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gdo, cruel-
nizações religiosas não adviria de uma nao-adequa
14. O sagrado selvagem' mente vivenciada, entre as exigéncias da exper
iéncia religiosa
ram moldá-la
pessoal e os quadros institucionais nos quais quise
poder explosivo,
— com vistas, muitas vezes, a retirar-lhe o seu
serd que
considerado perigoso para a ordem social? Finalmente,
nova busca
não estariamos hoje assistindo entre os jovens a uma
mporaneos,
apaixonada pelo sagrado, como se 0s nossos conte
volvimento
depois de um razoavelmente longo perfodo de desen
ssem
do atefsmo, ou apenas de uma entrega a indiferenca, estive
de si, de um vazio
outra vez se dando conta da existéncia, dentro
dessa sensação
espiritual aser preenchido e constatassem, a partir
espé-
de vazio, que uma personalidade que não se enraíza numa
alida-
cie de entusiasmo sagrado não passa, afinal, de uma person
antropológica
de castrada daquilo que constitui uma dimensão
ie a dimensão
Nietzsche, é verdade, proclamou a morte dos Deuses, es- universal e constante para todo homem que vivenc
perando que Foucault proclamasse a morte do homem (o que é religiosa?
ndo na
16gico, já que 0 homem só se constitui como homem através de Contudo, esse sagrado que vemos novamente surgi
selvagem.
sua relação com os Deuses). Também é verdade que o cristianis- cultura e na sociedade de hoje quer-se um sagrado
s coletivos
mo e, em certa medida, o Isla entraram em crise. É verdade,
Embora ele às vezes busque os seus modelos nos transe
são, que o
das populações ditas primitivas, nos cultos de posses
enfim, que os soci6logos não cansam de nos repisar, de umas m. decerto,
Não,
cinema, a televisão e o teatro negro popularizara
décadas para cá, o seu processo de “secularizagao” (sem perceber, gem é cria-
para copiá-los, já que por definição um sagrado selva
aliás, que estavam assim apenas retomando Hubert Spencer e os nário,
ção pura, não repetição — situa-se no domínio do imagi
seus processos de diferenciagao social: o religioso tende a se puri- deles extrair tudo
não no da memória —, mas para, ainda assim,
ficar de toda contaminação com aquilo que não é ele proprio). da selvageria.
aquilo que poderíamos chamar de pedagogia
Mas serd que a morte dos Deuses instituidos acarretaria o artificial,
André Gide, cansado da nossa civilização mecânica,
desaparecimento da experiéncia instituinte do Sagrado em busca racional, há alguns anos já clamava por uma nova
invasão de bár-
de novas formas nas quais se encarnar? Será que a crise das orga- baros, que destruísse o nosso mundo e The oferecesse
uma chan-
, entao, 0s
ce de alteridade; os barbaros nao vieram. Os jovens
1. Conferéncia nas Rencontres Internationales de Geneve, 13 de setembro de recriaram — inspirando-se, ainda assim, nos cultos
extdticos
1973, publicada na coletanea das RIG, 1973, Le Besoin religieux, Editions de la histo-
onde o texto dessa comunicação é seguido pelo
Baconniére, Boudry-Neuchatel, violentos e sangrentos que os definiam aos olhos de certos
do selvagem
texto das discussdes, nao reproduzidas aqui. riadores. Daí os dois lados desta conferéncia: o sagra
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das sociedades tradicionais e o sagrado selvagem da nossa civili- enxergar, nos cultos de possessdo, um fendmeno análogo ao dos
zagao ocidental. Dois lados que nos permitirao colocar, não exa- possuidos da Idade Média pelos exércitos de Satd, com uma edu-
tamente o problema das relações entre natureza e cultura,nem o cação médica que só lhes deraaconhecerascrises dehisteria e que,
problema, préximo daquele, das relagdes entre psicanálise e desse modo, só conseguiam pensar o transe através da única cate-
sociologia, mas sim o problema — puramente sociolégico — da goria que a clínica lhes revelara, na Europa e nos Estados Unidos.
domesticação do Sagrado; as sociedades tradicionais tratam de Ora, o transe dos assim chamados “primitivos” é o exato
passar, como tentaremos demonstrar, do sagrado selvagem par; oposto da exaltação corporal, da entrega às pulsões inconscientes
o sagrado domesticado, e a nossa sociedade ocidental, pelo con- da crise histérica. É um jogo litúrgico que, no fundo, se aproxima
trário, trata de desagregar o sagrado doméstico para fazer jorrar, mais da representação teatral do que das grandes crises dos nos-
de mais embaixo, o sagrado selvagem com toda a sua fúria. sos asilos psiquiátricos. Pois ele é, do início ao fim, controlado
pela sociedade — pois ele cumpre uma função social, a de estabe-
lecer entre os Deuses e os homens uma comunicação que possi-
Durkheim, ao situar a origem da religião nos estados de efer- bilite a esses Deuses descerem novamente à terra pelo bem da
vescéncia coletiva, é em parte responsavel pelo erro que se come- comunidade — pois ele constitui, para um número elevado de
te ao definir os transes dos primitivos como pura efervescéncia. religiões, um fenômeno normal, culturalmente instituído e diri-
Basta, porém, reler Les formes élémentaires de la vie religieuse [As gido, ou melhor, normal: obrigatório e sancionado. O que pes-
formas elementares da vida religiosa] para perceber que os exem- soalmente sempre me impressionou, tanto na África como nas
plos que ele oferece em favor de sua tese voltam-se contra ele. Pois Américas negras, é justamente esse conjunto de regras e contro-
o transe só aparece em determinados individuos, comega e acaba les, dos quais só daremos aqui alguns exemplos: se uma mulher
em horas fixas, desenvolve-se de acordo com um cendrio dado está de luto, se está menstruada, ou até se teve há pouco relações
que nao muda de uma ceriménia para outra, e não faz mais que sexuais, por mais que seja dedicada a uma divindade e assista à
representar na terra o que outrora se deu no mundo do Sonho; cerimônia, ela não cai em transe; se os tambores que ritmam a
quando ocorre uma orgia, o que é raro, a prépria orgia obedece a cerimônia não “comeram”, ou seja, não receberam o sangue arti-
regras estritas. ficial que lhes permite chamar os deuses, as dangas podem pros-
Mais que Durkheim, porém, são certamente os explorado- seguir horas a fio, mas o fendmeno da possessão nao acontece.
