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A TÁTICA DA MUDANÇA1
O PLANEJAMENTO DO CASO

O planejamento do caso costuma ser a parte menos interessante e mais desagradável da terapia,
sobretudo quando o terapeuta trabalha sozinho, sem fazer parte de uma equipe terapêutica.
Ainda que o planejamento não requeira tempo em demasia, constitui-se uma tarefa antipática
para a maioria dos terapeutas. Desafortunadamente, contudo, planejar é imprescindível para
aplicar com eficiência a própria influência e para resolver os problemas com rapidez. Se não se
dedica o tempo necessário ao planejamento, diminuem notavelmente as possibilidades de êxito e
o tratamento converte-se com freqüência em uma aventura prolongada e errante que acaba por
enfraquecer-se progressivamente. O terapeuta termina renunciando ou então o paciente perde o
interesse e abandona o tratamento. Ao examinar nossos próprios fracassos descobrimos que o
fator concreto mais decisivo tem sido a falta de um planejamento do tratamento.

Como temos exposto nos capítulos anteriores, existem procedimentos característicos para cada
um dos aspectos e fases do tratamento - fixação do marco do tratamento, obtenção de dados
estratégicos, etc. - mas não se pode usar nenhum destes procedimentos de modo intencional se o
terapeuta limita-se a fazer surpresas, preparando os temas de sessão em sessão, sem planejar uma
seqüência de sessões. Sempre surge a tentação de atuar assim, não somente porque planejar é
uma tarefa árdua, mas também porque boa parte da terapia tradicional induz o terapeuta a esperar
a reação do paciente e só então responder ante a ela. Além disso, no processo de formação de
especialistas em algumas terapias de longa duração considera-se que cada sessão constitui uma
entidade separada e não um segmento dentro de um tratamento global bem planejado.

Certamente há outros enfoques terapêuticos que também fazem um planejamento. Não obstante,
em algumas terapias voltadas para a compreensão ou para a experiência é provável que o
planejamento seja de ordem geral centrando-se, por exemplo, no conflito concreto ou na área de
desenvolvimento que tem que atender. Em nosso enfoque de orientação estratégica o
planejamento requer uma precisão muito maior, em especial no que se refere aos objetivos, a
estratégia do tratamento e as intervenções necessárias para colocar em prática tal estratégia.
Como é evidente, por mais que se planeje não se poderá prever todos os aspectos possíveis do
tratamento. Oferecemos aqui um esboço geral de planejamento, tendo em mente que qualquer
plano que se adote necessitará ser reconsiderado à medida que o tratamento vá avançando e
surjam dificuldades imprevistas - ou também, mudanças positivas - que obriguem o terapeuta a
mudar os planos.

Estabelecer o problema do paciente

É importante começar por uma compreensão clara da queixa que trouxe o paciente à consulta.
Talvez isto pareça uma afirmação óbvia, mas um estudo retrospectivo revelou que em uma
grande quantidade de casos não solucionados nunca havia sido estabelecido claramente qual era a
queixa, e que o planejamento do caso mostrava-se inadequado por basear-se em informações
insuficientes ou em formulações errôneas. Na grande maioria dos casos a queixa trazida pode ser
captada com clareza: "Quando estou atrás do volante sinto um pânico tal que não quero voltar a
aproximar-me de uma estrada". Sem dúvida, em um número significativo de casos a queixa
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Trecho extraído do livro do mesmo nome de R. Frisch, J.H. Weakland, L. Segal, Editorial Herder, Barcelona,
1984, pag 131-196.
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inicial pode apresentar-se muito vaga e esquiva: "Não nos comunicamos reciprocamente", ou
então ser uma declaração relativa à presumível causa de um problema: "Nosso filho tem
problemas porque não lhe damos a atenção devida". Como regra geral, quanto mais sofisticado
sob o ponto de vista psicológico é o paciente, menos clara será a natureza da queixa. Com
freqüência fará uma elucubração sobre o que presumivelmente subjaz a queixa ao invés de
limitar-se a enunciá-la sem maiores detalhes. Ao inverso, quanto menos sofisticado é o paciente
com maior clareza se expressa acerca de sua queixa, mas não a elabora na medida necessária:
"Não conseguimos fazer que nosso filho se comporte bem". Quando a queixa é vaga, o terapeuta
deve aclará-la antes de seguir adiante. Visto que o objetivo geral da terapia consiste em eliminar
ou reduzir de modo satisfatório a queixa que o paciente manifesta, a clareza neste aspecto torna-
se decisiva.

