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CAPÍTULO V: PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

1. Considerações introdutórias

O conceito de participação social tem várias acepções. A primeira é a que se refere ao


conjunto unitário de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio, que é o conceito
de posição ou estatuto de socialidade. Há aqui uma relação entre o titular da participação
social que, sendo sócio e sendo titular dessa participação, é por sua vez também titular de um
conjunto de obrigações e direitos. Fala-se muitas vezes de uma posição jurídica activa e
passiva.

A aquisição da participação social pode ser:

 Originária, no momento da constituição da sociedade;


 Derivada, em resultado nomeadamente da transmissão da participação ou da
aquisição resultante de processo de fusão.

Qual o conjunto de direitos e obrigações que integra a participação social? O CSC determina
em geral os direitos dos sócios no art. 21.º e as obrigações dos sócios no art. 20.º.

1.1 Classificação dos direitos

O art. 21.º diz que todos os sócios têm os seguintes direitos:

 Direito ao lucro;
 Direito a participar nas deliberações;
 Direito à informação;
 Direito a ser membro dos órgãos da administração.

Porém, este artigo não esgota os direitos inerentes à participação social. Nomeadamente,
temos ainda os seguintes direitos:
 Direito de acção judicial, em especial direito de impugnar deliberações anuláveis (art.
59.º), de requerer inquérito judicial por falta de apresentação tempestiva das contas
(art. 67.º) e de propor acção social de responsabilidade contra administradores e
gerentes (art. 67.º).
 Direito de preferência nos aumentos de capitais (art. 266.º e 458.º e segs.).
 Direito de exoneração em certas circunstâncias (art. 3.º/5, 137.º e 161.º/5).
 Direito à quota de liquidação (art. 156.º).

Os direitos dos sócios podem ser repartidos por várias categorias, segundo diversos critérios,
nomeadamente função e titularidade:

1) Função:
 Direitos de participação: o sócio tem o direito a participar nas deliberações, votar
nelas, e ser designado para órgãos de administração.
 Direitos patrimoniais: o exemplo claro é o direito ao lucro.
 Direitos de controlo ou fiscalização: o sócio tem o direito de ser informado ou de ir ao
tribunal.

2) Titularidade:

2.1) Direitos gerais: pertencem, em regra, a todos os sócios, ainda que em medida diversa.
Por ex., os sócios têm direito, numa sociedade anónima, a quinhoar nos lucros na medida da
proporção correspondente aos valores das suas participações. “Em regra” porque existem
casos em que isto não sucede, como nos titulares de acções preferenciais sem quota – vão ter
direito a um lucro prioritário maior, mas sem direito de voto (art. 341.º). .

2.2) Direitos especiais: são atribuídos no contrato a certo sócio ou a certos sócios, ou a
sócios titulares de acções de certas categorias, conferindo-lhes uma posição privilegiada
que não pode em princípio ser suprimida sem o consentimento desses sócios.

Notas:
 São regulados em geral no art. 24.º e têm de ser em regra consagrados no contrato de
sociedade, têm carácter estatutário. Sem cláusula estatutária, não temos direitos
especiais: direitos especiais alegadamente consagrados sem estarem consagrados no
contrato são direitos ineficazes perante a sociedade, mesmo que todos os sócios
tenham consentido na sua criação.
 Há uma excepção notória a esta regra – sociedades anónimas desportivas, sendo a
modalidade mais comum a do art. 3.º/c) do diploma que regula as SAD’s, 10/2013
(personalização jurídica de equipa). Neste caso, o legislador conferiu a natureza
especial às acções do clube fundador (acções de categoria A), estabelecendo que estas
acções conferem determinados direitos especiais, como o direito de veto nos casos do
art. 23.º/2 e o poder especial de designar pelo menos um dos membros da
administração. A lei diz que estas acções conferem “sempre” estes direitos, pelo que
R. COSTA tem defendido que estes direitos existem mesmo que não estejam previstos
no contrato, sendo uma excepção à regra do art. 24.º/1. Para além disto, podem ter
outros direitos especiais previstos no contrato.

