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O TEMPO NA EDUCAÇÃO

INFANTIL: ROTINAS

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens


presentes, a vida presente. [...]

[...]São mitos de calendário tanto o ontem como o agora,


não tem idade pois só quem ama escutou o apelo da
eternidade.[...]

Carlos Drummond de Andrade

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O tempo
O despertador é um objeto abjeto
Nele mora o Tempo.
O Tempo não pode viver sem nós, para não parar
E todas as manhãs nos chama freneticamente como um velho paralítico a tocar a
campainha atroz.
Nós é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de rodas.
Nós os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir por instantes ao Velho... Mas que raiva impotente dá no Velho
quando encontra crianças a brincar de roda e não há outro jeito senão desviar
delas as suas cadeiras de roda! Porque elas, simplesmente, o ignoram...
(Mario Quintana, 1995).

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A persistência da memória Salvador Dalí (1931)

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 Estamos subordinados biológica e culturalmente a ideia de
tempo.
 O tempo na sociedade capitalista é diferente do tempo pensado
nas sociedades artesanais e é diferente do tempo subjetivo/
interno.
 A escola organiza o tempo dentro da lógica da sociedade
capitalista/industrial = do relógio/ da produção/ do resultado/
do quantificável.
 A gestão do tempo que as crianças passam na escola
condiciona certas atitudes que elas têm e terão em relação à
escola e à vida, mesmo quando forem grandes.

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 Um exemplo de organização do tempo /ROTINA na Educação
Infantil que comumente ocorre nas escolas:
7h30 – 8h – Entrada
8h – 8h15 – Bom dia/ contagem de crianças/ Definição do tempo
8h15 – 8h 40 – Rodinha de conversa
8h40 – 8h50 – Escolha do ajudante
8h50 – 9h15 – Cabeçalho/calendário/ definição da rotina do dia
9h15 - 9h30 – Atividade de desenho / canto 1
9h30 – 9h45 – Lanche
9h45 - 10h – Parque/ recreio
10h -10h15 – Relaxamento com música e tomar água
10h15 -10h30 – Atividade de pintura/ canto 2
10h30 – 10h45 – Atividade de música / canto 3
10h45 – 11h – Brincadeira livre
11h – 11h30 – Espera dos pais da criança para ir embora
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 Essa rotina diária, fragmentada é resultante da lógica capitalista de
uma organização fabril, ou seja, as mudanças constantes de
atividades e também de espaços/ por períodos muito curtos que não
permitem que as crianças levem à cabo uma atividade planejada e
significativa para elas.
 A ‘fala’ que segue de uma professora, revela a não responsabilidade
do/a professor/a para se pensar a organização do tempo.

Nós não planejamos a rotina, porque ela não depende da gente.


O que sobra para nós é o planejamento da atividade pedagógica e,
mesmo assim, temos um tempo determinado para fazê-las. Os outros
momentos do dia precisam ser seguidos de acordo com a rotina que já
tem na creche, porque cada uma tem a hora de ir para o parque, a hora
de ir para o refeitório, para dormir e para fazer a higiene. Se a gente
não seguir este ritmo, a creche não funciona. É o caos na creche.

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 A‘fala’ de outra professora que corrobora com a afirmação anterior:

O nosso tempo e o nosso espaço é definido pela rotina da creche. As


vezes nós nem olhamos para as crianças para saber se o que elas
estão fazendo é significativo ou não, se elas já terminaram de brincar se
estão ou não com sono, se a atividade que a gente faz é interessante
para elas. Nós olhamos para o relógio, se estiver na hora de dormir, por
exemplo, temos que recolher todos os brinquedos e preparar a sala
para dormir A mesma coisa acontece com a hora do almoço, da janta
e do parque.

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Nesse sentido, qual a relação do “tempo” com a proposta
pedagógica de uma instituição educacional?
 A organização do tempo - a rotina constitui-se em importante
componente curricular na estrutura organizacional da educação, e
não só da educação infantil, pois, define e delimita o
desenvolvimento do projeto pedagógico da escola.

 A concepção e a organização do tempo se materializa na rotina


que se torna um instrumento de dinamização da aprendizagem.
Por isso, uma proposta pedagógica comprometida com as
crianças, propõe uma rotina diária que envolve cuidados,
brincadeiras e situações de aprendizagem orientadas, oferecendo
atividades diversas em diferentes espaços e propiciando
diferentes tipos de interação, com um entendimento de tempo/
ritmos a partir de um planejamento flexível e dos princípios da
escola.
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 Madalena Freire(1998) afirma que segundo a concepção de educação em
que se acredite, a rotina poderá ser instrumento de libertação, autonomia,
ou de heteronomia, dependência. Entretanto, a rotina será sempre
constitutiva e mantenedora do processo educativo e da constituição de
subjetividades.

 A rotina, na perspectiva de autonomia, constitui um dos fatores de segurança


para as crianças, orientando-as sobre o cotidiano, o que possibilita antecipar
situações, evitar ansiedade e incertezas.

 (Re) pensar a rotina implica compreender as especificidades da educação


infantil e das crianças.

 O tempo, na educação infantil, é o tempo da criança – não é o tempo dos


adultos, como costuma-se pensar. Se consideramos que estamos formando
uma inteligência e uma personalidade.

