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Quilombo urbano e patrimônio alimentar no bairro da Liberdade em São

Luís-Ma

ALMEIDA, Joseane Viegas Ferreira1


BARBOSA, Gabriela de Sousa2
NUNES, Thamires Rocha3
RODRIGUES, Linda Maria4

Resumo: Este trabalho apresenta a alimentação quilombola urbana como um patrimônio da


cultura negra maranhense. Atualmente, os quilombos são reconhecidos no contexto das
políticas públicas brasileira, também era o lugar para onde os negros fugiam em busca de
liberdade, um território de resistência e permanência de seus costumes. O objetivo deste
artigo compreende uma análise da cozinha africana, memorizada pelos negros que foram
escravizados no Brasil e residiram na cidade e no interior do Estado, e as suas relações com a
formação do quilombo urbano no bairro da Liberdade em São Luís – MA. O método utilizado
é o qualitativo, em que os procedimentos compreenderam a pesquisa bibliográfica,
exploratória, descritiva com auxílio de questionários. Por meio das políticas públicas, pode-se
observar o processo de construção, debate e certificação do bairro da Liberdade como um
quilombo urbano, em relação aos resultados, observou-se que essa comunidade quilombola
continua a utilizar utensílios como pilão e insumos como vinagreira nas preparações de suas
alimentações diárias e nos festejos; fazem o consumo de bebidas como guaraná Jesus e a
juçara. Podemos visualizar o quão marcante e característico é a culinária maranhense – e, por
consequência, quilombola - nos festejos, e que essa se apresenta como identidade cultural em
territórios étnicos urbanos. Conclui-se que, inicialmente, o tráfico de pessoas da África para o
Brasil, mais especificamente para a cidade de São Luís-Maranhão e interior do Estado,
influenciou e perpetuou os hábitos culinários dos remanescentes de territórios negros -
presentes em sua maioria nos municípios da baixada maranhense - quanto aos saberes e
fazeres cotidianos dos autodefinidos quilombolas e residentes do bairro.

Palavras-chave: Quilombo urbano. Identidade negra. Cultura Alimentar Africana.

1 Discente do curso de Turismo na Universidade Federal do Maranhão. Bolsista PIBIC do


projeto: Memórias, patrimônio e alimentação em Quilombos Urbanos: um estudo de caso no bairro da
liberdade em São Luís – MA e membro do GPICG. E-mail: joseane.almeida.3006@hotmail.com
2 Discente do curso de Turismo na Universidade Federal do Maranhão. Bolsista PIBIC do
projeto: Memórias, patrimônio e alimentação em Quilombos Urbanos: um estudo de caso no bairro da
liberdade em São Luís – MA e membro do GPICG. E-mail: barbosagabriela98@gmail.com
3 Discente do curso de Turismo na Universidade Federal do Maranhão. Voluntária PIBIC
projeto: Memórias, patrimônio e alimentação em Quilombos Urbanos: um estudo de caso no bairro da
liberdade em São Luís – MA e membro do GPICG. E-mail: thamires.rochanunes@gmail.com
4 Prof.ª Dr.ª do Departamento de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão -
UFMA. Orientadora. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa e Identidades Culturais da Gastronomia
Maranhense – GPICG. E-mail: lindaufma@yahoo.com.br
Abstract: This work presents the urban quilombola food as a heritage of the black culture of
Maranhão. Currently, quilombos are recognized in the context of Brazilian public policies, it
was also the place where blacks fled in search of freedom, a territory of resistance and
permanence of their customs. The objective comprises an analysis of African cuisine,
memorized by the blacks who were enslaved in Brazil and resided in the city and in the
interior of the State and their relations with the formation of the urban quilombo in the
Liberdade neighborhood in São Luís - Ma. The method used is the qualitative, where the
procedures included bibliographic, exploratory, descriptive research with the aid of
questionnaires. Through public policies, it was possible to observe the process of
construction, debate and certification of the Liberdade neighborhood as an urban quilombo, in
relation to the results, we can observe that this quilombola community continues to use
utensils such as pestle and inputs as vinegar in the preparation of their daily meals and
celebrations; drink beverages like guaraná Jesus and juçara, we can see how striking and
characteristic the maranhense cuisine - and, consequently, the quilombola - is in the
festivities, and what it presents as cultural identity in urban ethnic territories, initially
concluding that human trafficking from Africa to Brazil, more specifically to the city of São
Luís-Maranhão and interior of the State, influenced and perpetuated the culinary habits of the
remnants of black territories - mostly present in the municipalities of the Baixada Maranhao -
regarding the daily knowledge and practices of the self-defined quilombolas and residents of
the neighborhood.

Keywords: Urban quilombo. Black identity. African Food Culture.

INTRODUÇÃO

Considerando a questão alimentar de origem africana a partir do início


do sistema escravista no Brasil, o projeto “Memórias, patrimônio e alimentação
em Quilombos Urbanos: um estudo de caso no bairro da liberdade em São Luís
– MA”5 identifica a inclusão da culinária quilombola, a partir das políticas
públicas fomentadas pela Fundação Palmares6.

A formação do bairro da Liberdade na região metropolitana Ludovicense


abrange um espaço urbano territorial com características afrodescendentes
ligadas à resistência da cultura negra. Tais particularidades caracterizaram, desde
a década de 80, por meio do debate político incitado pelos movimentos sociais
inseridos no bairro, o direcionamento e o autorreconhecimento da população
residente enquanto território quilombola.

