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Investigações sobre o entendimento humano

Seção 4: Dúvidas céticas sobre a operação do Entendimento

Qual o problema enfrentado pelo texto?


Qual é a evidência das questões de fato que ultrapassam o domínio da memória e da
sensibilidade? No que elas se fundamentam, na medida em que, enquanto tais, seu contrário
não implica qualquer contradição e, portanto, não podem ser demonstradas? Se são redutíveis
ao conhecimento de causa e efeito, qual o fundamento deste, e, ademais, se ele provém da
experiência, no que esta se baliza? Quais processos ocorrem no entendimento quando são
realizadas? Porquê e como obtemos conhecimento da experiência?

Qual a tese do autor?


O autor responde negativamente: a evidência que fundamenta essa categoria de
questões de fato não se calca em qualquer raciocínio - isto é, em qualquer pensamento com
estrutura silogística, seja ele a priori ou a posteriori - e tampouco na mera experiência. Algo
ocorre na mente para que possamos extrair conclusões da empiria, mas este algo não é
nenhum processo do entendimento.

Qual a argumentação oferecida pelo autor para sustentar a tese?


A argumentação do autor pode ser dividida em três grandes movimentos: (i) a
apresentação do problema, (ii) a rejeição do raciocínio a priori enquanto resposta e (iii) a
rejeição de todo e qualquer raciocínio enquanto resposta.
A inferência causal, a qual abrange todas questões de fato que não estão restritas à
memória ou à sensibilidade, não se fundamenta em raciocínios a priori, mas apenas na
experiência: o conhecimento da causa é completamente diferente do conhecimento do efeito,
de tal modo que um não pode ser inferido somente com base no outro, quer
especulativamente quer através da simples observação. Pois assim atesta-o a primeira
imaginação de casos nos quais não se tem qualquer experiência e a própria natureza das
questões de fato, nas quais o contrário é sempre plausível.
Por sua vez, processos do entendimento também não fundamentam-na, porquanto
nunca se pode traduzir as condições necessárias dela em uma estrutura silogística, tampouco
realizá-la sem um acúmulo considerável de experiências. A suposição de que o futuro se
igualará ao passado é condição dos argumentos experimentais - por conseguinte, nunca pode
ser extraída deles -, e, não podemos saber se o vínculo entre os poderes secretos e os efeitos
sensíveis são necessários, nem inferir um do outro. Não há, portanto, como fornecer
argumentativamente o termo médio que se precisa para transformá-la em silogismo: ou
recriamos em circularidade, ou pressuporiamos o que se quer resolver.

PARTE 1
1. Divisão categorial dos objetos da razão humana: Uma introdução ao problema (§§1-3)
a) (§§1-2) Os objetos da razão humana são categorizados em dois tipos: podem ser relações
de ideias ou questões de fatos.
i)Divisão dos objetos da razão humana
ii)Descrição das relações de ideias
iii)Descrição das questões de fato, em contraposição às relações de ideias
b) (§§3) Deriva da definição de questões de fato a problemática central da parte: qual a
evidência deste tipo de conhecimento, quando ele se impele para além da imediatez sensível e
da memória?

