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DA DIVERSIDADE CULTURAL
Versão revisada
(Setembro de 2004)
UNESCO, 2000
© UNESCO
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Introdução
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Durante o terceiro período, uma extensão e cristalização do segundo,
a noção de cultura como poder político ganhou impulso ao ligar-se à ideia de
desenvolvimento endógeno. A relação entre cultura e desenvolvimento
resultou em argumentos em defesa do apoio financeiro e administrativo a
países em desenvolvimento, que reivindicavam o direito de definir caminhos
“próprios” para o desenvolvimento de forma a participar igual e inteiramente
das questões internacionais. Não é possível identificar datas específicas para
esses períodos, pois a evolução foi gradual e suas etapas coincidiram.
Todavia, evidencia-se a mudança fundamental na direção de uma maior
ênfase nos fundamentos políticos e materiais do conceito de cultura.
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Em francês no original, “o dito e o não-dito”.
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cuidado na interpretação, e sugere a possibilidade de conclusões outras além
daquelas avançadas por essa análise preliminar.
I. Cultura e Conhecimento
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independência, a integridade, e a fértil diversidade de culturas e sistemas
educacionais dos Estados-membros da Organização”. Novamente, a razão
por trás dessa cláusula não era uma preocupação com a diversidade em si
mas, principalmente, um desejo de reassegurar governos participantes. A
diversidade era compreendida dentro de um modelo de Estados unitários,
cada um soberano sobre seu próprio povo e território (por isso a ideia de que
“ao eleger membros para o Conselho Executivo, a Conferência Geral deveria
considerar a diversidade de culturas e uma distribuição geográfica
equilibrada”). Governos agiam em nome de seu povo; a ideia de sobrepor a
UNESCO a chefes de governo e engajar o povo diretamente era contrária a
seu mandato e provavelmente impediria a formação da Organização como
um todo.
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Entretanto, ainda no Relatório Geral de 1947 (escrito por Sir Julian
Huxley), havia indicações de que essa variedade de experiências humanas
poderia levar a conflitos. Em face de tal possiblidade, Huxley insistia em uma
posição intermediária entre a padronização e a incompreensão, capturada
pelo hoje familiar slogan “unidade na diversidade” (p. 13). Ainda que nobre, a
expressão permaneceu uma promessa sem receituário, um credo de
conteúdo ainda por esclarecer. Por outro lado, o Relatório de 1947 referia-se
a uma “cultura universal”; não usou a palavra “cultura” como metonímia ou
substituto para a palavra “povo” para significar um grupo particular de seres
humanos, como seria comum anos depois. Contudo, o projeto de uma
“Histoire Générale des Civilisations 4 ” (plural) implicava na existência de
múltiplas civilizações, não uma única categoria que pudesse adequadamente
abraçar toda a experiência humana.
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preservação e proteção a obras de arte, ao patrimônio cultural e aos artistas;
cooperação internacional e difusão da cultura. Nesse sentido, a cultura
parecia ocupar uma esfera autônoma, separada das ciências sociais. Em
1951, contudo, a subseção 4E da categoria relativa às atividades culturais
tratava de “ações em prol dos direitos humanos”. Estabelecer essa ligação
entre cultura e direitos legais – “dignité6” e “droits7” – foi um importante passo
para trazer a cultura para o centro da política, tornando-a constitutiva (e não
simplesmente expressiva, ou um produto) da identidade e da independência
do indivíduo e do grupo. Embora fosse o Conselho Econômico e Social o
encarregado, em 1952, da “prevenção à discriminação e da proteção de
minorias”, a ênfase da UNESCO em cultura e educação também trouxe, suas
atividades, necessariamente, para o domínio dos direitos humanos.
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Em francês no original: “dignidade”.
7
Em francês no original: “direitos”.
8
Em francês no original: “estilos de vida”.
9
Em francês no original: “a comunicação entre as culturas”.
8
Vários outros elementos merecem atenção no Relatório de 1952. Em
primeiro lugar, a questão da industrialização e da assistência técnica foi
limitada pela preocupação com a diversidade cultural, como ficara evidente
no objetivo de uma “modernização equilibrada, preservando, ao mesmo
tempo, os valores culturais e sociais particulares” (p. 199). A questão da
“integração social” (p. 200) começava a emergir, mais notadamente com
respeito à “assimilação cultural” de imigrantes – sendo a assimilação
considerada um objetivo positivo a ser atingido de forma que imigrantes
pudessem pertencer à sociedade e desfrutar inteiramente de seus direitos,
um objetivo que pode ser colocado em risco por uma ênfase excessiva na
preservação de comunidades culturais especiais em uma determinada
sociedade. Essa questão também se refletiu na ênfase em “medidas (...) para
acabar com a discriminação e, assim, acelerar as integrações de grupos, até
então excluídos, dentro da comunidade” (p. 206), com a diferença teórica e
prática entre políticas de assimilação e integração ainda não claramente
desenvolvidas. Na esfera concreta, a Comissão Nacional Iugoslava conduzia
um estudo sobre a “política adotada e os resultados alcançados com relação
à integração de minorias nacionais e culturais” (p. 207), sugerindo que
indivíduos precisavam ser tratados como membros de grupos específicos em
certas situações políticas, uma observação que assumiria importância ainda
maior com a emergência do discurso dos “direitos dos povos” em décadas
seguintes.