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 Uma forma de viver o tempo na escola é a atividade centralizada na
professora – que planeja e orienta a execução da atividade. Nessa
forma de gerir o tempo, a professora decide o que fazer e como fazer e
as crianças que aderem à atividade (pois as crianças não devem ser
obrigadas a aderir, mas a professora é que busca organizar e apresentar
a atividade de modo a atrair a atenção e a participação de todas as
crianças) devem executar o planejado pela professora. Determinadas
capacidades se formarão na criança apenas no contexto dessas
atividades dirigidas, pois a tarefa do professor de educação infantil é
organizar a atividade da criança, estabelecendo com ela fins e
resultados a serem atingidos.

 A atividade centralizada na professora é importante. Esta é a forma


como tradicionalmente organizamos as atividades na escola, mas não é
a única.

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 Segunda forma de gerir o tempo na escola é por meio da atividade
de planejamento compartilhado, quando a professora planeja uma
parte da atividade e as crianças devem planejar a outra parte.
 Isso acontece quando a professora propõe um conjunto de
materiais/atividades que são oferecidos para que crianças decidam o
que fazer com eles, com quem fazer e como fazer. O planejamento
da atividade, então, acontece parcialmente feito pela professora que
decide os materiais que serão oferecidos e parcialmente feito pelo
grupo de crianças que escolheu cada material.

 A participação na organização e uso do tempo e do espaço com a


professora e com os colegas promove engajamento e forma um
senso de corresponsabilidade na criança pelo que ocorre na escola.

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 Uma terceira forma de gestão do tempo concentra as decisões
todas nas mãos da criança. É o tempo livre em que cada criança
pode decidir como usar na sala: o que fazer, com que material e com
quem fazer. Facilita-se a organização desse tempo livre quando as
crianças participam de um inventário do material existente na sala e
do planejamento coletivo do que é possível fazer na sala com o
material existente. Esse levantamento pode ser registrado num
painel que ajuda mês a mês o registro das atividades realizadas por
cada criança.
 Essa atividade livre ensina a criança a planejar e a avaliar, além de
ensinar o uso do tempo, a relação com os outros e possibilitar um
sentimento de pertença à escola como um lugar que a respeita.

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 Defendemos a ideia de que as três formas são possíveis e necessárias,
pois cada uma promove uma forma específica de aprendizagem, e que
cabe ao professor contemplá-las na organização da rotina das crianças.

 Cada uma dessas formas de organizar o tempo alimenta a outra, pois o


trabalho dirigido pela professora pode formar novas capacidades e
novas necessidades na criança que ela poderá utilizar na atividade não
dirigida, da mesma forma o tempo de atividade não dirigida permite a
descoberta, a experimentação, a iniciativa, a exploração dos materiais,
enfim, o exercício pleno das capacidades em processo de formação nas
crianças.

 Com isso, prepara o psiquismo para um novo período de atividade


dirigida, colaborando inclusive para que as crianças fiquem mais
atentas quando a professora propuser uma próxima atividade.

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 Com a atividade de planejamento compartilhado e a atividade livre,
vamos superando as situações em que todas as crianças devem fazer
a mesma coisa ao mesmo tempo, o que tem servido à formação de
crianças obedientes e não à formação de inteligências curiosas e
ativas e de personalidades cidadãs.

 A obrigação de fazer uma mesma atividade não possibilita a


participação da criança na organização de sua própria vida, nem
ensina uma autodisciplina necessária à aprendizagem.

 Ao mesmo tempo, cria formas de resistência que se expressam como


indisciplina, desrespeito e má vontade em relação à escola.

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 A organização do tempo é, por isso, algo a ser levado em
consideração no planejamento das práticas educativas na Educação
Infantil.

 E é importante que nós, professores, levemos em conta as


necessidades da criança, seu tempo de execução de seus planos, para
não corrermos o risco de atropelarmos a criança em suas atividades.

 Vale ressaltar que o tempo da educação infantil é o tempo da


criança e não dos adultos, incluindo o professor, o pessoal da
limpeza, ou o outro período.

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 A rotina bem planejada é considerada um instrumento de
dinamização da aprendizagem e facilitador das
percepções infantis sobre o tempo e o espaço;

 A rotina orienta as ações das crianças e as do professor.

O tempo perguntou pro tempo


quanto tempo o tempo tem.
O tempo respondeu pro tempo
que o tempo tem tanto tempo
quanto tempo o tempo tem.

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 Para Formosinho, criar uma rotina é (…)

fazer com o tempo seja um tempo de experiências ricas e


interações positivas. O desenvolvimento é lento, requer
tempo, mas o tempo por si mesmo, pelo simples fato de
passar no relógio, não produz desenvolvimento. A
aprendizagem e o desenvolvimento são construídos, ou
não, na riqueza da experiência que o tempo possibilita,
ou não.”(1998, p.158-9).

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 A atuação do educador no processo de organização da
rotina deve recorrer (…) “a princípios de ação que
não variam de um dia para o outro, em virtude de um
estado de espírito, mas que se apóiam em princípios
científicos. Estabelece-se, assim, um fluxo do tempo
diário que, embora seja flexível conforme as
necessídades, é estável, o que permite que a criança
se aproprie dele (…) [criando] (…) condições
estruturais para que a criança seja independente,
ativa, autônoma, facilitando, assim, a utilização
cooperativa do poder pelo educador(a).
(FORMOSINHO, 1998)”

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