5 Projeto de Iniciação Científica PIBIC/UFMA


6 Fundação responsável pela certificação dos quilombos no Brasil.
Todavia, compreende-se que por meio de estudos e políticas públicas, pode-se
incentivar, fazer conhecer e preservar a memória coletiva de um lugar, suas práticas de
produção artesanal e de produtos elaborados para consumo imediato, tais como: pratos
tradicionais e artefatos que podem representar o patrimônio cultural de uma determinada
localidade. Uma comida tradicional necessita ter seu nome, origem e ensinamentos
resguardados de alguma forma, seja pelo resgate da memória de hábitos dos seus
representantes, seja por regulações com o registro em entidades ligadas à preservação cultural
vinculadas às esferas municipal, estadual ou federal.

Este trabalho envolve estudos sobre os chamados Quilombos Urbanos e sua relação
com a cozinha africana, parte da identidade cultural dos residentes do bairro da Liberdade na
cidade de São Luís - MA.

METODOLOGIA

Quanto à abordagem, esta pesquisa enseja o método qualitativo. Os procedimentos


compreenderam a pesquisa bibliográfica (livros, teses, artigos e documentos eletrônicos),
exploratória, descritiva com auxílio de um questionário. Este artigo envolveu a dimensão
analítica (nível macro e micro), uma vez que envolveu conhecimentos a respeito dos
quilombos existentes em São Luís e o no interior do Estado. Contou também com a aplicação
de questionários realizados no período de 23 de abril a 25 de maio de 2020, parte de forma
on-line, outra por inquérito telefônico e pelo aplicativo Whatsapp, devido ao surto mundial
imposto pela pandemia COVID-197. Foram aplicados 30 questionários com um público de
residentes do bairro, de forma aleatória, após aplicação dos questionários, tornou-se possível
tecer análises que apresentam estes resultados.

REFERENCIAL TEÓRICO

A história da formação dos quilombos urbanos no Brasil perpassa desde o


desbravamento do país, onde os negros eram retirados de seus lugares de origem e sujeitados
a condições subumanas em várias partes do mundo, dentre elas, o continente brasileiro, por

7 A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da


doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de
Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no
Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela
OMS como uma pandemia.
onde foram distribuídos como mercadoria pelas principais áreas do país. Conforme se
constata abaixo:
A história da escravidão negra no Brasil é marcada por muita violência e perpetua
preconceitos e atrasos socioeconômicos que chegam até os nossos dias atuais. [...] O
Brasil, modelo do escravismo colonial foi o último país a abolir o tráfico e a
escravidão (HANGLER; SALVADOR, 2017).

Ressaltando em uma linha do tempo, o tráfico de escravos africanos vindo para o


Brasil pode ser analisado por meio da seguinte cronologia dos fatos políticos mais
significativos:

1550 – Primeiros desembarques de escravos africanos no Brasil; 1808 – A Corte


portuguesa se transfere para o Brasil; 1822 – Independência política do Brasil; 1831 – É
aprovada a Lei de 7 de novembro, que proibiu pela primeira vez o tráfico africano; 1845 – A
Inglaterra aprova o Bill Aberdeen, proibindo o comércio de escravos entre a África e a
América. 1850 – Fim do tráfico de africanos para o Brasil (Lei Eusébio de Queirós).

A resistência negra ao sistema escravista pode ser observada ao longo de toda


história brasileira [...] (JOFFILY, 1999, apud HANGLER; SALVADOR). Contudo, a
quilombagem foi a principal forma de resistência contra a escravidão. A quilombagem é um
movimento de rebeldia e permanente, organizado pelos próprios escravos, foi uma atividade
emancipacionista que antecipou o movimento liberal.

O quilombo foi uma forma de expressão de luta, liberdade e resistência, ou seja, uma
forma de organização social e reafirmação da cultura e valores africanos. Revelando-se um
fato original, um movimento contra as imposições e ações escravistas do homem branco ao
negro cativo.
Os Quilombos foram muito mais do que esconderijos de escravos, foram a maior
forma de protesto e resistência contra o sistema escravista e um espaço onde os (as)
negros (as) puderam desenvolver seus costumes e reafirmar sua identidade. Estes
espaços de resistência não ocorreram apenas nas áreas rurais, havendo citações de
sua existência também em áreas urbanas (HENGLER; SALVADOR, 2017).

No estado maranhense, a presença da escravatura ocorreu com o advento das


lavouras de algodão, arroz e posteriormente com a cultura da cana-de-açúcar, junto a atuação
da Companhia do Comércio do Grão Pará e Maranhão (1775/1777).

Nesse momento, também são notadas insurreições advindas de comunidades


quilombolas que buscavam, a todo o momento, a liberdade de seus conterrâneos (GOMES;
GOMES, 2016). Fatos que mais tarde ganharam espaço e resistência com os movimentos
abolicionistas, contribuindo, de certa forma, para um grande passo no país: a abolição da
escravidão.