res, viajantes e missiondrios os responsaveis por essa imagem de Longe de dar uma imagem de caos, violéncia ou discordia mus-
selvageria no encontro extatico dos homens com os deuses, prin- cular, o transe não raro assume uma forma calma, tao calma que
cipalmente quando esses viajantes eram médicos, ou, melhor desafio qualquer observador não habituado a perceber que uma
ainda, psiquiatras, pois chegavam num mundo “outro” com os das dangarinas está “possuida”. E, no entanto, os Torub4 da Ni-
seus preconceitos de ocidentais, que desconfiam da linguagem do gériareconhecem, por um imperceptivel tremor dosombros, por
corpo,como seu cristianismo mais ou menos maniqueista, que os palpebras que se cerram, que um Deus baixou, e cessam imedia-
levava a identificar os deuses e demônios, e conseqiientemente tamente a ceriménia, pois basta o Deus estar presente (a mulher

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das drogas. Em se tra-
ird permanecer nesse transe suave durante uma semana) para musicais, e isso enquanto perduraro efeito
o perturbagdes psi-
poder abengoar as colheitas e os moradores da aldeia, fazer cair a tando de uma pessoa que já tenha apresentad
é de natureza pura-
chuva ou expulsar uma epidemia, sendo inutil fazer baixar outros cóticas ou psicossomiticas, a primeira crise
pela coletividade como
deuses e multiplicar o éxtase. mente fisiolégica, sendo considerada
justamente que a pes-
Dediquei demasiados livros ou artigos a esse controle, e não sinal de um chamado divino. Diz-se entao
, e o ritual da iniciação,
é o caso deinsistir nele hoje, quando queremos falar apenas sobre soa estd possuida por um Deus “selvagem’
, segundo a expres-
o transe selvagem. O que nos interessa é mostrar que o transe sel- a que ela será submetida logo após, consistird
“batizar” o Deus
vagem existe de fato entre os africanos ou afro-americanos de são muito significativa dos afro-americanos, em
do, em domesticá-lo.
hoje, mas que ele é, assim que se manifesta, reinserido pela socie- selvagem — ou seja, sociologicamente falan
tradicionais em
dade para ser por ela domesticado e utilizado em seu proveito. O que irá definir, portanto, as sociedades
será tanto a não-existên-
Mas antes hd uma confusdo a ser evitada, a confusdo entre o relação a nossa sociedade ocidental não
submetê-lo a um
transe selvagem propriamente dito e o transe violento. Visto que cia do sagrado selvagem, e sim o esforço para
à luz; a necessidade
a possessão consiste em ser habitado por uma divindade e em controle da coletividade assim que ele vem
razões de ordem
representar o papel dessa divindade, ou seja, consiste numa desse controle responde a todo um conjunto de
mudanga de personalidade (os africanos dizem que parte de tanto social como religiosa.
é interpretado
nossa alma é entdo expulsa, sendo substituida pelo deus), é evi- A primeira é que esse sagrado selvagem não
ado divino. Ora,
dente que se formos possuidos por um Deus guerreiro ou um como surto de loucura, mas sim como um cham
todo ritual é come-
Deus ruim, a crise que ird expressa-lo serd violenta eacompanha- é inútil insistir nesse ponto bem conhecido;
, que o estrutura e que
da de uma fiiria muscular, enquanto se formos possuidos por um moração de um mito. Éomito que o funda
“A vida primitiva é uma
Deus de amor, de 4gua doce ou de chuva benfazeja, a crise que irá o explica. Como afirma Van der Leeuw:
é reexecutar o ato
expressa-lo serd, pelo contrario, calma. Violéncia nao é selvage- vida representativa. Agir de maneira primitiva
acha que pode mais
ria, e talvez o equivoco de certas descrigdes provenha da confusao original. [...] Enquanto o homem moderno
o, o homem primi-
entre esses dois conceitos. O transe selvagem, porém, existe de oumenos posar de criador formando o mund
muito, repetir”. A inicia-
fato, pois naturalmente é preciso passar por ele para em seguida tivo, por sua vez, sabe que pode, quando
r a tendéncia ao tran-
poder domesticé-lo. Existem, com efeito, dois casos a se conside- ção tem justamente o objetivo de manipula
número de gestos
rar para entrar numa confraria de possuidos. Se se trata de uma se do candidato para trazer ao seu corpo certo
cerdo toda vez que
pessoa normal, porém chamada, por sua pertenga, a um cla ou estereotipados, ditados por mitos, que apare
Seria demasiado
familia determinada, a se tornar sacerdotisa, e nesse caso é antes esse individuo for “montado” pelo seu Deus.
s que irão condicionar
de tudo preciso romper o préprio eu para torná-lo acessivel ao longo insistir no conjunto das seqiiéncia
08 sacerdotes que
transe, o que é obtido através de um banho de folhas, ou seja, a essa futura encenagdo. Digamos apenas que
perigos que ameagam o
candidata é drogada, provocam-se nela reflexos condicionados conduzem a iniciagao são sensiveis a0s
muito mais do que
que lhe permitem cair em transe assim que ouvir certos leitmotiv equilibrio psicolégico do individuo e temem,
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permitido e do não-pelr-
desejam, o surgimento de crises selvagens incontroldveis. Assim, ção, obedecer a esse código superior do
particularmente iafel-
nobanho de folhas, seas plantas detipo alucinégeno se revelarem mitido a que as sociedades tradicionais são
amenta no respeito a
demasiado fortes para a constituigao de determinada pessoa, eles tas, já que toda a sua ordem social se fund
temperam imediatamente os seus efeitos recorrendo a plantas esse codigo.
lmente, portanto,
calmantes. Do mesmo modo, existe no decorrer da iniciagio uma A sociedade e a religido concorrem igua
em institucional. Mas,
cerimonia chamada “comer cabega”, que tem por objetivo fortifi- com vistas a transformar o espontaneo
essa aqui, toda Avez
car a cabega do candidato e impedir que a futura descida, nele, de naturalmente, e é este 0 aspecto que nos inter
um ?u outro motivo,
uma divindade, provoque, por ser sua cabega muito fraca para que o controle da comunidade relaxa, por
contld(? no ltranse faz
suportd-la, uma crise demasiado violenta. tudo aquilo de selvageria latente que estd
já que distinguimos zjluafs
Asegundarazio é a importância do sentimento da vergonha rebentarasuaroupagem institucional. E
m uma àoutra, ª. da i{lsmul-
nas sociedades não cristianizadas (o cristianismo substituindo o formas de controle que, aliás, se soma
iras, distinguiremos
sentimento de culpa, que é interno, ao sentimento da vergonha, ção religiosa e a do código de boas mane
ag.em, um l"e‘la—
que é uma resposta sociolégicaao olhar do outro). Nao é debom- igualmente dois fatores de retorno ao sagrado selv‘
religiosa tradicio-
tom, na Africa, ter transes violentos, principalmente quando se cionado a certo enfraquecimento da instituição
e orgânica (pz'lra usar o
pertence a uma classe aristocrética; não é de bom-tom para uma nal e 0 outro, à passagem de uma sociedad
ica. O Brasil fms ofe-
mulher em surto tirar a roupa — ela deve, mesmo no mais fundo jargão dos sociólogos) a uma sociedade anôm
sso de regre?sao.
do seu transe, respeitar as regras do pudor; nao é de bom-tom rece excelentes exemplos desse duplo proce
tltulu—se'cf-)fn
cometer excentricidades e ndo representar, seguindo escrupulo- A religido africana, centrada no transe, rewns
mas essa religião
samente o mito, o papel que lhe cabe; há, em toda ceriménia — efeito entre os escravos e os seus descendentes;
sociedade glol?al, às f?r-
mesmo na mais frenética (aos olhos dos brancos) —, individuos, africana permanece sujeita à pressão da
urbfma eaindustria-
como os musicos, que não podem entrar em transe, pois isso ças de secularização que caracterizamavida
deixando e}:}xlturar,
introduziria a desordem na harmonia das dangas extéticas. No lizagdo. Ela resistiu, no entanto, embora se
pelo catolicismo ou
Brasil, é uma indelicadeza, quando se visita um candomblé a que nas grandes metrépoles como Rio de Janeiro,
, na defelsa das classes
ndo se perte:{c; cair em transe quando estão tocando os canticos pelo espiritismo dos brancos, ligando-se
a dos índios, dando
do seu Deus, ese iés;acontéce} serd extremamente malvisto e marginalizadas, com outra religião popular,
Ora, o prder de con-
objeto de reprãyação manifesta. Também no Brasil, quando um origem a um culto sincrético, a macumba.
