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Introdução
Entre o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, que durará até 1789, quando a
Revolução Francesa inaugura nossa era atual, a Idade Contemporânea, novos modos de
pensar se espalharão pela Europa, sobretudo com o Renascimento, nos séculos XIV, XV
e XVI e, depois, com o Iluminismo (século XVIII), quando o Homem volta a ser o centro
das atenções, e não mais Deus, como na era medieval.
Filósofos Cristãos
A partir do século IV, com o enorme – e rápido – avanço do cristianismo na Europa, os
pensadores começaram a aproximar ainda mais a filosofia da teologia. Seus trabalhos
foram fundamentais na adaptação das obras dos gregos clássicos (sobretudo Platão e
Aristóteles) para que refletissem suas ideias cristãs. Mas suas obras não se resumiram à
ideologia cristã, contribuindo substancialmente para o progresso das investigações
filosóficas.
Ao retomarem os textos gregos clássicos, os filósofos cristãos contribuíram
decisivamente para sua preservação e divulgação. Embora adaptando as ideias
platônicas e aristotélicas às suas, totalmente influenciadas pelo cristianismo, filósofos
como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino foram fundamentais tanto para o
estabelecimento da doutrina cristã como para o desenvolvimento filosófico durante a
Idade Média.
Contudo, quando falamos em Europa cristã, doutrina cristã ou mesmo cristianismo, faz-
se necessário elucidar sobre qual cristianismo estamos falando. Estamos nos referindo
ao cristianismo defendido pela Igreja que, no século XI, após o cisma do Oriente, passa
a chamar-se Igreja Católica Romana ou, simplesmente, Igreja Católica. Enquanto a
Europa Oriental terá forte tradição ortodoxa, a Europa Ocidental vivenciou um domínio
católico.
Porém, antes do cisma, a Igreja já era dominante na Europa, pelo menos desde o século
IV, e esse predomínio do catolicismo norteou o pensamento da época, uma vez que
discordar da palavra da Igreja poderia acarretar sérias consequências.
A Igreja Católica inspirou-se no Império Romano para estabelecer seu modelo de
governo, pois pretendia criar uma estrutura poderosa e duradoura. Com sede em Roma,
a Igreja exercia forte controle sobre quase todas as atividades culturais, educativas,
festivas e, obviamente, religiosas e teológicas.
Dessa maneira, todo o pensamento da época ficava restrito aos campos delimitados pela
Igreja e sua doutrina. E o grande criador da doutrina cristã em seus primeiros anos foi
Agostinho de Hipona, posteriormente canonizado e denominado Santo Agostinho.
Ainda na Idade Média, dois importantes momentos devem ser relembrados para
enfatizarmos o crescimento da influência católica na Europa: a Reforma Gregoriana e a
“Santa” Inquisição.
Santo Agostinho
Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, cidade situada onde hoje é a Argélia, em 354,
atualmente chamada Annaba, que à época pertencia ao Império Romano. Agostinho de
Hipona (por causa da última cidade em que viveu) ou, depois de sua canonização, de
Santo Agostinho, foi um dos mais importantes pensadores cristãos. Viveu em um
período de intensas transformações sociais e políticas em meio à desintegração
crescente do Império Romano. Seu pensamento influenciou a doutrina cristã por mil
anos, como observa Olyver:
A teologia de Santo Agostinho tornou-se fonte doutrinária fundamental para a Europa
cristã durante os mil anos seguintes, pois alimentou o cristianismo de um sistema de
crenças coerentes que o Velho Testamento por si só não fornecia (OLYVER, 1998, p.
46).
Sua obra, embora teológica, não é uma simples afirmação religiosa. Ele busca explicar a
existência de Deus e de suas obras de forma cada vez mais profunda. Assim, busca uma
justificativa filosófica para o cristianismo, adaptando e modificando a filosofia de Platão.
Ele busca explicar as Sagradas Escrituras por meio do pensamento filosófico platônico.
Dessa maneira, conferiu traços cristãos ao pensamento de Platão, no que se
convencionou chamar de neoplatonismo.
Converteu-se ao cristianismo aos trinta anos depois de uma juventude entregue aos
“prazeres mundanos”. Tornou-se bispo de Hipona e lá viveu até sua morte. Teve uma
intensa produção literária com quase cem livros, dos quais podemos
destacar Confissões, A cidade de Deus, Do Livre-Arbítrio e Sobre a Trindade.
Ele desejava desesperadamente descobrir a verdade. Acreditava em Deus, mas a
simples crença não lhe bastava e suas perguntas sem respostas lhe atormentavam. Em
uma sociedade na qual se acreditava piamente na possibilidade de passar a eternidade
no inferno, “queimando no enxofre”, escrever, falar ou mesmo pensar sobre Deus podia
ser bastante arriscado.
FIGURA 2Cenas da Vida de Santo AgostinhoFONTE:GualdimG / Wikimedia Commons.
Um difícil dilema que Agostinho tentou responder foi: Se Deus é todo-poderoso,
onipresente, onisciente e onipotente, e se Deus é o Supremo Bem, por que há maldade
e sofrimento no mundo? Sua resposta foi bastante original e se sustenta na capacidade
do ser humano de tomar decisões, ou seja, na existência do livre-arbítrio.
Inicialmente acreditava em uma compreensão maniqueísta de que existe o Bem e o Mal,
que se encontravam em constante batalha. Tal pensamento é bastante comum nas
religiões orientais e mesmo no cristianismo. Assim, as coisas boas eram obras de Deus,
e as ruins, do diabo. Um assassinato seria obra do Mal.
Para os maniqueístas, a bondade originava-se na alma, e a maldade, no corpo. A
tentação é corpórea, os desejos e pontos fracos também. Isso nos conduziria ao mau
caminho. Assim, para os maniqueístas, a questão da maldade é simples, pois eles não
veem Deus como onipotente.