A palavra quilombo origina-se do quimbundo Kilombo, significando acampamento,


arraial, povoação; união; exército. (LOPES, 2006, p.186 apud HANGLER; SALVADOR,
2017). Para Moura (1994, p. 22- 24 apud HANGLER; SALVADOR, 2017), o quilombo é o
epicentro do fenômeno da quilombagem, que foi organizado e dirigido pelos próprios
escravos durante o escravismo brasileiro em todo o seu território; um movimento de mudança
social provocado, que desgastou significativamente o sistema escravista, social, econômico e
militarmente, contribuindo para a crise do escravismo, que mais tarde foi substituído pelo
trabalho 'livre'.

Diante dessas mudanças, no final do século XIX no Brasil, ocorria “Abolição”


formal da escravatura, em que se consolidaram com mudanças de ricos fazendeiros de café e,
assim, a necessidade de mão de obra escrava e trabalhadores domésticos “livres” foram morar
em residências coletivas como quilombos urbanos e irmandades negras.

O Quilombo urbano é a formação de grupos sociais de resistência negra a um


sistema de exclusão, geralmente empobrecidas com características e costumes diferenciados
dos grupos que ali circundam e por escassez de políticas públicas. Na análise dos territórios
urbanos quilombolas, Raffestin (1993, p. 144) atesta que esse espaço é o lugar onde os grupos
étnicos se apropriam “concreta ou abstratamente pela representação”. Nas expressões
adequadas desse autor, trata-se de “um território visto e/ou vivido”, “um local de relações” e,
enfim, “o espaço que se tornou uma relação social de comunicação” (RAFFESTIN, 1993, p.
144-147).

Figura 1: Quilombo Urbano, bairro da Liberdade Figura 2: Ilustração de um quilombo rural

Fonte: maranhaohoje.com Fonte: Estudoskids.com.br


Tendo em vista que o bairro da Liberdade possui características de traços identitários
de resistência cultural de povos e etnias do Maranhão, foi identificado com traços de
quilombos urbanos e passou primeiro pelo processo de autorreconhecimento dos seus
residentes e recentemente recebeu a certificação proferida pela Fundação Palmares como
Quilombo Urbano, fruto de ações do setor público, como mostra a figura 2.

Figura 3 – Certidão de autodefinição

Fonte: Arquivo GPICG/UFMA - 2019

Em Nunes (2011), fala-se das dificuldades enfrentadas por comunidades que tentam
“fazer valer os direitos assegurados pela Constituição aos quilombos. (...) obstáculos referidos
ao processo de identificação e reconhecimento já que não há consenso sobre os mecanismos
adequados de aplicação dos direitos”. Segundo a autora, na vigência da Constituição de 1988
até o momento, os “setores contrários ao direito constitucional têm buscado mecanismos para
limitar ou extinguir o art. 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)”,
trata-se o ART. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir títulos
respectivos. Ainda, conforme Nunes:

1.523 comunidades quilombolas receberam até 2010 o certificado da Fundação


Cultural Palmares. Dentre estas o INCRA deu início ao processo de regularização de
996 comunidades. Os números decaem consideravelmente se tomamos a publicação
dos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID’s): apenas 119
relatórios foram publicados, sugerindo os entraves para sua realização. E do total das
comunidades que se autodefinem como comunidade remanescente de quilombo,
apenas 3,47% (53 em números absolutos) obtiveram o reconhecimento oficial
através da publicação das Portarias de Reconhecimento de Territórios Quilombolas,
embora apenas 2,03% (31 comunidades) tenham obtido do Estado o Decreto de
Desapropriação das áreas referentes ao seu território (NUNES, 2011).
Todos esses obstáculos que têm dificultado o reconhecimento de comunidades
quilombolas, mencionado por Nunes, em sua grande maioria, é relativo aos quilombos rurais.
Referente ao reconhecimento da “Liberdade quilombola” junto à Fundação Palmares,
segundo as descrições de Assunção (2017, p.125), logo abaixo:
A luta por reconhecimento, especialmente a identidade étnica da Liberdade
Quilombola, momento em que esses moradores tentam alcançar novos espaços na
sociedade. Nesse contexto, “a identidade coletiva substituí os interesses de classe
como fator de mobilização política – cada vez mais a reivindicação é ser
“reconhecido” como negro”.

Vale lembrar que o governo brasileiro somente reconheceu a existência desses


quilombos no ano de 2003, com a reformulação das políticas públicas e inclusão social
proferida pelo Governo Federal da época.

O BAIRRO DA LIBERDADE

No Maranhão, o bairro da Liberdade concentra forte tradição cultural. Surgiu a partir


de 1918, com a criação do Matadouro, nessa época a entrada do bairro era feita por uma única
estrada chamada Campina do Matadouro, mas o principal acesso era via barco. Considerado
também, a maior habitação de São Luís próximo ao Centro da cidade, é cortado por vias de
acesso que interligam bairros cercado por manguezais.

Além de possuir a maior população negra da capital, é considerado pelo movimento


negro como o maior quilombo urbano do Maranhão, rico em manifestações culturais de
origem africana. “Quando se fala que São Luís tem um grande quilombo urbano, é preciso
explicar antes para as pessoas que essa não é uma informação oficial, pois é uma descoberta
do nosso trabalho na área das ações afirmativas entre as comunidades mais carentes”
(SEDES/MA, 2017).