Estabelecer a solução desejada pelo paciente.

Considerando que, em nossa opinião, o problema se mantém graças aos esforços que o cliente e
outras pessoas realizam sobre o mesmo, é necessário obter uma compreensão completa e exata
do que representam tais esforços (as soluções pretendidas) e em especial as que estão sendo
experimentadas no presente momento. As pessoas podem ter feito algum esforço em épocas
passadas, mas desde então podem ter abandonado tais esforços: "Medicamos ele durante algum
tempo, há uns dois anos atrás". Tal informação é de alguma utilidade, mas o decisivo é o que
está se fazendo agora. Além disso, torna-se muito importante entender qual é o impulso básico
dos diversos esforços realizados. Um cliente pode mencionar grande quantidade de coisas que
ele e outros tenham dito ou feito, mas é provável que todas essas coisas não sejam mais que
variações sobre um mesmo tema ou impulso central, que o terapeuta pode chegar a descobrir
mediante reflexão. Por exemplo, um pai que se queixa de seu filho adolescente poderia dizer:
"Tenho feito tudo o que é humanamente imaginável. Tenho o advertido, tenho deixado de dar-lhe
dinheiro para seus gastos, algumas vezes tenho chegado a bater nele. O castigamos, temos
sentado para conversar explicando-lhe que se trata de nossa casa e que ele tem que se sujeitar
às nossas normas. Temos tentado evitar que se aproxime deste grupo de punks que vivem do
outro lado da cidade; finalmente o ano passado o tiramos da escola pública e o enviamos a um
internato especial. Ali não permaneceu mais que dois meses. Veja você, temos feito tudo que um
pai pode fazer”. Sem dúvida, "tudo" consiste em variantes sobre o mesmo tema central:
"Exigimos que nos obedeça”.Um paciente com insônia poderia dizer: "O que tenho procurado
fazer para conseguir dormir? Bem, primeiro tentei ficar acordado até mais tarde com o objetivo
de sentir-me realmente cansado. Quando isso não funcionou, fui cedo para a cama, imaginando
que iria conseguir dormir em minha hora habitual. Depois deixei de tomar café e ao jantar
comia muito pouco. Nada disto adiantou, de modo que me ocorreu que poderia cansar-me ao
realizar pesados exercícios antes de deitar. Também deixei de ver a televisão durante as noites,
porque observei que alguns programas me excitavam. Em seguida provei algumas dessas pílulas
para dormir que se vendem sem receita médica. Me serviram para dormir uma ou duas horas,
mas nada mais. Então fui ao médico e consegui que me receitasse barbitúricos. Com estes
consigo dormir três a quatro horas, mas as vezes nem sequer isso." Ainda que todas estas
medidas integrem ao que parece uma gama muito ampla não são mais que variações de um
impulso central: "Custa-me dormir"; ou em outras palavras: "Estou tentando dormir."

Nem sempre é possível unificar todos as tentativas do cliente em uma só categoria. Como regra
geral, contudo, a maioria dos esforços realizados - e sem dúvida alguma, os que vão até o fim
com mais insistência - agrupam-se facilmente em uma única categoria. É provável que as
aparentes exceções não tenham mais que uma importância secundária e em todo o caso pode-se
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deixar de lado para um exame posterior. Quando se identifica o impulso básico dos esforços do
paciente, o terapeuta pode passar à fase seguinte do processo de planejamento.

Decidir o que se deve evitar

Provavelmente o passo concreto mais importante para o tratamento consiste em deixar bem claro
do que temos que nos afastar, o que denominaremos de "campo minado". Boa parte do
planejamento prévio das sessões, assim como o que se realiza entre uma e outra sessão, centra-se
sobre a seguinte pergunta: "O que é que mais nos interessa evitar?" Basicamente o impulso
principal dos esforços realizados pelo cliente e por outras pessoas, para fazer frente ao problema
é o que responde esta pergunta. Por exemplo, ao pai que costumava exigir obediência do filho
teríamos que evitar sugerir: "Precisa ser mais categórico ao exigir docilidade"; ao que sofre de
insônia teríamos que evitar dizer-lhe: "Precisa se esforçar mais para conseguir dormir”.