Entretanto, mais velho e maduro, Agostinho abandona a tese maniqueísta, o que lhe
traz profundas inquietações. Como afirma Warburton:
Em uma idade mais avançada, Agostinho rejeitou a abordagem maniqueísta. Ele não
conseguia entender por que a luta entre o bem e o mal seria interminável. Por que Deus
não vencia a batalha? Não era certo que as forças do bem eram mais fortes que a do
mal? Por mais que os cristãos aceitassem a possível existência de forças do mal, elas
nunca são tão grandes quanto a força de Deus. Mas se Deus era verdadeiramente todo-
poderoso, como Agostinho passou a acreditar, os problemas do mal permaneceriam. Por
que Deus permitia o mal? Por que havia tanto mal? A solução não é nada fácil.
Agostinho pensou exaustivamente sobre esses problemas, e sua principal solução
baseou-se na existência do livre-arbítrio: a capacidade humana de decidir o que fazer.
Esse argumento costuma ser chamado de defesa do livre-arbítrio e trata-se de uma
teodiceia – a tentativa de explicar e defender a ideia de como um Deus bom permitia o
sofrimento (WARBURTON, 2011, p. 36-37).
Com isso, Agostinho responde a uma das mais inquietantes perguntas da doutrina
cristão de outrora. E defende que o livre-arbítrio é algo positivo, pois nos concede a
chance de vivermos uma vida moralmente boa (e isso significava seguir os Dez
Mandamentos). Podemos cometer o mal, roubando, matando ou desejando a luxúria,
nos apegando aos bens materiais. Esses desejos e impulsos poderiam ser controlados
por nosso lado racional. Aqui, vemos uma clara adaptação do pensamento platônico. Os
seres humanos têm o poder da razão e devem usá-lo. É isso o que nos distingue dos
demais animais.
Mas, para Agostinho, somos impelidos a praticar o mal, a pecar, desde o pecado original
de Adão e Eva. Ao nascermos, carregamos conosco um pouco desse pecado. O pecado
original era transmitido, geração após geração, pela reprodução sexual.
Dessa forma, para Agostinho, o mal existe, mas não é fruto de Deus, e sim das escolhas
que somos livres para fazer. Essa ideia ainda é muito forte entre parte dos cristãos de
hoje, quase dezessete séculos depois de ter sido escrita. E Deus pode permanecer
onipotente, onipresente e onisciente, praticando apenas o bem.
Agostinho morreu em Hipona em 430, deixando uma marca indelével no pensamento
ocidental. Sua influência vai muito além do cristianismo, e acaba por moldar a Europa
medieval como um homem do fim da Idade Antiga que teve suas ideias retomadas por
séculos. Como observa Marías:
Santo Agostinho é uma das figuras mais interessantes do seu tempo, do cristianismo e
da filosofia. A sua personalidade originalíssima e rica deixa uma marca profunda em
todas as coisas onde põe a mão. A filosofia e a teologia medievais, isto é, o que se
chamou a Escolástica, toda a dogmática cristã, disciplinas inteiras como a filosofia do
espírito e a filosofia da história, ostentam a marca inconfundível que lhe imprimiu. Mais
ainda: o espírito cristão e o da modernidade revelam uma influência decisiva de Santo
Agostinho: e tanto a Reforma como a Contrarreforma recorreram, de um modo especial,
às fontes agostinianas (MARÍAS, 1959, p. 126).
Outra forte influência agostiniana foi sobre a política. Embora na época em que viveu a
Igreja ainda não fosse tão organizada e poderosa como viria a ser, Agostinho defendia
que o Estado, mesmo sendo uma instituição separada, devia ser fiel às práticas e
ensinamentos da Igreja. Séculos depois, essa ideia foi usada para justificar o
Absolutismo na Europa, pois se acreditava que um Estado, para ser fiel à prática
religiosa, obrigatoriamente deve ter um governo absoluto. E tanto a Igreja quanto os
reis se beneficiaram disso.
A filosofia Medieval
Numa visão positivista da história, a Idade Média termina em 476. Mas, do ponto de
vista do pensamento ocidental, podemos apontar como data terminal a morte de Santo
Agostinho em 430. A partir de então, inicia-se na Europa uma filosofia profundamente
influenciada pelas ideias do Bispo de Hipona que será chamada de Escolástica. Ela
durará até o século XV, ou seja, são dez séculos de história.
Obviamente, um período de tempo tão longo não foi homogêneo. O mundo estava
convulsionando-se (e, por mundo, entende-se Europa) com o fim do Império Romano do
Ocidente e a desintegração dos reinos bárbaros. Da mistura desses dois elementos
culturais (bárbaros e romanos) surgirá algo novo, enquanto a cultura antiga parecia
desaparecer. Os intelectuais desse período de quatro séculos (séculos V a IX) têm como
tarefa primordial “salvar o que restou”. Como observa Marías:
Em primeiro lugar, há uma grande lacuna de quatro séculos, do século V ao século XV,
em que propriamente não há filosofia. [...] salvar o que se encontra, salvar os restos da
cultura que está naufragando. Essa é a missão dos intelectuais desses quatro séculos. O
seu labor não é, nem pode ser criador; apenas compilador. Em Espanha, em França, na
Alemanha, na Inglaterra, alguns homens, por idêntico processo, vão recolhendo com
cuidado o que se sabe da Antiguidade, reunindo tudo em livros do tipo enciclopédico,
nada originais, puros repertórios do saber greco-latino. Esses homens salvarão a
continuidade da história ocidental e encherão com labor paciente o vazio desses séculos
de fermentação histórica, para que possa surgir mais tarde a comunidade europeia
(MARÍAS, 1959, p. 137-8).
