e aguardando os factos, deu lugar a
que no dia 16 um grupo de moços, precedidos de bandas de
musica ee de uma bandeira, onde o emblema imperial estava
substituido por um rubro barrete phrygio, acclamasse na frente
do palacio como governador do novo Estado o coronel Luiz
Antonio Ferraz .
No dia 18 , no paço da Camara Municipal , veio o novo
presidente tomar posse das novas funcções, que lhe foram in
vestidas juntamente com a commissão executiva que havia
nomeado, composta de João Cordeiro, encarregado dos nego .
cios da fazenda ; major Manoel Bezerra de Albuquerque, en
carregado dos negocios da guerra ; João Lopes Ferreira Filho,
390

encarregado dos negocios interiores ; tenente Alexandre José


Barbosa Lima, encarregado dos negocios da justiça ; Joakim
Katunda, encarregado dos negocios do exterior ; capitão José
Ferreira Bezerril Fontenelle, encarregado dos negocios da
agricultura, commercio e obras publicas ; 2° tenente José
Thomaz Lobato de Castro, encarregado dos negocios da ma
rinha.
Em Piauhy, Rio Grande do Norte e Parahyba do Norte
a organisação do governo não encontrou a menor resistencia .
Naquella provincia elle organisa-se por acclamação po
pular no dia 17 , sendo os seus membros os capitães Reginaldo
Nemesio de Sá , Nelson Pereira do Nascimento, alferes João
de Deus Pereira de Carvalho, padre Thomaz de Moraes Rego,
tenente - coronel Joaquim Dias de Sant'Anna, coronel João da
Cruz ee Santos e Dr. Theodoro Alves Pacheco.
No Rio Grande do Norte o chefe do partido republicano
Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, publica na Re
publica, jornal republicano, um boletim na tarde do dia 15 ém
que noticia a proclamação da republica e no dia 17 é
acclamado chefe do poder executivo do novo Estado, tomando
posse da administração no palacio da presidencia.
Na Parahyba o povo reunido á frente do quartel do 27°
batalhão de infanteria, acclama o novo governo composto do
tenente - coronel Honorato Candido Ferreira Caldas , Commen
dador Thomaz de Aquino Mindello , Drs . Manoel Carlos de
Gouvêa e Antonio da Cruz Cordeiro Lima, capitão de enge
nheiros João Claudio de Oliveira Cruz e Pedro de Alcantara
Couceiro, 1º tenente da armada Arthur José dos Reis Lisboa.
Os membros do governo acompanhados de grande massa po
pular encaminham - se para o palacio da presidencia, onde in
timam o Dr. Francisco Luiz da Rosa, então presidente da
provincia, que entrega a administração sem a menor re
sistencia.
No Recife logo que o telegrapho annunciou os aconteci
mentos do Rio, a redacção d’O Norte tornou -se um centro de
grande agitação dos republicanos. Os boletins eram affixados
á porta da redacção e nas esquinas e o espirito publico come
391

çava a agitar -se em condições favoraveis á ordem de cousas


que se installava. A ’ frente de todo este movimento collocou
se Martins Junior com os seus illustres companheiros de pro
paganda.
No dia 16 elle entende- se com os commandantes dos cor
pos da guarnição que adherem á nova situação, não se demo
rando o inspector do arsenal de marinha em proclamar logo a
Republica neste mesmo dia.
O presidente da provincia, sem meios de governo e sendo
lhe impossivel qualquer resistencia, resolve convidar no dia
16 o commandante das armas José de Cerqueira de Aguiar
Lima, que somente em tal emergencia podia manter a ordem
publica e a elle passa a administração :
66
Receiando, dizia elle, que se levante a anarchia de um
momento para outro e reconhecendo - me sem meios para man
ter a ordem publica, rogo a V. Ex . que, em vista das circum
stancias extraordinarias que occorrem e que não podem ser
consideradas regularmente, assuma o poder que lhe trans
mitto por ser V. Ex . só quem tem força para exercel -o ."
E no dia 19 o governador militar publica sua proclama
ção aos habitantes de Pernambuco , como delegado do governo
provisorio, e nelle promettia ,, garantir direitos adquiridos á
sombra da lei , quando não incompativeis com a nova organi
sação e com o bem publico."
As primeiras noticias chegadas em Maceió, capital da
provincia das Alagoas, produziram no espirito publico a in
certeza e a indecisão. Ainda que no dia 16 de Novembro se
espalhasse um boletim em que se proclamava a Republica,
subscripto por alguns politicos da provincia, somente no dia
18 e por iniciativa da officialidade do 26° batalhão de infanteria
convidou -se o Club Federal , representado pelo Dr. João Gomes ,
para se tomar uma resolução em face da situação.
Resolveram conferenciar com o presidente da provincia
Dr. Pedro Ribeiro, que sem a menor resistencia entregou a
administração e então pelo exercito e o povo foi acclamado o
novo governo do Estado, composto do major Pedra como pre
392

sidente e os cidadões Ricardo Brennand, presidente do Club


Federal e o Dr. Manoel Menezes.
Neste mesmo dia publica elle uma pequena proclamação
ao povo em que promette respeitar todos os direitos dos cida
dãos e compromissos da provincia.
Em Sergipe a iniciativa da proclamação da Republica e
da installação do novo governo foi inteiramente do major de
engenheiros José de Siqueira Menezes, do Club Republicano
de Larangeiras e da capital .
Logo as primeiras noticias chegadas deram um começo
de agitação da opinião, no sentido de proclamar.sc a nova
fórma de governo e de intimar o presidente Dr. Thomaz Cruz,
actual senador da Republica, a entregar a administração.
Arrodeado pela camarilha do partido então dominante,
vacillou o espirito do administrador, suggestionado pelos con .
selhos de resistencia.
Põe- se á frente deste movimento o major Siqueira Mene
zes , que, tendo se reunido com alguns amigos e officiaes no
quartel da companhia de linha, na noite de 16 de Novembro,
resolve com elles no dia immediato proclamar a Republica e
organisar o governo. De facto. No dia 17 a onda popular di
rige-se para o palacio da presidencia ee ahi acclamam os mem
bros do governo, composto do major Siqueira, coronel Vi
cente Ribeiro, presidente do Club Republicano de Laran
geiras , e Balthasar Góes, um dos membros de mais prestigio
do partido republicano da provincia.
Estava de viagem para Sergipe o novo presidente nome.
ado, Dr. Manoel Joaquim de Lemos, delegado do governo
imperial. Achava- se na Bahia, quando em Aracujú já se tinha
proclamado a Republica e installado o governo. E disto tinha
elle conhecimento. Não obstante isto, embarca para Sergipe
na intenção de assumir a administração. Não passou de uma
velleidade infantil e de uma aspiração audaciosa que encontrou
resistencia no patriotismo d'aquelles que já estavam de posse
do governo da provincia.
Na Bahia os acontecimentos que acompanharam a pro
clamação da Republica e a installação do governo provisorio,
393

deram a medida da resistencia com que as autoridades


constituidas da provincia queriam vencer a nova ordem de
cousas .

Pela publicação que fez o Diario de Noticias no dia 16 , dos


>

acontecimentos do Rio, o presidente Dr. José Luiz de Almeida


Couto , a quem General Deodoro communicara a installação
do governo provisorio, já apoiado por muitas provincias, con
voca em palacio uma reunião, a que concorrem os amigos da
situação, ficando resolvido passar o seguinte despacho telegra
phico ao chefe do governo provisorio :
" Como presidente da provincia e em nome do povo ba
hiano, reunido espontaneamente e por muitos representantes
das diversas classes sociaes , sem distincções de partidos poli
ticos , sob a inspiração ardente do patriotismo, declaro respei
tar e manter a Constituição e as leis do Imperio."
Ao mesmo tempo que o presidente da provincia affirmava
tão .categoricamente sua lealdade e apoio ás velhas insti
tuições , a Camara Municipal da capital , presidida pelo Dr. A.
Guimarães, vinha em auxilio da resistencia official na seguinte
mensagem approvada por todos os seus membros :
" A Camara Municipal desta cidade reunida hoje em
sessão resolveu por unanimidade officiar a V. Ex. , apresen
tando -lhe os seus sentimentos de fidelidade á causa da mo
narchia e das instituições vigentes . Agora que chegam da
côrte noticias dos graves acontecimentos que alli se estão
dando, é dever da camara rodear de todo o apreço a cadeira
exercida por V. Ex . , como delegado do governo imperial”.
?

Estava lançado o brado da resistencia .


O chefe da força militar na provincia, general Hermes da
Fonseca, irmão do chefe do governo provisorio, não foi em
começo sympathico á causa da revolução.
Sua indecisão animou ainda mais as tentativas de
reacção. E, si o coronel Frederico Cristiano Buys não se col
loca á frente das forças para cortar a resistencia official, de
facto a Bahia tornar-se -hia o theatro de profundas alterações
da ordem publica. Tendo a seu lado a força militar, presa por
um só pensamento, proclama a Republica, sendo então accla
394

mado pela tropa e pelo povo o Dr. Virgilio Damasio, chefe


republicano da provincia, governador do novo Estado. Este
procedimento patriotico do illustre militar, em emergencias
tão difficeis, evitou que especulações politicas viessem per
turbar a paz da provincia .
No Espirito Santo as cousas passaram-se na maior or
dem. A ' frente do movimento collocaram- se o Dr. Affonso
Claudio ee seus correligionarios e o capitão Francisco de Paula
Costa, sendo pelo povo e a tropa acclamados como membros do
novo governo .
A provincia do Rio de Janeiro era administrada pelo
Dr. Carlos Affonso , irmão do presidente do conselho. Prepa
rava-se para prestar ao governo imperial elementos de re
sistencia, mandando para a côrte o corpo policial da provin
cia, sob o commando do coronel Honorio Lima, quando o
coronel Fonseca e Silva assume o commando do corpo, le
vando-o para Nictheroy . Ainda assim o presidente ordena ao
major Deschamps que assuma o commando, devendo ir postar
o batalhão no littoral da cidade .
As ordens presidenciaes não foram attendidas.
O batalhão já tinha adherido á revolução, acceitando o
commando do coronel Fonseca e Silva que, como agente e
representante do governo provisorio, começou a tomar me.
didas em favor da manutenção da ordem . Até que assumio
a administração da provincia o Dr. Francisco Portella, no
meado governador do Estado, esteve na administração aquelle
coronel , prestando os grandes serviços da manutenção da
ordem publica que os interesses officiaes tentaram agitar.
Em S. Paulo, foi por iniciativa do partido republicano e
da officialidade dos corpos de guarnição, que se fez a procla
mação da Republica. Desde a noite de 15 , com a chegada das
primeiras noticias dos acontecimentos do Rio , reunio- se o
partido sob a presidencia dos seus chefes e no dia 16
grande massa de povo acclamava Rangel Pestana, Prudente
de Moraes e coronel Mursa, membros do governo provisorio
que desde esse dia ficou installado, tomando posse das novas
funcções no paço da Camara Municipal. Prometteu esforçar- se
395