Se soubermos o que evitar, como terapeutas ao menos não colaboraremos com a manutenção do
problema. Contudo mais importante do que conhecer aquilo que se deve evitar é saber que isto
serve para fornecer, em contraste, uma orientação básica para a formulação do impulso
estratégico mais apropriado em cada caso.

Formular um enfoque estratégico

Se o terapeuta sabe o que é que tem que evitar, não se colocará em situações difíceis; porém
somente pode-se avançar em um caso, quando o terapeuta atua guiado por sua estratégia de
tratamento. As estratégias efetivas podem ser aquelas que se opõem ao impulso básico do
paciente, afastando-se 180 graus de dita direção. Não é suficiente colocar-se numa posição
supostamente neutra. Por exemplo, um terapeuta poderia recomendar que os pais que tinham
insistido em exigir submissão de seu filho se limitassem agora a deixar que ele decidisse sua
futura sujeição com docilidade. Não obstante, este impulso aparentemente oposto persiste na
mesma tendência anterior, visto que os pais já lhe comunicaram que eles desejam com firmeza
sua obediência. Talvez os pais mantenham-se calados acerca do tema da submissão, mas é
provável que isto não alcance os efeitos desejados porque o filho pode interpretar sem dúvida o
silêncio dos pais como uma simples pausa temporária em sua campanha prévia: "Agora não o
falam no assunto, mas continuam pensando o mesmo". Um impulso estratégico autenticamente
oposto consistiria em sugerir que os pais exigissem a desobediência: (o pai para o filho)
"Enquanto eu estiver fora, gostaria que você fizesse sua mãe passar por maus bocados”.Do
mesmo modo, com a pessoa que sofre de insônia o impulso oposto não será o de pedir ao
paciente que deixe de realizar tudo o que tentava fazer para conseguir dormir e que a natureza
siga seu curso. O impulso estratégico oposto seria: "Obrigue-se a permanecer acordado".

Como regra geral pode-se afirmar que não existem posturas ou estratégias pretensamente neutras
que ao mesmo tempo sejam úteis. O que se apresenta como postura neutra costuma ser,
freqüentemente, uma continuidade do impulso básico do paciente, ou o estímulo direto de tal
continuidade. Com freqüência os pacientes cometem o mesmo erro: "No começo falava
constantemente a meu marido que não devia beber. Mas como isto não adiantava, decidi mudar
para a atitude oposta e não falar mais nada acerca da bebida. Limitei-me a ignorar a
questão”.(Se o terapeuta lhe perguntar: "você tentou alguma vez opção contrária estimulando-o
a beber?", a resposta provável seria: "Não, por Deus! Isto seria uma loucura”.).

Formular táticas concretas


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Até este momento o planejamento tem sido de ordem geral: tem-se apenas sinalizado o caminho.
Agora, contudo, o terapeuta precisa pensar em termos mais concretos, visto que tem que
recomendar ou sugerir algo ao paciente. Ainda que a solução de um problema exija o abandono
da solução ensaiada pelo paciente, este não pode limitar-se a deixar de fazer algo, sem fazer uma
outra coisa em troca. Acontece algo similar à situação em que alguém deixa de ficar em pé. Uma
pessoa nunca se limita a não estar em pé: senta-se, deita-se, salta, etc... Ao fazer qualquer uma
dessas coisas haverá deixado de estar em pé. O terapeuta tem que encarar a seguinte pergunta:
"Qual destas ações será mais eficaz para impedir a solução anterior?" Nos problemas pessoais,
ou seja, quando o paciente se queixa de algo que afeta somente a ele, torna-se mais fácil de
formular um centro de atenção estratégico. É provável que as soluções ensaiadas sejam menos
variadas que nos problemas interpessoais. Também é provável que sejam repetitivas e, em
determinadas ocasiões, ritualistas - os problemas de ansiedade pela performance constitui
exemplos eloqüentes disto. Nos problemas interpessoais - de tipo conjugal, educação de filhos,
esquizofrenia - torna-se mais difícil selecionar um foco de atenção estratégica. Todavia o
terapeuta pode obtê-lo reexaminando os dados que dispõe. Quais são as transações produzidas
com caráter mais repetitivo enquanto o problema está ocorrendo e se procura solucioná-lo? Em
tais transações, que coisas, ditas ou feitas pelo cliente, representariam um distanciamento mais
evidente no que diz respeito à sua atitude anterior? Por exemplo: As dificuldades em um
casamento podem recomeçar a cada dia quando a esposa telefona ao esposo em seu trabalho e lhe
pede para não vir tarde para casa, preparando assim o terreno para as posteriores transações de
perseguição e fuga que ocorrem quando ele volta para casa. O terapeuta poderia intervir nessas
transações posteriores, mas é provável que alcance um impacto de maior valor estratégico se
intervir na chamada telefônica inicial realizada pela esposa. A inversão da posição inicial da
mulher nesta transação consistiria em um telefonema no qual ela animasse seu esposo a se atrasar
o que fosse preciso antes de voltar para casa: "Não se apresse demais. Estou certa que você
precisa de um descanso. As crianças e eu podemos comer mais cedo".