é evldentemeAnt'e
Deus não chamado se manifesta durante uma cerimônia, como trole e domesticação de uma religião sincrética
ética, ja que fica divi-
às vezes ocorre, arriscando perturbar a seqiiéncia obrigatória dos menos forte que o de uma religido não sincr
nao raro até ?ontfa—
gestos rituais, o babalorixá ou a ialorixá intervém no ato para dido entre demasiadas postulações distintas,
ole outras motlvagofs
expulsar o intruso. Em suma, o comportamento do transe segue, ditorias. Através dessas fissuras no contr
e, transequenao
como todos os outros comportamentos, as leis das boas manei- aparecem, e um outro desejo seinscreve no trans
dos simbolos reli-
ras.A crise selvagem não é aceita porque ela nao pode, por defini- necessariamente é religioso, mas que se utiliza
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8i0s0s paramascarar outras preocupações
. Namacumba, assisti- macumba o transe selvagem reprimido se arroga a barbárie do
mos ao transe domesticado do candombl
é, apoiado pelo ritmo índio para expressar, contra a cultura branca, uma contracultura
dostambores e culminando em beleza, torna
r-se mais e mais vio- em formação ou uma anti-sociedade. '
lento até assumir, muitas vezes, formas histe
róides — rolar-se no E tem mais. Dentre os Deuses africanos que baixam na
chao, gritar, debater-se furiosamente —
€0 espasmo substituir o macumba, um deles assume uma importância considerável, Exu.
gesto estereotipado.
Exu é uma divindade (ou quase-divindade) iorubá, mas tanto
O controle é relaxado. Não cessa comp
letamente. Pois é entre os Iorubá da Africa como em todos os candoml:lés do
necessério fazer uma primeira distinção:
a possessao pelos espí- Nordeste do Brasil, Exu é antes de tudo portador das orações dos
ritos dos velhos africanos e a possessão pelos
espíritos dos índios. homens aos Deuses e portador do discurso dos T{euse.s o
A violência só aparece na segunda, e se
só aparece na segunda é homens. É uma divindade intermedidria, um mensageiro divino,
Porqueas representações que o brasileiro
tem do negro edo índio edecerto não há melhor maneira de defini-lo do que c‘omparan-
ainda regem inconscientemente o desen
rolar do transe. O brasi- do-0 a0 Merciirio da mitologia grega. Por isso nao existe transe
leiro, com efeito, considera o negro intr
insecamente bom, tendo por Exu. Se Exu tiver vontade, o que pode acontecer, embora ln:e
concebido, no período da escravatura,
uma ideologia do negro l;areça bastante raro, de possuir uma pessoa, s.ó pf)de p(_)ssu.l- a
do mesmo tipo daquela quecriou, nos Estad
os Unidos, a imagem por intermédio de outra divindade, Ogum, seu irmão, e não dire-
do Pai Tomás, que relegou ao esquecim
ento coletivo 0 negro tamente. Mas Exu apresenta outra característica, como também,
fujao ou rebelde para só guardar o negro
submisso, respeitoso, aliás, o Mercúrio criança: ele é “trickster”, gosta de pregar peç_as
que gostava do seu dono e era dedicado
a ele, feito um velho cão, nos humanos, e é vingativo, punindo severamente a f]uem não
tantas vezes surrado, sempre satisfeito,
A possessao pelos espiri- lhe prestar homenagem; é, portanto, temid'o. Esse? dois aspectc:s
tos dos africanos reflete a persisténcia desse
estereótipo. O indio, é que fazem com que, no sincretismo catélico-africano, Exu seja
pelo contrdrio, não aceitou a escravidio
(pelo menos é o que se as vezes identificado com são Pedro, chaveiro fio Paraíso — ou
diz, pois na verdade houve uma escravidio
indigena, e das mais seja, intermediário entre o reino terrestre e o re‘mo celes}e =) ou
importantes; mas não é o que se passou
realmente que nos inte- com o Diabo, que define então o seu aspecto trickstere ‘{mganvo.
ressa, e sim as idéias que temos desse
s fatos), ele lutou contra o
branco, foi evidentemente vencido, mas mant Pois bem, na macumba, Exu é antes de tudo considerado o
eve intacto o seu chefe dos deménios, e não o mensageiro divino, o se-u aspecto
orgulho de homem livre; e é esse orgulho
de homem livre, guer- sombrio é que domina; em segundo lugar, contrariamente à
reiro, valente, que o transe pelo espírito
dos índios reflete: a vio- ortodoxia africana, ele baixa no corpo dos homens para provo-
lência não é, portanto, na origem, expre
ssão de selvageria, e sim car-lhes transes. E esses transes irdo assumir um caráterrderõ-no-
expressão de um estereótipo étnico; ocorre que
a selvageria irá se niaco. Ora, da época em que Arthur Ramos estudou as primeiras
utilizar do estereótipo para Ppassar mais
facilmente: assim como macumbas para cá, observamos que o lugar desses transes dem04-
no sonho, tal como analisado por Freud,
as pulsões do id se dis- niacos vem se tornando cada vez mais preponderante; toda ceri-
farçam para conseguir passar impuneme
nte pela censura, na mônia comporta pelo menos trés partes: o apelo aos Exus,
o apelo
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ssariamente intrcnjll?—
aos velhos africanos, o apelo aos Espiritos amerindios, duas seguro, mas nelas ingressando deviam nece
o que fatalrflent.e vxrla
seqiiéncias de transes violentos, portanto, para apenas uma se- zir suas préprias ansiedades e frustragdes,
cultos enquanto institucio-
qiiéncia de transe suave. O que signxfiéa que a tendéncia que po- a determinar a fragmentagao desses
¢
demos perceber na evolução e nas transformagoes das religiões nalização do sagrado.