por bem cumprir os deveres dos seus cargos, procurando


manter a paz e a tranquillidade publica, garantir todos os di.
reitos e interesses legitimos, consolidar as instituições repu
blicanas e depor o mandato que lhes foi conferido por accla
mação popular nas mãos do poder constituido do Estado.
Em Minas Geraas foi tambem o partido republicano
que se poz á frente do povo para proclamar a Republica. As
primeiras noticias chegaram no dia 15. Logo produziram
grande agitação no espirito publico. No dia 17 esperavam na
capital o Dr. Cesario Alvim , indigitado pela opinião como o
escolhido para governador do Estado. Não tendo chegado elle
á capital , o povo acclama o Dr. Antonio Olynto governador.
Assumio n'este dia aa administração publica.
a
Em Matto-Grosso os acontecimentos deram-se sem
menor alteração na ordem .
Na capttal da provincia chegou no dia 17 a noticia dos
acontecimentos . Produzio o maior enthusiasmo no espirito
publico e logo o povo com a tropa acclamou governador o
general Antonio Maria Coelho que a 9 de Dezembro publicou
uma proclamação em que promettia garantir todos os direitos.
Em Santa Catharina foi proclamada a Republica e instal .
lado o governo no mesmo dia 15. O povo e a tropa acclamam
o coronel João Baptista do Rego Barros Cavalcante de Al
buquerque, commandante do 25º de infanteria, Dr. Alexan .
dre Marcellino Bayena e Raulino Julio Adolpho Horn , mem
bros da commissão federal do partido republicano, membros
do novo governo .
No Paraná no dia 16 foi ella installada .
No Rio-Grande do Sul assumio a administração da pro
vincia o Visconde de Pelotas , como delegado do governo pro
visorio.
Ahi estão os factos descriptos em seu maior resumo.
Em parte nenhuma a nova ordem de cousas teve de luctar
contra grandes resistencias. Em todas as provincias ella foi
acceita pelo povo com as mais vivas demonstrações de sym .
pathia. A imprensa, as classes sociaes, as collectividades in .
dustriaes e commerciaes , as camaras municipaes, os membros
396

dos partidos do antigo regimen, a imprensa, tudo em summa


veio trazer á nova situação o concurso do apoio.
Foi esta a situação subjectiva da nação. Os proprios par
tidos do Imperio dissolveram -se espontaneamente e os seus
membros vieram alliar-se ao partido republicano historico.
Não só isto. Os seus chefes vieram em documento publico
trazer ao conhecimento do paiz a sua adhesão.
Foi assim que se proclamou a Republica no Brazil .
CAPITULO IX

Conclusão

O que se contém nos capitulos anteriores é sufficiente


para provar a influencia que exerceu a idéa republicana
na vida politica do paiz. Teve causas de origem , factores
de desenvolvimento que lhe fizeram atravessar successivas
gerações até constituir-se como o principio basico da nova
organisação constitucional . Desde seu periodo de formação,
até sua phase completa de organisação, a idéa soffreu tran
sformações no espirito nacional , deixando uma tradição
historica que serve de medida da influencia que exerceu sobre
a politica do paiz.
A proclamação da Republica não veio como um inci
dente historico , ligado a causas estranhas ao desenvolvi .
mento politico da nação. Ella foi a phase final dessa evolução
republicana, que, iniciando-se nos ultimos annos do seculo
passado, veio prendendo as gerações em uma mesma orien
tação, em uma só vontade, até formar uma situação moral
no paiz incompativel com as instituições vigentes, enfra
quecidas pela falta de apoio moral a que chegaram na opinião
publica.
Em começo, sua primeira manifestação não passou de
uma aspiração emancipacionista, tal qual se pinta na In
confidencia de Minas, em relação á metropole, provocada e
occasionada pelo regimen tributario pesadissimo, pela falta
de sentimento de justiça na administração , pelas violencias
repetidas contra as garantias do cidadão, pela indifferença
dos direitos, circumstancias estas que trouxeram grande
descontentamento ao espirito popular, que appellou para a
resistencia , como um protesto á ordem de cousas dominante.
O sentimento republicano de então definia -se como a reacção
desse sentimento pessoal .
398

E' esta a physionomia de sua primeira manifestação.


E' a sua phase embryonaria que chega até 1817, com a revo .
lução de Pernambuco, gyrando toda ella em roda das mesmas
aspirações e dos mesmos sentimentos da Inconfidencia de
Minas. E' a acção do interesse pessoal contra a acção do
governo, profundamente attentatoria dos interesses eco .
nomicos da capitania e das liberdades dos cidadãos.
Começa então a phase nova que assumio o principio
politico. De uma aspiração emancipacionista, toma as fórmas
de uma aspiração de autonomia e independencia locaes.
E esse o idéal da Confederação do Equador. Não é somente
a emancipação da provincia o objecto para o qual se dirigem
os factores revolucionarios. Querem conquistar a indepen
dencia e autonomia em relação ao governo central do paiz,
por um laço de federação que deve prender os governos,
como condição de sua permanencia e desenvolvimento . Entra
então o principio em sua phase de organisação, que desde o
começo se caracterisa pela feição federalista, em torno da
qual agitam-se os revolucionarios de 1824 em Pernambuco.
Esta phase que se estende até a revolução de 13 de
Novembro, sem que elemento novo, aspiração diversa, viesse
mudar sua natureza dar- lhe differente aspecto, apresenta
dous periodos , intermediados por um espaço de calma e
de torpor que não evitou entretanto que um fosse o com
plemento do outro.
Si o segundo periodo que se estende de 1870 a 1889
foi mais rico pelo brilhantismo da propaganda , quer na
imprensa, quer na tribuna, pela eloquencia dos oradores e
a illustração e habilidade dos escriptores, com tudo nada
adiantou á conquista de principios, no terreno propriamente
theorico, já feita pelo primeiro periodo que se estend ede
1824 a 1840 .
Aquelles que no ultimo periodo se empenharam pelo des
envolvimento do principio politico não ultrapassaram os
propagandistas do primeiro.
De facto. De 1824 a 1840 a idéa republicana chegou
a assumir a forma de aspiração federalista. Chegou tambem
399

a inspirar a elaboração do direito constitucional, quasi sob


os mesmos principios da Constituição promulgada pela
constituinte de 15 de Novembro de 1890.
Ahi estão os votos de Caneca na Camara Municipal do
Recife e o projecto de Constituição da Republica de Piratinin
‘ N’estas tentativas da elaboração de direito, vemos claramente
os principios da federação , da divisão e separação dos pode.
res, do presidencialismo, da igualdade dos dous ramos do
poder legislativo, os mesmos que serviam de ponto de inspi.
ração á constituição republicana de 1890.
Si pelo lado do direito constitucional o primeiro periodo
da propaganda chegou á phase adiantada de sua elaboração,
pelo lado da forma da idéa republicana, chegou tambem á
conquista da federação como ponto convergente da aspira
ção republicana. Ahi está como prova a Confederação do
Equador e a revolução de 1835 no Rio Grande do Sul , que
não passam de uma reacção dos interesses locaes em favor
de sua autonomia e de sua liberdade. Sob este aspecto, a
segunda phase da propagando em nada adiantou ao que ja
tinham firmado os primeiros propagandistas da Republica.
As causas de origem e desenvolvimento da idéa repu
blicana e que dividimos em causas economicas, politicas e
sociaes , já tão amplamente estudadas nos capitulos anteriores ,
são justamente as causas que apontamos da revolução de
15 de Novembro .
Os factos que a ellas se prendem, foram operando, mo
vimento de desaggregação da instituição monarchica. As con
dições economicas e financelras a que foram chegando as pro
vincias, pelas praticas politicas e administrativas que o re
gimen foi pondo em execução, não podiam deixar de affectar
os interesses do povo e despertar a antipathia contra as
instituições.
A’acção deste factor associou - se a influencia que catalo
gamos na classe de causas politicas e sociaes e que aqui não
temos necessidade de reproduzir.
Foi uma acção lenta e demorada no seio social , pela in
fluencia complexa de tantos factores, quantos eram os vicios
400

e os defeitos da instituição em sua pratica o que deu á Re.


publica o valor de um facto historico. Não foi um simples
accidente .
A sua proclamação como forma de governo não é mais
do que o termo final dessa evolução secular e a consequencia
inevitavel de precedentes que em uma longa e demorada
elaboração chegaram á transformação radical das instituições
politicas do paiz, com a revolução de 15 de Novembro.
APPENDICE

O Positivismo

Pelos ultimos tempos da propaganda republicana, no


periodo em que as idéas liberaes foram pouco a pouco cavando
a demolição da monarchia e o espirito scientifico contempo
raneo foi se acclimando no Brasil , sobre tudo nas classes let
tradas do paiz, teve o seu surto obscuro ee modesto a philosophia
positivista, transplantada pelos esforços e convicção dos seus
primeiros apostolos nesta terra. Nucleo limitado de crentes,
nascido ainda de vacillações philosophicas no campo latitudi
nario do materialismo scientifico e das ideas correntes , afinal
chegou elle logo cedo á sua verdadeira determinação, com a or
ganisação orthodoxa da Religião positivista de Augusto Comte.
Desde esse momento vemol -a crescer, sem grandes im
petos é certo, mas com a segurança e a serena firmeza da
victoria final. Mas a doutrina positivista não se limitava
apenas a considerações philosophicas sobre o que se chama
propriamente a religião no sentido restricto e commum , en
volvia igualmente graves deveres e responsabilidades , a
reforma total da sociedade e da conducta publica e privada dos
individuos ; e emquanto não se dava o advento da doutrina
regeneradora ao poder pelo consenso natural do meio sobre
o qual exercia- se o apostolado, n'esse meio tempo, o positi
vismo encaminhava, quanto lhe era possivel, todas as questões
politicas que se agitavam , sem nunca perder as opportuni
dades , que reputavam dever, da constante intervenção moral,
afim de esclarecer os seus confrades ou mesmo a todos que
tacita ou declaradamente solicitavam o concurso e o apoio
dos novos religionarios.
Por esse caracter da sua propaganda religiosa é que foi
de inestimavel apreço a influencia que o positivismo exerceu
v. 1 26
402

sobre os espiritos , directa ou indirectamente em favor da idea


republicana.
Sempre vimos os seus apostolos ao lado de todas as ideas
grandiosas que se agitavam em nosso paiz, e se bem que,
sabemol-o, não tivessem nem tenham grandes sympathias
pelo ideal de democracia, tal como no seculo o imaginamos,
entretanto não houve idéa liberal que esses novos apostolos
não sustentassem nem promovessem com vigor inexcedivel ,
com logica insuperavel, e com o exemplo de uma conducta
austera e de uma integridade e pureza de caracter que fazia
lembrar a attitude dos primeiros christãos, na quéda do
paganismo .
Não era todavia bastante geral e extenso o influxo do
positivismo, mas era de certo definitivo e profundo. As diffi
culdades da doutrina, as suas restricções quanto ás toleran
cias da vida vulgar, e o ardor da sua disciplina, a propria
modestia e o rigor de conducta que impunham- se os novos
adeptos, tornava - a pouco apta a generalisar-se com vehemen
cia e rapidez, mas ao mesmo tempo trazia- lhe a vantagem de
adhesões limitadas , porém profundas e firmes.
Esse caracter de estreiteza que restringia e ao mesmo
tempo fortalecia o campo de acção da propaganda, fez com
que não dessemos ao concurso dos positivistas a larga parte
que tiveram nos successos que precederam á instituição da
Republica.
No capitulo em que estudamos as causas sociaes da evo
lução republicana entre nós , fizemos figurar como uma das
mais importantes entre ellas a emancipação intellectual do
paiz, a datar de 1870 . Fizemos vêr tambem que a nossa
orientação scientifica, para que convergiram as classes intel
lectuaes da nação, dividio- se em duas correntes o evolucio
nismo Spencer — häckeliano, e o positivismo.
Na primeira edição deste trabalho mostramos a influencia
que exerceu a orientação evolucionista sobre a emancipação
intellectual e os auxilios que indirectamente prestou á mar
cha da propaganda republicana, assim como registramos os
nomes dos seus propagandistas e apontamos o seu foco de
403