Figura 4: Matadouro do bairro da Liberdade


Fonte: O imparcial.com

Nessa luta pelo reconhecimento, especialmente a identidade étnica Liberdade


Quilombo, já foram realizadas duas audiências públicas, onde foram pautadas algumas das
reivindicações, direito a políticas públicas e direitos a benefícios que são de comunidades
quilombolas. Conforme demonstrada na foto abaixo:

Figura 5: Audiência pública com vistas a certificação quilombo urbano

Fonte: Arquivo GPICG/UFMA (2019)

A formação de grupos em regiões metropolitanas com forte resistência cultural


negra são caracterizadas como quilombos urbanos. Para Carril (2006 apud ROCHA et. al,
2001), o quilombo urbano manifestou-se em torno de uma nova expressão estética
envolvendo as características política-cultural de protesto, muito comuns de comunidades
negras norte-americana. Ademais, esse fenômeno absorve a territorialidade urbana, uma vez
que não existe terra em grande quantidade disponível nestas comunidades, fato que ressalta as
manifestações culturais auto identitárias.

O bairro também é conhecido por sua diversidade folclórica, demonstrada através


das manifestações culturais e litúrgicas representadas pelas festas do Tambor de Crioula, do
Divino Espírito Santo, do Pai Cocho, da Queimação das palhinhas, Festejo Tradicional de
Ladeira, Cacuriá de Vila Gorette e Boi de Leonardo (ASSUNÇÃO, 2017). Nas quais podem
ser constatados um rico sincretismo religioso, além da forte cultura alimentar presentes nestes
rituais, especialmente, nos festejos realizados nas Casas de Mina, conforme pode ser visto no
documentário Mina da Liberdade (NAÇÃO TVE – MINA DA LIBERDADE, 2016), uma
imersão ao universo afro religioso.

PATRIMÔNIO ALIMENTAR QUILOMBOLA

O surgimento da culinária brasileira perpassa pelo histórico do processo de


construção do Brasil, de acordo com Ernandes (2013, p. 11):
Encarregados da alimentação dos senhores brancos e com a necessidade de suprir
sua própria demanda, os negros passaram a adaptar seus hábitos culinários aos
ingredientes da colônia. Dessa forma, os africanos foram influenciados pelos hábitos
e técnicas culinárias trazidas pelos portugueses e pelos indígenas, naturais da terra,
como também influenciaram a alimentação destes. Desse processo, resultou a
culinária brasileira, tão rica em variedades e técnicas de preparo dos alimentos, e que
caracteriza e singulariza a cultura nacional.

Para o povo africano e os seus antecedentes, a comida sempre teve uma ligação
muito forte com a religião, no candomblé – palavra que significa união de nações - a comida
desempenha um papel fundamental, pois é considerada um forte elemento de ligação entre os
homens e os orixás e de acordo com Ernandes (2013, p. 18):
Para os povos africanos e seus descendentes, a comida sempre manteve uma estreita
ligação com o sagrado, ou seja, com a religião. Como se sabe, ao virem escravizados
para o Brasil os povos africanos foram cerceados de cultuar livremente seus deuses e
por isso suas manifestações religiosas sempre foram reprimidas e marginalizadas.
Mas a resistência destes sempre foi maior que a opressão do colonizador, de modo
que as religiões de matriz africana, em especial o candomblé e a umbanda, estão
presentes em muitas regiões do nosso país.

Neste contexto, ressalta-se o bairro da Liberdade como um ambiente rico em


expressões socioculturais, tendo em vistas suas manifestações litúrgicas ligadas às festas,
lendas, cantos e artes folclóricas do populário local. Dados que podem ser facilmente
comprovados nos terreiros existentes neste espaço urbano, os quais estão presentes nas
narrativas de Assunção (2017, p. 51).

A comida é um importante fator de agregação social onde Ferretti (2019) descreve:


“uma vez que o alimento se apresenta como elemento essencial à sobrevivência do homem,
revendo-se um fator de grande relevância na vida social das comunidades, por isso a atenção
recebida por todos os povos e em todas as épocas”.

De fato, a alimentação de uma sociedade traz consigo traços da sua cultura,


elementos descritos por Millán (2002, p. 277-278 apud SANTOS, 2012), logo abaixo:

Na alimentação humana se materializa a estrutura da sociedade, se atualiza a


interação social e socioambiental, as representações socioculturais (crenças, normas,
valores) que dão significado à ação social [...] dos que têm em comum uma mesma
cultura. A abstração conceitual da cultura se concretiza no prato

Diversos alimentos consumidos na atualidade foram trazidos da África ou


modificados pelas técnicas de preparo por povos africanos, inseridos em grande parte das
refeições do povo brasileiro. Ressaltando a identidade étnica das comunidades quilombolas,
sobretudo no que tange ao processo de autorreconhecimento, ganhando cada vez mais espaço
nas pautas das discussões sociais, políticas e acadêmicas nacionais por meio dos pressupostos
dos artigos de nº 215 e 216, da Constituição Federal de 1988.

Em se tratando do requerimento de políticas e benfeitorias de melhorias para a


população, no que diz respeito às políticas públicas voltada para a comunidade da Liberdade,
o que pode ser observado são estudos que retratam o seguinte:
A ausência do Estado citada por Durans, se faz perceber na grande quantidade de
oficinas e ações sociais implementadas pelos institutos e organizações sociais dos
três bairros. Uma dessas ações ocorridas foi a realização do minicurso sobre
direitos básicos do indivíduo que aconteceu no bairro Fé em Deus, com a
participação do Quilombo Urbano. O curso foi organizado pelo GENS e suas ações
objetivavam informar aos participantes sobre o que é racismo, explicando-os como
eles poderiam agir mediante abordagem policial, caso fosse necessário. O curso foi
ministrado por dois advogados, em parceria com a Sociedade Maranhense de
Direitos Humanos – SMDH (SANTOS, 2007, apud ASSUNÇÃO, 2017).

