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Planejar para quê?

Rosaura Soligo

Vocês já pensaram que planejamento é algo que fazemos o tempo todo, mesmo sem
perceber? Desde que despertamos pela manhã já começamos com os nossos planos:
“Primeiro tomarei um café, depois darei encaminhamentos relacionados à casa e à
família, em seguida olharei os e-mails, então responderei os mais urgentes, daí vou
preparar algumas aulas, depois tentarei resolver aquele assunto por telefone etc. etc.
etc.”. Ou seja, na vida cotidiana, planejar é inevitável, mesmo quando não é fruto de
uma decisão muito consciente e intencional. Vai acontecendo naturalmente. Faz parte
da existência humana.
Temos o tempo todo intenções, necessidades, desejos e, para concretizá-los, decidimos
o que fazer, como, com quais prioridades e em que tempo. Isso é planejar, mesmo que
para tanto não fiquemos dizendo a nós mesmos “agora vou planejar”. Nesse caso, o
planejamento é de afazeres da vida privada.
Mas e quando se trata do espaço público da escola, do exercício da nossa profissão, da
docência? É exatamente a mesma coisa?
Sim e não...
Sim porque no espaço público da escola, do exercício profissional, da docência, também
temos o tempo todo intenções, necessidades, desejos e, para concretizá-los, decidimos
o que fazer, como e quando. Nesse sentido, é sim equivalente.
Não porque – sendo a educação escolar de natureza pública e considerando a função
social da escola de garantir os saberes considerados necessários em um determinado
tempo histórico – o que fazer, quando, como e em qual ordem deve resultar de duas
circunstâncias principais: os combinados decorrentes do projeto coletivo1 que diz
respeito ao trabalho de todos os profissionais e as necessidades de aprendizagem dos
destinatários das nossas ações, isto é, os alunos. Pelo menos é assim que deveria ser.
Portanto, no âmbito privado ou no ambiente público, os processos de planejamento
coincidem como necessidade inerente ao curso da vida que acontece e não coincidem
em relação ao nível de autonomia para as escolhas. Em outras palavras: cada um pode
decidir sozinho o que lhe parecer melhor quando se trata da sua própria vida, mas não
quando se trata da vida coletiva na escola.
Anton Makarenko, um pedagogo ucraniano do século passado, afirmava algo que
jamais perderá o sentido e a atualidade, mesmo com o passar do tempo: não podemos
educar adequadamente um coletivo de alunos sem nos constituirmos em um coletivo
de educadores. É assim mesmo. Por isso, os diferentes âmbitos de planejamento na
escola devem resultar de uma produção conjunta dos profissionais.

1 O projeto educativo da escola, também chamado de PPP – projeto político-pedagógico.


Até mesmo a rotina que indica as atividades diárias a serem realizadas com os alunos
e que representa o nível mais específico de planejamento, embora organizada pelo
professor considerando sua própria turma, deve ser um desdobramento do que prevê
o projeto geral da escola. A rotina concretiza, na sala de aula, tanto as concepções do
professor como as intenções educativas definidas previamente, que se revelam na
forma como são organizados o tempo, o espaço, os materiais, as propostas e
intervenções com os alunos. Por essa razão, acaba funcionando como uma situação
pedagógica, a despeito de não ser planejada como essa finalidade. Se, por exemplo, a
leitura é realizada apenas uma vez ou outra e, em contrapartida, a cópia é uma
atividade diária, ainda que de forma involuntária e subliminar, estamos comunicando
aos alunos um valor equivocado: a cópia é mais importante do que a leitura. Se o
trabalho com determinados conteúdos ocorre somente às vésperas da avaliação, o que
estamos comunicando é que aqueles conteúdos só importam por causa da avaliação.
Ou seja, nossas concepções inevitavelmente se expressam na priorização das atividades
propostas na sala de aula, na forma como agimos durante as atividades e no uso que
fazemos do tempo.
A qualidade do trabalho pedagógico depende muito de como planejamos o uso do
tempo didático a partir de algumas perguntas simples – mas cujas respostas são difíceis.
Como são organizadas as horas em que os alunos permanecem na escola? O que é
possível aprender durante esse tempo? Estamos priorizando o que é essencial ou
estamos propondo atividades de pouca ou nenhuma relevância? Como fazer as
melhores escolhas considerando as expectativas de alcance, o conhecimento prévio dos
alunos e o tempo real? Será que não há situações pouco produtivas para a
aprendizagem que propomos de forma irrefletida e automatizada? Há propostas
capazes de potencializar várias aprendizagens que não estamos realizando?
O fato é que o uso adequado do tempo, em favor da aprendizagem de todos, é um
desafio e uma arte, não só como uma projeção no planejamento, mas principalmente
no trabalho concreto com os alunos. Por isso é fundamental produzir esse conhecimento
em parceria, de forma solidária, nos espaços de formação na escola, com o apoio do
coletivo.

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