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DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E

MORTE ENCEFÁLICA
Um Breve Histórico

Conforme Clotilde Garcia (2015), o Entretanto, nas fases iniciais da


transplante de órgãos é uma terapêutica cirurgia de transplante, os transplantes
que objetiva a substituição de órgãos que renais foram uma exceção, porque a
perderam a sua função no organismo. maioria dos transplantes era realizada
Antes de 1880, ninguém havia sequer com órgãos de secreção interna. A fase
sonhado com o transplante de órgãos para moderna dos transplantes iniciou-se na
o tratamento de doenças. segunda metade do século XX, mas houve
dois períodos de interesse experimental e
O transplante de órgãos, aliado ao clínico anteriores: um nas primeiras duas
correspondente conhecimento a respeito décadas do século XX, em decorrência do
da natureza do corpo e da doença, surgiu a desenvolvimento de técnicas de sutura
partir de 1880. Com o transplante renal é vascular, e outro no início dos anos 1950,
que os transplantes de órgãos se iniciaram, consequente ao conhecimento inicial dos
a partir da segunda metade do século XX. mecanismos de funcionamento do
sistema imunológico.
Doação De Órgãos

O transplante de órgãos é um Dentro do contexto da


procedimento cirúrgico, que consiste na fundamentação ética e legal, o
reposição de um órgão (coração, fígado, transplante constitui, atualmente, um
pâncreas, pulmão, rim) ou tecido (medula importante recurso terapêutico para
óssea, ossos, córneas) de uma pessoa pacientes com insuficiência de um ou
doente (receptor) por outro órgão ou mais órgãos e tecidos, pois esse
tecido normal de um doador, vivo ou procedimento traz benefícios, melhoria
morto. (SAMPAIO, 2017) da qualidade de vida e sobrevida.
Contudo, a condição imprescindível para
a retirada desses órgãos é, na maioria
das vezes, a morte do doador.
Além do aspecto biológico, que envolve a
compatibilidade entre doador e receptor de A Constituição brasileira
órgãos, existe também o aspecto cultural e de 1988, em seu artigo 199,
religioso. Além desses, outro aspecto importante é parágrafo 4, estabelece
o transplante realizado por doadores vivos, que que “a lei disporá sobre as
está limitado a órgãos duplos ou parte de órgão do condições e os requisitos
corpo humano, sem causar danos ao doador. Tal que facilitem a remoção
situação não traz benefício algum ao de órgãos, tecidos e
doador, pelo contrário, acaba por deixar a substâncias humanas para
pessoa numa situação vulnerável,
somente com um órgão que, se lesado, fins de transplante,
não haverá outro para suprir essa pesquisa e tratamento, [...]
falta. sendo vedado todo tipo de
comercialização”. (BRASIL,
1988)
Segundo o Ministério da Saúde (2020), os tipos de doadores são:

Doador vivo: Pode ser qualquer pessoa


que concorde com a doação, desde que
não prejudique a sua própria saúde. O Você sabia?
doador vivo pode doar um dos rins, parte O Brasil é referência mundial na área de
do fígado, parte da medula óssea ou transplantes e possui o maior sistema público de
transplantes do mundo. Atualmente, cerca de 96%
parte do pulmão. Pela lei, parentes até o dos procedimentos de todo o País são financiados
quarto grau e cônjuges podem ser pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em números
doadores. Não parentes, só com absolutos, o Brasil é o 2º maior transplantador do
autorização judicial. mundo, atrás apenas dos EUA. Os pacientes
recebem assistência integral e gratuita, incluindo
Doador falecido: São pacientes com exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento
morte encefálica, geralmente vítimas de e medicamentos pós transplante, pela rede pública
catástrofes cerebrais, como traumatismo de saúde. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020)
craniano ou AVC (derrame cerebral).
Transplantes de órgãos e suas possibilidades

Coração: O transplante só pode ser realizado Fígado: É um órgão que tem a


por meio de um doador falecido, com morte capacidade de se regenerar, por isso, o
encefálica constatada. O transplante de doador pode doar parte de seu fígado,
coração é recomendado às pessoas com em vida. Esse tipo de transplante é
insuficiência cardíaca, que não respondem a realizado, principalmente, em casos de
nenhum tratamento ou cirurgia. cirrose hepática.