O exemplo anterior serve também para ilustrar outra consideração relacionada com cada
intervenção concreta: "Qual seria a ação que o paciente realizaria com maior facilidade?" A
oportunidade é um dos fatores que teria que se levar em conta neste contexto. Evidentemente se o
terapeuta pode escolher entre uma ação fácil de se incorporar na rotina diária do paciente e outra
ação que exige um acontecimento especial ou não freqüente, é provável que se decida pela
primeira. Um evento especial acerca do qual podem realizar-se planos (p. ex: um aniversário ou
qualquer outra celebração), constitui-se numa exceção. De certo modo, porém, tais fenômenos
também são uma rotina na vida das pessoas, ainda que não sejam acontecimentos freqüentes.

O terapeuta pode conseguir um impacto estratégico ao solicitar ao paciente que faça algo que
aparentemente não é mais que uma pequena alteração no manejo do problema. Esta pequena
alteração é facilmente aceita porque é vista como uma mudança secundária, e também porque se
integra facilmente às práticas cotidianas. Por exemplo: um casal que constantemente brigue em
um cômodo da casa, por exemplo, na sala de estar, pode receber a sugestão que continuem
brigando, mas que mudem para outro cômodo da casa. Talvez aceitem com facilidade esta
sugestão, uma vez que parece irrelevante o fato de utilizarem um ou outro cômodo. Todavia a
premeditação de ter que mudar para um cômodo diferente leva a briga para um plano embaraçoso
e consciente de si mesma, muito próxima ao do jogo; por sua vez, isto muda a essência da briga.
A um casal que se queixava que seu casamento estava em ponto morto e que seus esforços para
gerar espontaneidade haviam fracassado tremendamente, foi sugerido que se limitassem a pensar
no porque não conseguiam divertir-se. Disse-lhes que fizessem isso se sentando na sala de estar,
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frente a frente e sem dizer nem fazer nada que fosse divertido. Enquanto procuravam obedecer as
instruções, foram gradualmente ficando mais conscientes do deliciosamente ridículo da tarefa,
começaram a rir de forma sufocada, em seguida com gargalhadas e, uma vez liberados de sua
tensão habitual, surgiu o carinho.

Ao colocar em relevo as sugestões relativas a uma ação concreta, não estamos querendo dizer
que as tarefas simplesmente verbais sejam menos importantes. A maioria dos conflitos familiar
fundamenta-se basicamente em declarações ou intercâmbios verbais e não em ações. Em
numerosos problemas de educação infantil, por exemplo, a dificuldade não está em que os pais
imponham determinada restrição ou norma, mas em que justifiquem suas ordens frente à queixa
do filho que afirma que eles não são justos. Em seguida a batalha aumenta, à medida que os pais
manifestam seu desacordo e persistem em seus esforços em conseguir do filho o reconhecimento
de que o que eles estão pedindo é justo e razoável. Em tais casos não é necessário nem relevante
um intercâmbio não-verbal. Ao contrário, o problema poderia resolver-se se os pais fossem
induzidos a estar de acordo com a acusação de injustiça: "Tem razão. Não sou justo; finalmente
me dei conta disto. Porém, de qualquer forma, quero que faça isto".

Uma consideração final. Em muitos problemas, se não na maioria, muitas pessoas podem estar
implicadas na conservação do problema. O terapeuta deve pesar o seguinte aspecto: entre os
indivíduos implicados, qual deles seria mais receptivo a minha influência? O mais provável é que
seja a pessoa que solicita ajuda, ou se há mais de um solicitante, como ocorre em muitos
problemas conjugais, podem ser ambos.