Podemos destacar nesse período o espanhol Santo Isidoro de Sevilha (570-646); na
Itália, Boécio (480-525); na Inglaterra, Beda, o Venerável, depois canonizado como São
Beda (673-735), e Alcuíno (730-804). Como dito por Marías (1959), a obra destes
pensadores não foi original. Embora seu saber se conservasse sem rigor intelectual e de
maneira desordenada, essa etapa de acumulação e compilação de conhecimento forma
a base do conhecimento especulativo que se dará nos séculos posteriores.
No século IX, a figura do irlandês João Escoto (800-877) se destaca no pensamento
europeu. Durante a década de 1840, o rei Carlos, o Calvo, convida Escoto para ser
árbitro de um debate teológico. Como fruto dessa arbitragem, escreve um tratado
intitulado Sobre a predestinação divina, no qual questiona a obra de Santo Agostinho.
Para Escoto, a razão é a “verdade de Deus”, ela tem mais poder e, portanto, deve
prevalecer sobre a devoção a Deus, que é a religião. A vontade de Deus é o livre-arbítrio
da investigação racional humana e deve estar acima da doutrina religiosa.
Discordar de Santo Agostinho no século IX era algo passível de punições como a
excomunhão e até a morte. Mas, sob a proteção de Carlos, o Calvo, João Escoto não
sofreu perseguições.
Outro importante nome do pensamento medieval foi Santo Anselmo. Nasceu em
Piemonte (Itália) em 1033, mas passou grande parte de sua vida entre a França e a
Inglaterra. Tem em Santo Agostinho sua grande influência.
O tema principal de sua obra é a tentativa de provar a existência de Deus. Dizia que,
por uma questão de lógica, o fato de termos uma ideia de Deus prova que Deus
realmente existe. Pode-se dizer que, com Santo Anselmo, tem início, efetivamente, o
que hoje chamamos de Escolástica, pois com ele ela adquire um perfil definido, que se
consolida com São Tomás de Aquino.
3ª - Pelo possível e pelo necessário: a geração ou corrupção mostram que há entes que
podem ser ou não ser; esses entes, houve um tempo em que não foram, e terá havido
um tempo em que não houvesse nada, e nada havia chegado a ser. Tem de haver um
ente necessário por si mesmo, e este ente chama-se Deus.
5ª - Pelo governo do mundo: os entes inteligentes tendem para uma ordem, não por
acaso, mas pela inteligência que os dirige; há um ente inteligente que ordena a
natureza e a impele para o seu fim. Esse ente é Deus.
Estas são, em suma, as cinco vias. A ideia fundamental que as anima é Deus, invisível e
infinito, demonstrável pelos seus efeitos visíveis e finitos (MARÍAS, 1959, p.177-8).
Quanto a sua ideia de Estado, o tomismo, como é denominada a filosofia de Tomás de
Aquino, novamente muito influenciado pelo pensamento aristotélico, vê o homem como
um animal social e político. Para Aquino, a sociedade existe para o indivíduo, e não o
contrário. A melhor forma de governo seria uma monarquia moderada, e a pior, a
tirania.
Como dito anteriormente, a obra de São Tomás de Aquino sofreu resistência de muitos
setores à época. Foi atacada com hostilidade por muitos, sobretudo por contradizer, em
vários aspectos, o pensamento platônico-agostiniano. Todavia, aos poucos sua obra foi
sendo cada vez mais aceita dentro do próprio clero, e acabou por consolidar-se como
fundamento da teologia católica moderna.
Em 7 de março de 1274, com menos de 50 anos, faleceu Tomás de Aquino, enquanto
viajava para acompanhar o Segundo Concílio de Lião, ou Lyon, para o qual havia sido
convocado pelo Papa Gregório X; o décimo-quarto ecuménico, realizado em 1274,
tentou realizar a união com a Igreja Ortodoxa e pregou a cruzada para libertar de novo
Jerusalém das mãos dos muçulmanos. Em 1323, foi canonizado como São Tomás de
Aquino.
Renascimento e Filosofia
Costuma-se chamar de Renascimento um período da história europeia,
aproximadamente do século XIV ao XVI – ou seja, fins da Idade Média e início da
Moderna, período de intensas transformações em praticamente todas as áreas da vida
humana. Porém, o termo é mais comumente utilizado para designar as transformações
ocorridas nas artes, ciências e filosofia.
Três importantes fatos históricos precisam ser relembrados para ajudar-nos a entender
um pouco mais sobre o Renascimento: o primeiro, em seu início (século XIV), é a Peste
Negra, uma das mais violentas epidemias já vivenciadas pela humanidade, que dizimou
quase metade da população europeia. O segundo, entre o fim do século XV e início do
XVI, é a descoberta do Novo Mundo – Colombo chega à América em 1492. E o terceiro,
que terá início na Alemanha em 1517, é a Reforma Protestante (cujos expoentes foram
Lutero e Calvino) e sua resposta católica, a Contrarreforma.
O Renascimento teve sua origem nas cidades-estados italianas como Pisa, Siena e,
principalmente, Florença. Ricas e prósperas cidades comerciais, muitas de suas famílias
lucravam comerciando as especiarias orientais com o restante da Europa. Muitos de
seus habitantes mais ricos utilizavam parte de sua riqueza patrocinando sábios e
artistas. Era a prática do mecenato.
O Renascimento espalha-se pela Europa. É desse período que surgem alguns dos
maiores gênios da humanidade, Michelangelo e Rafael Sanzio, nas artes, Nicolau
Copérnico e Galileu Galilei, nas ciências, e Leonardo da Vinci, que se enquadraria em
qualquer das áreas, além de tantos outros que, injustamente, não foram citados.
