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Resumo direito de construir

safde faz entre direito adquirido e expectativa de direito. Além disso, há posições extremadas
no sentido de que o direito ambiental prevalece sobre direito adquirido e vice-versa. Contudo,
entendemos que é possível harmonizar a aplicação do direito adquirido com o direito
ambiental, distinguin do as hipóteses em há uma expectativa de direito daquela em que há de
fato um direito adquirido. PALAVRAS-CHAVE Direito de construir. Direito adquirido. Expectativa
de direito. Direito ambiental. Meio ambiente. Normas ambientais. ABSTRACT The present
article has by meaning to discuss the question related to the right of construction and to the
assured rights in face of the legislation and administration alterations amplify the incidence
and protection of the environment. It seems right the confusion made between the assured
right and expectation of right. Besides that, there are extremes positions in the sense that
environmental rights go over assured rights and vice-versa. Although, we understand it is
possible to harmonize the application of assured rights and environmental rights, distinguishing
the possibilities where there is a expectation of those where actually have a assured right.
KEYWORDS Right of construction. Assured right. Expectation of right. Environmental right.
Environment. Environmental rules. SUMÁRIO Introdução – 1. Conceito de direito adquirido – 2.
Direito de propriedade e direito de construir – 2.1. Ausência de licença para construir – 2.2.
Obra devidamente licenciada para a construção, mas que ainda não se iniciou – 2.3. Obra
devidamente licenciada em que já houve a construção – 3. Licença de construção e licença
ambiental – 3.1. Licença de construção emitida em desconformidade com normas ambientais –
3.2. Licença de construção e licença ambiental devidamente emitidas, sem que fosse erigida a
construção – 3.3. Licença de construção e licença ambiental devidamente concedidas, tendo o
proprietário erigido a sua construção. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO Tem sido
frequente, nas ações judiciais em defesa do meio ambiente, a alegação de direito adquirido de
construir por parte do poluidor. Há duas posições: uma que entende que sempre há um direito
adquirido, como se o direito de cons08438 miolo.indd 63 24/10/2012 18:58:18 64 Osvaldo de
Oliveira Coelho truir fosse inerente ao direito de propriedade; outra que afirma que não se
pode alegar direito adquirido em face de normas de proteção ao meio ambiente, por se
tratarem de normas de interesse público. Assim, há duas posições radicalmente opostas, ora
para sustentar a prevalência do direito adquirido, ora para sustentar a prevalência do direito ao
meio ambiente saudável. De início é necessário lembrar asd também é prevista na Constituição
Federal, no art. 225 e seus parágrafos. Diz o caput do citado artigo que: “Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Assim, é possível harmonizar tais normas, a
fim de que uma não prevaleça incondicionalmente sobre as outras. Contudo, para se chegar a
essa conclusão, é necessário ter em mente o correto conceito de direito adquirido. Além disso,
não poderão ser deixados de lado, no que tange à interpretação das normas infralegais, os
textos constitucionais relativos à função social da propriedade e à obrigação coletiva de
preservação do meio ambiente. 1. CONCEITO DE DIREITO ADQUIRIDO Embora aparentemente
fácil, o conceito de direito adquirido tem gerado muitas dúvidas diante de casos concretos. Tal
conceito nos é dado pelo § 2.º do art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil: Art. 6º. A Lei em
vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada. (...) § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém
por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou
condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. Não é demais nos socorrermos do
conceito de Caio Mário da Silva Pereira: (...) direito adquirido, ‘in genere’, abrange os direitos
que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício
tenha termo prefixado ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os
direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados,
sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os
subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los,
sem retro08438 miolo.indd 64 24/10/2012 18:58:18 DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO
ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 65 atividade. (in Instituições de direito civil,21. ed., v. I, Ed.
Forense, Rio de Janeiro, 2006, p. 159)1 . A grande questão que se coloca é o fato de o exercício
do direito ter ingressado no patrimônio do seu titular, não podendo ser alterado ao arbítrio de
outrem. Portanto, o direito pode até não ter sido exercido pelo seu titular, mas ele somente
configurará um direito adquirido se ingressar no patrimônio desta pessoa, tornando- -se
inalterável pela vontade alheia. Evidentemente, não se exige o efetivo exercício deste direito,
pois ele é apenas exercitável. É notório que todo direito tem possibilidade de ser exercido
(direito subjetivo). Mas isso é insuficiente para lhe atribuir a qualidade de direito adquirido. É
necessário que o exercício, ou a potencialidade de exercê-lo, esteja incorporado ao patrimônio
do seu titular e não possa ser alterado posteriormente. O exemplo clássico de direito adquirido
é o da aposentadoria. Quando o titular preenche todos os requisitos legais para se aposentar,
diz-se que ele tem direito adquirido. Este direito já integrou o patrimônio do titular, embora ele
ainda não tenha solicitado formalmente a sua aposentadoria, por questões pessoais. Este
direito não poderá ser alterado posteriormente, seja por lei ou por vontade de terceiros. O
advento de uma nova lei, alterando os requisitos para a aposentadoria não é óbice para que o
titular possa requerer, a qualquer tempo, o seu merecido descanso remunerado, desde que
tenha preenchido todas as exigências da lei anterior. Contudo, não é demais lembrarmos que
se esse direito não se incorporar ao patrimônio ou puder ser alterado ao arbítrio de outrem,
não estaremos diante de um direito adquirido, mas de uma mera expectativa de direito. É de
se lembrar a lição de Maria Helena Diniz (2007, p. 194-5)sobre o tema: Neste mesmo sentido,
Agostinho Alvim define o direito adquirido como a ‘consequência de um ato idôneo a produzi-
lo, em virtude da lei do tempo em 1. Citando o conceito de Francesco Gabba, retirado de seu
livro Teoria della Retroattività delle Leggi, o mesmo Caio Mário da Silva Pereira afirma que: “Na
definição de Gabba, é adquirido um direito que é consequência de um fato idôneo a produzi-lo
em virtude da lei vigente ao tempo em que se efetuou, embora a ocasião de fazê- -lo valer não
se tenha apresentado antes da atuação da lei nova, e que, sob o império da lei então vigente,
integrou-se imediatamente no patrimônio do seu titular. Da análise da definição de Gabba
resulta: A) Como todo direito se origina de um fato – ex facto ius oritur –, é preciso que o fato
gerador do direito adquirido tenha decorrido por inteiro. Se se trata de um fato simples, é
facílimo precisá-lo; mas se é um fato complexo, necessário será apurar se todos os elementos
constitutivos já se acham realizados, na pendência da lei que é contemporâneo. B) Não se
confunde com direito adquirido o direito totalmente consumado, pois que este já produziu
todos os seus efeitos, enquanto que o direito adquirido continua tal, muito embora venha a
gerar consequências posteriormente ao tempo em que tem eficácia a lei modificadora. C) Para
que se tenha como adquirido, é mister, ainda, a sua integração no patrimônio do sujeito”(obra
citada, p.149). 08438 miolo.indd 65 24/10/2012 18:58:18 66 Osvaldo de Oliveira Coelho que
esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tivesse apresentado antes da
existência de uma lei nova sobre o mesmo, e que, nos termos da lei sob o império da qual se
deu o fato de que se originou, tenha entrado imediatamente para o patrimônio de quem o
adquiriu. Manuel A. Domingues de Andrade esclarece-nos que o patrimônio vem a ser o
conjunto das relações jurídicas (direitos e obrigações), efetivamente constituídas, como valor
econômico, da atividade de uma pessoa física ou jurídica de direito privado ou de direito
público. Portanto, o que não pode ser atingido pelo império da lei nova é apenas o direito
adquirido e jamais o direito ‘in fieri’ ou em potência, a ‘spes juris’ ou simples expectativa de
direito, visto que ‘não se pode admitir direito adquirido a adquirir um direito’. Realmente,
expectativa de direito é a mera possibilidade ou esperança de adquirir um direito, por estar na
dependência de um requisito legal ou de um fato aquisitivo específico. O direito adquirido já se
integrou ao patrimônio, enquanto a expectativa de direito dependerá de acontecimento futuro
para poder constituir um direito” (in Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada,
12. ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 194-5). Segundo a lição de Caio Mário da Silva Pereira:
As expectativas de direito, isto é, aquelas situações ou relações aderentes ao indivíduo,
provenientes de fato aquisitivo incompleto, e por isso mesmo não integradas em definitivo no
seu patrimônio, são atingidas sem retroatividade pela lei nova, que passa a discipliná-las desde
o momento em que começa a vigorar (obra citada, p. 150). Assim, na expectativa de direito o
titular não preenche todos os requisitos previstos em lei para poder exercer o direito. Há uma
justa expectativa de que um dia venha a preencher todos os requisitos exigidos para a
aquisição definitiva do direito. Dessa maneira, o direito ainda não integrou seu patrimônio,
podendo ele ser surpreendido por um fato novo, qual seja, a vigência de uma nova lei. No
exemplo acima proposto, se o sujeito não completou a idade necessária para a aposentadoria,
embora os demais requisitos tenham sido atendidos, tem ele apenas uma expectativa de
direito para se aposentar. Se houver uma lei posterior alterando um ou alguns dos requisitos, o
sujeito deverá adequar-se às novas exigências, para somente após poder se aposentar. Porém,
não é tão fácil fazer esta diferenciação no que tange ao chamado direito de construir. 2.