Válvulas cardíacas: Esse tipo de transplante é Pulmão: Este tipo de transplante é


indicado para pessoas com doenças da válvula indicado para pessoas com doença
do coração. Em alguns casos, não é possível pulmonar grave, tais como fibrose
usar para transplante o coração de um cística, pulmonar e enfisema. Em
indivíduo que teve morte encefálica, porém, as situações especiais, uma parte do
válvulas podem ser doadas e mantidas em um pulmão pode vir de um doador vivo e
banco de válvulas, onde podem ficar durante são necessários dois doadores para um
anos. receptor.

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020


Ossos: Implantes dentários, transplantes para Pâncreas: Esse tipo de transplante é feito a partir de
lesões da coluna e próteses são alguns tipos de doadores falecidos e, geralmente, é realizado junto
transplantes de ossos, que podem ser realizados com o transplante de rim, pois o pâncreas é um órgão
por meio de cirurgias simples. Os ossos doados que atua na digestão dos alimentos e também na
podem ser mantidos em um banco por um produção de insulina, elemento responsável pelo
longo período de tempo. equilíbrio dos níveis de açúcar no sangue. O
Medula óssea: É responsável por produzir transplante é feito em pessoas com diabetes e sérios
componentes do sangue e é usada para a cura problemas renais.
de doenças que afetam as células do sangue, Córneas: O transplante só pode ser feito a partir de
como a leucemia. A doença da medula óssea é doadores falecidos, com idade entre 2 a 80 anos.
a única forma de doação que mantém um Ceratocone e distrofia do endotélio são algumas das
banco de doadores e que também é permitida doenças graves que podem afetar a córnea, parte do
a crianças e gestantes. olho que controla a passagem de luz para a retina.
Rim: Os rins, por serem dois, podem ser doados Pele: A doação pode ser feita por pessoas falecidas ou
tanto em vida quanto após o falecimento. A aquelas que removeram partes da pele em cirurgias
doação do rim geralmente é feita para pessoas estéticas. O transplante de pele é recomendado em
com hipertensão, diabetes, insuficiência renal caso de pessoas que sofreram extensas queimaduras
crônica, entre outras doenças renais. ou doenças dermatológicas graves.

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE,


2020
IMPORTANTE!
Deve-se sempre observar o tempo de isquemia de
cada órgão, que seria o tempo entre a retirada de um
órgão e o transplante do mesmo em outra pessoa. Veja
alguns exemplos do tempo de isquemia aceitável para
cada órgão a ser considerado para transplante:
- Coração: 4 horas;
- Pulmão: 4 a 6 horas;
- Rim: 48 horas;
- Fígado: 12 horas;
- Pâncreas: 12 horas.
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020
Doação De Órgãos - Legislação

Em relação ao contexto da doação de órgãos por


cadáver, há uma mudança na discussão quanto a forma Não esqueça!
de obtenção, já que pode se tratar de: doação Os órgãos e tecidos que
voluntária, consentimento presumido, manifestação podem ser doados em vida:
compulsória ou abordagem de mercado. Em 16 de rim, pâncreas, medula óssea
janeiro de 1997, a nova lei de transplantes Lei nº 9.434/97, (se compatível, feita por meio
alterou a forma de obtenção para consentimento de aspiração óssea ou coleta
presumido. A legislação anterior Lei 8489/92 e o Decreto de sangue), fígado (apenas
879/93) estabelecia o critério da doação voluntária. Em parte dele, em torno de 70%)
março de 2001, houve uma nova mudança, através da e pulmão (apenas parte dele,
Lei nº 10.211, que dá plenos poderes para a família doar, em situações excepcionais).
ou não, os órgãos de cadáver.
Observe a cronologia:

No período de 1968 a 1997: Era válida a vontade do indivíduo, na sua


ausência a família poderia se manifestar.

A partir de 1997: Houve a mudança para a possibilidade da utilização dos


cadáveres sem a participação da família, salvo manifestação individual em
contrário.