Não obstante disso, no bairro da Liberdade já existem várias ações e projetos que
envolve a comunidade em ações sociais de conscientização a respeitos dos perigos da
marginalização, como explica Nicinha Durans, em sua fala abaixo, sobre o movimento
Quilombo Urbano, destacando-o como um dos mais antigos dentre outras coisas.
Tem voltado o seu trabalho para dentro das escolas, porque o forte do nosso trabalho
é com o jovem da periferia e, aí, a gente percebe cada vez mais essa juventude
/entrando na marginalidade. Então é uma disputa que a gente vem travando com a
consciência desse jovem com a mídia, com o tráfico de drogas. Então, nós sentimos
a necessidade de rejuvenescer a nossa militância e, assim, começar um trabalho bem
mais cedo com esses jovens. Por isso temos escolhido e priorizado fazer um trabalho
nas escolas (DURANS apud ASSUNÇÃO, 2017).
Recentemente, a mobilização e militância pelo reconhecimento ganhou força por
meio de um trabalho junto às mulheres. O Movimento Quilombo Urbano mantém um Núcleo
de Mulheres Preta Anastácia. Trata-se de um grupo de mulheres ligadas ao Movimento hip
hop, que se reúne com certa frequência para discutir problemas e demandas da mulher negra.
Dentre as atividades realizadas por esse grupo de mulheres militantes, Nicinha destaca ainda a
realização de batalhas de rimas entre as mulheres do movimento.

É importante ressaltar que pensar em políticas públicas (formulação de normas,


decretos etc.) não tem uma visão passadista. Observa-se que toda cultura é um processo em
transformação permanente, não é engessada. Estudar a Gastronomia Tradicional e assim, suas
políticas, não tem como objetivo petrificá-la, mas compreender o seu desenvolvimento para
que a localidade possa continuar se apropriando do que reconhece como identidade,
desenvolvendo e passando para as novas gerações.

Esses fatores são relevantes para este estudo, tendo em vista a busca por
conhecimentos a respeito dos seus hábitos alimentares, influências e os acontecimentos
históricos que a comunidade da liberdade continua passando.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Quanto aos resultados, apresentam-se abaixo indicadores retirados e analisados do


questionário que foi aplicado junto aos sujeitos do estudo, no que diz respeito à alimentação
dos residentes do quilombo urbano no bairro da Liberdade.

Sobre o perfil socioeconômico dos sujeitos, observou-se que a maioria dos


respondentes refere-se ao sexo feminino, conforme análise do gráfico abaixo, embora o bairro
seja constituído por escassez de políticas públicas em muitos aspectos, tais como água e
esgoto, o nível educacional não acompanha essa mesma baixa, boa partes dos residentes
possuem nível educacional compatível ao restante dos residentes dos outros bairros da capital.
Sexo Nivel de Escolaridade
27% 3%
7%

13%
73% 40%

17%

20%
Feminino Masculino
Mé dio completo Superior completo
Superior incompleto Fundamental completo
Mé dio incompleto Fundamental incompleto

Pode-se observar, em relação ao nível de escolaridade dos pesquisados, que eles estão
em um nível médio. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa), o
município de São Luís está crescendo o seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), em
2000, o índice era de 0,658, e em 2010, último ano pesquisado, mostra que aumentou para
0,768, ou seja, reafirma os dados levantados pela pesquisa, em que mostra o bairro da
Liberdade em condições educacionais razoáveis.

Em relação ao local de origem de nascimento, constata-se que 52% encontram-se


nascidos na capital e 14% entre municípios da baixada, composto por Pinheiro e Alcântara, os
outros municípios estão representados por Bequimão, São Bento, Vitória do Mearim, Viana e
Bacuri com 4%, respectivamente, o que confirma o fato de que a maioria dos residentes do
bairro são nascidos ou descendentes das regiões citadas.

Local de origem
4%4%
4%
4%

15% 52%

15%

Sã o Luís Alcâ ntara


Pinheiro Bequimã o
Sã o Bento Vitoria do Mearim
Viana Bacuri

Devido as grandes dificuldades em adquirir a própria alimentação e por questão de


sobrevivência, é inevitável essa mudança de território. Sobre esse impacto Ferreira (2008,
p.165 apud BRAGA, 2011) relembra “Consequentemente, a população sem condições de
sobrevivência migra, direcionando-se para a sede municipal e/ou para a capital estadual,
engendrando e ampliando a periferia urbana”.

Assim, surgiu o Quilombo Urbano da Liberdade por pessoas que vinham da Baixada e
Litoral Maranhense em busca de oportunidades, mas sem deixar para trás suas origens e
foram construindo uma identidade coletiva, como ressalta Assunção (2017, p. 36):

Percebemos que os deslocamentos de famílias oriundas de diferentes cidades da


Baixada e Litoral Maranhense para o bairro Liberdade, Camboa e Fé em Deus
poderiam significar essa construção de identidade coletiva e que há ainda fortes
vínculos religiosos, sociais, culturais e econômicos com esses lugares.