DIREITO DE PROPRIEDADE E DIREITO DE CONSTRUIR Para se falar em direito de construir, é
necessário socorrermos do conceito de propriedade. De acordo com Sílvio de Salvo Venosa: o
direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa. Esta fica
submetida à senhoria do titular do dominus, do proprietário, empregando-se esses termos sem
maior preocupação semântica. Traduz-se na 08438 miolo.indd 66 24/10/2012 18:58:18
DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 67 disposição do art. 524
do Código de 1916: ‘A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus
bens, e de reavê-los do poder de quem injustamente os possua’ (in Direito Civil, v. V - Direitos
Reais, 10. ed., Ed. Atlas, São Paulo, 2010, p. 176). Diz o atual Código Civil no art. 1.228: O
proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha2 . §1º O direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a
poluição do ar e das águas. §2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. No que tange
ao direito de construir, estabelece o art. 1.299 do Código Civil que: “O proprietário pode
levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos”. Parece-nos nítido que o direito de construir está inserido na
faculdade de usar o bem por parte do proprietário. A compra de um terreno, seja um lote ou
um sítio, não implica necessariamente a intenção de construir. Aliás, a intenção que levou a
pessoa a adquirir a propriedade é indiferente: pode ser para construir, criar uma reserva
ecológica, obter lucro com venda posterior, acréscimo de patrimônio etc. É de se ressaltar que
é até recomendável que o adquirente de um imóvel dê a ele uma finalidade social, construindo
adequadamente no local. Isso porque se deve evitar a mera especulação imobiliária para se
respeitar a função social da propriedade. Assim, a Constituição Federal determina ao Poder
Público que exija do proprietário de imóvel não edificado o adequado aproveitamento do bem,
sob pena de parcelamento do solo ou de edificação compulsórios, além da determinação de
imposto progressivo e de desapropriação (art. 182, §4º, I a III, da CF). Mas isso não implica
dizer que há obrigatoriedade em construir. A edificação compulsória prevista na Constituição
Federal tem por fim preservar a função social da propriedade e, somente neste caso, pode ser
exigida. Portanto, o direito de construir nada mais é do que uma faculdade do proprietário,
com a finalidade de dar um aproveitamento adequado ao imóvel, de acordo com 2. Como
adverte Sílvio de Salvo Venosa: “O Código preferiu descrever de forma analítica os poderes do
proprietário (ius utendi, fruendi, abutendi) a definir a propriedade. A síntese dessas faculdades
presentes na senhoria sobre a coisa fornece seu sentido global. Se vistas isoladamente essa
descrição legal, sem dúvida que se concluiria por um direito absoluto. No próprio Código Civil,
estão presentes limitações a tais poderes que ali esbarram nos direitos de vizinhança, com
amplitude maior ainda 456 em retroatividade. Neste sentido, há que se lembrar da lição de
Caio Mário da Silva Pereira: A faculdade legal traduz um poder concedido ao indivíduo pela lei,
do qual ele não fez ainda nenhum uso. Igualmente são reguladas pela lei moderna as
faculdades legais, que haviam sido instituídas pela lei morta, mas de que não havia o indivíduo
feito uso, embora estivesse ao seu alcance (obra citada, p. 149-150). Portanto, o direito de
construir constitui-se em uma faculdade, podendo ser exercitável ou não. Porém, há que se
indagar: esse direito integra o patrimônio de seu proprietário? Esse direito pode ser alterado
posteriormente ao arbítrio de outrem? Para se responder a estas questões é preciso
diferenciar três hipóteses: a) o proprietário adquiriu o imóvel e não edificou e tampouco
obteve qualquer licença para construir no local; b) o proprietário adquiriu o bem e obteve a
licença para construir, embora ainda não tenha construído; c) o proprietário obteve a devida
licença para construir e construiu. 2.1. Ausência de licença para construir Aqueles que
entendem que o direito de construir é um direito adquirido apegam-se ao fato de que a
compra do imóvel implica necessariamente tal direito. Logo, o direito de construir integraria o
patrimônio do proprietário e posteriores mudanças, sejam administrativas ou legislativas, não
poderiam afetar tal direito, eis que já é considerado adquirido com a simples aquisição da
propriedade. Contudo, não nos parece correto tal raciocínio. Entender que o direito de
construir é um direito adquirido é o mesmo que dizer que o direito de construir é um elemento
nato à propriedade. Seria, então, um direito inerente à aquisição da propriedade. Ora, tal
raciocínio parece-nos equivocado. Primeiro, porque, como já foi dito, o direito de construir não
é inerente à propriedade. O direito de construir nada mais é do que uma das facetas do poder
de usar a coisa (ius utendi). Não é um elemento imprescindível à aquisição da propriedade,
pois qualquer pessoa pode adquirir um imóvel com restrições legais ou administrativas,
inclusive impedimento para construção, com o fim de preservar a natureza, por exemplo– o
altruísmo não é vedado por lei. O direito de construir também não é imprescindível ao direito
de usar da coisa, vez que o proprietário poderá usar o seu bem sem que faça qualquer
construção no local. Por exemplo, um sítio utilizado para plantio ou um lote vizinho utilizado
como bosque por seu proprietário lindeiro. Além disso, como já ressaltado acima, o direito de
construir é uma faculdade legal, conforme conceituado por Caio Mário da Silva Pereira, e está
condiciona08438 miolo.indd 68 24/10/2012 18:58:18 DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO
ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 69 do à função social da propriedade. O direito de construir
tanto fgh propriedade, que o legislador impõe diversas restrições legais e administrativas para
o seu exercício. O próprio Código Civil proíbe e restringe construções que possam causar danos
ao vizinho (direito de vizinhança) ou ao meio ambiente. Além disso, as posturas municipais
também podem impor condições para o exercício do direito de construir. Ademais, até mesmo
normas contratuais poderão restringir tal direito. Como afirma Sílvio de Salvo Venosa: As
construções devem seguir o gabarito determinado pela Administração, bem como recuo e
alinhamento com relação às vias públicas, utilização de área máxima de edificação em cada
zona etc.(...). No Código Civil, encontra-se o mínimo de limitações no direito de construir a
serem obedecidas no que não contrariarem o direito edilício administrativo. Veja, por exemplo,
na norma do art. 1.300, que proíbe que o proprietário construa de molde a despejar águas
diretamente sobre o prédio vizinho. O regulamento administrativo ou do loteamento pode
exigir outros requisitos no tocante ao despejo de águas (obra citada, p. 324). Portanto, é cediço
que a faculdade legal de construir é limitada, havendo a necessidade, para o seu exercício, de
expressa autorização administrativa dos órgãos competentes, a fim de se verificar se a
construção pretendida preenche os requisitos previstos nas posturas municipais e demais
normas legais. Pois bem, se o proprietário nem sequer obteve a licença administrativa para a
construção, como é possível falar em direito adquirido? Tanto isso é verdade que, sem a devida
licença, o proprietário não poderá construir. Se não houver licença, a Administração Pública
deverá utilizar-se de seu poder de polícia, podendo inclusive demolir as construções erigidas
irregularmente. É interessante notar que, para se obter a licença administrativa para construir,
o proprietário deverá preencher os requisitos da época em que provocou a Administração
Pública Municipal. Quanto a esse fato, ninguém contesta. Suponha-se que na época da
aquisição da propriedade as normas legais ou administrativas edilícias exigiam os requisitos “a”
e “b”. Alguns anos depois, tais normas passaram a exigir também os requisitos “c” e “d”, o que
prevalece até hoje. Contudo, atualmente o proprietário ingressa com pedido administrativo
para poder construir na sua propriedade. Ora, não poderá ele alegar que deveria apenas
preencher os requisitos “a” e “b” porque estes eram os exigidos na época da aquisição do
imóvel. Logo, não tem ele direito adquirido, o que nos parece até óbvio. Assim, se o
proprietário não tem direito adquirido para preencher determinados requisitos exigidos por
posturas municipais, aplicando-se a lei da época do pedido administrativo de licença para
construção, como é possível falar-se em direito adquirido em face de normas ambientais?