Umas das principais características do pensamento renascentista era a valorização do
ser humano. Contrapondo-se à visão medieval de que Deus deveria ser o centro das
atenções humanas, os renascentistas colocavam o homem no centro, naquilo que
chamamos de antropocentrismo. Não seriam mais os instrumentos divinos que nos
fariam compreender o mundo, mas, sim, as ferramentas de que dispõe o homem: o
estudo e a observação, isto é, a ciência. Dito de outra forma, era pela razão humana
que se conseguiria compreender o mundo, não mais pelas explicações religiosas. Isso,
para os renascentistas, significava voltar à Antiguidade Clássica, Grécia e Roma antigas,
a “era de ouro” da humanidade que, depois, mergulharia na “Idade das Trevas” – como
muitos referiam-se à era medieval.
Na filosofia, o Renascimento também nos legou alguns de seus principais nomes. A
valorização das descobertas obtidas por meio da exploração geográfica e científica, e as
descobertas sobre o homem – como os estudos sobre anatomia de Vesalius – formariam
a base para as investigações filosóficas do período. O movimento mais comumente
associado ao Renascimento é o humanismo. O termo, todavia, não era usual à época,
tornando-se comum somente no século XIX. Bastante heterogêneo, podemos dizer que
o humanismo valorizava as artes e ciências humanas.
Alguns dos pilares da sociedade moderna, sobretudo a filosofia política ocidental,
encontram-se nas obras de pensadores como Nicolau Maquiavel, Francis Bacon e
Thomas Hobbes. São eles que abordamos a partir de agora.
Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto indivíduos. Pois, cada um — além
das aberrações próprias da natureza humana em geral — tem uma caverna ou uma
cova que intercepta e corrompe a luz da natureza: seja devido à natureza própria e
singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros; seja pela
leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram; seja pela
diferença de impressões, segundo ocorram em ânimo preocupado e predisposto ou em
ânimo equânime e tranquilo; de tal forma que o espírito humano — tal como se acha
disposto em cada um — é coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, e até certo
ponto sujeita ao acaso. Por isso, bem proclamou Heráclito que os homens buscam em
seus pequenos mundos e não no grande ou universal.
Há, por fim, ídolos que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas
doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da demonstração. São os ídolos do
teatro: por parecer que as filosofias adotadas ou inventadas são outras tantas fábulas,
produzidas e representadas, que figuram mundos fictícios e teatrais. Não nos referimos
apenas às que ora existem ou às filosofias e seitas dos antigos. Inúmeras fábulas do
mesmo teor se podem reunir e compor, por que as causas dos erros mais diversos são
quase sempre as mesmas. Ademais, não pensamos apenas nos sistemas filosóficos, na
universalidade, mas também nos numerosos princípios e axiomas das ciências que
entraram em vigor, mercê da tradição, da credulidade e da negligência. Contudo,
falaremos de forma mais ampla e precisa de cada gênero de ídolo, para que o intelecto
humano esteja acautelado (BACON, 2007, p. 13;14).
Bacon vivia sua ciência todos os dias. Em 1626, realizava um experimento sobre o frio e
sua capacidade de conservar a carne em meio ao rigoroso inverno londrino. Por sua
experiência, acabou adoecendo (bronquite) e faleceu poucos meses depois.
Segundo Hobbes, há três motores da discórdia: a competência (que gera as agressões
por ganância), a desconfiança (que faz os homens se atacarem para garantirem sua
segurança) e a vanglória, que os torna inimigos uns dos outros por rivalidades de
reputação.
Somente um Estado forte o bastante para impor as leis aos indivíduos poderia acabar
com a barbárie. Para tanto, ou seja, para concedermos tal poder a esse Estado, é
necessário abrir mão de muitas de nossas liberdades. “Os indivíduos no estado de
natureza teriam de entrar em um ‘contrato social’, um acordo para abrir mão de suas
perigosas liberdades em nome da segurança. Sem o que ele chamou de ‘soberano’ [...]
o ‘soberano’, ao qual se refere Hobbes, pode ser um rei, imperador ou mesmo o
parlamento a vida seria um inferno” (WARBURTON, 2011, p. 59).
Essa ideia de contrato social permeia nossa sociedade até hoje. Em uma época de
governos absolutistas, sua teoria foi utilizada para justificar o poder total dos
governantes. Assim, o contrato entre os indivíduos e seus governantes acarretava em
um alto preço a ser pago: o poder absoluto, ilimitado, do Estado sobre seus indivíduos.
Motivo pelo qual seus detratores o acusaram de defender o autoritarismo.
Assim, para Hobbes, a justificativa para a existência do Estado era a dicotomia entre
anarquia e ordem, inerente ao ser humano. Sem o controle de uma força maior,
“soberana”, estaríamos condenados à barbárie. O homem é o lobo do homem.
O Iluminismo
O Iluminismo foi o grande momento de afirmação da razão ocidental. O século XVIII,
chamado de “século das luzes”, foi a época de esplendor desse movimento de renovação
intelectual pela qual a Europa passava. A França, local onde o pensamento iluminista
mais teve repercussão, teve uma grande revolução popular – a maior de todas –
profundamente influenciada (e praticamente movida) por esse novo modo de pensar.
Podemos dizer que o Iluminismo deu continuidade a uma renovação que havia se
iniciado séculos antes com o Renascimento. Porém, seus pensadores foram mais
contundentes, e suas obras tiveram ainda mais impacto sobre o pensamento moderno.
Talvez nenhuma outra época tenha nos legados filósofos em tamanha quantidade e
qualidade como o século das luzes.
Época de extrema valorização da razão, cuja luz iluminaria um mundo contaminado pela
ignorância, conforme pode ser exemplificado pela publicação, em 1752, da
primeira Enciclopédia, escrita e organizada por Diderot e D´Alembert, que pretendiam
organizar e divulgar todo o conhecimento iluminista. Proibida pela Igreja, foi, à sua
época, o que hoje classificaríamos como um “best seller”.