Em resumo, o terapeuta tem que planificar suas intervenções concretas calculando que ações se
afastam em maior grau da solução tentada, que ações são mais centrais para as transações
implicadas no problema, que ações seriam incorporadas com maior facilidade à rotina própria do
paciente, e que pessoas desempenham papel mais estratégico para a persistência do problema.

Enquadrar a sugestão em um contexto: "vender a tarefa"

Uma coisa é formular uma sugestão ou uma tarefa e outra bem distinta é conseguir que o
paciente a execute. Os pacientes que se empenham em levar adiante seus esforços de mudança o
fazem porque os consideram a única coisa segura, saudável e razoável que é cabível naquele
momento. Se o terapeuta limita-se lhe dizer que deixa de fazer o que estava efetuando e comece a
fazer o oposto, o paciente resistirá muito e possivelmente abandonará o tratamento sem mais nem
menos. Devido a seu próprio marco de referência, considerará tais sugestões como descabidas,
perigosas ou até cômicas. Conseqüentemente, depois que o terapeuta formular a tarefa que irá
passar ao paciente, necessita planejar a forma de induzir o paciente a aceitá-la. Como já
mencionamos, em algumas terapias extensas, o terapeuta acostuma a modificar o marco de
referência do paciente com o objetivo de que se ajuste ao marco de referência próprio do
terapeuta. Não obstante, na terapia breve, utiliza-se o próprio marco de referência do paciente. A
postura do paciente será um instrumento muito importante a este respeito, visto que expressa seu
marco de referência. É a linha diretriz da tarefa que vai parecer razoável ou não aos olhos do
paciente.

Em conseqüência disto, as tarefas de remarcar e definir novamente o marco de referência do


paciente desempenham um papel significativo no encurtamento do tratamento. Representam
meios comumente utilizados, embora não exclusivamente, para conseguir que os pacientes
adotem um curso de ação que em outras circunstâncias se negariam a adotar. Na comédia
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musical "O violinista no telhado", o jovem pretendente encontra-se tão intimidado pelo pai de
sua amada que não se atreve a pedir-lhe autorização para se casar com ela. Explica da seguinte
forma: "Depois de tudo isso, quem sou eu? Não sou mais que um pobre alfaiate e não tenho
direito de pedir sua mão a seu pai". A filha poderia ter contestado negando esta postura de
"pobre alfaiate" dizendo algo como: "Nem sempre você vai ser um alfaiate pobre" ou "Não tem
que ficar com tanto medo de papai. Estou certa que ele vai te aceitar". Ao invés disto ela admite
a postura dele mas reestrutura a situação: "Bem, é verdade; você é um alfaiate pobre. Mas
também um alfaiate pobre tem direito a ser feliz". Visto que tal afirmação era uma verdade
inegável para sua subcultura, o pretendente reanimou-se e apresentou-se diante do pai. Em sua
qualidade de alfaiate pobre talvez não tivesse direito de pedir a mão da filha em casamento, mas
tinha todo direito de pedir a felicidade, a qual, coincidentemente, exigia que ambos jovens se
unissem em matrimônio.

É provável que os pais de um filho supostamente esquizofrênico que está se aproveitando dele
não admitam a sugestão de marcar determinados limites na conduta do filho, se isto lhes parecer
uma necessidade de mostrarem-se duros para com o filho. Todavia é possível que aceitem tal
sugestão se a mesma for formulada nos seguintes termos: "É necessário ajudar-lhe a estruturar
sua vida, senão de outra forma a mesma ficará totalmente desarticulada". É bem mais provável
que um esposo irado com sua esposa aceite uma sugestão que o faria "mostrar-se superior a ela"
que uma outra que falasse de "ajudá-la". Um indivíduo que se considera único, que se eleva
acima da multidão, se mostrará mais dócil em relação a uma sugestão que pareça exigir uma
personalidade excepcional para suas tarefas, que outra que implique em realizações banais, que
qualquer um pode realizar. Um indivíduo que a si mesmo se considere "esperto", pode ser
induzido a aceitar uma tarefa muito simples: "Sei que você compreende a importância desta
tarefa, de modo que não necessito explicar algo que é óbvio para você". Uma pessoa irreverente
e pouco convencional colaborará menos com uma sugestão razoável do que com outra formulada
assim: "Tenho a impressão que isto vai lhe parecer algo meio maluco, e que provavelmente não
tenha sentido, mas talvez você queira ver o resultado da execução da mesma".