irradiação. Fomos profundamente omissos , porém, no estudo


da influencia positivista sobre a evolução democratica. ЕёEé
essa omissão que nos obriga a escrever este capitulo, no qual
procuraremos estudar, tanto quanto nos fôr possivel , a influ
encia historica do positivismo entre nós , principalmente em
relação as nossas conquistas politicas e sociaes.
Na primeira edição só mostramos a influencia que exer
ceu Benjamin Constant, como orgão de propaganda do positi
vismo nas escolas militares e o concurso com que elle obrou
como factor da propaganda politica . Não pareça, porém , que
elle se constitua como o iniciador das novas idéas , nem tão
pouco como o verdadeiro representante dellas entre nós . Sua
propaganda, já fizemos vêr, foi mais politica, do que scien
tifica .
Seus verdadeiros iniciadores foram, não ha duvida,
Miguel Lemos e Teixeira Mendes e nenhum delles para
chegar ás convicções positivistas , soffreu a suggestão de
Benjamin Constant. E como prova devemos trasladar para
aqui suas proprias palavras.
Assim, diz Miguel Lemos : « Do que acabo de narrar
conclue - se que foi de Janeiro a Março de 1875 que effectuou
se a evolução mental que me transformou em um ardente
discipulo da philosophia positiva . Antes desse periodo e
durante elle, nunca tive o menor contacto com o Sr. Dr. Ben
jamin Constant, a quem nem de vista conhecia, e nem sequer
S. S. influio sobre mim atravéz de qualquer de seus discipulos,
pois que o proprio Sr. José de Magalhães, que apenas se
limitava a recommendar -me a parte mechanica do Systema
de Philosophia Positiva, tambem era completamente extranho
a semelhante influxo...” (1 )
Diz ainda : “ De tudo quanto acabo de expôr, re
salta , com a maior das evidencias, a demonstração de que eu
nunca fui discipulo do Sr. Dr. Benjamin em gráo nenhum ,
nem de mathematica, nem de philosophia positiva, não tendo

(1 ) Nossa Inissiassão no Positivismo . Miguel Lemos e Teixeira Mendes,


pag . 9.
104

este professor concorrido com o minimo contingente para a


minha adhesão á philosophia positiva de Augusto Comte.
Nas duas outras vezes que assisti, como curioso, as suas
aulas , de 1875 á 1876, e nas vezes mais frequentes que me
foi dado conversar com S. S. , durante o mesmo periodo e
depois de minha volta da Europa, nada, absolutamente nada
aprendi com S.S. no dominio philosophico, mesmo limitado
á parte mathematica . " ( 1 )
Não são menos expressivas as palavras do Sr. Teixeira
Mendes , tiradas do mesmo livro. Assim dizia elle : " Vê -se
pois que nunca fui discipulo de S. S. Nas rarissimas vezes
que de 1876 á 1877 tive ensejo de entrar em suas aulas de
calculo, não me lembro de ter ouvido de S. S. coisa que
adiantasse ao que eu já sabia. Porque, fóra do que consta de
qualquer compendio, o afamado professor expendia o que já
eu aprendera na Geometria Analytica ou no 1 ° vol . do Sys
tema de Philosophia Positiva. "

“ Esses contactos especiaes serviram apenas para mani


festar-me, como o reconheci mais tarde, o atrazo em que se
achava o prestigioso professor. Com effeito, a sua emancipa
ção academica era tão imperfeita, que elle julgava neces
sario completar o estudo da Geometria Analytica de Augusto
Comte pelo tratado de Leroy, como depois disse-me."
Diz mais : “ Vê -se, pois , que não foi S. S. o meu inicia
dor no Positivismo . Nenhum principio aprendi com S. S."

" De toda a exposição precedente resulta não só que o


Sr. Dr. Benjamin não foi nosso iniciador no Positivismo;
mas tambem que S. S. não estava nos casos de o ter sido.
Com os conhecimentos que a tal respeito manifestou até hoje,
e com os seus habitos didacticos, S. S. poderia, é certo, nos
ter communicado as vistas iniciaes de Augusto Comte sobre
mathematica, si houvesse entrado mais cedo para a Escola

(1) Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Obr . cit . pag . 11 .


405

Polytechnica, ou si nós mais tarde tivessemos nella pene


trado. Mas, mesmo nesta hypothese, não nos teria propor
cionado qualquer esclarecimento sobre o systema philoso
phico de Augusto Comte, a respeito do qual jámais ouvimos
a mais insignificante exposição feita por S. S .” ( 1)
Tudo isto prova que Benjamin Constant não foi o inicia
dor do positivismo entre nós, e sim Miguel Lemos e Teixeira
Mendes , que desde 1875 convergiram seus esforços para es
palhar em nosso meio social as bases da doutrina. Por meio
della não podiam deixar de contribuir, como contribuiram,
para alargar a consciencia civica e liberal da nação e obrar
como factores da evolução democratica do paiz e de sua
emancipação intellectual.
Si Benjamin Constant não foi o iniciador das novas ideas
e a personificação dos esforços positivistas, prestou-lhe entre
tanto grandes serviços, tornando -se o agente de sua genera
lisação por entre a mocidade das escolas. Na cadeira de pro
fessor não só se constitue como factor da emancipação intel
lectual , com o ensino das sciencias naturaes, como agente de
propaganda politica no exercito. E este é o lado mais util e
eminente de sua funcção historica, como cidadão.
Si a propaganda não lança o seu germen nos arraiaes
das forças armadas da nação e que veio a proliferar -se com
os acontecimentos posteriores , que tanto atritaram o exer
cito com a autoridade civil , talvez a Republica agora mesmo
ainda não fosse uma realidade e pairasse no plano das aspi
rações nacionaes . E' nisto que está realmente a funcção de
Benjamin .
Não foi por certo pequeno o concurso do positivismo,
encarado sob o prisma da propaganda abolicionista.
Assumindo a propaganda positivista a forma de um
corpo systematisado, disciplinado, homogeneo, e sob a dire
cção da maior unidade de vistas, com a fundação do Aposto
lado Positivista, nunca recuou de dar sua opinião sobre as

( 1 ) Obr . cit . pag . 25 .


406

questões de caracter politico e social que se agitaram no


tempo do Imperio.
Veremos d’aqui por diante o modo pelo qual se fazia a
intervenção doutrinaria do positivismo, todas as vezes que as
opportunidades se apresentavam , diante das questões que
surgiam , e sobre as quaes não só o povo não tinha orientação
segura, mas até os proprios politicos , frequentes vezés, inde
cisos , não tinham opinião firmada pela convicção nem pelo
estudo.
A intervenção positivista era n'esses casos mais do que
a simples exteriorisação dos sentimentos do apostolado, era
tambem um ensinamento e uma elucidação proveitosa aa todos,
mesmo aos indifferentes e aos antipathicos da nova dou
trina .
D'ahi a importancia da sua actividade na formação da
opinião publica.
Cousa facilima seria pelo exemplo fazer avultar o numero
das vezes em que a intervenção positivista se fez ; pois que á
nenhuma questão de interesse geral foi elle indifferente.
Assim, quando os poderes publicos da nação cogitaram
da immigração chineza em 1881 , dizia o Apostolado : “6. Para
logo abrio- se vasto campo ás devastações da anarchia em que
se convulsionava a Europa, e começou a exploração mon
struosa dos povos novamente descobertos. Por esta forma
originou - se o banditismo internacional hoje em pratica pelos
governos do occidente e que resume-se nesta phrase cruel
oppressão dos fracos pelos fortes desmoralisados."
" A este Occidente anarchisado, a rasão honesta indicou
uma marcha unica em suas relações com os povos que tiveram
a infelicidade de conhecel - o em hora tão má : limitar -se aa sim
ples transacções commerciaes , sem a minima violencia , sem
a minima extorsão, o regimen , em summa de uma liberdade
sinceramente mantida .” (1 )
O projecto da creação de uma Universidade no Rio de
Janeiro foi uma das preoccupações do imperador, que só
( 1 ) Immigração chinesa , pag. 7.
407

governava, com os olhos na opinião das academias européas,


e sem consciencia de nossa situação moral e politica, cuidava
em crear no nosso paiz os entraves que só por sobrevivencia
tradicional ainda existiam na Europa. Isso podia servir ao
fausto, ao pedantismo da côrte, embora accrecesse o esbulho
e lesão dos verdadeiros interesses populares.
A proposito d'esse projecto que longamente affagado
surdiu á luz em 1882 , o Centro Positivista, pela voz do
Sr. Teixeira Mendes, analysou magistralmente a questão,
dando golpe mortal á infeliz idéa.
Para aqui trasladamos algumas das suas palavras de
então, pois que ellas envolvem certas vistas geraes que é util
pôr aqui em evidencia.
Dizia elle referindo-se ao campo de acção em que devia
gyrar o poder politico relativamente ás questões de ins
trucção publica :
160 nivel do ensino secundario e superior tende por
tanto a abaixar, para affazer- se á incapacidade do parasi
tismo burguez que tudo invade, logares de alumno e profes
sorado ; inventam-se cadeiras novas para os recem -diplo
mados e prestam-se o progresso e as necessidades do ensino
para justifical-as: superabunda a classe dos directores sociaes
e augmentam os vexames da massa proletaria . Perde a
sociedade , que vê desfalcar - se o capital humano da somma
que o parasita consome e da que elle deixa de produzir, além
dos effeitos perniciosos da sua influencia social e moral .
" A isto accresce que os proletarios, vendo o desprezo
com que são olhados pelos individuos que a veneração leva
a considerar superiores a si, tratam de arrancar os filhos da
rude condição em que nasceram. Contempla -se então o espe
ctaculo pungente de familias inteiras em que pae, mãe e até
as miseras irmãs trabalham noite e dia para realisar esta
aspiração : ter um membro da famlia doutor, e, mais tarde,
quem sabe ? deputado, senador, ministro, conselheiro de es
tado, etc. Alguns o conseguem de facto, e até mesmo sem
ter capacidade de qualquer ordem ; porque os lentes são com
passivos ou ineptos, a burguezia a final não recusa uma carta
408

de empenho, os homens têm coração e não podem in utilisar


tantos sacrificios e tamanho devotamento. ” (1 )
Dizia mais :