Selecionamos alguns dos expoentes desse período. Tarefa dificílima, pois
inevitavelmente teremos a ausência de nomes importantes. Optamos por abordar o
pensamento do francês René Descartes, do holandês Baruch de Espinosa, dos britânicos
John Locke e David Hume, finalizando com a teoria revolucionária do francês Jean-
Jacques Rousseau.
René Descartes
Nascido em 1596 na França, na cidade de La Haye, inicialmente denominada La Haye en
Touraine, tornou-se La Haye-Descartes em 1802, e Descartes em 1967 (hoje a pequena
cidade tem o nome de seu cidadão mais ilustre), René Descartes é um dos nomes mais
importantes do pensamento ocidental de todos os tempos. “Fundador da ciência
moderna” (juntamente com Bacon), “pai da matemática moderna” e, principalmente,
“fundador da filosofia moderna” são algumas das maneiras pelas quais esse brilhante
filósofo, matemático e físico é conhecido. Isso nos dá uma pequena ideia do tamanho de
sua influência na formação do mundo moderno.
Considerando o que você estudou sobre Descartes, leia com atenção o texto a seguir, de
autoria deste autor, e reflita acerca do fundamento do método cartesiano de “duvidar de
tudo”, particularmente daquilo que é percebido pelos sentidos.
“Tudo que recebi até o presente como o mais verdadeiro e seguro, eu o aprendi dos
meus sentidos ou pelos sentidos; ora, algumas vezes experimentei que esses sentidos
eram enganosos, e é de prudência jamais se fiar, inteiramente em quem nos enganou
uma vez.
Ocorre, contudo, que, embora os sentidos nos enganem às vezes acerca das coisas
pouco sensíveis e muito distantes, encontram-se talvez muitas outras da quais não se
possa razoavelmente duvidar, ainda que as conhecêssemos por meio deles: por
exemplo, que eu esteja aqui, sentado perto do fogo, vestido com um roupão, tendo este
papel entre as mãos e outras coisas dessa natureza. E como eu poderia negar que estas
mãos e este corpo sejam meus? A menos, talvez, que eu me compare a esses
insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos vapores da bílis,
que constantemente asseguram ser reis quando são muito pobres, estar vestidos de
ouro e de púrpura quando estão totalmente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um
corpo de vidro. Mas o quê? São loucos, e eu não seria menos extravagante se me
guiasse por seus exemplos.
Devo, contudo, aqui considerar que sou homem e que, por isso, tenho o costume de
dormir e de representar em meus sonhos as mesmas coisas, ou outras por vezes menos
verossímeis, que esses insensatos quando acordados. Quantas vezes ocorreu-me
sonhar, à noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava perto do fogo,
embora estivesse nu em minha cama? Parece-me que, nesse momento,não é com olhos
adormecidos que observo este papel; que esta cabeça que mexo não está dormente;
que é com intenção e propósito deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que
acontece no sonho não parece ser tão claro e nem tão distinto quanto tudo isso.
Pensando nisso cuidadosamente, lembro-me, porém, de ter sido frequentemente
enganado, quando dormia, por semelhantes ilusões. E detendo-me neste pensamento,
vejo tão manifestamente que não há indício concludente algum nem marcas
suficientemente certas por cujo meio se possa distinguir nitidamente a vigília do sono
que me sinto inteiramente espantado; e meu espanto é tal que ele é quase capaz de me
persuadir de que estou dormindo.”
Espinosa
Baruch de Espinosa nasceu em Amsterdã, Holanda, em 1632. Filho de uma família judia
espanhola (que havia migrado para Portugal antes de deslocar-se para os Países
Baixos). Embora seguisse formalmente a religião da família, suas ideias o levaram
receber o “chérem” (equivalente judaico da excomunhão católica) de sua sinagoga em
1656, o que acabou aproximando-o do cristianismo, embora nunca tenha professado
oficialmente essa religião. Seu nome hebreu, Baruch, fora latinizado, tendo-o usado na
forma de Benedictus (Benedito).
Como muitos pensadores de sua época, preocupava-se com a relação entre filosofia e
teologia. E sua obra mistura as duas, teologia e filosofia. Diferente das teologias
tradicionais, que afirmam que Deus vive fora do mundo terreno (no Céu, ou no Espaço),
sua visão de Deus era de que Ele era infinito e universal. “Deus é o mundo”. Tanto que,
quando se referia a ele, escrevia “Deus ou Natureza”.
Se Deus é tudo, seus propósitos não podem ser divididos em Bem e Mal. Deus, na
verdade, não teria propósitos específicos, pois ele é a encarnação de tudo; o passado, o
presente e o futuro. Um ente “absolutamente infinito”. Ele é a origem de todas as
coisas, e todas as coisas procedem dele. Deus é a substância primordial.
Deus, para Espinosa, é impessoal, sem características humanas. Portanto, não puniria
os “pecados” humanos. Essa ideia de que Deus é a natureza foi criticada por muitos de
seus contemporâneos, sobretudo teólogos. Porém, foi mais aceita nos séculos seguintes.
Teria recusado uma oferta para lecionar na Universidade de Heidelberg para “não perder
a liberdade”. Teria se recusado a seguir as “normas ideológicas” da instituição que lhe
tirariam a liberdade de pensamento.
Levou uma vida simples e humilde, sustentando sua paixão pela filosofia trabalhando
como óptico, polindo lentes.
Apaixonado pela geometria, terminava as seções de seus livros com a sigla “QED”,
abreviação de quod erat demonstrandum, que significa como queríamos demonstrar,
expressão comum em livros de geometria.
Embora tivesse recebido diversas influências, como era de se esperar em uma Europa
(e, mais especificamente, na Holanda) em plena efervescência intelectual iluminista,
podemos apontar duas influências principais em seu pensamento: o Racionalismo
cartesiano (sua exaltação da racionalidade humana) e a filosofia política de Thomas
Hobbes.