E a essa melh ora_ Cf)rr es
africanas no Brasil vai no sentido do sagrado doméstico para um A situação melhorou de lá para cá.
um‘a nl(Jx"a forma rellgmsz:, (Í
sagrado cada vez mais selvagem. Por qué? Nesse ponto é que ponde a passagem da macumba para
história em outra O.Pºr :l
intervém outros fatores, que devemos somar ao enfraquecimen- espiritismo de umbanda. Já contei essa
to cAle fa‘zer sumir fotA -
to do controle religioso, devido a perda gradual dos mitos origi- nidade. Mas a situação não melhorouapon
o capitalismo brasileiro
nais e a mistura das religiões, ao enfraquecimento do controle da mente o subproletariado das favelas,
r cont?r f;om uma rl;ser-
sociedade global em decorréncia das profundas mutações sofri- necessitando, para ser competitivo, pode
c?ntmrlo, essa rfxe _oersa
das pelas infra-estruturas dessa sociedade com a passagem de va permanente de subempregados. Pelo
tana"io novas aspirago n:
umasociedade rural e pré-industrial para uma sociedade urbana só poderia provocar naquele subprole
uma vida mel}:or, que cot
eindustrializada. impossiveis de realizar — o sonho de
amj cons?quentemer; B,
A abolição do trabalho servil nao foi precedida por uma tinuava ut6pico. De modo que só podi
oes psicolégicas, as revo! tals
educação prévia dos escravos para a liberdade; eles refluiram das multiplicar-se as frustragoes, as tens
indo, porta]nt{o, concodr.mv
plantações para as cidades, onde esbarraram, no mercado de tra- abortadas. A macumba continuou exist
anto esse último ten ~m a
balho, quer nos mulatos libertos que já ocupavam o estrato do tante ao espiritismo de umbanda, e enqu
classe médiaem foímaçao, a
Ppequeno artesanato, quer nos migrantes europeus, que fornece- expressar os valores de uma pequena
eamente da religião pe;ra a
ram os primeiros elementos do novo proletariado industrial. macumba regredia paralela e simultan
para o sagrado desr;ca q“«;
Assim, com exceção das mulheres que conseguiram se empregar magia negra, do sagrado domesticado
o desafc'ugo sagn_l o, po
no servigo doméstico, os negros viram-se marginalizados na ou a sagrada rebelido. Primeiro para
esea socledaqe nao consf-
sociedade de classes em formação. Marginalizados profissional- quando as tensoes são demasiado fort
gdo que nao a explísao
mente, pois foram afinal relegados as ocupagdes mais duras e gue lhes dar vazao, não acham outra solu
breve sur-to de quase-lou-
menos remuneradas, em especial à construgao civil,ou ao subem- selvagem quelhes exaure a energia num
, a frustrações que se torna-
prego, e marginalizados ecologicamente, pois foram viver em cura. O transe religioso oferecia assim
?uperaçzfor Eo aspeclt: ql;:
favelas (isso no Rio de Janeiro, em São Paulo eram malocas e vam insuportáveis, uma instância de
s exphcnfaram me o; á
pordes imidos),e, enfim, marginalizados socialmente, pois mui- os psiquiatras ou antropólogos brasileiro
uma função cat?mca. ! e'
tos deles não encontravam solugao de sobrevivéncia que não os dotar as religiões afro-brasileiras de
la que Ba'la.ndler ExPllCl-
pequenos furtos, o proxenetismo de baixo nivel, a vagabunda- tiraram-lhes, porém, outra função, aque
smos afnca}nos da época
gem—com seuacompanhamento,amendicincia—e, nashoras tara muito bem em relação aos messiani
revela 1rf11?osslvel, el; a‘ssu—
de maior desespero, a bebedeira. Nesse estado de anomia, as con- colonial: quando a revolta politica se
religioso. O religioso
frarias religiosas afro-americanas podiam lhes servir de porto me, para poder expressar-se, um caréter
261
260
de vista de Durkheim sobre
torna-se, entao, simbolo de um contraprotesto. Talvez seja tam- Quer aceitemos ou não o ponto
dos quais adviria a religião, um
bém o que ocorre na macumba e no transe violento que constitui os estados de efervescência social
a não são duradouros —
o centro do seu cerimonial. fato é certo: os estados de efervescênci inci-
Ocorre em seguida uma
t O transe é de fato um modo de sair da sociedade presente são“exaustivos”, escreve Durkheim.
a religião se desenvolve, a partir
'outra” que pode ser o contraponto desta sociedade presente. É dência do fervor no sociológico;
de gestão da experiência do
possível, claro, que ela nem sempre o seja, já que são múltiplos os dessa incidência, como instituição
do sagrado por parte da Igreja
caminhos do imaginário. A sociedade “outra” dos candomblés sagrado. Essa “administração”
permite a sua continuidade na
tradicionais é uma sociedade em que humildes vendedoras decerto possui um valor positivo:
como que de uma lembrança
ambulantes e empregadas de boas famílias representam o papel forma de uma comemoração, e
ituição se volta contra o vivido
de Deuses e Heróis: ficamos então no nível das Criadas de Genet, surda, mas, por outro lado, a inst
seus dogmasou dasualitur-
em que o assassinato da patroa branca só se efetua oniricamenteí paraaprisiond-loatrds dasgrades dos
ele não mais desperte em inova-
A macumba, porém, ao privilegiar, em detrimento das divinda- giaburocratizada, de modoa que
que não o único discurso acei-
des africanas, os índios que souberam manter a liberdade lutan- ções perigosas, em outro discurso
em desmedidas. Toda Igreja
do contra aqueles que queriam dominá-los e explorá-los, e, entre to pela ortodoxia, ou não se exalte
místicos, mas desconfia deles,
as divindades africanas, ao privilegiar Exu, mesmo que transfor- constituída possui decerto seus
s espirituais para dirigir,
mandAo o significado de Deus intermediario em anjo de rebeldia, delega-lhes seus confessores e diretore
extáticos, isso quando não os
permitia que a revolta do subproletariado descobrisse uma via canalizar e controlar os seus estados
onde seus gritos de amor desvai-
em que o desejo de uma sociedade “outra”, impossivel de realizar trancafia em algum convento de
r. A sociedade vai mudando,
politicamente por nao ser estruturada e pensada conceitualmen- rado nio conseguem se fazer ouvi
quer manter um passado enter-
te, podia ainda assim se expressar, se não num discurso coerente porém, ao redor desse bloco que
ntos por reformas, as here-
e'construtivo, pelo menos em gritos inarticulados, em gestos sem rado. Daí os despertares, os movime
, para tentar lutar contra
significado, em suma, numa pura explosão de selvageria. sias, 0s messianismos e 0s milenarismos e
a defasagem sempre Crescente entre as infra-estruturas móveis
Se insistimos nesses fendmenos de des-domesticagao do
Daí todos esses “Deuses so-
transe dentro dos cultos afro-brasileiros (e poderiamos buscar as superestruturas conservadoras.
te Henri Desroche e todos
outros exemplos no perfodo da descolonizagdo africana; o filme nhados” de que fala magnificamen
rvalos regulares, os fun-
de Ie'an Rouch, Les Maitres fous [Os mestres loucos], poderia ter esses delírios místicos que abalam, a inte
Deus, que outrora falou com
servido como ponto de partida) é porque vamos encontrar, jus- damentos das Igrejas. Por que é que
ado mudo, e não teria mais
tamente no sagrado selvagem da nossa civilizagao ocidental, as os homens, teria de repente se torn i-
anidade sofredora? Os catól
mesm_as causas em atuação: a crise das instituicoes religiosas e a mensagens para transmitir à hum
uim de Flora, com um reina-
anomia social. cos sonham, junto e depois de Joaq
tituir os da lei e da graça, que
do do Espírito Santo que venha subs
estantes, com o pentecostalis-
já cumpriram seu tempo. Os prot
263
262
e em mutagao. Eq_uili?rio
mo, trocam a religido do livro pela da inspiragao divina. Os revo- trar um novo equilibrio com a sociedad
como eu dizia no inicio, a
luciondrios procuram ler, nas mutagoes das sociedades, o discur- esse cada vez mais precério e que leva,
À
so ininterrupto do Senhor da histéria. E, evidentemente, esses vaticinar a morte de Deus.