“ Sendo assim , é possivel governar pelo conselho um


paiz, onde os cidadãos que se occupam de politica tem opi
niões suas a respeito de cada questão social e moral ? Um
paiz em que a classe governante tem o amor social tão pouco
desenvolvido, que põe de parte o mais urgente de nossas
questões — a emancipação do trabalhador agricola -e só
cuida de enriquecer-se e gozar ? O que resta, pois, além da
e

dictadura ? Força, representada por um só homem ou força


de uma assembléa que afinal se resume no homem de sua
confiança ; isto é, dictadura pessoal ou dictadura parla
mentar, o resultado é o mesmo ; manda quem tem força e
obedece quem é fraco‫ ; ܙ‬não ha liberdade . " (2)
Ainda são dignas de leitura essas palavras que se vão lêr :
" Concluida esta, (guerra externa), a attenção volta-se
para o problema social e politico.
“ Não é possivel que continue escrava a raça que con
correu para a integridade da America portugueza contra os
bollandezes, e que acabava de batalhar pela integridade do
Brazil. Mas a ambição dos senhores e a inferioridade da dic
tadura não permittem uma reforma na altura da situação ; e
o problema fica posto, mas não resolvido.
“ Por outro lado , a dictadura monarchica se tinha tor
nado cada vez mais retrograda. Violenta em excesso a prin
cipio, ella substituira depois a violencia pela corrupção e
systematisára esta como meio de governo.
• Os homens velhos começaram a descrer das institui
ções ; muitos abandonaram os antigos partidos e confessaram
se republicanos ; a mocidade os seguiu. Mas , foi com a Repu
blica democratica, a Republica de Rousseau, que elles so
nharam , até que um punhado de moços inaugurou a propa
ganda da regeneração pela sciencia , isto é , o Positivismo.

( 1 ) Teixeira Mendes. A Universidade, pag. 13.


(2 ) Idem , ipse-pag. 26 .
409

E' esse grupo que tenta introduzir entre nós a escola de Di


derot, mas já concluida por Augusto Comte.” (1 )
Todo o mundo hoje e a geração presente com especiali
dade , bem conhece a agitação tremenda que trouxe a
questão do elemento servil na nossa patria.
A capital importancia que ella trazia em si pelo influxo
moral que representava e o terror das consequencias eco
nomicas que viriam de certo transformar o nosso direito pu
blico ligado como está sempre ás couvulsões do re
gimen economico tudo fazia com que a nenhum espirito
que se occupasse dos nossos creditos politicos e moraes ,
diante da opinião universal, passasse indifferente a onda
victoriosa da propaganda abolicionista.
A propria Republica devia ser em grande parte um dos
corollarios d'essa revolução, que vinha transformar o regimen
do trabalho e tirar á casta que usurpára o privilegio de go
vernar 0
seu unico e immoral apoio nas classes interes
sadas .
Um dos grandes factores espirituaes da propaganda foi
o centro positivista, que sempre e por toda a parte e a pro
posito de todas as questões, agitava essa outra da abolição da
raça escravisada desde muito pela iniquidade dos conquista
dores .
Além de varias manifestações dispersas com publicidade
em diversas occasiões, a attitude dos positivistas durante os
ultimos tempos da escravidão foi ainda mais definida e cons
tante .

E' o que se pode provar á saciedade.


Quando em 1884 o Sr. conselheiro Souza Dantas levou
ao recinto do parlamento a questão da emancipação dos es
cravos e que o paiz teve de eleger os representantes, o Centro
Positivista assim se externava : " O futuro da Patria está in
dissoluvelmente ligado á sorte destes milhões de brazileiros
iniquamente escravisados. Emquanto não forem elles res
tituidos á liberdade, faltará ao paiz a calma imprescindivel

( 1 ) Idem , ipse- pag. 58 .


410

á meditação dos problemas de cuja solução depende a com


pleta separação dos poderes espiritual e temporal. Ora, se
melhante é o ponto de partida da reorganisação politica e
moral da sociedade.

“ Os positivistas brasileiros cumprem portanto um dever


que não comporta sophismas, reclamando, em nome da
Patria, que todos os cidadãos empreguem a sua infiuencia
directa ou indirecta para concentrar os votos do eleitorado
em candidatos abolicionistas que merecerem a confiança
do governo."
E ao proprio presidente do conselho de ministros di.
rigiam os positivistas uma carta de congratulação, por ter
dissolvido a camara escra
ravocrata , que procurou oppor obices
a uma conquista liberal , e então diziam : 66 Em nome dos
positivistas brazileiros cabe- me a honra e o dever de apre
sentar- vos as nossas sinceras felicitações pelo modo digno e
energico com que soubestes vencer uma colligação parla
mentar, tão impura em sua origem, como anti -patriotica em
seus fins, conseguindo da confiança merecida do chefe de es
tado a dissolução necessaria de uma camara retrograda e anar
chica que, sob o impulso de mesquinhos interesses pessoaes e
locaes, pretendia oppôr-se a uma das reformas mais urgentes
reclamadas pela opinião publica, não só do nosso paiz, mas
de todo o Occidente."
A proposito de um projecto de secularisação de cemi .
terios, apresentado no senado em 1887 , o Sr. Teixeira Mendes
veio prestar em publico em favor da conquista liberal o
apoio de sua opinião, mostrando a necessidade de nossa
emancipação religiosa.
Os que se oppuzeram ao projecto eram taxados de que
rerem manter o estado de putrefação politica e moral em
uma
que se acha a sociedade moderna, creando tropeços a
reorganisação, que seria o aniquilamento dos gosos que des
fructam ."
Sobre o projecto de casamento civil , apresentado no par
lamento a 5 de Maio de 1884 , dizia o Sr. Miguel Lemos : " nós
411

não pugnamos pelo casamento civil , como expediente desti


nado a favorecer a immigração, mas como instituição normal
imprescindivel á bôa organisação politica e como uma das
99

condições necessarias da liberdade espiritual.


E ao proprio ministro dirigio o Centro Positivista o se
guinte : " Os membros do Centro Positivista do Brazil vêm
cumprir um dever civico apresentando a V. Exa. as suas feli
citações motivadas pela decidida iniciativa que acaba V. Exa.
de tomar na organisação da Patria Brasileira, com o projecto
de casamento civil .
Abolir o regimen escravagista e separar o poder tem
poral da autoridade espiritual — tal é o duplo problema que
os nossos antecedentes historicos impoem actualmente ao es
tadista . "
Em defesa da liberdade individual, o Centro veio pro
testar contra um projecto para reprimir aa ociosidade, em 1888.
Em uma carta dirigida pelo Centro ao Bispo do Pará,
em 1888 , a proposito de uma representação que dirigira á
Camara, discute e demonstra a necessidade da liberdade de
cultos, como uma conquista da emancipação religiosa, e ter
mina pelas seguintes palavras :
“ A verdade é que pelos nossos antecedentes historicos , a
monarchia não possue entre nós adherentes reaes . A sua
manutenção actual representa a defesa de certos interesses
egoistas só e exclusivamente , e esses interesses se resumiam
na escravidão . Abolida esta , nenhuma outra consideração
liga ao throno a massa activa da Nação . "

“ Tambem póde-se assegurar, que nenhum verdadeiro


estadista deixará de ter reconhecido que as actuaes conces
sões são impotentes para consolidar entre nós as instituições
monarchicas . Todas as liberdades que possuimos devemos
aos nossos antecedentes historicos, e não á fórma de governo
que nossos antepassados adoptaram . A prova éé que essa
fórma de governo , em outros paizes , não deu os mesmos re
sultados . Tambem seria facil , examinada a historia, demon
strar que a nossa situação não é devida á capacidade politica
412

dos chefes que estes antecedentes nos deram. Os governos


entre nós têr sido continuamente dirigidos, em vez de dire
ctores , custando-nos a sua impericia o aggravamento dos
vicios inherentes á faze revolucionaria que atravessamos . "

“ A monarchia tem tão poucas raizes nos sentimentos e


nas convicções nacionaes, que a justa gratidão popular que
hoje cerca a S.A. , a princeza imperial, é incapaz de cimentar
lhe o throno. E admira que o illustre cidadão que em si
resume os esforços parlamentares abolicionistas , não tenha
percebido que o prestigio resultante dessa lei, pela sua natu
reza altruista, só póde garantir á S. A. imperial a direcção
do paiz, si ella continuar como naquelle caso, a ser o orgão
das aspirações nacionaes. Ora, essas aspirações são tão in
compativeis com a persistencia da hereditariedade monar
chica e das dotações dispendiosas da familia imperial , como
com a exagerada centralisação politica, objecto das reclama
ções de S. Exa. Quanto á plena liberdade espiritual , sem o
que não ha verdadeira republica, embora não seja uma aspi
ração popular ainda, não é difficil que os revolucionarios ,
apoiados das tendencias liberaes da nação a invoquem contra
qualquer governo retrogrado."
Sobre a questão abolicionista não eram menos francas
as opiniões positivistas. Assim , em um folheto - Aboli-.
cionismo e Clericalismo dizia 0 Sr. Teixeira Mendes
em 1888 :
" A respeito do Sr. D. Pedro II observaremos que é bem
triste defesa para um chefe de Estado o dizer-se que o amor
do poder o fez coparticipar no suplicio dos seus concidadãos.
Nunca fizemos de nenhum dos ministros de sua magestade
um grande homem . Até hoje só conhecemos um verdadeiro
estadista na nossa patria, e foi o velho José Bonifacio, cuja
influencia a monarchia inutilisou. E nem admira que acon
teça ; porque apoiado em uma constituição, que lhe permittia
transformar-se legalmente em um dictador digno e firmado
sobretudo nos nossos antecedentes historicos que lhe asse
guravam o assendente do poder central , o Sr. D. Pedro II só
113

soube tornar- se o chefe da oligarchia escravista, ou o que é o


mesmo, dos nossos partidos constitucionaes.