Sendo aplicadas as normas edilícias atuais, como é possível afirmar que o proprietário tem
direito adquirido de construir de acordo com a norma ambiental da época da aquisição do
imóvel? Essas questões parecem-nos barreiras intransponíveis para aqueles que alegam o
suposto direito adquirido do proprietário na hipótese ora analisada. 08438 miolo.indd 69
24/10/2012 18:58:19 70 Osvaldo de Oliveira Coelho Portanto, parece-nos claro que o
proprietário não tem direito adquirido de construir pela simples aquisição da propriedade.
Pouco importa a época da aquisição do imóvel. Se o proprietário pretender nele construir,
deverá obedecer as normas administrativas, as normas edilícias e as normas ambientais
vigentes à época do pedido de licença. Portanto, a aquisição da propriedade gera apenas uma
faculdade legal (direito de construir), podendo ser alterado por qualquer legislação posterior,
ficando sujeita aos ditames da nova norma que entrou em vigor, sem que se possa falar em
retroatividade. 2.2. Obra devidamente licenciada para a construção, mas que ainda não se
iniciou É de notar que nós utilizamos a expressão autorização como sinônimo de licença para
construir. Entendemos que – quando a Municipalidade expede um alvará de construção – nada
mais está fazendo do que emitindo uma autorização para alguém construir. Assim, utilizando-
se do conceito de Hely Lopes Meirelles, autorização é: um ato administrativo discricionário e
precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa
atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo
ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais
como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais etc.
(in Direito administrativo brasileiro, 28. ed., Ed. Malheiros, São Paulo, 2003, p. 183). Contudo, é
importante frisar que a quase totalidade dos administrativistas, tais como Hely Lopes Meirelles,
Maria Sylvia Zanella di Pietro e José Cretella Júnior, faz a diferenciação entre autorização e
licença. Assim, segundo o próprio Hely Lopes Meirelles: Licença é o ato administrativo
vinculado e definitivo pelo qual o Poder Público, verificando que o interessado atendeu a todas
as exigências legais, faculta- -lhe o desempenho de atividades ou a realização de fatos
materiais, antes vedados ao particular, como p. ex. o exercício de uma profissão, a construção
de um edifício em terreno próprio. A licença resulta de um direito subjetivo do interessado,
razão pela qual a Administração não pode negá-la quando o requerente satisfaz todos os
requisitos legais para sua obtenção, e, uma vez expedida, traz a presunção de definitividade.
Sua invalidação só pode ocorrer por ilegalidade na expedição do alvará, por descumprimento
do titular na execução da atividade ou por interesse público superveniente, caso em que se
impõe a correspondente indenização. A licença não se confunde com a autorização, nem com a
admissão, nem com a permissão (obra citada, p. 183). Em que pese o quilate dos nobres
administrativistas, ousamos divergir. Parece- -nos que a licença para construção é um ato
administrativo discricionário. Ainda que possa ter elementos vinculativos, na sua essência
trata-se de ato discricionário, pois 08438 miolo.indd 70 24/10/2012 18:58:19 DIREITO DE
CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 71 é possível ao administrador público
fazer um juízo de oportunidade e conveniência no ato. É lógico que a Administração Pública
deverá justificar os motivos pelos quais adotou aquela opção, seja deferindo ou indeferindo o
alvará. Também é lógico que deverá ser escolhida uma opção que esteja de acordo com a lei,
uma vez que do contrário haverá um ato administrativo arbitrário. Por fim, e não menos
importante, é de se ressalvar que eventuais abusos poderão ser corrigidos por meio do Poder
Judiciário. Assim, é evidente que o proprietário do imóvel deverá preencher os requisitos
referentes às posturas municipais para a obtenção do alvará. Mas daí não surge para ele um
direito líquido e certo à obtenção da licença. Primeiro, porque a construção também deverá
observar outras normas, como, por exemplo, as normas de direito ambiental. Segundo, porque
ainda que o proprietário preencha os requisitos referentes às posturas municipais, há
inegavelmente margem de discricionariedade por parte da Administração Pública para a
aprovação do projeto. Isso porque a Constituição Federal estabelece que deverá ser observada
a função social da propriedade. Então, imagine uma construção que atenda a todos os
requisitos da lei municipal, mas que não atenda ao interesse social daquela localidade. Um
exemplo prático: certa indústria deseja instalar-se em um município pequeno considerado
estância turística. Suponha- -se que a lei municipal não vede tal fato, pois não poderia fazê-lo.