Alguns pacientes mostram-se interessados em subestimar o terapeuta e desejam sentir-se


superiores a eles, deixando-o passar por ridículo. Ao estimular este tipo de paciente para que
realize uma tarefa que o terapeuta considera claramente como algo importante, possivelmente o
terapeuta não terá êxito. Entretanto se se sugere que a tarefa é improvável, o cliente estará mais
disposto a realizá-la: "Sei que algumas pessoas fazem (qualquer coisa que o terapeuta queira que
o paciente faça), mas não creio que isto tenha aplicação em seu caso. Simplesmente você não vai
por este caminho".Outros pacientes, ainda que peçam ajuda, manifestam opiniões muito
arraigadas em torno daquilo que deveria constituir-se tal ajuda e rejeitam ou subestimam
qualquer sugestão que divirja desta opinião, seja formulada como quer que seja. Entretanto
podemos utilizar a metapostura do paciente para oferecer-lhe um conselho "negativo": "Bem, no
momento não me ocorre nada que possa ajudar-lhe a solucionar seu problema. O que eu
poderia fazer, no melhor dos casos, seria aconselhar-lhe algo que, se o cumprir, provocará uma
piora evidente do problema. Na verdade quase posso garantir isto". O terapeuta dedica-se então
a descrever detalhadamente o que o paciente tem feito no intento de resolver o problema e
termina dizendo: "Se continuar fazendo isso logo vai conseguir que sua situação deixe de ser
lamentável para converter-se em impossível. Não tem que acreditar somente porque eu estou
dizendo, coloque em prática e verá por si mesmo os resultados".

A formulação requerida para induzir o paciente a aceitar a tarefa não necessita ser sempre
complicada. Pode ser tão simples como: "Vou pedir algo a você e gostaria de saber como
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funciona". Entretanto, inclusive neste caso, a expressão "pedir algo a você" implica que o
fracasso em obter constituiria uma ação de privação ou rejeição dirigida contra o terapeuta.
Evitaria tal implicação se o terapeuta formulasse algo assim: "Vou pedir-lhe que faça uma coisa".

Ante um paciente que manifeste uma postura de "desafio passivo", talvez seja necessário
expressar de modo explícito uma atitude de desafio agressivo: "Perceba que fiz você passar por
maus bocados e, por causa disto, você tem todo o direito de vingar-se não querendo seguir a
sugestão que te farei em seguida". Com os pacientes que não se ajustaram a sugestões ou tarefas
anteriores, mesmo que isto tenha ocorrido somente de forma passiva - "esqueci"; "estive tão
ocupado esta semana"; "não consegui lembrar o que era para fazer" - o terapeuta pode estimular
a docilidade mediante um prognóstico acerca de todas as formas possíveis que utilizará o
paciente para evadir-se de uma nova sugestão, ou propor ao próprio paciente que faça uma lista
de todas as manobras evasivas que lhe ocorram.

Formular objetivos e avaliar resultados

Em nosso enfoque terapêutico, o objetivo geral é a solução da queixa do paciente. Temos que
vincular intimamente os procedimentos que adota o terapeuta e o objetivo do tratamento.
Conseqüentemente devemos considerar: 1) sobre que bases escolhemos o objetivo e, 2) que tipo
de dados serão manejados para determinar êxito ou fracasso na tentativa de alcançar tal objetivo,
ou para determinar o avanço em direção à consecução do mesmo no decorrer do tratamento.