* Mas os homens não são todos heróes ; a responsabili


dade do imperador, provem de ter favorecido o scepticismo
politico, a falta de civismo, o servilismo, nepotismo e até a
putrefacção dos que sem os alentos da coroa não teriam escan
dalisado a sociedade com o espectaculo da infamia galardoada.
Fóra desse programma, o unico esforço do actual imperante
tem-se cifrado em captar a benevolencia dos pedantocratas
em scientista ou sabio, com a mesma liberalidade com que
elle os distinguira, constituindo-se ao mesmo tempo o pa
trono da pedantrocacia nacional. "

" . Devemos tambem declarar que não aceitamos de forma


alguma uma restauração em favor de um chefe de estado que
por sua falta de civismo deixar que se opere tumultuosa
mente uma revolução que elle podia ter dirigido.
6
“ Depois de semelhante prova de inepcia politica e moral
nenhum cidadão poderia sem crime de lesa-patriotismo pre
star o seu concurso para uma tal tentiva. Pela nossa parte,
affirmamos que com a mesma insistencia combateriamos qual
quer projecto tendente ao seu restabelecimento, caso a tran
sformação se operasse sem o seu concurso. Aliás , semelhante
hypothese não se realisaria entre nós : nossa situação e a
nossa época não comportam um Monk . ”
6
“ Fomos nós que trouxemos á abolição no Brazil, desde
1880 os argumentos scientificos formulados por Augusto
Comte, contra a escravidão . Fomos nós que demonstramos,
repetindo igualmente o nosso mestre, as eminentes quali
dades da raça negra. Fomos nós que tiramos do olvido o
projecto de José Bonifacio, o patriarcha de nossa indepen
dencia, acerca da abolição. Jámais cessamos de reclamar que
o imperante decretasse dictatorialmente a liberdade de nossos
concidadãos escravisados.”
414

" Mas não era tudo. Reunindo como costumamos o


exemplo ao preceito, logo que em 1883 , nos separamos de um
director indigno (M. Laffitte), ficou expressamente prohibido
a todo membro da pequena Igreja Positivista do Brasil 0
.
possuir escravos , sob qualquer forma que fosse."
Pelo pouco que acabamos de ver, apoiando as nossas
asserções em trechos de documentos do Centro Positivista,
póde-se avaliar sufficientemente o contingente de acção, de
sentimento e de saber que trouxe a nova doutrina e os seus
adeptos para a victoria das idéas liberaes e republicanas .
Não ha um só principio capital no programma republicano
cuja conquista não deva alguma cousa ao influxo do seu pa
triotismo entre nós . Sempre ao lado das idéas , das aspirações,
dos sentimentos generosos , 0 seu proselytismo tem tido o
grande merito de ser uma das mais bellas expressões de que
é capaz o caracter nacional .
Offuscado ás vezes pelas razões de intolerancia que
tanto obscurecem e deturpam as apreciações levianas de juizes
vulgares, entretanto ser- lhe-á afinal favoravel a justiça da
historia, quando desapparecer o tumulto da occasião, ou a
paixão do momento.
II

O manifesto de 3 de Dezembro de 1870

Devemos á obsequiosidade do Dr. Rodrigo Octavio a


leitura de um pequeno folheto sobre o manifesto republicano
de 3 de Dezembro onde vêm apontamentos de alta im
portancia sobre esse documento politico da propaganda e que
julgames conveniente trasladar para estas paginas. Estes
apontamentos são escriptos pelo Dr. Miguel Vieira Ferreira,
signatario do manifesto.
Por elles chegamos a saber de um facto que desconhe
ciamos que um official do exercito capitão Dr. Luiz Vieira
Ferreira foi um dos seus signatarios.
E a proposito do seu nome, escripto no original do ma
nifesto , lê-se a seguinte nota :
" Por ter assignado e no acto de assignar o Manifesto
Republicano o Dr. Luiz Vieira Ferreira pediu sua demissão
do exercito . Foi o Dr. Luiz o unico signatario militar ; e o
Dr. Henrique Limpo de Abreu, por um sentimento generoso
que lhe era babitual, opinou ser prudente que o seu nome
não fosse publicado no dia 3 , como não foi , e que a todo
o tempo se faria, por quanto ficava assignado em propria
letra, na peça original. Dando publicidade á sua assigna
tura, disse elle, o governo imperial poderá não lhe conceder
a demissão pedida e fazer delle uma victima.
" A verdade historica pede, desde já, esta declaração ; e
que o seu nome figure sempre, d'aqui em diante, entre
aquelles signatarios, como tambem forçosamente terá de fi
gurar entre os poucos dentre elles, que em pessoa assistiram
no Campo da Proclamação (antigo da Acclamação) a todo o
movimento do glorioso 15 de Novembro de 1889.”
Entendemos trasladar para aqui os apontamentos feitos
pelo Dr. Miguel Vieira sobre o manifesto .
116

Eil- os :
6
“ Julgo ter prestado serviço importante e momen so,
publicando neste folheto o Manifesto Republicano dado á
lume n'A Republica aos 3 de Dezembro de 1870.
" Não só os brasileiros e estrangeiros lerão agora, cheios
de interesse, esse grandioso e immortal documento do pas
sado, como, além disso, recordarão os nomes ou ficarão co
nhecendo os primeiros propulsores deste prodigioso movi
mento. A mocidade precisa saber, de presente e de futuro,
como estas cousas se têm passado desde a origem ; e já é
tempo de ir consignando os dados historicos para que não
fiquem no esquecimento.
" Em 1870 , retirando- me do Maranhão para a côrte, disse
álgumas pessoas que eu vinha trabalhar pela republica ; o
que deu logar á ironia e sarcasmo de um desses homens sem
fé nem crenças, que pensam ser os luzeiros e a personificação
da prudencia ; que não acreditam senão n'aquillo que vêem,
e que lhes dá um interesse immediato ; e que chamam de
utopia o que não podem comprehender como possivel em
tudo quanto lhes possa trazer qualquer sacrificio ou prejuizo.
Perguntou -me de modo bem offensivo ; " Então, o Sr. vai
para a Côrte fazer politica sósinho ? !...” Respondi-lhe :
“ Sim. Toda a idéa grande começa por essa forma."
6
“ Consigno este facto para mostrar o estado das cousas a
este tempo no Brazil. Com effeito, além de meu pae do
Dr. Antonio Ennes de Souza, que então era bem moço e
não tinha ainda ido estudar á Europa, ninguem, que eu
saiba, acceitava essas idéas em Maranhão ; e mui poucos no
paiz .
"" Passando por Pernambuco, fui sequioso procurar Bor
ges da Fonseca para communicar-lhe a minha idéa e obter
d'elle esclarecimentos, conselhos ou aquillo que tivesse para
me dar.
" Recebi d'elle em resumo o seguinte : 6. Não se fie em
quem já estiver com a cabeça branca como eu : é gente toda
estragada pela monarchia , é gente podre. Mesmo na moci.
dade a corrupção é grande. No emtanto ha na côrte dous
417

moços , Francisco Rangel Pestana e Henrique Limpo de


Abreu, redactores do Correio Nacional. Esses dous moços eu
os tenho por sinceros ; são republicanos e não me parecem
‫ܕܕ‬
corrompidos : procure-os." Parti para o Rio de Janeiro ; e,
aqui chegando, logo aquella Folha deu uma noticia honrosa
de minha chegada. Soube que esse artigo fôra offerecido á
redacção por um collaborador, caracter muito nobre e ele
vado da nossa sociedade. O artigo e o ardente desejo que eu
tinha de conhecer pessoalmente esses dous moços, unicos em
quem Borges da Fonseca confiava, e de quem muito esperava,
fez-me logo procural - os em seu escriptorio de advocacia e re
dacção. Em companhia de meu irmão, Dr. Luiz Vieira Fer
reira , fiz -lhes conhecer o fim da minha visita e o conceito em
que os tinha Borges da Fonseca. Apresentei -lhes a idea de
formar - se um Club Republicano, e de crear -se o partido com
uma Folha, que se chamasse a Republica , e tudo feito osten
sivamente, quaesquer que fossem as consequencias. Elles as
seguravam- me ser esse o seu modo de pensar e o de alguns
outros radicaes , mas que eram tão poucos , e que tudo se
achava tão corrompido que não pensavam ser possivel encon
trar mesmo um pequeno numero de individuos , que tivessem a
coragem de congregar- se e trabalhar ás claras . Disse -lhes
ser conveniente experimentar, e que, por nosso lado, com
esse projecto eu tinha vindo e estavamos ambos dispostos a
correr todos os perigos ; que nós correriamos de bom grado
o risco da cabeça. Elles ficaram de pensar sobre o assumpto,
e separamo-nos. Poucos dias depois, em nosso escriptorio á
rua da Alfandega, esquina da rua dos Ourives, recebemos ,
de um desconhecido nosso um cartão convidando para uma
reunião republicana que, em dia alli fixado, ia celebrar-se ao
anoitecer em uma sala á rua do Ouvidor. O cartão dizia :
Club -Republicano. Ficamos muito satisfeitos, e perguntamos
ao portador pelo seu nome, e de quem partiu aquelle con
vite. Respondeu-nos : 6. Chamo- me João de Almeida, e o
convite vem do escriptorio de Limpo de Abreu e Rangel Pes
tana. Peço- lhe discrição , porque elles não querem que se
v. 1 27
418

saiba quem faz o convite. ” Guardamos este segredo até agora,


tempo em que é honroso dizel -o.
No dia e hora marcados fomos ao logar designado, onde
em breve formou - se uma reunião escolhida. Cerca de trinta
pessoas ali se achavam. O Dr. Pedro Ferreira Vianna foi o
primeiro a fallar, e expôz o fim d'aquella reunião ; e em se
guida passou-se á organisação de uma Mesa para a qual
foram convidados , e acceitaram o convite, os Srs . Christiano
Benedicto Ottoni para presidente e Laffayette Rodrigues Pe
reira para um dos secretarios. Seus nomes constam das
Actas . Elles tinham , como nós , recebido o cartão que dizia :
Club - Republicano. Ninguem foi á reunião por sorpresa ou
por engano ; todos sabiam do que se ia tratar. Levantou -se
a questão de fixar si o Club deveria chamar- se Republicano,
e se aFolha abertamente se denominaria A Republica.
O Sr. Laffayette fallou e opinou contra essas denominações .
Sua opinião era que se désse outro nome, que não desper
tasse a policia ; mas que, á sorrelfa, se trabalhasse pela re
publica. Pedi a palavra e com indignação repelli semelhante
idéa, que reputei menos digna de qualquer homem e abaixo
de um partido reformador, de um partido, que devia ser
nobre desde o principio. Fiz vêr que esse procedimento seria
tambem um attestado de grande fraqueza. Disse que de.
viamos acostumar -nos desde logo, e ao povo , a dizer a pa
lavra Republica, por todas as formas e em todos os logares ;
porque, si não houvesse coragem para dizer a palavra Repu
blica, muito menos haveria para proclamal-a. Diversos abun
daram nessa idéa, e taes denominações foram acceitas por
votação. Então, meu irmão, o engenheiro Dr. Luiz Vieira Fer
reira, que estava assentado ao meu lado esquerdo, e que era
capitão de Estado maior de la classe, estando bem empregado
aqui na côrte, depois de ter feito a campanha do Paraguay,
onde adquirio nome honroso pelos bons serviços que lá pres
tára e pelas commissões importantes que desempenhára,
tendo anteriormente e até ao começo da guerra, sido lente
da Escola Militar do Rio Grande do Sul , declarou pôr a patria
acima de seus proprios interesses e dos da monarchia, e que
419