amento ra(fiorfahs-
despertares que podem acabar em dangas, esses messianismos A industrialização, ao desenvolver o pens
dariedades comur'utánas, a
que podem acabar em transes, esses pentecostalismos que inven- ta, a urbanização, ao romper as soli
parênteses, a sociedade de
tam novas linguas extaticas não rompem totalmente com o pas- escola laica, pondo o religioso entre
aganda insidiosa dos mass
sado; trata-se de uma descontinuidade continuada, mais do que consumo, enfim, ao apoiar-se na prop
homens para os bens mate-
de uma ruptura propriamente dita; já estamos, no entanto, com media, ao canalizar as aspirações dos
porções cada vez maiores de
o advento de todos esses novos Deuses sonhados, muito préxi- riais, tiram dessas Igrejas dilaceradas
ssariamente a morte do
mos da busca pelo sagrado selvagem que, como veremos, vai hoje fiéis. Mas a morte de Deus não é nece
a experiência do'sagrado
irromper bruscamente, depois de todos esses sagrados revolta- Sagrado, se for mesmo verdade que
do homem. A medida que a
dos ou todos esses sagrados oniricos. constitui uma dimensao necessária
ar, mais ],)a-r(icularmente
Pois esses sagrados revoltados vão dar afinal em projetos Igreja perde os seus fiéis, vemos pulul
seitas esoterlc?s, os COI'ISl—l]-
politicos, terminam em utopias, em construgoes da razao, em nas grandes metr6poles, as pequenas
s curandelro.s. ]?spécnes
programas planejados de transformagao da sociedade — o Novo tórios de astrólogos, as clínicas dos novo
, que constitul 0 1de'al. .dª
Cristianismo de Saint-Simon, numa Republica de Produtores; a de compromisso entre 0 racionalismo
necessidade de religiao,
religido harmônica de Charles Fourier, num Novo Mundo indus- nossa nova sociedade planificadora, e a
de idéias sim'bélicas bem
trial; o Verdadeiro Cristianismo de Etienne Cabet, num comu- pois 0 esoterismo se funda em sistemas
er matemdtico que tran‘-
nismo messianico. Pois esses sagrados oniricos todos, no final das interligadas—aastrologia tem um carat
ndeiros opõem ao-emplf
contas, também terminaram em heresias, ou seja, em Igrejas qiiiliza 0 nosso pensamento —, os cura
péutica utilizando a lingua-
paralelas, em instituições portanto; caos, decerto, na origem dos rismo dos médicos uma teoria tera
os. Poc?emos assix.n .nos
sentidos desregrados, dos sentimentos liberados, da imaginagao gem dos fisicos, ondas, fluidos ou dtom
receio, j& quelcí re%lgnoso
desenfreada, mas caos que acaba por se impor normas, como se deixar guiar pelo religioso sem nenhum
linguagem da ciência.
houvesse na desmedida umalégica que nao pudesse deixar de ser aparentemente se expressa na própria
onalismo todo-podero-
respeitada, e que arrasta consigo, na liturgia e na dogmatica das Mas esse compromisso entre o raci
riência outra Pão pode ser
novas seitas inventadas, pedagos inteiros de memoria coletiva, so e a aspiração subjacente a uma expe
rá necessariamente um
palavras de profetas, pardbolas de Jesus ou até apocalipses proi- mais que uma solução efêmera. Have
ter chegado para a nossa
bidos, a heresia podendo aparecer como contra-religiao; mas momento — e esse momento parece
raqao_suhjacente acaba se
inverter uma religiao não será, ainda, segui-la? No entanto, com civilização ocidental — em que a aspi
para criar novos De'uses c_le
essas crises, a instituição religiosa parece bastante abalada, enfra- desprendendo do entrave da razão
, ou seja, das Igre)a_s, não
quece de uma para outra não obstante os seus esforgos para se homens. Em suma, a crise do instituído
seja, da efervescência dqs
reformar, responder as criticas, exorcizar os pesadelos e reencon- acarreta uma crise do instituinte, ou
265
264
nidade, com seus aspec-
corpos e coragdes, da experimentagdo procurada da dindmica do Primeiramente, há a passagem da comu
e mais intima, a homoge-
sagrado. O problema é que as jovens gerações querem permfi;l;- tos mais igualitarios, sua solidariedad
valores, para a sociedade que
cer no fervor do instituinte sem chegar a constituição de novos neidade relativa de suas crengas e
mboca na solidao do
inst'ituidos, os quais imediatamente o cristalizariam e minerali- distende os vinculos, cava lacunas, dese
nte. A familia nuclear, que
zariam em novas institui¢des de idéias sistematizadas, de gestos homem, perdido na massa indifere
egar mais facilmente esse
estereotipados, de festa regrada e sempre recomegada. Por isso o durante muito tempo o ajudou a carr
crise em que a concorréncia
sagrado de hoje se quer um Sagrado selvagem, em oposi¢ao ao fardo do isolamento, atravessa uma
ntaridade, e os jovens se
Sagrado domesticado das Igrejas. entre os sexos substitui sua compleme
, como foi repetido, por-
em Fo.i esse o primeiro movimento que nos levou, partindo das vêem apartados dos adultos, nem tanto
mais velhos, mas antes por-
mfntulções religiosas históricas, até a selvageria do transe insti- que os jovens se revoltaram contra os
Pais. Depois, háaruptura
tuinte. Há, porém, em paralelo a esse, um segundo movimento que se sentiram abandonados por seus
máquinas e das casas de
que temos agora de acompanhar, que também nos conduzirá à entre o mundo mecânico, artificial, das
viva; as próprias árvo-
necessidade de um novo sagrado; trata-se do movimento, de cimento armado, e o mundo da natureza
merações; a evasão das
natureza mais psicológica, que resulta da anomia social da qual, res são domesticadas, nas grandes aglo
ostranspirantes e mulhe-
não obstante todos os esforços dos governos, todas as ideologias férias, com seus fluxos maciços de mach
nizados, em festas pla-
políticas que se apresentam aos jovens no mercado das idéias, não res irritadas, é encerrada em cenários orga
o céu, a água, as plantas, 0s
conseguimos escapar — pois a solução para os problemas de nejadas; o casamento do homem com
contentar com relações des-
anomia só pode ser encontrada num além das idéias, a menos, é pássaros já não é possível, há que se
algum hotel de alta rota-
claro, que o político não passe, como não raro hoje em dia, de naturadas, do nível de “rapidinhas” em
Enfim, como demonstrou
mera máscara dissimulando o rosto encoberto de um messianis- tividade, supostamente campestre.