Os diversos tipos de psicoterapia costumam iniciar com base em uma queixa, ou seja, uma
declaração mais ou menos clara e explícita que expressa preocupação acerca de uma conduta
considerada como indesejável, mas que persiste no tempo. Entretanto, numerosos enfoques
terapêuticos abandonam este ponto inicial logo que o tratamento inicia e jamais tornam a ele.
Transportam-se a algo que consideram mais profundo e mais significativo que uma simples
perturbação da conduta: uma categoria de diagnóstico, uma presumível causa básica, uma
"patologia" individual ou familiar. Logicamente, nestes enfoques formulam-se objetivos e avalia-
se o melhoramento de acordo com um conceito explícito ou implícito de "normalidade", "saúde",
"homeostase funcional" ou fatores similares. Em nossa opinião, ao avaliar o resultado baseando-
se nestes elementos corre-se o risco de impor determinado critério acerca do que é uma vida
"correta". Não nos preocupa em demasia que o terapeuta imponha conscientemente suas próprias
opiniões a um paciente. Em questões concretas, isto pode chegar a ser parte essencial do
tratamento, por exemplo, quando o terapeuta tenta dissuadir o paciente de realizar ações que, na
opinião do terapeuta, agravarão manifestadamente seu problema. Em tais casos, o terapeuta se
responsabiliza por esta influência deliberada e conscientemente. O grande perigo reside em que
os critérios próprios do terapeuta sejam considerados como normas objetivas de saúde mental,
ainda que se limite a expressar valores meramente pessoais, culturais ou de classe social. Por
exemplo, muitos terapeutas procedem da classe média, que pode conceder importância ao fato de
ser independentes da família extensa. Os pacientes destes terapeutas talvez confirmem que se
lhes desaconselha uma estreita vinculação com a família extensa sobre tudo se o problema é de
ordem conjugal. Em certos casos continua-se produzindo tal tentativa de dissuasão ainda que o
paciente sinalize que para ele não constitui nenhum problema a proximidade com o conjunto dos
parentes. O terapeuta não crê que esteja impondo seus próprios valores sociais ao paciente; crê
que implementa a tentativa de modificar uma relação patológica.

Em nossa opinião, existem muitas formas possíveis de que os indivíduos e as famílias vivam sua
própria vida, e não somente uma como se todas as demais formas fossem errôneas ou anormais.
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Por isso, a queixa do cliente - isto é, a declaração de um problema persistente ou obstáculo que o
impede de continuar vivendo do modo que desejaria - constitui nosso principal objetivo ao longo
do todo o tratamento. Em alguns casos torna-se imprescindível uma modificação deste simples
critério, mas então se segue inclusive permanecendo dentro do mesmo marco geral. Alguns
pacientes apresentam queixas vagas ou declaram propósitos de extrema eloqüência ou
contraditórios. Em tais casos o terapeuta deve julgar, a partir dos dados disponíveis por mais que
não sejam de todo claros, o que é o melhor para solucionar a incerteza ou a contradição e ajudar
o cliente a seguir vivendo de forma satisfatória. (Visto que o paciente oficial com freqüência não
se queixa de sua conduta, mas provoca mal estar em outras pessoas, quando aqui falamos do
paciente estamos nos referindo a quem solicita ajuda.).

Em outras palavras, por mais discutível ou indesejável que seja um aspecto da vida do paciente
não nos mostramos inclinados a intervir a menos que o paciente formule alguma queixa a
respeito ou a menos que um membro da família que se encontre envolvido na situação
terapêutica queixe-se dele. Paralelamente, nosso objetivo terapêutico básico consiste em que o
paciente deixe de padecer de sua doença ou ao menos que esta diminua o suficiente para não
necessitar mais do tratamento terapêutico.

Quais são os dados que permitem ao terapeuta, em cada caso, estabelecer que já se tenha
alcançado o objetivo desta etapa, ou que ao longo do tratamento, alguém está se aproximando da
meta? Em nossa opinião, o indicador mais importante do êxito terapêutico consiste em uma
declaração do paciente segundo a qual ele se encontre completa ou razoavelmente satisfeito com
o resultado do tratamento. Isto pode acontecer por duas causas: porque a conduta perturbada
mudou, ou porque tenha mudado sua avaliação de tal conduta, a qual faz com que já não a
considere como um problema significativo. Em outros termos, damos grande relevância à
informação que apresenta o próprio paciente, a complementado com alguns outros dados e a
consideramos como indicador primário de êxito: visto que o paciente apresenta-se como um
indivíduo afligido por uma enfermidade, deve ser liberado uma vez que já não se queixa de tal
enfermidade. Se bem que se torna tentador determinar de algum modo a melhora,
independentemente do que diga o paciente, não buscamos uma verificação desse tipo para
comprovar se realmente existia uma doença inicial. Consideramos como válida sua palavra
acerca do problema e acerca dos riscos próprios do problema. Pareceria então uma total
incoerência aceitar sua palavra quando diz que tem um problema, logo modificando o critério no
meio do caminho, exigindo uma verificação objetiva de que tal problema tenha terminado.