Sua principal obra, Ética demonstrada à maneira dos geômetras, ou simplesmente Ética,
divide-se em cinco partes:
Primeira parte: Acerca de Deus
Segunda parte: Acerca da Natureza e da origem da mente
Terceira parte: Acerca da origem e da natureza das paixões
Quarta parte: Acerca da servidão humana, ou da força das paixões
Quinta parte: Acerca da potência do intelecto, ou da liberdade humana
Quanto a sua teoria política, embora inspirada em Hobbes, divergia dele. Enquanto,
para Hobbes, os seres humanos são naturalmente egoístas e competitivos – e, portanto,
deveriam submeter-se a um Estado absoluto –, Espinosa defende que o homem vive em
uma constante luta pela autopreservação, pela sua perpetuação. E os cidadãos nunca
poderiam abdicar dessa luta.
Esse processo de busca da autopreservação não pode ser totalmente transferido ao
Estado. A soberania do Estado, e sua capacidade de mantê-la, dependem de sua
habilidade de manipular e determinar as opiniões dos indivíduos quanto a sua própria
autopreservação. Assim, comparativamente com o Estado absoluto de Thomas Hobbes,
Espinosa defende uma forma de governo com poderes mais limitados.
Baruch (ou Benedito) de Espinosa faleceu jovem, aos 44 anos, em 21 de fevereiro de
1677, vítima de uma tuberculose. Sua obra, porém, perdurou, influenciando muitos
pensadores dos séculos seguintes, como Goethe e Einstein. O genial físico alemão
revelou em carta que, embora não conseguisse a coragem para acreditar em um Deus
pessoal, acreditava no Deus de Espinosa.
John Locke
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) viveu em período turbulento da história
inglesa. Passou por toda a turbulência que levou à deposição do Absolutismo na
Inglaterra, culminando na Revolução Gloriosa de 1688. Encerrando o período de quase
meio século de lutas entre o Parlamento e a Monarquia, a Revolução Gloriosa ocorre
quando Guilherme III é coroado Rei da Inglaterra e assina a Declaração de Direitos,
limitando o poder real frente ao Parlamento. Um ditado inglês define bem o novo
regime que se inicia: “O Rei reina, mas não governa”.
É provável que, ainda jovem, tenha assistido à execução do rei Carlos I em 1649. Tendo
presenciado ou não, o fato é que a execução do rei, e a posterior instauração do regime
comandado por Oliver Cromwell, lhe causaram grande impacto.
FIGURA 7John LockeFONTE:Godfrey Kneller / Wikimedia Commons.
Assim como Maquiavel e Hobbes, sua filosofia política causou grande impacto em sua
época. Todavia, podemos dizer que sua influência atual é ainda maior, pois parte
considerável do que se entende por direitos políticos hoje em dia é influenciado por seu
pensamento.
Médico por formação, filósofo por paixão, Locke descendia de uma família de
comerciantes, constituindo, portanto, parte da burguesia que crescia em número e
poder na Inglaterra do século XVII. Tal ascensão os levaria a contestar e derrubar o
poder dos reis e nobres ingleses; a burguesia assumiria o controle político. Locke
cresceu nesse ambiente, e sua formação foi influenciada por esse contexto. Mas suas
ideias também influenciaram, e muito, essa luta.
De fato, embora o capitalismo estivesse em via de consolidação e o poderio econômico
da burguesia fosse inconteste, em toda parte o regime político permanecia monárquico
e, com isso, o poderio político da realeza e o prestígio social da nobreza também. Para
que o poderio econômico da burguesia pudesse enfrentar o poder político dos reis e das
nobrezas a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse uma legitimidade tão
grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza. Em
outras palavras, assim como sangue e hereditariedade davam à realeza e à nobreza um
fundamento natural para o poder e o prestígio, a burguesia precisava de uma teoria que
desse ao seu poder econômico também um fundamento natural, capaz de rivalizar com
o poder político da realeza e o prestígio social da nobreza, e até mesmo suplantá-la.
Essa teoria será a da propriedade privada como direito natural e sua primeira
formulação coerente será feita pelo filósofo inglês John Locke, no final do século XVII e
início do século XVIII. [...]
O Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes lhe atribui, mas
sua principal finalidade é garantir o direito natural de propriedade (CHAUÍ, 2012, p.
466-7).
Mas, antes de abordarmos a propriedade privada como direito natural, faz-se necessária
uma explicação da teoria do conhecimento desse célebre filósofo inglês.
Locke foi o expoente do Empirismo inglês. Sua teoria do conhecimento diverge da de
Descartes, Platão e Aristóteles; como Bacon, ele não acredita na existência de
ideias inatas. Todo o conhecimento advém da experiência, da educação, da vida,
daí empirismo. Em sua principal obra, Ensaio sobre o Entendimento Humano, expõe
sua teoria.
Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos que a mente é, como
dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias;
como ela será suprida? [...] De onde apreende todos os materiais da razão e do
conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso
conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio
conhecimento (LOCKE, 1973, p. 165).
Embora sua teoria do conhecimento tenha negado a existência de ideias inatas, de
conhecimento “a priori” na mente humana, ela foi além. E essa talvez tenha sido a
maior inovação do pensamento de Locke: ele aplicou seu empirismo sobre as relações
políticas e sociais de sua época.
Se não temos ideias inatas, também não podemos ter um poder inato. Para Locke, ao
nascermos, somos como uma “folha de papel em branco” (tabula rasa). Essa ideia
opunha-se frontalmente à filosofia política reinante na Europa do século XVII, marcada
pelo absolutismo de direito divino. A Doutrina do Direito Divino foi uma teoria elaborada
pelo célebre cardeal francês Jacques Bossuet (1627-1704), que defendia que o direito
dos reis absolutistas governarem com poderes absolutos lhes havia sido conferido por
Deus, não cabendo aos humanos contestarem Seus desígnios.