A Municipalidade, de forma justificada, expondo os motivos que a levaram a tomar tal atitude,
poderia indeferir o alvará de construção sob o argumento de que não há interesse público local
na instalação de tal empresa. Então, como é possível dizer que a licença é sempre um ato
administrativo vinculado? Ainda que a conduta da Municipalidade seja contestada
judicialmente, deverão ser analisados os motivos (mérito) e a legalidade do ato, o que é
característico dos atos administrativos discricionários. Assim, entendemos que o
preenchimento dos requisitos exigidos nas posturas municipais, por si só, não gera direito
subjetivo à obtenção do alvará de construção, eis que também deverão ser observadas normas
de direito ambiental e de direito urbanístico, além do que a construção deverá atender à
função social da propriedade, havendo uma margem de escolha, dentro dos ditames legais, por
parte da Administração Pública. Entendemos, também, que não é possível dizer que a licença
psfa licença pela Administração Pública. É de se lembrar, segundo Maria Sylvia Zanella di
Pietro, que: “Revogação é o ato administrativo discricionário pelo qual a Administração
extingue um ato válido, por razões de oportunidade e conveniência” (in Direito administrativo,
10. ed., Ed. Atlas, São Paulo, 1999, p. 205). Aqui cabe um parênteses. Na revogação não se
questiona a legalidade do ato, constituindo-se em uma decisão em que se aprecia a
oportunidade e a conveniência do ato administrativo, o que é típico dos atos precários. 08438
miolo.indd 71 24/10/2012 18:58:19 72 Osvaldo de Oliveira Coelho Então, os autores de Direito
Administrativo entendem, em regra, que não é cabível a revogação de um ato vinculado: se o
ato vinculado é apenas o preenchimento dos requisitos legais, gerando um direito subjetivo, a
Administração Pública não pode revogá-lo. Contudo, os citados administrativistas, como Maria
Sylvia Z. di Pietro, afirmam: “nos casos em que a lei preveja impropriamente a revogação de
ato vinculado, como ocorre na licença para construir, o que existe é uma verdadeira
desapropriação de direito, a ser indenizada na forma da lei” (obra citada, p. 205). Assim, em
síntese, embora entendam que a licença seja um ato vinculado, admitem os referidos autores
que tal ato possa ser revogado administrativamente, com a ressalva de que é cabível
indenização. Então, alguém poderia imaginar que a licença, como é indenizável, uma vez
concedida, passa a integrar o patrimônio do interessado. Tanto isso seria verdade que o
Estatuto da Cidade, em seu art. 35, permite a transferência do direito de construir por meio de
alienação. Em primeiro lugar, o art. 35 do Estatuto da Cidade é de constitucionalidade duvidosa
e inaplicável a situações concretas. Não obstante isso, a citada alienação somente poderá gerar
efeitos entre particulares, não vinculando a Administração Municipal que deverá analisar
novamente se estão presentes os requisitos para a concessão da licença de construção. Assim,
o simples fato de alguém adquirir uma licença de construir de terceiro, não gera, por si só, o
direito adquirido de construir. Deverá ele consultar a Municipalidade para saber quanto à
validade de tal licença e a sua adequação ao novo local em que irá exercer tal direito. Então,
embora alienável esse direito de construir, poderia a Municipalidade revogá-lo? Parece-nos
óbvio que sim. Então, na prática a citada transferência de direito de construir prevista no
Estatuto da Cidade terá apenas um único objetivo: tumultuar e gerar novos litígios3 . Não
obstante isso, também se poderia argumentar que a licença, sendo um ato vinculado, passou a
integrar o patrimônio do proprietário. Tanto é que sua revogação é passível de indenização. Em
primeiro lugar, é de se ressaltar que o simples fato de ser indenizável não caracteriza a
constituição de um patrimônio. Não é pelo fato de ser cabível eventual indenização que o
direito de construir passa a integrar o patrimônio do interessado. 3. Neste caso, há, na
verdade, uma alienação de uma expectativa de direito, ou seja, da possibilidade de construção
já licenciada no local. Não é pelo fato de o novo proprietário ter adquirido a licença de terceiro
que ele terá direito líquido e certo de fazer a construção. Se a licença não integrava o
patrimônio do antigo proprietário, com maior razão não integrará o patrimônio do atual.
Embora mensurável essa licença de construção, sendo passível de alienação, tal fato não se
constitui em patrimônio, tanto que não é passível de penhora, de ser objeto de herança etc.
Outro exemplo de venda de uma expectativa de direito ocorre na hipótese de alienação de um
bem imóvel em litígio, em que se questiona o domínio: o adquirente compra um risco,
podendo se tornar ou não o proprietário do bem; o imóvel só será incorporado ao patrimônio
do adquirente após sentença transitada em julgado que reconhecer o seu domínio. 08438
miolo.indd 72 24/10/2012 18:58:19 DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO
AMBIENTAL 73 Os arts. 186 e 187 do Código Civil explicitam as hipóteses de obrigação de
indenizar o dano. Já a responsabilidade civil da pessoa de direito público é objetiva,
prescindindo da culpa, conforme art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Assim, se a revogação
do ato pela Administração Pública gerar um dano para o proprietário do imóvel que obteve a
licença para construção, deverá a Municipalidade indenizá-lo, como de regra deve fazer em
qualquer outra hipótese. Exemplo: depois de obtida a licença, o proprietário contrata mão de
obra e compra materiais, sendo que, dias após, a Municipalidade revoga o alvará de
construção. Os gastos realizados pelo proprietário deverão ser indenizados, não porque a
licença integrava o seu patrimônio, mas porque houve um prejuízo para ele e a
responsabilidade da Administração Pública é objetiva. É de se notar que, ao reverso, ao
afirmarmos que a licença é um ato precário, também não afastamos a possibilidade de a
Administração Pública ter a obrigação legal de ressarcir os danos provocados ao particular.
Assim, pouco importa se o ato é discricionário ou vinculado, definitivo ou precário, a obrigação
de indenizar da Administração Pública não nasce da natureza do ato administrativo em si, mas
do dano que este ato administrativo provocou a terceiros. Ademais, não é toda revogação
administrativa que gera o direito de indenizar. Suponha-se que uma vez obtida a licença para
construisafr e passados mais de nove anos sem que o proprietário tenha sequer erigido
qualquer construção no imóvel, a Prefeitura Municipal resolva revogar o alvará concedido.
Então, neste caso, salvo alguma peculiaridade do caso concreto, em regra, não será cabível
indenização, por ausência de prejuízo para o proprietário. O mesmo poderia ser dito no caso
de a licença para construção ser concedida em um dia e revogada no dia seguinte, sem que o
proprietário tivesse tido qualquer gasto com contratação de mão de obra e compra de
materiais. Com isso, queremos dizer qufe a obrigação de indenizar em virtude da revogação da
licença ocorre não porque o alvará de fa o patrimônio do proprietário, a resposta à primeira
questão é sim. Contudo, quanto à segunda demanda, a resposta é inegavelmente não. Mesmo
os administrativistas de escol já citados não negam a possibilidade de revogação administrativa
da licença. Logo, o direito de construir pode ser alterado ao arbítrio de outrem. 08438
miolo.indd 73 24/10/2012 18:58:19 74 Osvaldo de Oliveira Coelho Tanto não há direito
adquirido que o proprietário não pode se opor à decisão administrativa de revogação, salvo
quanto à legalidade do ato. Sendo a revogação um ato legal, leia-se não arbitrário, ao particular
prejudicado caberá apenas exigir uma indenização, se houver prejuízo. Portanto, não está
preenchido um dos requisitos para se admitir o direito adquirido, eis que a licença pode ser
alterada ao arbítrio de outrem. Se a revogação é cabível, por uma questão lógica, igualmente a
licença concedida não fica imune às eventuais alterações legislativas posteriores em prol do
interesse público. Por fim, voltamos a frisar que no nosso sentir a licença para construir é uma
autorização administrativa. Contudo, com isso, não negamos a possibilidade de que a
revogação da autorização possa gerar a obrigação da Municipalidade de indenizar, desde que
tenha provocado prejuízo para o particular interessado, como já visto. Assim, concluímos que o
alvará de construção, uma vez emitido, gera apenas uma expectativa de direito. 2.3. Obra
devidamente licenciada em que já houve a construção Pode acontecer que o proprietário
tenha obtido uma licença para construir e erigido a sua construção. Posteriormente, sobreveio
uma alteração das normas edilícias, exigindo novos requisitos para a concessão do alvará. Tem
o proprietário direito adquirido? Parece-nos que a resposta é sim. Diferentemente da hipótese
em que o proprietário tem apenas uma licença para construir, no presente caso, ele realmente
erigiu a sua construção. Logo, há que se responder a duas questões anteriormente propostas:
esse direito integra o patrimônio de seu proprietário? É inegável que sim, tanto que a
construção erigida deve ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis, fazendo parte do
patrimônio de seu dono. Assim, por exemplo, os filhos têm direito de herança sobre a casa
erigida no local, caso o proprietário venha a falecer. É de se observar que a simples emissão do
alvará de construção não permite o direito de herança, porque não se constitui em patrimônio.