Constata-se, observando os dados acima, que de fato o bairro da liberdade contempla


enquanto identidade negra toda uma gama de funções culturais focadas nos territórios citados.

Com relação aos familiares (pais e outros membros familiares), identificou-se que
27% nasceram na cidade de Alcântara e 17% de Pinheiro, 10% das cidades de São Luís e
Vitória do Mearim e 3% para os residentes das cidades, tais como: Bequimão, Cajapió,
Cururupu, São Vicente de Ferrer, Viana, Piauí, Matinha, São Bento e 10% não souberam
responder.

Local de origem dos pais


3%
3% 10%
3% 27%
3%
3%
3%
3% 17%
3% 10%
10%

Alcâ ntara Pinheiro Sã o Luís


Vitoria do Mearim Bequimã o Cajapió
Central e Cururupu Vicente Ferrer Viana
Piauí Matinha Sã o Bento
Nã o responderam

Pode-se observar no gráfico anterior, a maioria dos seus ancestrais são oriundos de
Alcântara e da Baixada Litoral Maranhense, com o fim da exportação do algodão do
Maranhão para o mercado europeu, o fim da Companhia Geral de Comércio, com a abolição
da escravidão e com os ricos se deslocando para outros Estados para se restabelecerem, foram
deixados para trás os ex-escravos, em que estes tiveram que tirar seu sustento da terra e assim
ocasionou a necessidade de deslocamento em direção a outras cidades e municípios em busca
de sobrevivência.

As regiões do interior do Estado, bem como certos bairros da própria capital, passam
por um grande movimento migratório: de um lado, o abandono das fazendas pelos
senhores e suas famílias, rumo a São Luís; de outro, a chegada dos ex-escravos, que,
junto aos homens livres e pobres, ocupam as regiões abandonadas. Essas localidades
tornam-se o laboratório de formação de uma cultura particular, sincrética, que
mistura traços ibéricos, africanos e indígenas, em maior ou menor grau, em virtude
de sua localização específica (ARAÚJO 2010, p. 6).

Em relação a sua vinda para a capital São Luís, as pessoas se deslocam por vários
motivos, e durante a pesquisa pode-se observar que a maioria vem em busca de oportunidades
de emprego com 30%, seguido dos nascidos na capital e veio por causa da família com 23%
cada, 14% vieram para estudar e 10% não responderam como mostra o gráfico abaixo.

Motivo da sua vinda para São


Luis
10%

14% 30%

23%
23%

Oportunidades de emprego
Nasceram em Sã o Luís
Veio por causa da família
Veio para estudar
Nã o responderam

Para Fadigas (2015, p.12), “A situação dos povos sem território, e sem políticas
adequadas à sua realidade, conduz sempre à sua desestruturação social e à indignidade.” Em
busca de oportunidades de emprego e por uma qualidade de vida, as pessoas saem de seus
lugares de origem e buscam em seus novos ambientes uma oportunidade de mudar a sua
realidade que eram cheias de obstáculos e dificuldades. O bairro da Liberdade foi o meio pelo
qual a população encontrou escape para melhorar de vida na capital e ainda manter vivo seus
valores culturais.
Quanto à alimentação, no questionário investigamos quais alimentos eram mais
consumidos no lugar de origem dos seus ancestrais, e quais ingredientes e utensílios ainda
fazem parte da cozinha dos moradores do bairro da Liberdade nos dias atuais.

No gráfico abaixo, pode-se observar que 28% dos pesquisados relatam que os tipos de
alimentos que eram utilizados no lugar de origem eram peixes; e 1% ainda tinha o hábito de
consumir os produtos da lavoura.

Tipos de alimentos usados no


lugar de origem
1%
11%
28%
12%

13%
18%
17%

Peixe Carne de boi Galinha caipira Caças


Mariscos Carne de porco Lavouras

A alimentação de cada comunidade condiz com o que há disponível em determinada


região, ou seja, irão consumir produtos que mais se adaptam ao ambiente. Para Poulain (2019,
p.6):

Nessa imensidão de possibilidades alimentares, nesse espaço de liberdade, os


homens farão escolhas que irão satisfazer as necessidades biológicas nutricionais,
mas que são determinadas por fatores sociais e culturais, pois o fato da sociedade se
alimentar de determinados alimentos ou não estará relacionado à construção de
identidades sociais e identidades culturais.

A citação reforça a proposição de que a comida opera como característica do


pertencimento. Assim como Santos (2012, p.56) afirma que “as escolhas e os rituais relativos
à alimentação são socialmente estabelecidos e se relacionam diretamente à posição que
determinadas sociedades ou grupos sociais ocupam. Desta forma, compreende-se que os
hábitos alimentares estão vinculados à memória, ao imaginário”.
Utensílios ou ingredientes
culinários que ainda são utilizados
3,70% 10%
7,40%
7,40%
7,40%
77,8%
18,50%
Vinagreira
Gergelim 22,20%
Pilão
Fogã o à lenha
Tempero seco (caseiro)
Beiju, cuscuz, bolo de tapioca
Manjericão, pimenta de cheiro, corante
Não responderam

Quanto a utilização de utensílios e ingredientes culinários, os pesquisados relatam que,


em sua maioria, ainda usam a vinagreira, o gergelim, o pilão, fogão a lenha, tempero seco
(caseiro), beiju, cuscuz e o bolo de tapioca; uma pequena parte dos pesquisados 3,70% ainda
utiliza do manjericão, pimenta de cheiro, cheiro verde e corante retirado do urucu8.