Assim, para Locke, o poder deveria ser conferido ao governante por meio de um acordo
firmado por este com a sociedade. Ou melhor, a sociedade lhe impõe esse contrato
social. Não é o povo que deve servir ao Estado, e sim o Estado que deve servir ao povo.
O cidadão tem, sob determinadas circunstâncias, o direito de refutar a autoridade do
Estado.
Ainda sob sua base empirista, Locke conclui que, se não temos ideias inatas, então, ao
nascer, ninguém é bom ou mal: somos todos iguais. E, se somos todos iguais, então
devemos ter os mesmos direitos. São os direitos naturais. São eles o direito à vida, à
liberdade e à propriedade. Ou seja, o Estado tem a obrigação de garantir e preservar
esses direitos a todos os seus indivíduos. Essa é a justificativa para a existência do
Estado: garantir tais direitos. E, como dito no parágrafo anterior, caso o governante não
cumpra essa tarefa, cabe ao indivíduo se rebelar contra ele, contestando sua autoridade
– nesse ponto, Locke diverge frontalmente de Thomas Hobbes.
David Hume
Nascido em Edimburgo, Escócia, em 1711, David Hume , nascido Davi Home, muda a
grafia (e pronúncia) de seu nome para Hume quando mora na Inglaterra, no início da
década de 1730, pois o incomodava a dificuldade dos ingleses em pronunciarem seu
nome do modo correto – o escocês. Ele é um dos mais importantes nomes da filosofia
britânica. Divergia de seus colegas iluministas, pois se mostrava cético quanto ao apoio
entusiástico à racionalidade humana. Por muito tempo, seu ceticismo destrutivo foi
apontado como a parte principal de seu pensamento.
FIGURA 8 David HumeFONTE:Allan Ramsay / Wikimedia Commons.
Hume dá continuidade ao empirismo de Bacon e Locke, levando-o ainda mais adiante.
Para Hume, a filosofia não pode ir além da experiência. Sua ideia era de que a
capacidade humana de fazer julgamentos sobre o mundo, ou seja, nossa percepção,
origina-se de uma distinção entre impressões e ideias. Sendo que as primeiras têm um
poder maior sobre a percepção humana do que as segundas. Isso porque elas surgem
dos sentidos. As impressões, advindas dos sentidos, são a base de nossas ideias. Aqui
se percebe claramente uma crítica ao pensamento cartesiano, uma vez que Descartes
afirmava que não podemos confiar em nossos sentidos. Enquanto para Descartes o
conhecimento se deriva da razão, para Hume a fonte do conhecimento são os sentidos.
Todavia, Hume admitia não saber a causa das impressões humanas na mente.
Atenção!
É certo que estamos aventando aqui uma proposição que, se não é verdadeira, é pelo
menos muito inteligível, ao afirmarmos que, após a conjunção constante de dois objetos
- calor e chama, por exemplo, ou peso e solidez -, é exclusivamente o hábito que nos
faz esperar um deles a partir do aparecimento do outro.
Assim, a única base para as ideias ditas gerais é a crença, que, do ponto de vista do
entendimento, faz uma extensão ilegítima do conceito (ARANHA; MARTINS, 1992, p.
80-81).
Quanto à razão moral, Hume – neste ponto fiel ao espírito iluminista – entendia a
moralidade não como uma construção de uma autoridade superior, divina. A moralidade
era uma construção da natureza humana. E, em sua concepção de moralidade, opõe-se
a Hobbes e aproxima-se de Locke, pois rejeita o argumento de Hobbes de que o homem
é uma criatura egoísta, violenta e solitária em seu estado de natureza. Hume entende
de forma contrária: os seres humanos têm a disposição natural de se unir e viver em
comunidade.
Jean-Jacques Rousseau
Nascido em Genebra, Suíça, em 1712, filho de um relojoeiro protestante, Jean-Jacques
Rousseau teve uma infância difícil. Afasta-se do pai aos 10 anos (sua mãe, Suzanne,
falecera em seu parto), e passa a viver com uma tia até os 16. Porém, em uma noite,
enquanto caminhava pelo campo, perdeu a noção do tempo e, ao retornar à cidade,
encontrou seus portões fechados, pois grande parte das cidades europeias eram
cercadas por muros, e fechavam seus portões durante as noites.
Indicação de leitura
Livro: Temas de Filosofia
Autor: Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins
Ano: 1995
Editora: Filosofia
ISBN: 8516006905
Sinopse: Um livro bem interessante para complementar sua formação é Filosofando:
introdução à filosofia, constante de nossas referências bibliográficas. Diferentemente
de outros textos que abordam a filosofia em ordem histórica, as autoras abordam os
pensamentos dos filósofos mais importantes, não vinculados ao período temporal, mas
em relação aos grandes temas filosóficos. Desta forma, o livro contém seis unidades: O
homem; o conhecimento; a ciência; a política; a moral e a estética.
Questão 1
John Locke foi um filósofo inglês conhecido como o pai do Liberalismo e um dos mais
ilustres representantes do empirismo. Escreveu sobre política e, também, sobre
questões relacionadas ao conhecimento humano, sobre suas possibilidades, sobre o
funcionamento da mente, etc. Com base nas ruas ideias a respeito da construção do
conhecimento humano, assinale a alternativa correta.
A.
É na defesa do inatismo que John Locke defenderá que todos os indivíduos nascem com
certos tipos de conhecimentos.
B.
Segundo John Locke, o homem possui conhecimentos que nascem com ele e outros que
adquire através da experiência.
C.
Somente a razão poderá levar-nos ao conhecimento seguro das ciências.
D.