Após, devemos responder à segunda questão: esse direito pode ser alterado ao arbítrio de
outrem? A resposta aqui também é não, pois não há mais uma licença de construção, mas de
fato uma construção autorizada, gerando para o proprietário o direito adquirido de ver sua
construção respeitada por leis edilícias futuras. 3. LICENÇA DE CONSTRUÇÃO E LICENÇA
AMBIENTAL É de se lembrar que, assim como na licença para construir, entendemos que a
licença ambiental é uma autorização. Assim, adotamos a mesma posição de Paulo Affonso
Leme Machado, para quem a expressão licença e autorização são sinônimas: Licença e
autorização – no Direito brasileiro – são vocábulos ‘empregados sem rigor técnico’. O emprego
na legislação e na doutrina do termo ‘licen08438 miolo.indd 74 24/10/2012 18:58:19 DIREITO
DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 75 ciamento’ ambiental não traduz
necessariamente a utilização da expressão jurídica licença, em seu rigor técnico. (...)
Empregarei a expressão ‘licenciamento ambiental’ como equivalente a ‘autorização ambiental’,
mesmo quando o termo utilizado seja simplesmente ‘licença’(in Direito ambiental brasileiro,
17. ed., Ed. Malheiros, São Paulo, 2009, p. 275)4 . Assim, utilizando o conceito de autorização
de Maria Sylvia Zanella di Pietro: num primeiro sentido, designa o ato unilateral e discricionário
pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a
prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos (obra citada, p. 188).
Depois finaliza: A autorização administrativa baseia-se no poder de polícia do Estado sobre a
atividade privada... (obra citada, p. 189). Se já entendíamos que a licença para construir é uma
autorização, porque preenche todos os requisitos conceituais acima expostos, com maior razão
entendemos que a licença ambiental é também uma autorização. Contudo, não podemos nos
furtar ao fato de que diversos autores entendem que a licença é um ato vinculado, adotando o
conceito anteriormente exposto do mestre Hely Lopes Meirelles. Porém, como já dito em
relação à licença para construir, para o objeto do nosso estudo (direito adquirido) é indiferente
que a licença seja um ato discricionário ou vinculado, vez que ambos não se constituem em
direito adquirido. Nos dois casos, no nosso sentir, o direito de construir não integra o
patrimônio do proprietário e pode haver posterior alteração de tal direito ao arbítrio de
outrem (revogação administrativa ou alteração legislativa). Dessa forma, visualizamos três
hipóteses a serem analisadas no que tange à apreciação das licenças de construção e licença
ambiental em face de eventual direito adquirido: a) a licença para construção foi emitida sem a
observância de regras ambientais; b) a licença de construção e a licença ambiental foram
devidamente emitidas e, antes da construção houve alteração das normas ambientais,
ampliando a proteção às áreas ambientalmente protegidas; c) a licença de construção e a
licença ambiental foram devidamente concedidas, tendo o proprietário erigido a sua
construção. 4. O citado autor ainda esclarece que: “A CF utilizou o termo ‘autorização’ em seu
Tít. VII – Da Ordem Econômica e Financeira, dizendo no art. 170, parágrafo único: ‘É
assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei’. Dessa forma, razoável é
concluir que o sistema de licenciamento ambiental passa a ser feito pelo sistema de
autorizações, conforme entendeu o texto constitucional.” (obra citada, p.275.) 08438
miolo.indd 75 24/10/2012 18:58:19 76 Osvaldo de Oliveira Coelho 3.1. Licença de construção
emitida em desconformidade com normas ambientais Como já foi dito, para a obtenção da
licença de construir o proprietário deverá preencher os requisitos edilícios da época do pedido
administrativo para a obtenção da licença, pouco importando a data da aquisição do imóvel.
Ademais, como visto, a licença de construção devidamente concedida não gera direito
adquirido. Assim, com maior razão, uma licença de construção que não tenha observado as
regras de direito ambiental, por ser ilegal, jamais poderá gerar qualquer direito, quanto mais
adquirido. Pode soar estranho ao mais desavisado o fato de uma licença de construção ser
emitida em área ambientalmente protegida, como uma área de proteção permanente (arts. 2º
e 3º do Código Florestal). Mas infelizmente isso é muito comum. As Prefeituras Municipais, na
maior parte dos casos, simplesmente ignoram a regra do art. 225, caput, da Constituição
Federal, que impõe ao Poder Público, em todas as suas esferas, a obrigação de preservar o
meio ambiente. É frequente a alegação de Prefeituras Municipais de que a sua obrigação seria
apenas de observar as posturas edilícias para a concessão do alvará de construção, sendo a
obrigação do Estado (em sentido estrito) fiscalizar as áreas de proteção ambiental. Ora, tal
atitude é inaceitável. Tanto que, com sua grande contribuição, ao emitir o alvará de construção
em área ambientalmente protegida, o Município tem frequentemente figurado no polo passivo
de ações civis públicas em virtude de danos ambientais, tendo em vista sua responsabilidade
solidária. Logo, é obrigação constitucional dos Municípios, assim como dos demais órgãos
federativos, preservar e evitar danos ao meio ambiente. Assim, a Municipalidade deverá
exercer o seu poder de polícia, exigindo do particular a apresentação das licenças ambientais
cabíveis, quando constatar que a área a ser construída está sobreposta a uma área
ambientalmente protegida ou quando constatar que da construção poderá advir um dano
ambiental. Ainda que haja dúvidas se a área é ambientalmente protegida ou não, deverá o
Município exigir que o particular obtenha a licença ambiental ou que faça uma consulta formal
ao órgão ambiental, aplicando-se o princípio da precaução. Tudo isso deve ser feito no curso do
procedimento administrativo para a obtenção da licença para construir, portanto, antes da
emissão do alvará de construção. Caso contrário, a Municipalidade deverá ser responsabilizada
pelos atos atentatórios ao meio ambiente que o particular tiver praticado em virtude do alvará
de construção emitido. Um caso prático bem ilustrará o problema. Tal fato é muito mais
comum do que se imagina. Já nos deparamos com a situação em que um loteamento foi
constituído e aprovado na década de 1970. Porém, começou a ser implantado posteriormente,
nos idos de 1990. Vários proprietários obtiveram junto à Prefeitura Municipal a aprovação de
seus projetos de construções, já nos anos posteriores a 2000, quando estavam em vigor várias
inovações legislativas ambientais. Contudo, de acordo com essas novas regras, boa parte dos
lotes passou a estar em área de preservação 08438 miolo.indd 76 24/10/2012 18:58:19
DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 77 permanente, qual seja,
topo de morro ou às margens de curso d’água. Uma vez processados, pois não tinham a licença
ambiental exigível, tais proprietários alegaram que teriam o direito adquirido de construir, vez
que o loteamento foi aprovado na década de 1970, sendo a construção aprovada pela
Prefeitura Municipal. Assim, tais defesas, como visto, baseiam-se na alegação de que o direito
de construir é inerente ao direito de propriedade, o que é um erro. Outro raciocínio
equivocado ocorre em relação à alegação de que a licença de construir gerou um direito
adquirido. A norma de direito ambiental aplicável na presente hipótese é aquela da época do
início da construção, porque o proprietário não obteve a licença ambiental exigível. Logo, seu
ato é ilegal e não pode ser acobertado pelo manto do direito adquirido. Não existe direito
adquirido quando a parte nem sequer direito tem. Neste sentido, podemos citar o seguinte
acórdão: LOTEAMENTO APROVADO E REGISTRADO - obtenção de várias autorizações para
desmatamento na área do empreendimento -posterior negativa para novo desmatamento -
área situada em local de preservação permanente - alegado direito adquirido ao
desmatamento - descabimento - prevalência do interesse público e imediata aplicação da
legislação protetora do meio ambiente5 . Fundamenta o Eminente Relator Lobo Júnior, no
citado acórdão que: No caso, a impetrante aprovou e registrou o loteamento no ano de 1978 e,
pela lógica, já deveria tê-lo implantado. Se demorou tanto tempo, é natural que se sujeite às
novas leis sobre o assunto, não havendo que se falar em aproveitamento das antigas
