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Existem, é claro, alguns alunos que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é
dispensado, que não adquirem os saberes que supostamente deveriam adquirir, que não
constroem certas competências, que não são orientados para a habilitação que
desejariam, alunos que naufragam e reagem com condutas de retração, desordem,
agressão. É o conjunto desses fenômenos, observáveis, comprovados, que a opinião, a
mídia, os docentes agrupam sob o nome de “ fracasso escolar” (p.16).
O “fracasso escolar” não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de
fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas
histórias é que devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus
resistente, chamado “fracasso escolar” (p.17).
Esse tipo de sociologia não trata, na vedade, senão de diferenças e recorre
essencilamente à ferramenta que permite apreender e processar diferenças: a estatística.
Seus resultados têm sido amplmanete utilizados para afirmar que a origem social é a
causa do fracasso escolar e que os alunos em situação de fracasso padecem deficiências
socioculturais: a posição torna-se, então, origem e adiferenã é vista como falta (p.17).
Pode-se, aliás, em um segundo tempo, proceder a uma comparação das experiências
escolares dos alunos, conforme estiverem em situação de sucesso ou de fracasso. Volta-
se, então, a uma análise em termos de diferenças, mas diferenças, dessa vez, na relação
com o saber e a escola, e não mais (apenas) diferenças entre posições no espaço escolar
(p.18).
Cap. 2
Serão a reprodução, a origem social e as deficiências “A causa do fracasso escolar”?
1 As sociologias da diferença
[...] duas crianças que pertencem à mesma família, cujos pais têm, portanto, a mesma
posição social, podem obter resultados escolares muito diferentes. Essa constatação nos
lembra que uma criança não é apenas ‘filho de’ (ou ‘filha de’). Ela mesma ocupa uma
certa posição na sociedade. Essa posição tem a ver com a dos pais, mas não se reduz a
ela e depende também do conjunto das relações que a criança mantém com adultos e
outros jovens. A posição da própria criança se constrói ao longo de sua história e é
singular (p.21).
A posição dos filhos não é “herdada”, à maneira de um bem que passasse de uma
geração a outra por uma vontade testamental; ela é produzida por um conjunto de
práticas familiares; as dos pais ( que supervisionam os temas de casa, levam os filhos
aos museus, a concertos, em viagens, levam-nos à aula de dança, ao tenis, etc,.) e as dos
filhos (os “herdeiros” sabem muito bem que não basta ser “filho de” para ter sucesso na
escola, mas que é preciso trabalhar, esforçar-se muito). O sucesso na escola não é
questão de capital, mas de trabalho; mais exatamente: atividades, práticas (p.22).
[...] uma atividade não depende apenas da posição social dos “agentes”, ou de seus pais,
mas também das regras que regem essa atividade; se essas regras não são respeitadas, a
atividade não alcança sua meta, é ineficaz: o marido desejado não é seduzido, o aluno
acaba em situação de fracasso escolar. Cada atividade comporta uma normativa que lhe
é própria. Explicar o fracasso escolar requer, portanto, a análise também das condições
de apropriação de um saber (p.23).
Para analisarmos o fracasso escolar, devemos levar em consideração:
O fato de que ele “tem alguma coisa a ver” com a posição social da família –
sem por isso reduzir essa posição a um lugar em uma nomenclatura
socioprofissional, nem a família a uma posição;
A singularidade e a história dos indivíduos;
O significado que eles conferem à sua posição (bem como à sua história, às suas
situações que vivem e à sua própria singularidade);
Sua atividade efetiva, suas práticas;
A especificidade dessa atividade, que se desenrola (ou não) no campo do saber
(p.23).
[...] pode-se fazer a hipótese de que existe uma ligação entre os recursos financeiros da
família, seu “nível cultural”, as práticas educativas que ela implementa e o sucesso dos
filhos no aprendizado da leitura. Mas não sabemos como esse sistema de mediações
funciona, não sabemos que é que produz, como e por quê. A origem social não é a causa
do fracasso escolar, assim como os banheiros não são a causa do aprendizado da leitura
(p.25).