Como explicitado no decorrer do artigo, o bairro da Liberdade é constituído de


tradicionais festejos e no gráfico a seguir, pode-se analisar que a maioria dos pesquisados
participam do Carnaval, seguidos do Tambor de Crioula, Festa do Divino, São João e Tambor
de Mina. Porém, como já analisado o contexto histórico do bairro, o resultado da pesquisa traz
uma nova informação quanto a participação dos moradores nos tradicionais festejos, Santos
(2012, p. 61) diz que:

A considerar as dinâmicas sociais, que se encontram em constante estado de


reconstrução, não é possível esperar que as comunidades de remanescentes
quilombolas preservem, no sentido essencializado do termo, suas tradições. Ao
contrário, o que percebemos é que, como em qualquer grupo social, algumas
comunidades se afastam dessas tradições, em um processo de remodelagem,
reconstrução, (re)leitura, reescrita, ou até mesmo rasura do seu passado histórico.

Dessa forma, é possível compreender que as comunidades remanescentes quilombolas


tem passado por esse processo de remodelagem “impregnada pela percepção oriental, as
visões do mundo expressas pelas sociedades tradicionais diferem significativamente daquelas
dos homens modernos que vivem sob a influência, mesmo indireta, da ciência e tecnologia”
(TUAN, 1980 apud BRAGA, 2011 p.66).

8 Urucu, ou urucum, é o fruto do urucuzeiro ou urucueiro, arvoreta da família das


bixáceas, nativa na América tropical, que chega a atingir altura de até seis metros.
Apresenta grandes folhas de cor verde-claro e flores rosadas com muitos estames.
No gráfico abaixo, analisa-se os tipos de comidas e bebidas que são tradicionalmente
oferecidos nos festejos, mas, como Ernandes (2013, p. 6) destaca “muitos alimentos são
utilizados como oferendas nos banquetes aos orixás, mas também são consumidos
diariamente por milhares de brasileiros”. Como exemplo de pratos que consumimos com certa
frequência, destacamos a farofa, bolo de tapioca e bolo de trigo, galinha caipira, carne de
porco, feijoada e mocotó.

Tipos de comidas servidas nos festejos


2% 2% 1%
2%
2%
3% 10%
3%
3% 10%
5%
10%
6%

7% 9%

8% 8%
8%

Arroz de cuxá Farofa Bolo de tapioca Galinha caipira


Carne de porco Vatapá Feijoada Arroz de toucinho
Arroz de Maria Izabel Sarrabulho Caruru Doce de espécie
Paçoca Arroz de jaçanã Caldeirada de camarão Arroz de pilão
Mocotó Jabiraca seca Queijo de São Bento Bagrinho cozido
Bolo de trigo Torta de Camarão

Em relação à bebida, temos como destaque o tradicional refrigerante Guaraná Jesus,


famoso por sua coloração rosa e o gosto bem adocicado, e também a juçara que quando chega
a sua época nunca falta na mesa da população.

Tipos de bebidas servidas nos festejos


1%
3% 1%
3%
3%
4% 19%

7%
7%
17%
7%
8%
11%
10%

Guaraná jesus Cachaça Suco de bacuri


Suco de cupuaçu Juçara Catuaba
Licor de jenipapo Tiquira Suco de cajazinho
Licor de tamarindo Suco de tamarindo Cerveja
Aluá Café, chocolate
Analisando e contextualizando os gráficos até aqui, podemos visualizar o quão
marcante e característico é a culinária maranhense – e, por consequência, a quilombola - nos
festejos e que essa se apresenta como identidade cultural em territórios étnicos urbanos. Sobre
este ponto de vista, Ramos (2009, p.100 apud ERNANDES, 2013) destaca:

A identidade de uma nação, de uma região ou de um grupo, em larga medida, pode


ser observada pelas suas características gastronômicas, seus rituais de consumo de
alimentos, sua padronização no compartilhamento da comida, nos acessórios e
mobiliários utilizados durante a refeição e em uma série de outras características que
envolvem a temática.

No gráfico abaixo, pode-se observar lembranças de consumo de bebidas e comidas


diferentes do consumo atual, tendo em vista que 47% não possui nenhum conhecimento, 36%
possuem algumas lembranças como o consumo do sarrabulho, peixe seco com verduras e
galinha caipira no leite de côco, em destaque, bebidas como vinho de buriti e conhaque, 17%
não responderam.

Relembra alguma comida ou bebida


diferente do consumo atual

17%
36%

47%

Sim (Sarrabulho, Peixe seco com Verduras, Vinho de Buriti, Galinha Caipira no
Leite cô co e Conhaque).

Não

Não responderam

Tendo como análise o gráfico, observa-se a falta de reconhecimento do alimento como


símbolo de identidade e pertencimento dentro da comunidade. Visto que dentro de uma
comunidade quilombola a alimentação agrega questões sociais junto as comunidades em torno
dos alimentos, seus sabores, saberes e fazeres.