aprovações sobre questões urbanísticas e de proteção ao meio ambiente. Anote-se, ainda, que
não é fora de propósito a aplicação de disposições da Lei 6.766, de 1979, no que couber, aos
loteamentos ainda não implantados e aprovados ao tempo da legislação revogada. Com efeito,
‘aplica-se também ao caso de loteamento registrado sob a égide da lei antiga, mas cujas obras
de infraestrutura urbana, a cargo do loteador, não se tenham iniciado ou se encontram ainda
em execução’ (Loteamentos e desmembramentos urbanos– Toshio Mukai e outros – 2.ed.–
Sugestões Literárias –p. 294). Frise-se, por fim, que o interesse de poucos, ainda que relevante,
não pode sobrepor-se ao de toda uma coletividade, principalmente em tempos como os atuais,
quando qualquer tentativa de preservar os recursos naturais deve ser defendida e incentivada
por todos os meios possíveis Dessa forma, enquanto o proprietário não obtiver a licença
ambiental exigível ele ficará sujeito às mudanças legislativas, pois se desmatar para construir
ou se 5. Apelação Cível n. 147.488-1/2 – São Paulo 4ª Câmara Civil – TJ-SP Apelante: Hidro Volt
– Engenharia e Construções Ltda. – Apelados: Diretor da Divisão de Proteção de Recursos
Naturais – DPRN – Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de S. Paulo Rel. Lobo
Júnior – j.12-9-91. 08438 miolo.indd 77 24/10/2012 18:58:19 78 Osvaldo de Oliveira Coelho
der início à construção em área ambientalmente protegida estará praticando um ato
atentatório ao meio ambiente. A lei aplicável, por constituir um ato ilegal, deverá ser a da
época da prática do ato que causou o dano ambiental, ainda que outra tenha sido a data da
aprovação do loteamento, da aquisição do imóvel ou da emissão da licença para construir.
Aplicável aqui o aforismo do tempus regit actum. Assim, concluímos que, no caso de a licença
para construção ser emitida sem a observância de regras ambientais, haverá ato ilegal. Essa
situação já afasta qualquer hipótese de aplicação do direito adquirido. Da mesma forma, a
obtenção da licença para construir (expectativa de direito) não torna a conduta do proprietário
imune à aplicação e às mudanças posteriores das normas ambientais. 3.2. Licença de
construção e licença ambiental devidamente emitidas, sem que fosse erigida a construção Em
primeiro lugar, pode acontecer que uma licença de construção seja concedida sob a égide de
uma situação, sendo que alteração legislativa posterior venha a ampliar a proteção ambiental,
abarcando a hipótese. Não é demais lembrarmos que estamos falando de um caso em que não
se iniciou a construção, mas apenas foi emitido o alvará de construção. Um exemplo bem
ilustrará o caso: suponha-se que, na época da emissão do alvará de construção, a lei ambiental
em vigor exigia a preservação de quinze metros às margens de cursos d’água. Depois de
emitido o citado alvará, permitindo a construção em dezesseis metros do córrego, entrou em
vigor uma nova norma estipulando que se considera área de preservação permanente até
trinta metros de cursos d’água. Então, poderia o particular dar início à obra? Tem ele direito
adquirido à construção, não obstante a mudança legislativa? A resposta somente pode ser
negativa. Embora tenha sido licenciada a construção junto à Municipalidade, que à época não
tinha a obrigação legal de exigir a apresentação de qualquer licença ambiental, vez que não era
exigível, se o particular pretender construir neste local, deverá também obter a licença
ambiental que passou a ser exigível. Caso contrário, estará ele praticando um dano ambiental.
Alguém poderia questionar: mas na época da concessão do alvará a lei não exigia a licença
ambiental, como poderia ser exigida posteriormente? A resposta é bem simples: a licença de
construção não gera direito adquirido. Logo, eventuais mudanças em normas de ordem
pública, como é o caso das normas de direito ambiental, deverão ser observadas por todos.
Como visto, o direito de construir é totalmente alterável ao arbítrio de outrem (legislador).
Igualmente o alvará de construção é alterável ao arbítrio do administrador público (revogação).
Por fim, como já dito, aplica-se a norma da época em que o dano ambiental foi provocado, uma
vez que a conduta do proprietário passou a ser considerada ilegal. Nada há de estranho nisso.
Mas poderia ainda ser indagado sobre o eventual prejuízo que pudesse ser causado ao
particular. Ora, esse argumento não é suficiente 08438 miolo.indd 78 24/10/2012 18:58:19
DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 79 para a alegação de
direito adquirido, como visto. Ademais, embora possa gerar alguma situação injusta em algum
caso específico, o fato é que o particular deverá observar as regras de direito ambiental,
sacrificando até mesmo seu patrimônio em prol da coletividade. Além disso, o particular
prejudicado terá meios para se ressarcir dos danos patrimoniais que tenha suportado,
podendo requerer uma ação indenizatória em face do loteador, do vendedor, ou até mesmo do
Poder Público, se for o caso (no caso de revogação, por exemplo). Logo, o proprietário do
terreno, ainda que esteja impedido de construir em todo o seu imóvel, por estar integralmente
em área de proteção ambiental, não estará totalmente desamparado pela lei. Como dito, o
prejuízo do proprietário impedido de construir pode vir a ser ressarcido monetariamente, pelos
meios legais cabíveis. Não é possível aceitar que um prejuízo individual, decorrente de um ato
que passou a ser considerado ilegal, se sobreponha a uma norma de direito ambiental que tem
por fim a proteção de um bem de interesse metaindividual, visando preservar o meio ambiente
inclusive para gerações futuras. Uma segunda hipótese nos ocorre. É possível que o
proprietário obtenha a licença ambiental e posteriormente o alvará de construção para erigir
um prédio. Então, suponha-se que sobrevenha alteração normativa em que se vede a
construção no local anteriormente autorizado ou licenciado. Dessa forma, poderia o
proprietário dar início à sua construção, não obstante a vedação legal posterior? Parece-nos
que a resposta é a mesma do caso anterior, ou seja, já não mais poderá o proprietário erigir a
construção. Como a licença anteriormente concedida passou a contrariar texto expresso de
uma norma de direito ambiental, o proprietário deverá revalidar a sua licença junto ao órgão
ambiental que a concedeu. Por outro lado, o órgão ambiental deverá, de ofício ou de forma
provocada, revogar ou anular a licença anteriormente concedida. Se ambientais que provocar
no local. Veja que na presente hipótese parte-se da premissa de que a licença ambiental
anteriormente concedida é válida. Isso porque, se o órgão emitir uma licença em contrariedade
com as normas vigentes da época de sua emissão, estará praticando um ato ilegal. Ex.: na
época da licença a lei exigia que fosse protegida uma área de preservação permanente de
trinta metros de curso d’água. Se o órgão ambiental emitir uma licença ambiental permitindo a
construção particular na faixa de dezesseis metros do corpo d’água e esta licença não abarcar
nenhuma hipótese de interesse público previsto em lei (art. 3º, §1º, c. c. o art. 4º, ambos do
Código Florestal), tal licença será nula, pois ilegal. Nem se argumente a questão da boa-fé do
proprietário. Tal elemento não integra o conceito de direito adquirido. Por mais incauto e
honesto que seja o proprietário, por mais que atue de boa-fé ao iniciar a construção, tem ele o
dever legal de 08438 miolo.indd 79 24/10/2012 18:58:19 80 Osvaldo de Oliveira Coelho
obedecer às regras de direito ambiental. Sua responsabilidade pelos danos causados é sempre
objetiva. O dano a ser ressarcido é sempre o dano ambiental provocado, esteja o poluidor de
boa ou de má-fé. Não pode o proprietário alegar desconhecimento da lei (art. 3º da Lei de
Introdução ao Código Civil), subsistindo sempre o seu dever de indenizar. Logo, deve-se cercar
de todas as cautelas possíveis antes de adquirir um terreno e, principalmente, antes de efetuar
algum corte de vegetação ou iniciar alguma construção. O particular, de acordo com o seu
dever constitucional de preservação do meio ambiente, deverá sempre evitar adquirir áreas
que são ou possam vir a ser consideradas de preservação permanente, a fim de que a natureza
neste local seja preservada. Contudo, se o adquirente assim atua, comprando terrenos nas
proximidades de cursos d’águas ou em topo de morro, por exemplo, o faz por sua conta e risco.