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Estado completamente autônomo e autossuficiente. Como o relatório
enfatizava, a realidade internacional (“Relações internacionais foram
desenvolvidas no mundo todo de tal forma que agora as nações são
interdependentes em um grau nunca antes sonhado”) criava “um novo campo
de deveres” que Estados não podiam ignorar. Com essas informações em
mente, “todo o programa da UNESCO guarda testemunho da existência e
encoraja o crescimento da comunidade” (p. 213). O “projeto por uma História
do Desenvolvimento Científico e Cultural da Humanidade”, ao contrário da
“Histoire des Civilisations”, reforçava a ideia de uma unidade na família
humana, na interconexão do progresso e do desenvolvimento em todas as
áreas do globo.
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longo do imperativo de soberania estatal (Artigo XI.1) novamente sugerindo
uma tensão implícita entre a “verdade” como um objetivo comum e o
confronto entre várias “verdades” representadas por Estados nacionais que
podem ou não ser compatíveis em termos ideológicos ou práticos uns com os
outros.
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A ideia do desenvolvimento endógeno ou diversificado, um pilar do
Relatório de 1977-78, conectou a cultura ao desenvolvimento. Para os países
de independência recente e ainda em desenvolvimento, a cultura oferecia a
direção única para um caminho autônomo em direção ao progresso que seria
politicamente libertador e economicamente fortalecedor. A subseção 1.2
sobre Educação e a seção 2.1.2 sobre Ciências Sociais do Relatório de
1977-78 intituladas ambas “apreciação e respeito pela identidade cultural”,
envolviam o respeito à identidade cultural como um conjunto de escolhas
políticas e econômicas (mais que escolhas simplesmente estéticas), um pré-
requisito de maior igualdade entre nações no cenário mundial.
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Sub-objetivo 1.21: Promover a identidade cultural como um fator de
independência e de comunidade de interesses. Esse sub-objetivo
reforçou a importância geopolítica da cultura como força liberadora no
cenário mundial. Mas os imperativos de independência e solidariedade
convivem de forma um tanto desconfortável: o primeiro viria em
detrimento do segundo? Será que a galvanização de identidades
culturais, considerada o pilar central da independência política,
ajudaria ou atrasaria tentativas de entendimento internacional? Com o
movimento não-alinhado, anticolonial definindo-se negativamente
contra a influência imperial, que elementos positivos de uma cultura
comum poderiam ser retidos para preservar algum cimento entre
povos diversos, e evitar, ao mesmo tempo, em todas as
circunstâncias, os excessos coloniais da uniformidade e da
dominação? Os riscos políticos dessa negociação eram claros nesse
Relatório, especialmente dada a experiência histórica de países com
processos recentes de independência: “A identidade de nações, que é
a base para sua soberania e pré-condição para o diálogo, encontra
sua força na intensidade e na autenticidade de sua vida cultural” (p.
11). O Relatório sugeria que a afirmação cultural promoveria, de fato, o
entendimento mútuo: “Para cada nação, quer seja ou não
politicamente dona de si, quer seja ou não uma grande potência, quer
tenha um amplo espectro de recursos e habilidades a seu dispor ou
esteja ainda no estágio de desenvolvimento, a afirmação da identidade
cultural é a base para o pluralismo cultural. Aceitação e respeito por tal
pluralismo, com direitos iguais e em patamares iguais, é hoje
manifestamente um fato que contribui para a paz e o entendimento
entre nações,” (p. 11). Novamente, contudo, tais afirmações requeriam
um certo salto de fé. Mesmo após um aplainamento teórico do campo,
as regras ainda precisavam ser negociadas e desenvolvidas.
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defendia a identidade cultural como uma “condição essencial” de
desenvolvimento endógeno e integrado, com liberação política e
crescimento econômico representando pré-condições para e produtos
dessa afirmação cultural, criando um círculo virtuoso de florescimento
cultural e econômico. Como já havia sido notado nos primeiros
momentos da história da UNESCO, a cultura não era apenas um canal
para expressão: era a própria constituição de um povo como ator
político no cenário internacional.
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povos deve ser considerada não um fator de divisão, mas de estabilização”.
Aproveitar tal potencial “impeliria os povos a reconquistar o controle sobre
seu próprio destino, enquanto fortaleceria seu interesse pelo mundo exterior”
(p. 1). A autoafirmação levaria a trocas, não a exclusões.