ura da razão, da ciên-
mo sem nome; somente na medida em que seja mesmo assim Max Weber, toda a nossa cultura é uma cult
huma área de nossa vida fora
AencorÃnramos, até na política, o fervor do Sagrado instituinte. À cia, do progresso, que não deixa nen
de possível; ora, as regras da
lrmaglnação no poder, clamava-se em maio de 1968, e não a razão de seu domínio, nenhuma gratuida
a adesão prévia do espírito
no poder. A imaginação, ou seja, fervor instituinte. E não a razão, razão, se são imperativas, postulam
ado número de valores que
ou seja, a oposição de novos sistemas de lei como remédio contra que a elas se submete a um determin
valores podem ser contesta-
a anomia, a recusa de todo instituído. Simples variação, percebe- as justificam a nossos olhos, e esses
deduzimos não o possam,
sÉ, sobre o tema desta conferência, e qL(e um estruturalismo do dos, mesmo que as regras que deles
social irá então se revelar
tipo Lévi-Strauss poderia vagamente inserir num mesmo g‘rupo mas se eles forem contestados, a lei
, como coibição arbitrária
de transformagdes, o qual eu chamaria de “selvageria™ como mero instrumento de opressão
ameaça de castração dos
Nao nos cabe refazer um quadro da anomia, tantas vezes ou, se preferirmos, como derradeira
o poder, em nome do Pai.
apresentado, mas apenas insistir nos fatores que podem ter atua- filhos por parte daqueles que detêm
do sagrado selvagem foihis-
do sobre os individuos para levé-los a novas formas de transe. Não é impunemente que o despertar
267
266
es arcaicas. Pf)r exemplo, nos
toricamente antecedido pelo triunfo da filosofia do absurdo, que raro procura modelos nas sociedad
que ninguém seja p(?ssulído, ou
não fazia mais que traduzir em linguagem cientifica esses aspec- cultos de possessão, mas sem
se está sendo possuído, já que o
tos da anomia que acabo de enumerar: a solidao do homem, que então sem que se saiba por quem
nosso ser não .terAn nome algum.
o leva a buscar uma “alteridade” nova capaz de desalterar uma Deus imaginado que se agita em
um para Paris tiveram opomf-
sede que ele não consegue extinguir; a ruptura com a natureza Os haitianos que trouxeram o vod pari-
as, vários espectadores
viva, que ird despertar no fundo do seu ser a nostalgia da expe- nidade de ver, durante as cerimôni no
selváticos que os derfubavam
riéncia cósmica; o triunfo da razao, que só pode forjar novas cor- sienses acometidos de saltos
assumiram paraa )uvlen-ullde-de
rentes, mesmo que de ouro, onde se aprisiona a sua jovem liber- chão. Sabe-se da importância que
vam na base de certas iniciações
dade, recém-nascida com a crise da adolescéncia. hoje as drogas, que também esta d—
é o mesmo em ambos ?s casols
A revolta contra o instituido social resulta, assim, nos mes- religiosas; o ponto de partida
onalidade, a que foi modelada
mos fendmenos coletivos que a revolta contra o instituido reli- trata-se de quebrar a antiga pers
de iniciação hd uma pr'eocupa-
gioso, pois é preciso criar um social in statu nascendi, assim como pelasociedade—, masnos rituais
oração de todo um cmt:]unto de
há pouco era preciso criar uma religiao a partir da experiéncia ção imediata em criar, pela elab
r umanova personalidade que
instituinte do sagrado, vivenciado dentro do transe original. Em reflexos coordenados, em construi
que, a0 chamado dos tambores
ambos os casos, trata-se do mesmo recurso ao “selvagem”, enten- ir4 substituir a antiga toda vez
em crise—A é o que chamamos
dido como antidomesticado. Haveria, porém, vários tipos de sagrados, o cavalo dos Deuses cair
jovens de hoje, que querem ficar
transe, e não estariamos retornando, por outro caminho, ao de domesticacdo do transe. Os
lmente nao busc:j\m nenhuin
mesmo Sagrado selvagem a que tinhamos chegado há pouco ao com o selvagem original, natura
e, embora seja possível pércebe-
retragar a histéria das Igrejas? Pessoalmente, é nisso que acredi- desdobramento da personalidad es-
nome que acompanham (f ingr
to. Em todo caso, ambas as buscas sempre se mesclam, pois o lo, por vezes, nas mudanças de
: Osvaldão, ]a'cqu‘es Tibetano,
Sagrado selvagem dos religiosos vai além do exotismo dos sonhos so numa comunidade de drogados
e, contudo, significa antes o
do imaginario ou das expressoes corporais desenfreadas, para vir Sabonete; essa mudanga de nom
do na recusa de us'ar o sflbll‘e-
atornar-se uma luta politica, pois, por seu lado, o social vivencia- rompimento com 0s pais, simboliza
identidade nova, pn}s a n.uto ÍJ-
do in statu nascendi nas diversas experiéncias comunitarias que nome,do que a aquisição deuma
gem”, viagem pelo lmaglnéltl?,
se multiplicam nos dias de hoje transcende rapidamente o retor- gia da droga é a mitologia da “via
a todas as av”enturas oniri-
no a grande familia camponesa, à economia de auto-subsisténcia um “pôr o pé na estrada” que conduz efpaço
poder “planar’ m{m
ou a promiscuidade sexual, para buscar mais além um funda- cas, “decolar” da realidade para dos
ente as expressõeslda )êrg,ao
mento espiritual que também as enraize, por sua vez, no Sagrado sobrenatural (são essas exatam s
viagem sonhada é mu'nas veze
instituinte. “Nem Marx, nem Jesus”, elas proclamam. O slogan é drogados), e sabe-se que essa
no espaço g.ÍáECOÍ aviagem que
significativo dessa ligação ou dessa confusao entre dominios. acompanhada por outra viagem,
anga de mitologia, q|'1a‘nflo se
Ha que analisar esse sagrado selvagem tal como se manifes- conduz a Katmandu. Essa mud de
nais da iniciação (aquisição
ta hoje em dia. É curioso observar que ele, para se instituir, não passa dos cerimoniais tradicio
269
268
ql:le
transe é mais represe:-ntado do
aspectos são tais que às vezes o e
nova personalidade) para os rituais contemporaneos da droga (ir ulagao, enjnbora nao se tratAe
vivido — fala-se entdo em sim cien :
até o final da viagem dentro do desconhecido, sem saber o que ele
ja que todo rito, mesmo cons
simulagao propriamente dita,
reserva, pode ser a morte, mas azar: “é preciso saber se mandar Deuses. Ora, d.eparamos con
te, é comemoragao dos gestos dos
com estilo”), é significativa, justamente, de tudo o que separa o selvagem de hoje. De 1.\nt0mn
transe tradicional (controlado e, portanto, instituido) do novo
fenomenos andlogos no transe , com~ o
ldade, a Jerzy Grotowski
Artaud, com o seu teatro da crue o
transe (que quer permanecer num instituinte sem desembocar o subiu aos palcos. Parte—s/e Fnta
seu teatro da tensão, a possessã
em nenhuma possibilidade de instituição). na busca Ade um cenário; .dª
E isso talvez nos permita ir mais além. O transe domestica- realmente da improvisação, mas se vn:; d
a de um novo ritual; do tfan
espontaneidade, mas na busc
do é funcional em relação à sociedade global dentro da qual ele se se debater, dangar até o esg«í
insere, quer porque favoreca uma melhor complementaridade
lento (ficar nu, fazer amor, gritar, iver
queria finalmente envo
que se quer contagioso, que
entre os sexos e 0s status sociais, quer porque sirva para atrair, dade extática, ainda fegula-
magicamente de certa forma, a béngao das divindades baixadas todos os espectadores numa comuni u:
ez é camanfiada, oamor é slmt
da, contudo, pelo diretor (a nud
sobre a comunidade da aldeia. O sagrado é investido numa insti- a é esteticamente rep\:sz:-:e
lado, o grito é modulado, a violénci
tuigdo que o gere em beneficio de todos. O transe selvagem de em sua poltrona). t;l
hoje, pelo contrario, se quer disfuncional, não procura nenhum
da, o espectador em geral permanece og?s
simulagao, como certos etn
perfeitamente falar, entao, em
resultado positivo, nem sequer para o individuo que a ele se sao apenas representados, e não
falam a respeito dos transes que -
entrega, já que pode chegar a ser apenas uma técnica de suicidio, nais. Porém, algumas obse.rva
se quer pura experimentagao de uma alteridade que ird perma- vividos, nas sociedades tradicio eda-
o que é representado, nas soci
ções se fazem aqui necessérias: -
necer confusa e difusa, um ato gratuito ou um simples gesto de or da ordem; o que é represen
des tradicionais, ¢ o mito fundad ro
revolta. Não se trata de desrecalque, compensação, catarse na vio- qualquer outra fom.la de teat
tado no Living Theater, ou em q::
léncia e no delirio, como afirmam os psiquiatras, já que então o disfuncional. A festa pnnvaÍ
transe voltaria a ser funcional e perderia a sua pitada revolucio- contemporâneo, é o transe
se éo lugal.' da comumcaçao,.