Sabe ele, ou ao menos deveria saber, que sua propriedade estará onerada pela função social.
Sabe ele também que há normas de direito ambiental que restringem, sobremaneira, a
utilização de áreas ambientalmente protegidas. Se mesmo assim, resolvendo adquirir tal área,
com o fim de especular, construir, plantar etc., deverá estar ciente do risco, vez que não tem
direito adquirido de construir, mas uma mera expectativa de construir, que pode se concretizar
ou não. Parece-nos inaceitável que um interesse particular, que não se constitua em direito
adquirido, venha a sobrepor a um interesse da sociedade em ver preservado o meio ambiente.
Com isso também não queremos dizer que toda norma de direito público sobrepõe e aniquila o
interesse individual. Mas é inegável a maior relevância das normas de direito público (como o
direito ambiental). Somente nessas hipóteses, podemos aceitar como não radicais as decisões
judiciais que estabelecem que não se pode alegar direito adquirido em face de norma
ambiental. Neste sentido: (...) As restrições urbanísticas legais constituem limitações de ordem
pública e ninguém adquire direito contra o interesse público (...) (Apelação Cível n. 210.760, da
3a Câmara Civil do 1º TAC-SP, de 6-8-1975). (...) Nem há qualquer lesão a direito adquirido, em
se aplicando de pronto a lex nova. É que as normas administrativas, de direito público, como
pondera Pontes de Miranda, “não precisam retroagir, nem ofender direitos adquiridos, para
que incidam desde logo. O efeito, que se reconhece, é normal, o efeito do presente, o efeito
imediato, pronto, inconfundível com o efeito no passado, o efeito retroativo, que é anormal’
(Comentários à Constituição Federal de 1967, v. V, ed. 1968, p. 91 e 92). Mais adiante acentua
que não são retroativas, mas também incidem desde logo ‘as leis que exigem autorização
administrativa para certo fato ou ato, bem como as que a dispensam, ou modificam, as leis de
direito público relativas à propriedade e ao seu exercício (construções perigosas, higiene,
medidas necessárias à defesa nacional, servidões públicas)’ (ob. e vol. citados, p, 93-94
(Apelação Cível n. 242.007, da 4a Câmara Civil do TJ-SP, de 22-5-1975). 08438 miolo.indd 80
24/10/2012 18:58:19 DIREITO DE CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 81
Ação Civil Pública – Danos ao Meio Ambiente – Extração de granito em área tombada –
Violação ao Código Florestal, à Lei 6.938/81 e ao art.225 da CR – Alegação de Direito Adquirido
devido à titularidade da lavra – Inadm. – Norma de ordem pública – Proibição Mantida – RNP.
Não há, como se sabe, direito adquirido contra norma de ordem pública, mormente a
constitucional(Recurso Apelação Civil n. 178.905, origem: Ubatuba, Relator Urbano Ruiz, 28-9-
1993). Assim, uma coisa é entender que uma norma de direito ambiental sempre e em
qualquer situação prevalece sobre o direito adquirido. Outra coisa é entender que a não
ocorrência de uma hipótese de direito adquiridsfafo permite a sobreposição das normas de
direito ambiental sobre o interesse particular, ainda mais quando esse interesse individual não
é amparado por lei. Portanto, não vemos até aqui, nas hipóteses tratadas, uma sobreposição
do direito ambiental sobre o direito adquirido. Ao contrário, vemos que não há situação que
permita o reconhecimento do direito adquirido. Em virtude disso, deverá o particular sujeitar-
se às normas de direito ambiental, pois a lei tem caráter coercitivo, devendo ser obedecida por
todos. Jamais poderá o particular pretender que seu interesse individual se sobreponha à lei,
alegando que a norma é injusta, sob o seu ponto de visto. Do contrário, não teremos um
estado democrático de direito, mas um estado anárquico. 3.3. Licença de construção e licença
ambiental devidamente concedidas, tendo o proprietário erigido a sua construção Como já
visto, diferentemente da hipótese em que o proprietário tem apenas uma licença para
construir e uma licença ambiental emitidas, no presente caso, foi erigida a sua construção
autorizada. Como dito, esse direito passou a integrar o patrimônio de seu proprietário, não
podendo ser alterado ao arbítrio de outrem. Nessa hipótese, o Poder Público teria que,
obrigatoriamente, desapropriar o imóvel para constituir uma área de proteção ambiental6 . O
mesmo se verifica no caso de construções antigas, ou seja, erigidas antes de qualquer exigência
legal de preservação do meio ambiente. Se o proprietário erigiu a sua construção em uma
época em que não havia restrição ambiental ao uso de sua propriedade, terá ele direito
adquirido de preservar a sua construção no local, ainda que ocorra qualquer mudança
legislativa que passe a considerar a área edificada como sendo uma área de proteção
ambiental. Dois casos práticos bem ilustrarão a hipótese. Antes de 15 de setembro de 1965,
quando foi concebido o Código Florestal, existiam construções às margens de rios, por
exemplo. Com o advento do Código 6. Não é demais ressaltar que estamos aqui falando de
construções devidamente licenciadas, pois do contrário há hipótese de ilegalidade, não
havendo que se falar em direito adquirido. Por exemplo: um morador constrói, sem qualquer
licença, no interior de uma unidade de conservação. Não sendo uma construção antiga, leia-se,
antes da criação do parque, não pode ele alegar direito adquirido, ainda que o Estado tenha
sido omisso na fiscalização. 08438 miolo.indd 81 24/10/2012 18:58:19 82 Osvaldo de Oliveira
Coelho Florestal foram fixadas as áreas de proteção ambiental, inclusive as margens dos rios.
Contudo, aquelas pessoas que erigiram a sua construção tiveram o direito adquirido de
permanecer com elas no local. A partir de 1965, o Código Florestal passou a exigir que fosse
preservada uma faixa de quinze metros às margens dos rios. Depois dessa exigência, as
pessoas passaram a estar impedidas de construir nessa faixa, considerada área de preservação
permanente, sem que fosse obtida a devida licença ambiental. Mas suponha-se que no ano de
1984 alguém tenha adquirido um imóvel e construído numa faixa de vinte metros da margem
de um rio cuja largura fosse trinta metros. Porém, com o advento da Lei n. 7.803, de 18 de
julho de 1989, houve a alteração da redação da alínea a do art. 2º do Código Florestal,
passando- -se a exigir, no mínimo, uma faixa de área de proteção permanente, às margens de
curso d´água, de trinta metros7 . No caso hipotético, passou-se a considerar a faixa marginal de
cinquenta metros como área de preservação permanente (art. 2º, a, item 2, do Código
Florestal). Assim, como ficaria a situação daquele que construiu? Parece-nos que a legislação
posterior não poderia abarcar a situação das construções erigidas naquela faixa de vinte
metros. Para retirar o proprietário da área e determinar a demolição de todas as construções
erigidas na faixa de 50m do rio, o Estado (em sentido amplo) deveria indenizar o proprietário.