por esse motivo assignaria o Manifesto Republicano, que ia


ser elaborado, e acompanharia o partido nascente em todos
os seus movimentos ; disse mais que sua vida era limpa e seu
caracter leal , e por isso no dia em que assignasse o Mani
festo, com a mesma penna assignaria primeiro o seu pedido
de demissão do serviço do exercito : assim o fez. A ' minha
direita estava um distincto official superior da nossa ma
rinha, que levantou- se e fallou com extrema animação : " Vim
a esta reunião, disse , para julgar do que se tratava e ao que
se chegaria. Os meus sentimentos de liberdade e de patrio
tismo são muito conhecidos, e em tempo serão comprovados ;
mas eu tenho esta farda que não estou disposto a deixar, e
entendo que , trazendo -a, nem devo subscrever o Manifesto,
que vai ser feito, e nem frequentar estas reuniões. Peço,
pois , permissão para retirar-me desde já .” Retirou - se desde
logo e nunca mais foi ao Club Republicano, e jámais cooperou
de qualquer modo para a sua manutenção ; e não escreveu
um só artigo n'A Republica. Os Srs. C. B. Ottoni e Laffayette
Rodrigues Pereira, tambem como nós, assistiram , em si
lencio, a essa profissão, e viram -no sahir. Outras reuniões
tiveram logar. Chegou afinal aquella tão desejada, em que o
venerando Joaquim Saldumha Marinho tinha de ler o Mani
festo elaborado pela commissão. O Sr. C. B. Ottoni esteve
presente. Ao assignar, declarou ter pressa, porque , dei
xando em casa visitas e tendo necessidade de achar -se lá,
comparecera com o fim unico de prestar a sua assignatura
áquelle tão importante documento . Assignou ee sahiu..
O Dr. Luiz Vieira Ferreira assignou, e fez subir ao Go
verno Imperial o seu requerimento, pedindo demissão do
exercito . Eu e o Dr. Luiz eramos então o elemento militar
do Club. O Dr. Luiz tinha uma patente e um emprego que
poucos dias mais conservou. Eu tinha sido official do Corpo
de Engenheiros . Ambos gozavamos de estima entre os nossos
camaradas , a qual até hoje conservamos, tendo entre os mili
tares mui grande numero de amigos . Essa estima reciproca e
mutua confiança sempre nos honrou em extremo. A nobre
classe militar foi de nossos antepassados, e a ella tambem
420

pertencemos ; é uma escola de nobreza, dedicação e sacri


ficio. Medindo, em tão grande obra, o alcance do elemento
militar, sem o qual só com muito sangue poderia ser feita ;
começámos uma propaganda energica entre os nossos an
tigos camaradas, e entre a mocidade das escolas . Cheios de
patriotismo, acceitaram desde essa época com effusão d'alma
e compromisso de serem pela patria muitos d'aquelles, que,
no dia 15, deram o brado da libertação, o brado de : Viva o
Marechal Deodoro ! Viva o exercito e armada ! Viva a Re
publica Brazileira !!! Com verdadeira effusão e expansão de
nossas almas apertamos em nossos braços esses antigos ca
maradas de armas e tambem co-religionarios politicos , em
bora até então quasi inactivos e silenciosos . Não frequen
tavam o Club, não se debatiam pela imprensa ; mas, defen
dendo tão somente os seus direitos militares, esperavam o
tempo de provar o seu amor á patria pelo cumprimento do
dever. Assim tambem no dia 15 vimos com pezar e grande
magua que alguns desses companheiros, esquecendo o com
promisso de fidelidade á patria, preferiram antepôr-lhe o
proprio interesse (que o suppunham ser) e o da monarchia.
O plano executado e muitas das medidas já tomadas não
forain factos de occasião , foram objecto de larga conversação
e combinação no Club desde esse tempo. Erram os que pen
sam ter havido, no dia 15 , meramente a idea de fazer depôr o
7

ministerio. Si apenas fosse isso, Quintino Bocayuva não teria


sido chamado, e não se acharia a cavallo ao lado do inclyto
general Deodoro ; Pedro Paulino da Fonseca não estaria ao
lado de seu irmão, e 0 Dr. Luiz Vieira Ferreira não se
acharia tambem no campo da acção envolvido no meio da
tropa. Não cumpre declarar nomes , e nem importa agora
entrar em minuciosos detalhes : rapidamente comsigno aqui
alguns factos.
Os primeiros redactores da folha, A Republica, proprie
dade do partido republicano nascente e seu primeiro orgão
de publicidade, foram eleitos por votação do partido e ti
veram um mandato de seis mezes contados de 3 de Dezembro
de 1870 a 3 de Maio de 1871. A eleição recahio sobre os ci
421

dadãos Drs . Miguel l'ieira Ferreira , Flavio Farnese, Aristides


da Silveira Lobo , Luffayette Rodrigues Pereira e Pedro Rodri
gues Soares de Meirelles. Na votação foi eleito, e mais votado,
o Dr. Francisco Rangel Pestana, que resignou logo o man
dato, declarando mudar a sua residencia para S. Paulo ; e,
para a vaga assim deixada, recahio a eleição sobre o dito
Dr. Pedro Meirelles. A Republica publicava -se a principio ás
terças , quinta -feiras e sabbados , tendo seu primeiro numero
sahido em um sabbado , a 3 de Dezembro de 1870 ,
todo redigido por Flavio Farnese, a quem os companheiros
de redacção, de commum accórdo, em demonstração do
grande apreço em que o tinham , permittiram ser o primeiro
a
escrever nesse periodico. Esse caracter puro, patriota
eximio e republicano dedicado e illustrado, apenas escreveu
os tres primeiros numeros, porque o seu estado de grave en
fermidade não lhe permittiu fazer mais, e falleceu nesta côrte
ás 8 horas da noite de quarta -feira, 6 de Setembro de 1871 ,
com profundo sentimento de todo o partido que nelle reco
nhecia as maiores qualidades . Os tres numeros seguintes
foram religidos pelo Dr. Miguel Vieira Ferreira, devendo a
terceira semana, segundo a prévia convenção feita entre os
redactores, tocar ao Dr. Aristides Lobo. Dessa data em
diante, começaram a fazer parte da redacção os cidadãos
Quintino Bocayuva, cujos serviços ao partido e á patria têm
sido inexcediveis, e Salvador de Mendonça. Os cuidados de
organisação da Folha na typographia, seu formato, distri
buição de materias, revisão de provas , etc. , estiveram a
cargo dos Drs. Miguel e Luiz Ferreira, auxliados depois mui
efficazmente pelo laborioso e illustrado Dr. Salvador de Men
donça. A typographia era propriedade do maranhense João
Aranha, que, sem caracter partidario, montando -a, teve em
vista imprimir nella a folha do partido. Era socio de in
dustria , administrador das officinas typographicas e pagi
nador da folha o habil e muito habil typographo Lino Car
doso de Oliveira Guimarães, tambem filho do Maranhão,
ambos nossos comprovincianos e amigos ; mas sendo este
Lino tirado do elemento militar, embora paisano, porque,
422

servira na campanha contra o Paraguay mui distinctamente


como encarregado da typographia do exercito, annexa á
commissão de engenheiros, sendo então secretario o Dr. Luiz
Vieira Ferreira. O esforço foi muito grande, em todo o sen
tido e commum a todos esses trabalhadores, exceptuando o
Dr. Laffayete Rodrigues Pereira.
Todas essas pessoas , redactores e auxiliares mencio
nados, por espaço de uns oito mezes sem interrupção, pres
taram serviços incalculaveis ; e além disso, houve por parte
de todos os membros do Club uma dedicação sem limites,
tanto no esforço material como no conforto e no conselho.
Eramos poucos, mas fortes pela união e pela boa vontade.
Neste numero salienta vam -se o Dr. Pedro Bandeira de
Gouvêa, medico distincto, republicano exaltado, já muito
conhecido pelo que fizera em Minas Geraes ao lado de Theo
philo Ottoni, e onde perdera como rebelde o posto de capitão
do corpo de engenheiros, que tinha em nosso exercito . Os
signatarios do Manifesto recordar-se- hão sempre com sau
dades, reconhecimento e veneração desses nobres caracteres,
que tambem foram iniciadores prestimosos e propulsores
deste movimento, que encontrou seu cumprimento no glo
rioso dia 15 de Novembro. Foram dos primeiros nas fileiras,
e tão cêdo vimol -os ceifados pela morte ! mas seus nomes im
maculados devem passar ás paginas da historia de nossa
patria. Flavio Farnese, Henrique Limpo de Abreu , Pedro
Bandeira de Gouvêa, jámais serão esquecidos no ingente es
forço, que trouxe á nossa patria a mais briihante pagina de
sua historia . Nesse primeiro periodo, em que tudo era in
certeza a nosso respeito ; em que a mentira de bronze, essa
estatua erguida no largo do Rocio para illudir ao povo, vio
junto ao seu pedestal juramentar-se uma nova Inconfidente ;
em que eramos vigiados pela policia e perseguidos ; em que
até houve uma prisão e uma deportação em 24 horas , de que
as folhas pubicas não fizeram menção ; nunca se arrefeceu o
ardor desses corações patrioticos. A morte prematura não
lhes permittio vêr o triumpho ; mas elles vivem na memoria
e no coração de seus antigos companheiros.
423

A historia não esquecerá tambem Octaviano Hudson ,


João de Almeida, Luiz Barbosa (fallecidos), Francisco Cunha,
Julio Rossi , J. de N. Telles de Menezes , A. J. Esteves , Fran
cisco Portella e tantos outros , que prestaram relevantes ser
viços em periodo posterior. — Dos signatarios acham -se no
poder Quintino Bocayuva , no ministerio do exterior (tendo
feito parte do triumvirato do dia 15 de Novembro, composto
do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Tenente-coronel
Dr. Benjamin Constant Botelho de Magalhães e Quintino
Bocayuva, e tendo occupado interinamente a pasta do minis
terio da agricultura, commercio e obras publicas , até á che
gada do Dr. Demetrio Ribeiro) ; Dr. Aristides da Silveira
Lobo, republicano, já victimado em seus antepassados , mi
nistro do interior ; e Dr. Francisco Rangel Pestana, no
triumvirato do Estado de S. Paulo. Conhecendo, como CO
nhecemos, esses caracteres, nos regosijamos e damos pa
rabens á nossa patria. – Narrei alguns factos do principio ;
outros historiem até ao fim. A historia fará menção minu
ciosa de tudo. Não tive a fortuna de achar-me presente ás
occurrencias do dia 15 , porque outros deveres imperiosos me
retinham fóra da cidade , privando -me de ter conhecimento
dos factos , e de compartilhar a responsabilidade desse grande
dia. Louvores ! louvores ! ao inclyto Marechal Deodoro,
membro illustre de uma illustre familia, heróe n'uma familia
de heroes, brazileiro patriota, que elevou o seu nome e a sua
patria ácima de tudo quanto se tem visto no velho e no novo
mundo. Alto e bem alto proclamemos o patriotismo do
exercito e armada brazileiros. Reconheçamos o civismo de
nossos concidadãos. E sejam dados toda benção, honra, gloria
e poder ao Senhor Deus dos Exercitos !

Capital Federal . Aos 10 de Dezembro de 1889 .