ndria. Mas de contestação, a um só tempo, do social enquanto sis- tem seu ponto culminanteno tran a
césmx;
nstruída, da unidade, tanto
solidariedade de aldeia reco
tema de regras, e do individuo enquanto identidade pessoal — do reaqui loqueestdna base rant;)‘ 'o
como sociolégica, fundada sob
social entregando-se ao interdito—, do individuo erguendo, dos o politeísta; a festa teatral <Ée
oje
cosmo como do social: o sagrad e_
abismos interiores, o rebanho andrquico dos fantasmas censura- mica, fie pura provoc:f;ao th]:s
não passa, numa sociedade anô
dos. O selvagem ¢, primeiro e antes de tudo, a decomposicao, a ão. =
deseje, terminar em corrfun
não pode, muito embora o e
desestruturagdo, a contracultura que não pode, nem quer, termi- Unidos, alguns africanos quis
mo entre os atores: nos Estados
nar numa nova cultura. afio-amencanos' ou dos .brancÍÍ
ram participar das dangas dos ;l
Aqueles que estudaram os cultos de possessão nas socieda- uiram entrar_ no jogo, pois (?s
desenfreados, mas não conseg dos
des tradicionais muitas vezes se impressionaram com os seus são os ritmos corporais
aspectos espetaculares e o seu caréter de festa coletiva. Esses
mos corporais dos africanos não
271
270
ado a se crista-
afro-americanos, e muito menos dos brancos; querendo ou nao, da em que é posteriormente falado, não está arrisc
o selvagem não
asociedade atua até sobre o fisiol6gico, modelando-o, e 0 somá- lizar de imediato em novos instituídos? O sagrad
s ou inventar
tico, tanto quanto o psiquico, também é socializado, de modo que passaria então de uma usina de fabricar Deuse
a danga selvagem, que queria envolver numa mesma ciranda mitos, ou seja, de criar inusitados.
em. A
extenuante homens de culturas e subculturas diferentes, parali- Tal é o nó do problema colocado pelo sagrado selvag
ssionantes dessas
sa-se na impossibilidade de uma intercomunicagdo qualquer Biblia nos propoe uma série de exemplos impre
domesticado,
entre os seres. Aqui, assim como em nosso pardgrafo anterior, as metamorfoses do sagrado selvagem em sagrado
a condigao de
diferengas levam a melhor sobre as semelhangas; o transe selva- como se o selvagem só pudesse sobreviver com
no monte Sinai,
gem simulado não é da mesma natureza que o transe domestica- domesticar-se. O encontro de Moisés com Deus
relampagos, pro-
do simulado, e nem pode sê-lo, já que o transe domesticado per- em meio a tempestades e nuvens rasgadas por
te que
tence as comunidades homogéneas, e o transe selvagem, as longa-se com o aporte daLeiao povo delsrael;asargaarden
decifrável; aluta
sociedades heterogéneas. queima no deserto, demistério torna-sesimbolo
indelével no
E talvez seja isso o que mais nitidamente separa o sagrado noturna de Jacó com o Anjo deixa a sua cicatriz
hoje em dia,
selvagem do sagrado domesticado. É que o sagrado domesticado corpo extenuado pelo combate... Vários inovadores,
essa necessidade; eles
é um sagrado coletivo, mesmo que apenas um dos dangarinos tanto sociais como religiosos, percebem
loto, outros
seja possuido por seu Deus. Nas comunidades hippies, ou outras, precisam elaborar, a partir de suas experiências-pi
coletivas arre-
mesmo quando se busca o transe coletivo, mesmo quando os cor- modos de viver e de adorar em conjunto: as festas
setraduzem
pos estendidos se misturam uns com os outros na inconsciéncia fecem em liturgias repetidas, o fascinantedo sagrado
-Igrejas
dos gestos, cada um permanece s6. Nao h4 troca de experiéncias, planos de utopias, em reformas das Igrejas ou em contra
para passar do
nem dons ou contradons, e sim coexisténcia e paralelismo de luciferianas. Mas quem não vê que nesse esforço
os antigos ins-
experiéncias que permanecem, para cada um, num dominio instituinte para novos instituídos, para substituir
a apoiar-se na
estritamente pessoal. É que só existe coletividade possivel dentro tituídos que faliram, o imaginário é obrigado
nação cria-
eatravés da regulagao, o que obriga a um salto para fora da selva- memória coletiva? A psicologia demonstrou: a imagi
no material
geria a fim de penetrar no dominio da lei. Ora, por definição, o dora sempre se apóia, nesses processos inovadores,
do selvagem
selvagem é aquilo que esté fora de toda lei, e isso quando ele não que a imaginação reprodutiva lhe fornece. O sagra
se definir pelo
quer ser mais ainda, contestação a qualquer Regra. No entanto não passa afinal de um sagrado difuso que só pode
que o sagrado
no entanto, ji que estamos tratando de comunidades, e já que uso de formas arcaicas significativas. E é por isso
não
definimos as comunidades de jovens como sociedades in statu selvagemque , julga inventar novos Deuses, no mais das vezes
a expressão de
nascendi, é preciso que haja, para que se possa falar em comuni- passa do instante da ressurreição (para usar
mortos.
dade, na falta de regulagao, um minimo de trocas interindivi- Halbwachs) dos antigos deuses quese acreditava estarem
Estados
duais; ocorre que essas trocas se situam no nivel do discurso. Mas A filosofia dos hippies ocasionou, sobretudo nos
e-se, a0 lê-los,
a palavra nao serd um vivido congelado? O instituinte, na medi- Unidos, artigos ou livros interessantes. Ora, perceb

272 273
no universo
Kant, e, de fato, aqui como
ri,quelembraa filosofia de enos (nós
queessa filosofia não passa de um bricabraque de velhas religioes, ivíduo alcançar os Núm
kantiano, é impossível para o ind :
ia abso-
orientais e cristas, de leituras mal digeridas ou de mitos mal puro, em sua transcendénclaal
diríamos o Sagrado em estado : Eo
aprendidos na telinha da televisão. G. Balandier empregou a Ã
que o apreendemos, quer através
luta); 5 ele se molda, assim nos são con:
expressdo “mercado das pulgas”, que traduz muito bem aimpres- formas arquetípicas que
corpo, quer do espírito, nas instituído já
sdo desses instituidos resgatados, mais que inventados. Os haver para o homem um
titutivas; portanto, só pode : á
Deuses sonhados não passam de miimias das antigas Divindades, tituído.