Veja que mesmo em face de uma hipótese de direito adquirido o Estado não está totalmente
impedido de transformar o local em área de proteção ambiental. Mas deverá fazê-lo, para
preservar o legítimo direito do proprietário, por meio de desapropriação. Isso ocorreu com a
instituição, por exemplo, do Parque Estadual da Serra do Mar em que houve desapropriações
indiretas das áreas que passaram a constituir tal parque8 . Contudo, é de se frisar, que, embora
o proprietário tenha o direito adquirido de permanecer com todas as suas construções erigidas
antes da mudança das normas ambientais, seu direito não é absoluto, como de fato o direito
de propriedade não o é. Não está tal proprietário imune às regras constitucionais da função
social da propriedade e da proteção do meio ambiente. A partir da vigência da norma de
proteção ambiental, aquele que tem o direito adquirido sobre as construções erigidas também
terá o seu direito de uso da proprieasdfdade restringido pela norma ambiental. Assim, para
poder ampliar a sua construção, somente poderá fazê-lo mediante uma licença ambiental. Não
é porque tem o direito adquirido de preservar as suas construções que o proprietário terá carta
branca para exercer qualquer ato danoso ao meio ambiente no local. Na faixa de 50m, que foi a
do exemplo acima proposto, deverão ser preservadas as condições naturais da propriedade,
consideradas a partir 7. Não estamos ignorando a hipótese prevista no art. 3º.,b, item I, da
Resolução CONAMA n. 04/1985. É que, no caso proposto, o rio tem trinta metros de largura,
devendo ser preservada a faixa marginal de quinze metros, segundo tal resolução. 8. Sobre o
tema, vale a pena a leitura do título IV, itens 3 e 4, do livro Tutela dos interesses difusos e
coletivos, Editora Juarez de Oliveira, da Professora Consuelo Yatsuda Mosdf romizato Yoshida,
em que relata as situações teratológicas ocorridas na chamada “indústria de indenizações
milionárias” no Estado de São Paulo. 08438 miolo.indd 82 24/10/2012 18:58:19 DIREITO DE
CONSTRUIR, DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO AMBIENTAL 83 da entrada em vigor da norma
ambiental protetiva. Qualquer alteração substancial no uso da propriedade deverá ser
precedida de licença ambiental9 . Outro exemplo ocorrido no Parque Estadual da Serra do Mar
bem ilustra a questão. Na Praia da Fazenda, no município de Ubatuba, há o Núcleo Picinguaba,
que é uma divisão administrativa do citado parque. Lá, na época da instituição da referida área
de proteção, já havia uma concentração de casas construídas em uma vila. O Estado (em
sentido estrito) optou por não indenizar essas pessoas, permitindo que continuassem com suas
construções no local. Porém, tais proprietários tiveram seu direito de propriedade restringido,
eis que seus imóveis passaram a estar no interior do citado parque estadual. Qualquer ato que
possa ser prejudicial ao parque ou que possa causar algum dano ambiental, como, por
exemplo, a ampliação da construção, deverá ser anteriormente licenciado pelo órgão
ambiental competente que administra a unidade de conservação. Portanto, embora tenha
direito adquirido, o proprietário não está imune às regras de direito ambiental. Não pode ele
ignorar a função social de sua propriedade e tampouco desrespeitar as normas de direito
ambiental, consideradas na data de sua entrada em vigor. A partir dessa data, qualquer
alteração em área ambientalmente protegida (área de preservação permanente, por exemplo)
deverá ser precedida de uma licença ambiental. Ao revés, o Estado (em sentido amplo)
também não poderá, quando o proprietário tiver direito adquirido, restringir a propriedade de
tal forma que se torne totalmente inviável o seu uso. Caso isso ocorra, deverá desapropriar a
área e indenizar o seu proprietário. Nestes casos, como há direito adquirido, deverá ser
encontrada uma solução em que se permita o uso da propriedade sem que haja lesões às áreas
ambientalmente protegidas (manejo sustentável). Logo, somente deverá ser permitido o uso
racional de tal direito de propriedade, pois como adverte Paulo Affonso Leme Machado: “Não
há direito adquirido de poluir”(obra citada, p. 203). CONCLUSÃO Concluímos que o direito de
construir é uma faculdade legal do proprietário, podendo ser exercitável ou não. Para poder
exercer tal faculdade, o proprietário deverá obter a licença de construção, devendo observar as
normas vigentes da época em que pretende construir. 9. Evidentemente que estamos tratando
aqui de situações em que a área é de interesse ambiental. Se já perdeu tal característica, como,
por exemplo, nas áreas de perímetro urbano já antigas e sem características que a tornem um
bem ambiental, esse raciocínio não é aplicável. Um exemplo bem ilustrará o que se propõe.
Suponha-se que a Avenida Paulista, encravada na cidade de São Paulo, esteja em área que hoje
poderia ser considerada topo de morro. É óbvio que os proprietários dos imóveis desta avenida
não necessitariam de qualquer licença ambiental para usar o seu bem, salvo se fosse um bem
de interesse histórico ou cultural (mas neste caso o fundamento é diverso). Isso porque tal
lugar não possui característica de área de proteção ambiental, constituindo-se em uma
situação absolutamente diversa da acima tratada. 08438 miolo.indd 83 24/10/2012 18:58:19
84 Osvaldo de Oliveira Coelho Assim, a emissão da licença de construção se constitui em uma
autorização administrativa gerando uma expectativa de direito. De igual forma, a licença
ambiental emitida também se constitui em uma expectativa de direito. Tais licenças não
integram o patrimônio do proprietário do imóvel. Além disso, ambas são passíveis de
revogação administrativa e, igualmente, devem se submeter às mudanças legislativas
posteriores. Somente há que se falar em direito adquirido nas hipóteses em que o proprietário
já erigiu a sua construção devidamente autorizada, tendo observado todas as normas legais
exigíveis na data da construção. Qualquer obra erigida em desconformidade com as normas
legais vigentes à época da construção é considerada ato ilegal, não havendo que se falar em
direito adquirido a uma situação contrária à lei. Para não ser surpreendido por legislações
posteriores, a fim de preservar o seu patrimônio, o proprietário deverá obter as licenças
cabíveis, inclusive junto aos órgãos ambientais, e, em um breve espaço de tempo, erigir a sua
construção. Tal atitude também tem por fim cumprir a função social da propriedade, evitando-
se, assim, a especulação imobiliária. Por fim, há que se lembrar que as normas de direito
ambiental são de aplicação imediata, devendo ser respeitadas por todos, inclusive pelo poder
público e pelos proprietários de imóveis. REFERÊNCIAS BARROS, Airton Florentino de.
Desenvolvimento urbano – O meio ambiente e o direito de construir. Disponível
em:www.justicaesolidariedade.com.br/index.jsp? Acesso em 27 maio 2010. DINIZ, Maria
Helena . Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro interpretada. 12. ed. São Paulo: 2007.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros,
2003. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. I. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas,
1999. SARAI, Leandro. Direito adquirido. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina/texto.
asp?id=9457. Acesso em 27 maio 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, v. V. 10. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos interesses difusos e
coletivos. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. 08438 miolo.indd 84 24/10/2012
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