2. Sobre a relação de causa e efeito: investigação sobre a questões de fato (§§4-13)


2.1. Passagem à relação causal (§§4-5)
a) (§§4) Associa e justifica o problema da causalidade à investigação da evidência dos
conhecimentos sobre questões de fato: ela é o único meio pelo qual se pode ir para além da
imediatez sensível e da memória.
i)Constatação do fundamento das questões de fato
ii)Justificação destes fundamentos
iii)Evidenciação da suposição que atravessa e possibilita a inferência causal
iv)Ampliação e categorização adicional da tese
b) (§§5) Deriva o fio condutor da investigação da problemática: deve-se investigar a natureza
do conhecimento causal para que se possa dar solução ao problema central
2.2 A tese sobre o conhecimento causal (§§6-11)
a) (§§6) Propõe e justifica a tese central: o conhecimento causal provém única e
exclusivamente da experiência
b) (§§7) Defende sua tese com base em 3 casos paradigmáticos e, não obstante, raros.
i)O exemplo das duas pedras de mármore
ii)O exemplo da pólvora - isto é, de eventos que não seguem o curso regular da
natureza
iii)O conhecimento da fisiologia - isto é, de mecanismos complexos ou de estruturas
secretas das partes
c) (§§8-10) Justifica e defende a tese central com base em exemplos ordinários e rotineiros,
isto é, com base na operação dos corpos: os casos nos quais não se tem nenhuma experiência
revelam a arbitrariedade e, por conseguinte, a limitação da imaginação e do raciocínio a
priori, na medida em que inúmeras possibilidades contraditórias são e continuam sendo
plausíveis.
i)Uma possível objeção à tese central
ii)Justifica e refuta a objeção: é a influência do hábito que, quanto mais forte, elipsa
nossa ignorância e a própria existência
iii)Generalização da tese com base em um exemplo paradigmático - a bola de bilhar
iv)Derivação e justificação de consequências desse exemplo paradigmático: a
primeira imaginação de um caso é sempre arbitrária
v)Expansão do argumento a outros casos: há a possibilidade e plausibilidade de
inúmeras especulações contraditórias entre si sobre questões de fato, mesmo passada a
primeira imaginação arbitrária. Por conseguinte, o raciocínio a priori nunca confere
critério de decisão entre as previsões que ele mesmo apresenta, na medida em que o
contrário de questões de fatos não implica contradição.
d) (§§11) Retoma e sintetiza o cerne da argumentação que baliza a tese central: todo
conhecimento do efeito é completamente distinto da causa e, portanto, não pode ser
conhecido somente através desta, quer especulativamente ou através da simples observação.

2.3 O conhecimento causal nas ciências naturais e na geometria: os limites do conhecimento


humano (§§12-13)
a) (§§12) Extraí algumas consequências da concepção exposta sobre a causalidade, sobretudo
naquilo que concerne à Metafísica e o limite do conhecimento humano: é apenas possível
chegar às causas gerais, mas nunca às causas destas - as ditas causas últimas -, porquanto se
situam para além dos limites da experiência.
b) (§§13) Consolida a tese ao defender que as matemáticas tampouco podem oferecer
conhecimento sobre as causas finais, pois são apenas um modo de balizar aquele provindo da
experiência.
PARTE 2
3. Introdução (§§14-15)
a) (§§14) Avalia as considerações tecidas nas partes anteriores: se os nossos raciocínios sobre
questões de fato estão calcados na relação de causa e efeito, e se o conhecimento desta funda-
se na experiência, então qual é o fundamento de todas as nossas conclusões a partir da
experiência?
b) (§§15) Propõe a tese principal, uma resposta negativa: a conclusão que retiramos da
experiência da relação entre causa e efeito não está baseada no raciocínio ou em qualquer
processo do entendimento.