— edesdeo princípio — ins —l á
q
cujas ataduras vamos desenrolando para ver se podem servir de s saindo de um período
Pouco importa, pois estamo SA jão
novo...No entanto, paraalém dessas religices fracassadas, ou des- « 'secularização” — em que a relig
am am de
os sociólogos ch i
por subsAm.uto S
ses propésitos deliberados de retornar a formas esquecidas da mas estava encoberta
decerto não morrera, it
nossa civilizagao ocidental, os cultos de possessdo africanos, as fano: o culto as vedetes isubstituindo
emprestados a0 mundo pro!
Igrejas primitivas do cristianismo nascente, com os seus carismas gias dos mass mediasubstituin-
i
a aossantos,as novas mitolo;
oculto énc ia disso,
explosivos, o dom das linguas, o dom da profecia, esses cultos de rl Marx já tivera consci é
do a das antigas Igrejas (Ka ” j .
possessao e essas Igrejas primitivas, com efeito consideradas por dos jomals),
o UNiverso
só existisse
embora em sua época
aqueles que as aceitam como coquetéis Molotov capazes de in- do herói sac rílego (Prometeu, Ícaro,
encoberta pela valoriza ção não existe
cendiar a nossa civilizagao condenada, não seré possivel encon- Édipo), mas naturalmente
Axion e, com a psicanálise, o con-
trar, pelo menos numa pequena elite, um sagrado selvagem pura- ao mesmo tempo, um sagrad
sacrilégio sem que se postule, ivos de
mente instituinte, desejado apenas como tal, que ndo crie porém, todos esses substituto
tra o qual se luta. Hoje em dia, P il
nenhum instituido, que escape definitivamente das incidéncias iedade de consumo o—u p;
religido, estabelecidos pela soc elrm .
sociológicas? sde crescefxte contestação.
terapiaanalgésica,sao objeto sel vatg d;
Pode ser. Mas coloca-se então a questão de saber se esse insti-
que eu veja , ness as experiéncla's de sagrado
ent ão o gesto
tuinte ainda não é um instituído. Na medida em que ele não passa ainda, o desejo de retoma; r NEEA
mesmo que desajeitadas canalistas
da manifestação de um arquétipo inscrito, de certa forma, quer na — me sm o que os psi
vara
Moisés batendo com a a ve! rse
natureza humana, como afirma Jung, quer na história da humani- áli ca — no solo ressecado, par
a fáli
queiram ver nela uma var
dade, como afirma Eliade. O sagrado selvagem, com efeito — e que cer os desertos.
jorrava a água que faz flores
permanece selvagem — , se quer experiência vivida do caos, do
estilhaçamento de toda ordem cósmica ou psíquica, da apreensão
de um Deus que flutua, ovo não eclodido, sobre um mar de trevas
agitadas. E situa-se, portanto, numa categoria arquetípica a priori,
ditada pela lei obrigatória da desordem e do disfuncionamento,
categoria que reencontramos em todas as mitologias dos povos,
desde os da Ásia suméria ou hebraica até os das ilhas perdidas dos
arquipélagos oceânicos. Acabo de usar a expressão categoria a prio-
275

274
Copyright © 1997 by Editions Stock SUmALio

Estelivro, publicado no âmbito do programa de apoio à publicagao, contou com o auxílio do


Ministério Francés das Relações Exteriores
Cet ouvrage, publié dans le cadre du programme d'aide à la publication, bénéficie du soutien
du Ministére frangais des Affaires Etrangéres

Titulo original
Le sacré sauvage — et autres essais
Capa
Ettore Bottini
Preparagao
Carlos Alberto Bárbaro
Revisao
Ana Maria Barbosa
Otacílio Nunes
Prefácio — As recorrências do sagrado, Henri Desroche. 7
Dados Internacionais de Catalogagdo na Publicação (cir)
(Câmara Brasileira do Livro, s, Brasil)
Bastide, Roger, 1898-1974. PARTE I — PRIMA SCRIPTA
O sagrado selvagem € outros ensaios / Roger Bastide ;
b
tradução Dorothée de Bruchard ; revisão
e el
técnica
i
Reginaldo Prandi. w gl
1. Um misticismo sem deuses 13
Título original: Le sacré sauvage — et autres essais 2.0 mergulho tenebroso......... A OBt 29
Bibliografia. "
3. Deus e arevolução ....... P A0 I R IR AT et 45
s 85-359-0819-6
4. A batalha dos deuses. . A 82
1. Religido 1. Título.
5.0 homem, essa máquina de fabricar deuses ........... 90
062221 con-200
Indice para catálogo sistemático: PARTE 11 E— MEDIA SCRIPTA
LReligião — 200
i À moderna
6. A mitologia 97
[2006]
Todos os direitos desta edição reservados a 7.Sociologia das mutações religiosas. ................. Ún aa
EDITORA SCHWARCZ LTDA. ey 17
Rua Bandeira Paulista 702 j. 32 :
04532-002 — São Paulo — sp 9. A expressão da oragao nos povos semescrita .......... 146
Telefone: (1) 37073500 . A ;
Fax: (1) 1707-3501 10. O milenarismo enquanto estratégia de busca de
www.companhiadasletras.com. uma nova identidade e dignidade ...... 177
PARTE Il — ULTIMA SCRIPTA Prefacio
11.Prometeuouoseuabutre...........coevieeenns A 2
12. O encontro entre deuses africanos e espiritos As recorréncias do sagrado
indigenas ... 218
Henri Desroche
13. As escravas dos deuses 236
14. O sagrado selvagem ..........oocoeveiniiiniiinenns 250

Uma primeira vez, em 1970, Roger Bastide me deu a honra e


a amizade de coletar com ele um pequeno conjunto de membra
disjecta e entregá-lo à publicação.' A experiência fora tão gratifi-
cante que, nos dois últimos anos de seu percurso, decidíramos
reiterá-la com fins a uma publicação análoga cujo título, escolhi-
do de comum acordo, teria sido o do presente prefácio. Por essa
razão — mesmo que apenas sucintamente, e levando em conta
um conceito, o de “nicho”, devidamente cultivado pela antropo-
logia bastidiana — é que não hesito em “anichá-lo” aqui.
Na verdade, a antologia de que tinhamos empreendido a fei-
tura referia-se somente à segunda parte da presente obra, que
poderíamos chamar a das “media” scripta, obras surgidas após a
floração primeira, que por sua vez antecede a exploração afro-
brasileira, porém antes da eflorescência final, quando a maturi-
dade produz, como num jorro, mensagem após mensagem.
Sucede que, no meio-tempo, Roger Bastide nos deixou,

1. Le Prochain et le Lointain, Paris, Cujas, 1970.

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