Exemplos de direitos especiais:


 Direito a quinhoar mais que proporcionalmente nos lucros: é possível afastar a
regra de que o direito a quinhoar nos lucros se faz em função da participação social,
fazendo com que determinados sócios ou determinado sócio, ou ainda os titulares de
certas categorias de acções nas sociedades anónimas (art. 24.º/4), quinhoem mais nos
lucros. Esta é por isso uma regra supletiva – art. 156.º e 302.º. Este é um direito
especial, pois pertence apenas a certos sócios.
 Direito de ceder a quota sem consentimento: está previsto nos arts. 228.º/2 e 229.º/2.
 Direito de dois votos por cêntimo: cada sócio de uma sociedade por quotas tem, em
regra, um voto por cêntimo (art. 250.º/1); porém, é permitido atribuir 2 votos por
cêntimo desde que o valor da participação não exceda 20% (art. 250.º/2) – direito
especial de voto duplo. Isto não é possível nas sociedades anónimas, art. 384.º/5 (a
cláusula que viole esta regra é uma cláusula nula).
 Direito a designar gerente sem que os outros sócios participem na escolha, art.
83.º/1.
 Direito especial à gerência (sociedades por quotas): direito de um ou vários sócios a
ser gerente durante toda a sua vida ou período em que for sócio/durar a sociedade, ou
enquanto não poder ser exonerado por justa causa. Este direito nunca pode ser limitado
ou eliminado sem o seu consentimento, caso contrário a deliberação é ineficaz (art
24.º/5. 257.º/3. 1ª parte e 55.º); e a destituição só pode ser efectuada por via judicial e
por justa causa (art. 257.º/3, 2ª parte). Estas são as duas consequências deste direito
especial.
o Há aqui uma questão muito discutida: o facto de se designar no contrato um
determinado sócio como gerente significa automaticamente a atribuição de um
direito especial de gerência? A resposta deve ser negativa, o que é recebido de
forma unânime pela jurisprudência. A cláusula estatutária do direito de
gerência deve ser expressa.
o Quando se fala de vinculação de sociedades, fala-se do modo como as sociedades
se vinculam – é necessário a assinatura de um gerente, e quando um sócio
assina significa que tem direito à gerência? Tudo depende da interpretação do
contrato de sociedade, é necessário fazer uma análise do que é conferido.

Algumas questões genéricas sobre os direitos especiais:


 Discute-se se é possível criar direitos especiais depois do momento da criação da
sociedade. A doutrina entende que sim; porém, certos autores entendem que a alteração
contratual carece de unanimidade, em nome do princípio da igualdade de tratamento dos
sócios; outros entendem que pode não haver unanimidade, desde que a desigualdade dos
sócios seja objectivamente justificada. Esta última posição é a de COUTINHO ABREU,
uma vez que uma deliberação apenas viola o princípio da igualdade de tratamento quando
dela resulta um tratamento desigual de certos sócios em relação a outros sem justificação
objectiva, i.e., a diferenciação é arbitrária, não fundada no interesse social. Existe justificação
objectiva quando há interesse comum dos sócios. Por ex., uma sociedade por quotas está a
passar por uma fase crítica e necessita de uma forte injecção de capital e de um gerente
altamente
qualificado; X, não sócio, reúne estas duas características – porém, só entra na sociedade se
lhe for atribuído um direito especial à gerência. A deliberação que aprova o aumento de
capital e a atribuição do direito especial à gerência é aprovada apenas por maioria qualificada
– porém, não viola o princípio da igualdade, existindo interesse comum dos sócios (p. 201).
As deliberações que atribuam direitos especiais violando o princípio da igualdade são
anuláveis, com fundamento no art. 58.º/1/a) ou b).

 Pergunta-se também se um direito especial pode ser atribuído a todos os sócios da


mesma sociedade – à primeira vista, pela definição não pode haver direitos especiais para todos
os sócios, aquilo que é especial não pode ser simultaneamente geral. No entanto, podemos
tomar posição sobre esta questão a propósito do direito especial em causa e da tutela que
confere ao sócio. Ou seja, ligamos a especialidade do direito não ao número de titulares,
mas sim à maior protecção que o direito confere (p. 202). Assim, em função do direito,
podemos afirmar que faz sentido ser atribuído a todos os sócios – por ex., não faz sentido
atribuir a todos os sócios o direito de voto duplo, mas nada obsta a que todos os sócios de uma
sociedade por quotas tenham o direito especial de gerência. Isto garante a cada um deles que
a respectiva cláusula contratual não pode ser eliminada ou modificada sem o seu
consentimento ou que a destituição sem ou contra a sua vontade só pode ser feita
judicialmente e com base em justa causa.