Como dito anteriormente, os hábitos e as práticas alimentares são elementos que


marcam pertença. Ao afirmar que a comida não é apenas uma substância alimentar,
mas também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se. E o jeito de comer
define não só aquilo que é ingerido, como também aquele que ingere, Da Matta
(1986, p. 56) nos induz a uma série de questionamentos que se relacionam aos
mecanismos dos quais o homem se utiliza para conceder, aos alimentos, o status de
comida. Este processo transformador tangencia e aproxima duas dimensões: a física
(de manipulação e preparo) e a cultural (de aceitação e identificação social).
(SANTOS, 2012, p. 62).
A certificação de Quilombo Urbano tem em ênfase sua grande maioria, que 86% tem
o total conhecimento sobre a certificação quilombola e 14% não possui informações sobre o
mesmo. Como podemos observar no gráfico abaixo:

Conhecimento sobre a certi-


ficação de Quilombo Urbano

14%

86%

Sim Nã o

A certificação de Quilombo Urbano ocorreu no dia 13 de dezembro de 2019 que tem


como base a reivindicação do pertencimento étnico e a valorização da identidade negra do
bairro, tendo em vista a aplicação de políticas públicas por meio da certificação. A
certificação se baseou a partir dos moradores, pelo sentimento de pertencimento e na
construção da sua própria identidade (ver figura 3).

A autodefinição de Quilombo Urbano foi possível a partir dos movimentos sociais


dentro do bairro, por ocasião das formações políticas iniciadas pelo Movimento Quilombo
Urbano como ressalta Assunção (2017, p. 141):

Ao longo dos anos, e com maior força na contemporaneidade, observamos que as


alianças políticas estão ganhando corpo. A unidade já é relevante se considerarmos o
grau de discussão e conscientização entre os moradores dos bairros Liberdade, Fé
em Deus e Camboa. Anteriormente, esses moradores já se sentiam parte de uma
mesma identidade, todavia, agora, eles estão se arranjando por meio da identidade
coletiva quilombo urbano.

No decorrer do questionário, pode-se observar no gráfico seguinte que 90% dos


moradores tem total conhecimento que a certificação possa realizar a promoção de políticas
públicas dentro da comunidade para que se possa diminuir situações de pobreza absoluta,
demarcada por aqueles considerados pobres em uma dada população. Tais políticas públicas
foram ressaltadas no questionário como infraestrutura, economia, reconhecimento e
valorização.
Certificação para a promoção de
Políticas Públicas para o bairro
10%

90%

Sim (Economia, infraestrutura, recursos, valorizaçã o


da cultura, pertencimento)
Nã o responderam

Diante do exposto no gráfico anterior, pode-se dizer que por meio de políticas públicas
possa se preservar a memória cultural local. Dessa forma, no gráfico seguinte, observamos o
interesse em participar de uma oficina sobre a culinária quilombola, podendo assim ter o
reconhecimento de sua identidade pela gastronomia. Segundo Muller (2010, p.180):

Gastronomia Tradicional, entendida aqui como sinônimo de Gastronomia Típica,


pode ser compreendida como a junção dos saberes e sabores que fazem ou fizeram
parte dos hábitos alimentares de uma localidade, dentro de um processo histórico-
cultural de construção da mesma.

Aceitaria participar de uma ofic-


ina sobre a culinária Quilombola

11%

89%

Sim Nã o

Em relação à participação em uma oficina sobre a culinária quilombola, os


entrevistados responderam que 89% participariam e 11% responderam não.
Compreendemos que por meio dessa análise que as políticas públicas podem ajudar a
preservar a memória coletiva da localidade, as práticas de produção e consumo, além de
refletir em ganhos diretos e indiretos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo abordou a culinária como demarcação de identidade cultural em territórios
étnicos urbanos. O objetivo foi investigar a cozinha africana e a sua relação com os residentes
do bairro da Liberdade na Cidade de São Luís - MA. Com resultados da primeira parte da
pesquisa, identificou-se que a comida reflete a cultura de um povo, a sua relevância se
constitui um dado cultural. Isso porque, em primeiro lugar, o que se come é determinado pela
geografia do lugar, seu solo, seu clima, sua fauna e flora. Também é fato que na hora da
transformação, do forno e do fogão, segue receitas do povo deste local, suas tradições, crenças
e histórias.
O processo de inserção dos quilombolas nas comunidades urbanas, enquanto categoria
social no cenário brasileiro e maranhense, apresentam-se por meio de uma série de mudanças
na sua estrutura social interna e externa e, um movimento percebido pelo mercado
consumidor de bens e serviços, consequentemente, trouxe uma (re)construção de uma
identidade étnica desses grupos, também marcada pela alimentação.
Observou-se pelo menos duas questões importantes para se concluir este estudo, uma
que pode ser observada na importância das políticas públicas promovidas pelo incentivo ao
autorreconhecimento, e por fim, a certificação territorial que enaltece a autoestima do povo
quilombola, e outra que diz respeito a constituição e resgate da comida de origem africana e a
permanência de sua ancestralidade.
Por fim, esta pesquisa pretende ainda identificar outros objetivos propostos e tecer
novos resultados, no que se chamou de segunda etapa. Diversas foram as limitações deste
trabalho conforme identificadas na introdução, uma delas compreende o período de realização
da pesquisa, que seria no bairro, de forma presencial e junto aos residentes com perfil
definido. Segue-se em outra parte com resultados e conclusões ampliadas, acredita-se.

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