Contudo, procuramos comprovar por diversas vias tal informação. Primeiro, baseando-nos em
nossa própria estimativa do impulso principal das soluções experimentadas em cada caso,
tentamos determinar um objetivo concreto de mudança de conduta; em outras palavras, tentamos
prever uma conduta específica cuja realização consideremos incompatível com a continuidade do
problema e que, se possível constate-se em termos de "sim" ou "não". Por exemplo, em uma
família extremamente preocupada pela conduta supostamente incontrolável de dois filhos
adolescentes, os pais não tinham desfrutado de vida social enquanto casal ao longo dos últimos
quatro anos. O critério de conduta pelo qual decidiu-se foi que assistissem a uma sessão de
cinema os dois juntos, deixando em casa os dois filhos.

Em segundo lugar, podemos constatar a mudança declarada - desde a postura de solicitante de


ajuda até a de não solicitante - interrogando o paciente acerca da base de sua nova postura: "O
que aconteceu que explique esta mudança?" Quando o primeiro critério de avaliação implicava a
previsão de que determinada conduta seria incompatível com a continuidade da doença, isto
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implica o vincular uma mudança na doença com uma mudança da conduta ou da opinião. Em
ambos os casos, sem dúvida, a importância que se atribui a uma informação dependerá em
grande medida da especificidade da declaração e de sua adequação a aquele problema em
particular e a seus riscos próprios. A diretriz básica que se utiliza é a variação, seja na conduta
problemática, na solução que se experimente ou na definição do problema por parte do cliente.
Uma variação especialmente significativa seria que o cliente informasse que foi capaz de fazer
algo que não havia conseguido realizar enquanto encontrava-se afligido pelo problema; em
contrapartida, não seria uma declaração meramente genérica de que se produziu uma diminuição
do problema. No caso de um indivíduo deprimido, por exemplo, nos interessa mais que nos
comentasse que voltou a trabalhar do que uma simples declaração de que se sente melhor.

De igual modo, no que diz respeito a situações em que o problema não variou, mas o paciente já
não o considera um problema, não nos daremos por satisfeitos com a mera declaração: "Creio
que já não necessito mais seguir com o tratamento. Parece-me que o problema já não me
incomoda mais". Preferimos em troca que o paciente redefina a queixa anterior em termos que
demonstrem que já não considera o problema como problema: "Durante toda minha vida tenho
estado suando por causa da gordura, realizando dietas, visitando terapeutas e fazendo coisas
para perder peso. Agora me dei conta de que esse suor ma prejudicou mais que o próprio
excesso de peso. Basicamente, necessito seguir vivendo e não existe nenhuma razão para que
não possa consegui-lo enquanto que pessoa obesa. Gosto de comer e poderia limitar-me a
desfrutar da comida ao em vez de sentir-me culpado ou aterrorizado por isso. Em conseqüência
já não me faz falta o tratamento". (Segundo nossa experiência, é bastante freqüente que um
cliente como este comece então a perder peso a partir deste momento). Outra declaração similar:
"Tenho estado me torturando para conseguir um emprego fora de casa. Mas a verdade crua e
nua é que odeio o trabalho. Realmente sinto-me muito mais cômodo em casa, preocupando-me
das tarefas domésticas, cozinhando e tendo tempo para mim mesmo. Minha esposa tem uma
carreira com a qual ganha muito dinheiro, é muito feliz a exercendo e deixando que eu seja dono
de casa. Quando me dei conta disto, os dois suspiramos de alívio”.

Em muitos casos mesmo o paciente redefinindo o problema como inexistente, provavelmente não
se sentirá satisfeito a menos que o problema em si mesmo tenha mudado; por exemplo, quando
se produzem depressões graves ou dificuldades no rendimento sexual, artístico ou laborativo.
Apesar de tudo, para comprovar se o problema mudou, ou quando o cliente o redefine como algo
que já não é problema, buscamos uma variação qualitativa que constitui um indicador mais fiel
de que o problema tenha sido solucionado a contento do paciente, seja um objetivo ou prioridade
previsto com antecipação ou que tal variação se encontre em relação a mudanças na doença.

Finalmente quando é possível acompanhar um caso depois de concluída a terapia, deve-se checar
se o paciente se submeteu mais tarde a outra terapia pela mesma queixa ou por outra similar.

Ainda que nenhum destes indicadores sirva como comprovação exata e inclusive possam estar
em conflito mútuo em alguns casos (por exemplo: quando um paciente declara que não tem
ocorrido mudanças em sua queixa, mas efetua mudanças em sua vida e deixa a terapia), cremos
que se tomados em conjunto constituem uma base apropriada e fiel para fixar objetivos e avaliar
os resultados do tratamento.

© EIRENE DO BRASIL

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