4. Da impossibilidade de raciocínios fundarem o conhecimento provindo da experiência


(§§16-21)
4.1. Justificativa e explicação da tese principal (§§16)
a) (§§16) Tece considerações sobre a relação entre a Natureza e o conhecimento causal, para
caracterizar mais detalhadamente a tese investigada: apesar de as propriedades sensíveis não
exprimirem os poderes secretos dos objetos e de, por conseguinte, nos serem incognoscíveis,
continuamos a associar qualidades sensíveis semelhantes a poderes secretos semelhantes e,
assim, a efeitos semelhantes:
I. Constatação da (I) tese: os poderes e princípios dos quais as influência dos objetos
dependem inteiramente são nos desconhecidos.
II. Constatação da (II) tese: mesmo desconhecendo os princípios secretos das coisas,
supomos poderes ocultos semelhantes de qualidades sensíveis semelhantes e, assim,
esperamos destas efeitos semelhantes dos que já tivemos experiência.
III. Introdução e justificação da problemática: (i) a mente não chega a tais conclusões
pelo conhecimento dos poderes secretos, e, até onde se sabe, não existe relação
necessária entre estes e as propriedades sensíveis; (ii) a experiência passada apenas
fornece conhecimento seguro e imediato dos objetos que lhe foram apresentados
naquele período de tempo: como, então, a mente expande seu conhecimento passado a
outros tempos e objetos, cujas semelhanças podem apenas ser em aparência, haja em
vista que ela efetivamente o faz?
IV. Explicação da problemática: a mente tende a derivar da proposição (a) “ constatei
que tal objeto esteve sempre acompanhada de tal efeito” a proposição (b) “ prevejo
que outros objetos, de aparência semelhante, estão acompanhados de efeitos
semelhantes”. Todavia, tal processo mental não pode se dar por meio de uma cadeia
de raciocínios, pois, caso o fosse, haveria de se explicitar o termo médio, atualmente
omisso.
V. Estipula a condição de validade da problemática levantada: deve-se, caso se queira
mostrá-la, qual é esse termo médio.
4.2 Análise da tese principal a partir dos raciocínios morais e dos raciocínios dedutivos
(§§17-23)
a) (§§17) Antecipa o movimento argumentativo que será realizado no restante do texto:
mostrar que nenhum ramo do conhecimento pode fornecer amparo a um tal argumento.
b) (§§18) Retoma a categorização de todos os raciocínios possíveis, a saber, os raciocínios de
relações de ideias e os de questões de fato.
c) (§§18-21) A partir de considerações sobre algumas especificidades da faculdade cognitiva
humana - em específico, sobre os raciocínios e suas condições -, busca mostrar e, por
conseguinte, consolidar a tese de que nenhum ramo do conhecimento pode extrair o termo
médio necessário para que tal inferência da mente fosse, de fato, um silogismo;
I. (§§18-19) Mostra que nenhum dos dois tipos de argumento preenchem a condição de
existência do termo médio de tal silogismo: (i) como não implica contradição que o
curso da natureza possa mudar e, portanto, como o contrário do caso em questão
continua sendo pensável e plausível, então, não se trata, por definição, de um
raciocínio demonstrativo; (ii) só poderia ser um raciocínio moral e, em decorrência,
ter validade apenas probabilística - isto, caso tivesse alguma validade, na medida em
que, fundando-se na relação de causa e efeito e, por conseguinte, na experiência,
dependeria da suposição de que o futuro estará em conformidade com o passado,
suposição esta que esforça-se para provar por meio de argumentos de questão de fato,
apesar de pressupor-la. Ou, em outros termos, o argumento tentaria provar no
silogismo algo que de antemão supõe, tipo de circularidade que o tornaria inválido.
II. (§§20) Mesmo que qualquer um dos ambos tipos de argumento pudessem fornecer o
termo mediador, caso o conhecimento de experiência tivesse sua evidência calcada
num raciocínio, não obstante, o acúmulo de experiências e o número de casos
observados seriam prescindíveis para que fosse sedimentado certeza e confiança com
relação a um resultado particular envolvendo objetos da natureza - algo que não se
verifica na realidade efetiva.
III. (§§21) Supor que inferimos uma conexão entre as qualidades sensíveis e os poderes
secretos é, novamente, tomar como resolvido o problema investigado, pois, desse
modo, tão logo as propriedades sensíveis de um objeto nos fossem aparecidas,
poderíamos inferir os poderes secretos destes, sem qualquer auxílio da experiência -
algo que contraria a realidade dos fatos.
d) (§§21) Retoma e sintetiza as análises feitas da resposta negativa: pela experiência, apenas
aprendemos que objetos particulares apresentam propriedades particulares em determinadas
ocasiões; quando objetos semelhantes se apresentam, esperamos encontrar poderes secretos
semelhantes e, assim, efeitos semelhantes - há, portanto, algum processo mental cujo
fundamento não é o raciocínio e tampouco a própria experiência;
I. As proposições “constatei x propriedades sensíveis associadas a y poderes secretos” e
“a qualidade sensível x sempre estará associada ao poder secreto y” não possuem
nenhum vínculo lógico: não podem ser tautológicas tampouco demonstrativas,
porquanto trata-se de uma questão de fato.
II. Não pode ser uma inferência experimental, pois elas calcam-se na crença de que o
futuro assemelhará-se ao passado e de que poderes secretos semelhantes estarão
associados a efeitos semelhantes - portanto, não pode prová-las sem recair em
circularidade ou sem supor aquilo que quer provar.
III. Até onde sabemos, os vínculos entre poderes secretos e propriedades sensíveis e o
entre passado e futuro são apenas contingentes e podem mudar para além de nossas
crenças.
e) (§§23) Acrescenta um exemplo adicional: se a crença de que o passado se assemelha ao
futuro e a de que causas em aparência semelhante devem produzir efeitos semelhantes são
produtos de um raciocínio, então este deveria ser claro, na medida em que até uma criança
conseguiria fazê-lo

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