Desde março de 2001: Apenas a família tem poderes para permitir ou não a
doação, sem que haja espaço legal para a manifestação do indivíduo.
Doação De Órgãos - Considerações

A alocação dos órgãos para Já o segundo,


transplante, assim como de outros realizado por um Comitê
recursos escassos, deve ser realizada de Bioética, que utilizará
em dois estágios. O primeiro, dos critérios de igualdade
realizado pela própria equipe de de acesso, das
saúde, contemplando os critérios de probabilidades estatísticas
elegibilidade, de probabilidade de envolvidas no caso, além do
sucesso e de progresso à ciência, valor social do indivíduo
visando à beneficência ampla. receptor, da dependência
de outras pessoas, entre
outros critérios.
É importante destacar aqueles que
não podem ser doadores de órgãos:

- Pacientes portadores de insuficiência orgânica, que comprometa o


funcionamento dos órgãos e tecidos doados, como insuficiência renal,
hepática, cardíaca, pulmonar, pancreática e medular;
- Portadores de doenças contagiosas transmissíveis por transplante,
como soropositivos para HIV, doença de Chagas, hepatite B e C, além
de todas as demais contraindicações utilizadas para a doação de
sangue e hemoderivados;
- Pacientes com infecção generalizada ou insuficiência de múltiplos
órgãos e sistemas;
- Pessoas com tumores malignos, com exceção daqueles restritos ao
sistema nervoso central, assim como, com carcinoma basocelular e
câncer de útero.
Saiba Mais - Lei nº 9.434/97
Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,
constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por
resolução do Conselho Federal de Medicina.
§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes
aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º,
parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e
detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos
arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.
§ 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os
nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde.
§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da
comprovação e atestação da morte encefálica.
Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para
transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou
parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau
inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação
da morte.
Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9434.htm
Morte Encefálica
IMPORTANTE!
Em relação à nomenclatura, após o
Segundo o Ministério da Saúde (2020), diagnóstico de morte encefálica, a
pessoa não deve mais ser denominada
a morte encefálica é a perda completa e
de paciente, mas de falecido ou como
irreversível das funções encefálicas elegível para doação, se ainda estiver
(cerebrais), definida pela cessação das nessa fase.
funções corticais e de tronco cerebral,
portanto, é a morte de uma pessoa. Após Morte encefálica: em vez de morte
a parada cardiorrespiratória, pode ser cerebral, pois, para esse diagnóstico, deve
haver, além da morte do cérebro (córtex
realizada a doação de tecidos (córnea, pele, cerebral), a morte do tronco encefálico. A
musculoesquelético, por exemplo). A Lei nº morte apenas do cérebro configura o
9.434/97 estabelece que doação de órgãos quadro de estado vegetativo persistente.
pós-morte só possa ser feita quando for (GARCIA,2015)
constatada a morte encefálica.
Morte circulatória: em vez de morte
cardíaca ou sem batimentos cardíacos,
pois já há casos de doação de coração
nessas situações. (GARCIA, 2015)
O Ministério da Saúde explica, ainda, como é realizado o
diagnóstico de morte encefálica:

O diagnóstico de morte Desse modo, a constatação


encefálica é regulamentado pelo da morte encefálica deverá ser
Conselho Federal de Medicina (CFM). feita por médicos com
Em 2017, o CFM retirou a exigência capacitação específica,
do médico especialista em observando o protocolo
neurologia para diagnóstico de estabelecido. Para o diagnóstico
morte encefálica, assunto de morte encefálica são utilizados
amplamente debatido e acordado critérios precisos, padronizados e
com as entidades médicas. passíveis de serem realizados em
todo o território nacional.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020)
Fluxograma do
processo de
doação-transplante:

Fonte: GARCIA, 2015.


Referências:
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição Federal. Brasília: [s. n.], 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 jun. 2020.

BRASIL. Lei nº 9434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. [S. l.], 4 fev. 1997. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm. Acesso em: 25 jun. 2020.

BRASIL. Lei nº 10211, de 23 de março de 2001. Altera dispositivos da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que
"dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento". [S.
l.], 23 mar. 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10211.htm. Acesso em: 25 jun.
2020.

CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

GARCIA, Clotilde Druck (org.). Doação e transplante de órgãos e tecidos. São Paulo: Segmento Farma, 2015.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Doação de Órgãos: transplantes, lista de espera e como ser doador. Disponível em:
http://saude.gov.br/saude-de-a-z/doacao-de-orgaos Acesso em: 25 jun. 2020.

SAMPAIO, Milena de Oliveira. Bioética e legislação em enfermagem. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional
S.A., 2017.
Produzido por:
Professora Organizadora Ariani Avozani Oliveira
Revisão Simone Machado Kuhn de Oliveira
Designer Instrucional Fernanda Machado de Miranda

Design
Bárbara Obinger
Vanessa de Almeida Weber

Ilustrações Freepik
Vecteezy

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