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fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças” (p.
39). Segundo essa definição, o próprio conceito de cultura contém tanto o
universal quanto o particular: a ideia universal dos direitos humanos
fundamentais e os traços, crenças e modos de vida particulares que
permitem a membros de um grupo sentir uma conexão especial e única com
outros membros.
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Prazo, a Declaração de julho de 1950 sobre a questão racial “demonstrou
que o racismo não apenas tem o efeito de negar a igualdade a certas
populações mas também de questionar a unidade da raça humana” (p. 243).
O Plano sublinhava que “a questão básica levantada pela política deliberada
de apartheid é a escolha entre a imagem do homem que é tarefa da
UNESCO defender em nome da comunidade internacional e a imagem que
resulta daquela política” (p. 244) e que “o apartheid representa a culminação
lógica e o estágio final do colonialismo” (p. 253). A politização da identidade
cultural como potencial fator libertador dentro das próprias sociedades foi
ilustrada clara e dramaticamente por essas condenações de políticas de
apartheid, demonstrando a conexão entre identidade e direitos humanos que
fora teorizada nos documentos da UNESCO.
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estudou “As Três Declarações dos Direitos Humanos: 1776, 1789, 1948”.
Todos esses projetos demonstraram o desejo de alcançar universalidade
sem impor uniformidade, pois até mesmo direitos humanos “universais” foram
questionados como culturalmente específicos e imperialistas por sociedades
que se sentem ameaçadas por padrões externos.
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estudo específico sobre a autonomia e os novos arranjos políticos bem como
sobre multiculturalismo como modelo alternativo à assimilação e integração
para lidar com os direitos de minorias nacionais” (p. 81). Longe dos dias em
que a assimilação era considerada um objetivo para os trabalhadores
migrantes – o único meio de experimentarem direitos como membros da
sociedade de destino – esse novo modo de multiculturalismo permitiu uma
maior preservação da diversidade e da autonomia culturais dentro das
sociedades, com a esperança de que os laços de cidadania segurariam
membros de diferentes culturas dentro de um único Estado. As questões de
como essa concepção de cidadania livre de valores poderia ou deveria ser,
que grau de similaridade e consenso é necessário como cimento social
mínimo em determinada sociedade e como o multiculturalismo pode trabalhar
para unir sociedades enquanto, ao mesmo tempo, dá livre expressão àquilo
que poderia, de outra forma, ameaçar separá-los, todas permanecem
altamente relevantes e ainda sem resolução em sua maior parte. A prioridade
de promover “a expressão cultural das minorias no contexto do pluralismo
cultural” permaneceu central no início da década de 1990, por exemplo, no
Relatório Geral de 1992-93 (XIII), no Encontro Internacional sobre
Democracia e Tolerância, em Seoul, em 1994, e na proclamação da ONU por
tolerância, em 1995, explicada pelo Diretor-Geral em seu relatório de 1994-95
como medida a promover “a ideia e, sobretudo, a prática, da tolerância
‘ativa’“. Contudo, essa ênfase não substituiu as anteriores, especialmente a
recorrente conexão entre cultura e desenvolvimento. Em abril de 1993, um
seminário foi realizado em Nova Déli sobre Identidade Cultural e
Desenvolvimento, e outro em Hanói sobre a Dimensão Cultural do
Desenvolvimento. O dia 21 de maio foi designado, em 1993, o Dia Mundial
para o Desenvolvimento Cultural, e o relatório da Comissão Mundial de
Cultura e Desenvolvimento Nossa Diversidade Criadora considerou o
desenvolvimento parte inseparável da cultura em todos os aspectos.
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a coesão social dentro de sociedades multiétnicas e multiculturais” (p. 45) e
sua ênfase sobre a necessidade especial de focar “no gerenciamento de
relações intercomunitárias” (p. 45) representam a culminação de uma
tendência iniciada na década de 1980 e cada vez mais proeminente e
importante nos dias atuais.
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potencialidades sem precedentes de expressão e inovação, e o risco de
marginalização das culturas mais vulneráveis. Aproveitar as novas
possibilidades oferecidas pela globalização e regulá-las são ações vitais para
que todas as culturas possam alcançar total reconhecimento, sem
experimentar exclusão em uma economia global emergente.
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científico e tecnológico, e a possibilidade de que estejam presentes nos
meios de expressão e disseminação constituem garantias essenciais de
diversidade cultural. Finalmente, políticas culturais, que são a verdadeira
força motriz por trás da diversidade cultural, deveriam alimentar a produção e
disseminação de bens e serviços culturais diversificados.
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A questão de uma estrutura normativa para diversidade cultural foi
debatida por várias organizações governamentais e intergovernamentais,
bem como por associações internacionais de profissionais da cultura e por
círculos acadêmicos nacionais.
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desenvolvimento sustentável que os Estados devem ativar ao adotar medidas
apropriadas.
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