Receita e despeza publica
Differenças
Exercicios Receita Despeza A favor da
Contra a renda
renda

1826 .. 6.042 :0498690 7.199 :3699976 1.157 :320 $ 286


1827 . 11.204 :894 $ 197 9.996 : 101$ 807 1.208 :792 $ 390
18281. ° sem . 4.739 :702 $ 191 6.057 :8388287 1.318 :136 $ 096
1828–1829 .. 14.854 :443 $ 231 21.791 :371$ 537 6.936 :9288306
1829–1830 .. 13.687:645 $ 100 18.071:765 $ 897 4.384 : 120 $ 797
1830— 1831 .. 13.881:406 $ 894 16.367 :219 $ 299 2.485 :812$ 105
1831-1832. 11.036 :760 $ 686 11.468:8598502 432 :0988816
1832–1833 . 12.109 : 2678107 12.437 :989 $ 814 328 :722$ 707
1833–1834 . 12.118:326 $ 319 11.406 :200 $002 712 : 126 $ 317
1834–1835 . 14.576 :3888856 12.858 :811$ 292 1.717 :5779564
1835-1836 . 14.053 :610 $ 315 14.155 :8478202 102: 2368887
1836-1837 . 13.648 :849 $076 13.926 : 912 $ 167 278 : 063 $ 094
1837–1838 . 13.252: 739 $ 597 18.980 :232$ 502 5.727:492 $ 905
1838–1839 . 17.322 :691$ 259 18.011 :801 $941 689 : 107$ 691
1839—1840 . 18.790 :9758195 24.912:6228322 6.121 :646 $ 827
1840-1841. 18.674:698$ 795 22.703:935 $ 978 1.020: 2378183
1841-1842 .. 18.803 :6418879 27.474:0328367 8.670 :390 $ 188
1842-1843 . 18.103 :079$ 106 29.047:2558242 10.944 :175 $ 836
1843–1844 . 20.580 :034 $ 987 25.731:471$ 130 5.151 : 436 $ 113
1844-1815 . 24.275 :883$ 143 25.410 : 1308174 1.134 : 247 $ 031
1815-1816 . , 25.693 :66 1 $ 03024.203 :8728594 1.489 : 7918136
1816-1847 . 26.764 :225 $ 108 24.881:106 $ 882 1.883 :118 $526
1847-1818 . 24.124 :719 $509 24.892:7418255 708 :021 $ 746
1848-1849 . 25.201:2798312 27.634 :9538270 2.430 :6739958
1849—1850 . 26.977:836 $ 130 27.951:2728080 973 :435 $ 650
1850—1851. 31.532:7648693 32.377:032$ 307 844 : 267 $ 704
1851-1852 . 35.786 :821$ 853 41.825 :8588080 6.039:036 $ 236
1852—1853 .. 36.391 :0828008 30.916 :5388633 5.474 :493 $ 375
1853–1854 . 34.516 : 1558658 36.234 :4898055 1.718 : 033$397
1854-1855 .. 35.985 :478 $ 182 38.740 :319 $ 788 2.754 :811 $ 306
1855-1856 .. 38.634 :356 $ 105 40.242 :6488767 1.608 : 292 $ 602
1856-1857 .. 49.156 :414 $ 724 40.373 : 963$ 136 8.782:451$ 688
1857-1858 .. 49.747:007$ 187 51.755 :6568996 2.008 :6199719
1858-1859. 46.919:9958475 52.718 :580 $ 668 5.798 :585 $ 193
1859-1860 . 43.807:346 $ 450 52.606 :151$ 769 8.798 :8058319
1840-1861 50.051 :70386611 52.358 :4178288 2.306 :713 $ 627
INDICE
.

.
INDICE

CAPITULO I

Exposição da questão
Pags .
SUMMARIO : Os revolucionarios de 1889 são os representantes da
tradição historica republicana no Brasil. Sua origem e
seu poder generalisador. Seu percurso em 35 annos. As
resistencias que se fizeram contra ella . Influencia das ins
tituições sobre a educação nacional. Os poderes publicos
das capitanias.· Opinião dos escriptores sobre ellas. Nos
intecedentes historicos está a origem da idea republicana .
Influencia da politica e da administração sobre o caracter
nacional. Primeira fórma da idea republicana. Em co
meço ella reveste a fórma de um sentimento de interesse .
A mesma origem nos Estados -Unidos. Opinião de escrip
tores. Esboço das causas da revolução de 15 de Novembro. 3
Causas económicas, sociaes e politicas ..
CAPITULO II

Causas economicas

SUMMARIO : Valor dos factos economicos. Sua importancia na


revolução de 1889 e na formação da idea republicana. Tres
periodós politicos e tres phases economicas. Os tres fac
tores da riqueza. Acção de cada um delles. A producção
do paiz no fim do seculo XVII e no começo do seculo XVIII .
O regimen agricola como o regimen dominante em virtude
não só dos factores naturaes, como da legislação. Sua intiu
encia. Leis de nossa economia. Causas da revolução do
Manêta na Bahia , da revolução dos Mascates em Pernam
buco e de Manoel Bequimão em Maranhão. Manifestação
confusa do principio republicano nestes movimentos. Elle
melhor se define na revolução de Tiradentes. Suas causas
economicas. A mineração como fonte de renda. Dominou
um periodo economico. Ella é a causa de maior progresso
da população do sul em relação ao norte e de ani se ter
melhor accentuado o regimen agricola. O governo e a mi
neração. O atraso do quinto. Papel de Barbacena . Idéas
de emancipação. Papel da colonia brasileira na Europa.
Politica de Barbacena em sua circular de 23 de Março de
1789. A revolução de Villa -Rica é a primeira manifestação
do principio republicano. Papel historico de Tiradentes .. 15
f

428

I – SUMMARIO : Liberdade commercial do Brasil. Sua influ


encia na administração publica. Os novos impostos. Crea
ção do Banco do Brasil. Desvalorisação de suas notas.
Excesso de despeza e de emissão . O Governo e o Banco.
Tratado commercial com a Inglaterra. Situação econo
mica e financeira do Brasil no começo do seculo XIX.
Opinião de D. Pedro. Constitue-se ella ' a mais importante
causa dos acontecimentos da época. Associação das causas
politicas e sociaes. A revolução de 1817 em Pernambuco.
Influencia historica das lojas maçonicas. A posição do
governo . Opinião popular em Pernambuco sobre os im
postos, revelada pelas camaras, escriptores e a imprensa .
As condições da moeda representada por metal e notas do
Banco. Desvalorisação das notas. Situação precaria da
vida . Ella aggrava -se ainda mais em Pernambuco. Sua
decadencia economica e de todo o paiz . O espirito de re
volta que ella creou . Suas diversas formas. Influencia
de outras causas. Politica de recolonisação. Odio de
raça. Sua influencia na separação de algumas provincias 35
e na independencia do paiz .....
II SUMMARIO : Os males economicos resultantes da politica
e reagindo sobre ella. Porque a idea republicana não do
minou a emancipação politica.
vras de José Clemente .
Provas historicas. Pala
Cedo desfizeram -se as esperanças
pela intluencia pessoal do soberano. Seus actos. Sua in
Huencia sobre a situação do paiz . A dictadura premiada
pelo governo . Caracteres da organisação politica. Seus
effeitos no movimento economico. Escravidão e papel
moeda . Situação financeira . O pauperismo. A reacção
de Abril de 1934 em defesa dos interesses dos governos
locaes. Nullificação desta conquista pela interpretação do
acto addicional.. 51

III — SUMMARIO : A interpretação do acto addicional firmou o


regimen da centralisação. Seus effeitos economicos e finan
ceiros. Provas estatisticas. Situação das provincias. Opi
nião de um notavel escriptor nacional. Differenças do
espirito liberal do paiz no primeiro reinado, na regencia e
no segundo reinado. E'poca de sua maior annullação. De
pois da agitação o torpor. Quaes as circumstancias que
influiram para esse resultado. Influencia da cultura popu
lar. Programma da lucta republicana . Procura atacar
a escravidão e a centralisação. A propaganda abolicionista
é uma das phases da propaganda republicana. A adhesão
das classes agricolas não é a expressão do despeito. Veio
em consequencia de uma lei historica. A reação do throno
desde o tratado commercial com a Inglaterra. Tergiver
sação do Sr. Paulino Soares. Reacção escravista do gabi
nete 20 de Agosto. Seus actos. Opinião unanime em favor
da abolição. O governo resiste. As modificações que a
reforma havia de operar. A propria instituição não podia
resistir. Condições da classe agricola . Reagio em nome
da pressão economica contra as instituições. Coherencia
do Barão de Cotegipe .... 62
429

CAPITULO III

Cousas politicas

SUMMARIO : Da organisação constitucional do Imperio emanam


as causas politicas da revolução. Ellas são : a centralisa
ção, o parlamentarismo, o regimen eleitoral e o governo
pessoal. A distribuição das rendas como o maior factor da
centralisação. Competencia tributaria do governo central
e das provincias. Os artigos da Constituição. A divisão
das rendas produz a pobreza das provincias. O acto addi
cional como uma conquista contra a centralisação. Sua
interpretação traz de novo a centralisação. Seus princi
paes orgãos : a Assembléa Geral e o Conselho de Estado .
Depauperamento financeiro das provincias. Verba do orça
mento geral para suppril -as. As provincias tributando
a importação. A divisão das rendas e o direito constitu
cional. ó regimen do deficit. Provas estatisticas. Os
males da centralisação na politica . Situação das assem
bléas provinciaes. Influencia da divisão territorial. Ella
produz differenças na representação politica das provincias.
A divisão territorial em capitanias é a mesma divisão em
provincias. O Imperio não resolveu o problema territorial.
Inconveniencias disto . Erro da Republica .. 83

I - SUMMARIO : 0) parlamentarismo. A propaganda da actua


lidade em seu favor. Ella é a expressão dos habitos parti
darios dos nossos politicos. Ella vai contra a experiencia
da historia . V'elle está um importante factor do descre
dito das instituições monarchicas. Sua situação geral é
de crise . Opinião de Laveleye. Como se originou o parla
mentarismo no Brasil. Suas razões não estão na Consti
tuição do Imperio. Primeira tentativa da Camara em 1826.
Luctas entre ella e o governo . Primeiro ministerio demit
tido pela intervenção parlamentar. Data do inicio do
parlamentarismo. Seus vicios. Erro e inconveniencias da
propaganda. A fórma federativa não o comporta .... 104

II – SUMMARIO : A crise do parlamentarismo na propria Ingla


terra . Opinião de Gladstone. Seus resultados no Brasil.
Manifestações da opinião. A propaganda parlamentarista
de hoje em contradicção com a propaganda anti-parlamen
tarista de hontem . Seus argumentos. São destituidos de
verdade. Opiniões de historiadores americanos. O presi
dencialismo é uma formação politica mais moderna que o
parlamentarismo. Provas . Elle veio como resistencia contra
o regimen parlamentar. Suas origens nos Estados -Unidos.
Data do parlamentarismo. Provas dos historiadores in
glezes. Militarismo, presidencialismo e parlamentarismo.
O regimen parlamentar não corrige o militarismo. Elle é
incompativel com a federação. A organisação da republica
federativa tem em si os meios legaes para resolver os con
flictos ... 120
430

III – SUMMARIO : Com o parlamentarismo começa a desappa


recer da politica a influencia do espirito democratico.
Valor historico deste facto. Quando o parlamentarismo
assume a phase de maturidade e a democracia a phase de
decadencia. O parlamentarismo, o regimen eleitoral e o
governo pessoal. Suas relações. Esboço historico da nossa
vida eleitoral. Suas phases . A corrupção . Opinião dos
proprios ministros. Eleição por circulos. Seus defeitos e
seus vicios. A politica de campanario. Elles devem servir
de experiencia ao legislador da Republica. ( voto directo.
Uma nova phase politica. Relações entre o regimen elei
toral e o governo pessoal. Primeiro acto do governo pes
soal no segundo reinado. O governo pessoal e a opinião pu
blica. Intervenção do governo nas eleições .... 112