 Os direitos especiais não se confundem com as vantagens especiais, conferidas a sócios

pelo seu papel na fundação da sociedade no contrato. O art. 16.º fala destas vantagens, que de
distinguem dos direitos especiais pois são obrigatoriamente conexionadas com o papel na
constituição da sociedade. As vantagens especiais continuam mesmo depois de o sócio já
ser sócio, radicando fora da posição de socialidade, enquanto que o direito especial segue a
posição social. Para além disto, as deliberações que violem as vantagens especiais são
deliberações nulas; enquanto que as que violam direitos especiais são ineficazes.

1.2 Obrigações

As obrigações estão em geral previstas no art. 20.º, e são:

 Obrigação de entrar no capital;


 Obrigação de quinhoar nas perdas.

Tal como o art. 21.º não esgota os direitos, o art. 20.º não esgota as obrigações, sendo que
conseguimos ainda identificar os seguintes deveres:
 Dever de actuar de maneira compatível com a sociedade – dever de lealdade para com
a sociedade;
 Dever de respeitar o estatuto e lei societária;
 Dever de, em certos casos, responder perante a sociedade e credores sociais;
 Dever de não concorrer;
 O estatuto social pode ainda impor obrigações de prestações acessórias ou prestações
suplementares (arts. 209.º e 287.º; e 210.º e segs.).

1.3 Unidade da participação social

A participação social é um conjunto unitário que forma um bem jurídico autónomo, podendo
por isso ser objecto de direitos reais, de negócios translativos da propriedade, e de execução.

1.4 Partes, quotas e acções

O CSC emprega genericamente o termo “participação social” para designar a posição


jurídica do sócio; porém, utilizada designações específicas para os diversos tipos societários:
 Parte: para as sociedades em nome colectivo, sociedades em comandita simples ou
(em relação aos sócios comanditados) sociedades em comandita por acções, arts.
176.º/2, 182.º, 183.º, 184.º/7.
 Quota: para as sociedades por quotas, art. 219.º e segs.
 Acção: para as sociedades anónimas e em comandita por acções (sócios
comanditários), art. 465.º/3.

Em relação às acções, COUTINHO DE ABREU define-a como sendo uma “participação


social, cujo valor é fracção do capital social, e que normalmente será representada por título
ou escrituralmente”. Três notas:
 As acções devem ser representadas, mas esta representação já não é só através de
títulos- documentos em papel (acções tituladas), pode também ser em suporte
informático através dos “registos em conta” (acções escriturais).
 Os títulos podem representar mais do que uma acção (art. 98.º do CVM).
 Nas sociedades por acções, a participação social não depende da emissão de acções,
podendo surgir com a celebração do contrato de sociedade ou com o aumento de
capital.

1.5 Valores das participações


As partes sociais e quotas têm um valor nominal, atribuído nos estatutos, arts. 9.º/1/g),
176.º/1, b) e c) e 199.º/a). Até recentemente, as acções tinham de ter valor nominal; porém, o
DL 49/2010 passou a admitir acções sem valor nominal, que têm valor de emissão. O valor
de emissão é o valor calculado por intermédio de uma operação de divisão do capital social
pelo número de acções.
O valor mínimo nominal das quotas é de 1€, art. 219.º/3. Todas as acções de uma mesma
sociedade representam a mesma fracção do capital social, não podendo o valor nominal ou o
de emissão ser inferior a 1 cêntimo (art. 276.º/ 3 e 4).

As participações sociais têm outros valores, importantes para alguns regimes jurídicos, a saber:

 Valor de subscrição: é o valor das entradas correspondentes às participações sociais.


Pode ser igual ou superior ao valor nominal, mas não inferior (art. 25.º/1 e 298.º/1).
 Valor contabilístico: valor que tem em conta o valor do património social líquido. É a
relação entre o valor das participações sociais e o valor do património social líquido.
 Valor comercial ou de transacção: é o preço a que se transmitem ou podem transmitir
as participações. Depende de várias circunstâncias.

1.6 Divisibilidade e indivisibilidade

Outra questão é se as participações sociais são divisíveis ou não, nomeadamente para as


sociedades por quotas e anónimas.
 Quotas: as quotas são divisíveis em certas circunstâncias (art. 221.º/1) – por ex.,
mediante amortização parcial (arts. 233.º/4 e 238.) ou transmissão parcelada ou
parcial, ou partilha ou divisão entre contitulares.
 Acções: se a quota é divisível em determinados casos, já a acção é indivisível (art.
276.º/6).