Segundo John Locke, a mente humana é como uma tabula rasa, o que significa dizer
que a mente é como uma folha em branco e que a impressões diárias fornecerá as
ideias mais simples.
E.
O que podemos conhecer são apenas as aparências dos objetos.
Questão 2
Jean Jacques Rousseau foi um importante intelectual do século XVIII, também
considerado iluminista, e defendeu o estado de natureza como condição de liberdade e
inocência. Criticou a propriedade privada e defendeu que teses na qual a garantia da
liberdade natural, segurança e bem-estar do homem só seria possível mediante um
contrato social. A respeito das ideias de Rousseau, assinale a alternativa correta.
A.
O homem em estado de natureza não sabe distinguir entre o bem e o mal, uma vez que
esse tipo de conceito não existe.
B.
No contrato social a vontade individual deve prevalecer sobre a vontade coletiva.
C.
No contrato social o instinto de natureza deve ser preservado, uma vez que deve ser
copiada a ideia do bom selvagem.
D.
O contrato social é a única possibilidade dos homens assegurarem sua liberdade natural
E.
A origem da desigualdade social está no estado de natureza.
Questão 3
A filosofia que sempre procurou o elemento criador encontra, na escolástica, Deus,
como o elemento primeiro, único, criador. Essa doutrina pensará o papel da razão sem
abandonar a crença no elemento criador. Nascida nos mosteiros cristãos, esse autor
aprofundou as teses de Aristóteles na relação da fé e a conduta humana. Fugiu da
imposição pura e simples de crer sobre qualquer fenômeno da vida humana. Assinale a
alternativa correta e que representa o principal pensador da Escolástica que visou
trabalhar com as teses de Aristóteles para defender a figura de Deus.
A.
Santo Agostinho
B.
Nicolau Maquiavel
C.
São Tomás de Aquino
D.
David Hume
E.
Avicena
Anterior
Síntese
Neste material estudamos um longo período da história da filosofia, cerca de mil e
quatrocentos anos. Iniciando com a filosofia de Santo Agostinho, que viveu as
transformações decorrentes do declínio do Império Romano.
Esse período que marca o fim da Idade Antiga e início da Idade Média, no quinto século
depois de Cristo, teve como um de seus protagonistas o cristianismo e a Igreja. E o
bispo de Hipona teve um papel fundamental na construção da doutrina católica. Sua
filosofia foi tão importante que influenciou o pensamento europeu por quase mil anos.
Por séculos, a simples contestação de suas ideias poderia levar a punições severas.
Depois, abordamos o pensamento de São Tomás de Aquino. Como dito acima, ele
refutou algumas das teses de Agostinho e, por isso, foi combatido por seus
contemporâneos. Mas, depois, não só teve seu pensamento aceito, como tornou-se um
dos pilares da doutrina católica moderna.
A filosofia política de Nicolau Maquiavel representa um marco nas análises políticas: não
mais deveríamos ater-nos aos desígnios divinos, ou abstrações morais. O que
interessava era o estudo das experiências políticas anteriores, ou seja, da história.
Maquiavel o fez usando muitas de suas vivências como diplomata para exemplificar suas
ideias.
Em seu principal livro, O Príncipe, estão ensinamentos como: “É melhor ser temido que
amado”, ou “os fins justificam os meios”. Até hoje as interpretações sobre as ideias
desse importante pensador italiano causam debates acalorados.
Em seguida, com Francis Bacon, temos o início de uma corrente filosófica fundamental:
o Empirismo. Refutando as ideias platônica e aristotélica de que as ideias são inatas,
Bacon defendia que todo conhecimento só pode ser adquirido através da experiência
humana. Acreditava na necessidade de uma investigação metódica e por isso
desenvolveu um método. Daí ser chamado de fundador da ciência moderna.
Outro defensor do Empirismo foi Thomas Hobbes. Sua justificativa do poder absoluto do
Estado o levou a elaborar a ideia do “estado de natureza”: como o homem era em seus
primórdios, antes da sociedade, antes da linguagem. E chegou à conclusão de que os
seres humanos são ruins, egoístas e competitivos. A tendência humana seria a
selvageria e a barbárie. Para impor limites e controlar tais impulsos, era necessário abrir
mão de nossas liberdades do estado de natureza em favor do “soberano”, que poderia
ser um monarca ou o parlamento.
Iniciamos o estudo dos filósofos iluministas por René Descartes. Voz contrária ao
Empirismo baconiano, Descartes era expoente do Racionalismo e acreditava que as
ideias são, sim, inatas.
“Duvide de tudo o que tenha a mínima chance de não ser verdade”, ensinava Descartes.
Esse ceticismo cartesiano o levava a duvidar dos próprios sentidos. De acordo com suas
ideias, como você poderia ter certeza de que agora você está, realmente, lendo essa
frase? E se você estiver sonhando com isso? A resposta cartesiana é surpreendente e
inovadora: “Penso, logo existo”.
Apaixonado por geometria, acreditava que a tendência natural dos seres humanos é a
autopreservação, sua tentativa de perpetuar-se. E a “soberania” dos governantes
dependia de como podiam convencer os indivíduos de que lhes ajudaria nisso.
Com Locke e Hume, temos mais dois expoentes do Empirismo britânico. A filosofia
política de Locke é até hoje influente e pode-se considerá-lo um dos pais do Liberalismo.
Sua ideia de que o povo pode – e deve – refutar a autoridade de um governo que não
lhe convém é oposta à de Hobbes e bastante inovadora.
Por fim, temos o revolucionário Jean-Jacques Rousseau. Sua ideias contundentes e sua
língua afiada o levaram a ser mal visto por muitos de seus colegas iluministas. Contudo,
foi o mais popular deles, e suas ideias influenciaram, e muito, a Revolução Francesa, a
ponto de tê-las expressas na bandeira do país.