CAPITULO IV

Causas sociaes
SUMMARIO : Causas sociaes . A cultura do povo pela instrucção.
O espirito de classe do exercito e a supremacia dos juristas
na politica. Influencia da cultura sobre a civilisação.
Theoria de Buckle. Historico da instrucção no Brasil .
A evolução intellectual. Inicio da propaganda das sciencias
naturaes. Condições do ensino medico e juridico. Phase
da orientação metaphysica e da orientação naturalista kæ
ckeliana. Frequencia das faculdades de medicina e de
direito . Papel historico de Tobias Barreto. Sua propa
ganda . ( ) allemanismo. Benjamin Constant. As escolas
como fóco de cultura. Duas correntes da educação scien
tifica : o evolucionismo kæckeliano e o positivismo. A in
fluencia da propaganda republicana . 161

I – SUMMARIO : A imprensa. Seu desenvolvimento . Suas con


dições em 1828. Desenvolvimento da imprensa republicana
Estatistica. Suas condições em 1888. Papel dos medicos
na propaganda. O norte como foco da emancipação intel
lectual. D'ahi ella caminha para o sul. Fóco da emanci.
pação politica .... 179

II —- SUMMARIO : A força armada. Suas relações com a auto


ridade civil e a sociedade. Educação civil dos moços nas
escolas. Foi ella a origem da idéa démocratica no exercito,
O espirito de classe substitue o nativismo. Elle domina o
exercito no primeiro reinado. Espirito estrangeiro no exer
cito. A primeira guarda pretoriana. Distincções e privi.
legios. Má organisação militar em começo. O batalhão
de estrangeiros. Opiniões de escriptores . A autoridade
civil contribue para a indisciplina. O problema militar
creado pelo Imperio. Opinião dos sitivistas. Influencia
da guerra do Paraguay. Proeminencia do exercito. Riva
lidades de classe . O espirito de classe crêa as associações
militares. Assassino de Apulcho de Castro. Visita do
Imperador. Começo da questão militar. Manifestações
431

sobre o direito de discussão e de defesa dos militares pela


imprensa. O governo contesta esse direito . Um projecto
de lei. Tenente -coronel Madureira . Seu protesto . Gene
ral Deodoro. Sua correspondencia com o presidente do
conselho. Opinião do Conselho Militar. A questão de
cancellamento das notas. Cartas de Decdoro ao Imperador.
O manifesto ao parlamento e a nação. Capitulação do
governo. A politica imperial aggravou a indisciplina do
exercito . 184

III — SUMMARIO :As opiniões da propaganda monarchica de hoje


sobre a indisciplina militar. Responsabilisam a dictadura
de 1889. Foi no Imperio que ella se creou e desenvolveu .
Frederico de S. O principio de obediencia passiva contes
tado por Benjamin Constant já o tinha sido pelos directores
da questão militar de 1887 com acquiescencia da autori
dade . Questão militar Leite Lobo. Club Naval. Petição
do Club Militar de 25 de Outubro de 1897. Ministerio
João Alfredo. Passou pelas mesmas humilhações do minis
terio Cotegipe. Espirito da época . ( ) programma da reac
ção contra o exercito era um perigo. Chefe de policia de
Ś. Paulo . ( 17° de infanteria e o ministerio. Incumbencia
do gabinete 7 de Junho ... 206

CAPITULO V

A propaganda
SUMMARIO : Caracter das primitivas aspirações republicanas.
Faltou - lhes o trabalho preliminar da propaganda. Razão
de ser deste facto. Influencia do terror pelas execuções.
Quando começa o trabalho da propaganda. Data do pri
meiro manifesto e do primeiro club. Primeiro jornal re
publicano da provincia do Rio . Influencia da mocidade
academica. E' do seu seio que sahe a primeira aspiração
republicana. O Radical Academico e os seus redactores.
Data da creação do partido em S. Paulo em 1872. Idéas
capitaes do seu programma. A convenção de Itú. Reso
luções da convenção. O primeiro congresso . Suas resolu
ções. O primeiro manifesto paulista . Suas idéas. Lucta
do partido nas urnas. Organisação do partido no sul e no
norte ..... 213

I – SUMMARIO : Caracter da propaganda depois de 1880. Os


factos mais salientes . Questão militar e abolição. O des
peito da lavoura . Opinião de Silva Jardim O estado
social e a instituição monarchica. Diminuição do seu
apoio nas classes sociaes. Caracter de Silva Jardim . Opi
nião de Rangel Pestana sobre elle . A propaganda dirige- se
em duas correntes - os evolucionistas e os revolucionarios.
Silva Jardim , chefe do segundo grupo. Sua entrada na
propaganda. A moção da camara de s. Borja. Primeira
excursão de Silva Jardim . Guarda Negra . Sua creação
historica. Por ella a monarchia resiste contra a republica.
432

Seu primeiro ataque. O 30 de Dezembro. O partido na


capital do paiz . Sua scisão. Silva Jardim e Quintino
Bocayuva. Dissidencias e protestos. Viagem do Conde
d'Eu ao norte . Insuccesso da politica de excursões. Sua
historia. A Guarda Negra da Bahia. A mashorca da
ladeira do Tabuão. Opinião da imprensa da Bahia. Silva
Jardim e Conde d'Eu . Excursão d'aquelle em Pernam
buco. Outra dissidencia do partido pelos defensores da
princeza. Os adversarios da adhesão agricola ... 241

II SUMMARIO : Condições das provincias. A propaganda em


Amazonas. No Pará. De quando data n'esta provincia a
organisação do partido. Os clubs. Commissão permanente.
A propaganda em Maranhão, Piauhy, Ceará , Parahyba,
Rio -Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe , Ba
hia, Espirito Santo, S. Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Santa
Catharina, Paraná, Matto -Grosso , Goyaz e Rio -Grande do 261
Sul.......

III – SUMMARIO ; Propaganda no municipio neutro. Consti


tue- se como o centro mais activo da propaganda pela im
prensa . Os primeiros jornalistas. Lopes Trovão. A pro
paganda se fez mais pelos esforços pessoaes do que pela
acção do partido. Resultado destes esforços. Tentativas 301
da organisação do partido .......

CAPITULO VI

As formas republicanas da propaganda


SUMMARIO : Tres fórmas do principio republicano. As causas
deste facto . As tres fórmas são representadas nos tres
paizes : França , Suissa e Estados-Unidos Federação foi a
fórma para que convergio a idéa republicana como resul
tado de causas historicas. Caracter politico da Inconfi .
dencia de Minas. Falta-lhe a aspiração federalista. Ca
racter politico da revolução de 1817 em Pernambuco. A
mesma ausencia da aspiração federalista . Razão historica.
Governo Provisorio. Sessảo de 8 de Março. O discurso de
José Luiz de Mendonça , Caracter militar do movimento.
Falta de preparo dos seus autores . Sua proclamação. Actos 307
do governo provisorio ...

I – SUMMARIO : A revolução de 1817 é mais emancipacionista


do que federalista. O contrario da revolução de 1824. Sua
feição sui generis. Differenças da situação politica do paiz
nas duas épocas. Influencia da dissolução da constituinte.
Data da aspiração federalista . Seus excessos. Chega ás
raias do separatismo. Pernambuco é o berço dessa aspira
ção. Causas proximas da revolução de 1821. Seu começo.
Eleição do governo provisorio. Resoluções dos collegios de
Olinda e Recife. O povo regeita o delegado imperial. Voto
de Caneca . Dous governos. Opinião de Caneca sobre o
433

projecto de constituição. Suas opiniõs politicas. Procla


mação da Republica. Primeiros actos do governo. Lei
organica do estado ... 316

II SUMMARIO : A federação torna- se a idéa dominante dos


partidos. Republica de Piratinim . Sua feição politica .
Differenças que a separam da Confederação do Equador.
Duas épocas : 1824 e 1835. Os chefes da revolução. Eleição
do governo . Seus primeiros actos. Os ministros. Medidas
administrativas em relação ás finanças, ao exercito e á jus
tiça. Actos legislativos sobre a naturalisação e juramento
civico. Relações diplomaticas e religiosas. Organisação
politica da Republica. Phase dictatorial. Creação de um
conselho legislativo. Reunião do Congresso Constituinte.
Sua sessão inaugural. Primeira assemblea constituinte .
Seus primeiros passos na formação do direito constitucio
nal . Projecto de Constituição. Suas idéas geraes ..... 332

III SUMMARIO : Os precedentes historicos influem sobre o


caracter da evolução democratica na phase moderna da
propaganda. O seu primeiro documento politico e o pri
meiro projecto de constituição. Suas ideas geraes. Seu
estudo comparativo com a Constituição da Republica de
Piratinim.
premacia do Differenças na organisação
senado . Interprete das leis.dosOspoderes. Su
defeitos de
ambos os projectos... 344

CAPITULO VII

O ultimo ministerio da monarchia

SUMMARIO : Como a opinião julgava as instituições. Ministerio


7 de Junho. Sua organisação. Antecedentes politicos dos
seus membros. Como foi acceito pela opinião. As pastas
technicas. Politica de ameaça . Opinião da imprensa.
O Diario de Noticias. Uma sessão do parlamento. As ques
tões militares do gabinete . Discurso de Benjamin Cons
tant. Actos do governo que lançam a desconfiança no exer 355
cito. Auxilios agricolas..

I - SUMMARIO : Diario de Noticias e 0 Paiz. Opinião dos seus


redactores sobre jurisprudencia militar. Confronto destas
opiniões com as de hoje. O caracter militar da revolução
é consequencia inevitável da propaganda. Allianças 'da
força armada com o elemento civil da propaganda. Pri
meiras reuniões do exercito. Benjamin Constant. As duas
reuniões do Club Militar. Papel de Deodoro da Fonseca .
Factos de que dependeu o bom successo da revolução.
Papel de Floriano Peixoto . As tres figuras salientes da
revolução . Conferencia de Benjamin com Deodoro . Os
acontecimentos dos dias 14 e 15 de Novembro . Proclama
364
ção do governo provisorio ..
434

CAPITULO VIII

A revolução nas provincias


SUMMARIO : A revolução nas provincias. Amazonas. Pará .
Maranhão). Tentativa de resistencia. Ceará . Piauhy. Rio
Grande do Norte ee Parahyba do Norte. Pernambuco. Ala
gôas e Sergipe. Bahia . Tentativa de resistencia. Espirito
Santo . Rio de Janeiro. S. Paulo . Minas. Matto -Grosso .
Guya %. Paraná. Santa Catharina. Rio -Grande do Sul .
Conclusão . 385

CAPITULO IX

Conclusão . 397

APPENDICE

0 Positivismo... 401
() Manifesto da 3 de Dezembro . 415
Mappas >
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RECALL

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Book Slip - 55m -10,'68 ( J404888)458 - A-31/ 5
NO 575176
JL2411
Freire , F. F. d.o. F7
Historia constitucional 1894a
da republica dos Estados v.1
unidos do Brasil .

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UNIVERSITY OF CALIFORNIA
DAVIS

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