1.7 Unidade e pluralidade de participações

A pergunta que aqui se faz é a de saber se um sócio que tenha mais de uma parte social,
quota ou acção tem uma ou várias participações sociais. Encontramos aqui três teses:
 Tese pluralista: há várias participações sociais, sendo cada acção autónoma.
 Tese unitarista: há uma só participação social, as várias acções ou quotas fazem parte
de uma mesma participação.
 Teses intermédias: há unidade e pluralidade de participações, consoante os problemas
em causa e as perspectivas.
COUTINHO DE ABREU inclina-se para a última tese; porém, na maioria dos casos, a
unidade sobrepõe-se à pluralidade. O que mais importa destacar é a posição global que uma
ou mais quotas ou acções proporcionam ao seu titular, na medida dos direitos e obrigações
que conferem. A autonomia é uma autonomia relativa.
1.8 Modalidades de participações sociais

As acções podem ser:

 Acções tituladas ou escrituradas: atende à forma de representação. Se for num papel,


é titulada; se num registo informático, escriturada.
 Acções nominativas ou ao portador: as acções ao portador são aquelas que não
permitem à sociedade conhecer os seus titulares (art. 52.º/1 CVM), enquanto que as
acções ao portador não permitem que a sociedade conheça a identidade dos titulares. O
art. 299.º/2 CSC impõe que em certos casos as acções sejam nominativas.

As acções podem ser ainda distinguidas em função de serem ordinárias ou especiais.

 Acções ordinárias: compreendem os direitos previstos na lei para as acções em geral.


 Acções especiais: são aquelas que compreendem mais ou menos direitos do que as
gerais (ou ainda mais e menos). Dentro das acções especiais, temos:
o Acções privilegiadas: atribuem direitos especiais em sentido próprio, por ex., o
direito a quinhoar mais que proporcionalmente nos lucros.
o Acções diminuídas: conferem menos direitos. São exemplos as acções de
fruição, que conferem um direito diferido a participar nos lucros de exercício e
no saldo de liquidação, art. 346.º/4.
o Acções mistas ou híbridas: são acções que conferem simultaneamente mais e
menos direitos. São exemplos as acções preferenciais sem voto (arts. 341.º a
344.º): têm um maior direito ao lucro, mas não têm direito ao voto. Isto não é
assim se o contrato de sociedade estabelecer o direito a um dividendo
adicional.

2. Principais direitos e obrigações em que se desdobram as participações sociais

2.1 Direitos

2.1.1 Direito a quinhoar nos lucros


Decorre do art. 21.º/1, al. a), que todos os sócios têm o direito de quinhoar nos lucros. Este é
um direito que corresponde a uma das notas essenciais da sociedade, o intuito de que os
lucros sejam repartidos pelos sócios. Esta repartição tem regras próprias, que iremos ver
mais à frente.

2.1.2 Direito a participar nas deliberações

2.1.2.1 Noção e formas de deliberação


A al. b) estabelece que todo o sócio tem direito de participar nas deliberações. Isto permite-
nos afirmar que estamos a sociedade é portadora do direito para o sócio de expressão da sua
vontade, que é feita através das deliberações tomadas pelo órgão social (sócio único ou
colectividade de sócio). As deliberações são decisões, tomadas pelo órgão social de
formação de vontade (sócio único ou colectividade de sócios) juridicamente imputáveis à
sociedade. Não são decisões dos sócios enquanto tais: apesar de resultar da sua vontade, a
deliberação é imputada à sociedade.

Que deliberações podem ser admitidas? O art. 53.º consagra um princípio de numerus
clausus das formas de deliberações, segundo o qual estas só podem ser tomadas de acordo
com as formas legais e em função do tipo de sociedade. As 4 formas permitidas são:
 Deliberações em assembleia geral convocada;
 Deliberações em assembleia universal;
 Deliberações unânimes por escrito;
 Deliberações tomadas por voto escrito.

Em relação ao tipo de sociedade:

 Na sociedade em nome colectivo e por quotas, todas as formas são possíveis (arts.
54.º/2, 189º/1 e 247.º/1).
 Nas sociedades anónimas e em comandita, estão excluídas as deliberações tomadas por
voto escrito (arts. 54.º/1, 373.º e 472.º/1).

 Deliberações em assembleia geral convocada: é a forma mais comum. A tomada de


deliberações em assembleia geral convocada implica um procedimento, que geralmente
começa com a convocação dos sócios, nos quais estes são informados da ordem de trabalhos.
É uma reunião de sócios e é interorgânica, na medida em que estão presentes pessoas dos
vários órgãos da sociedade, ainda que estes não tenham direito de voto. Geralmente, este
procedimento não se aplica às sociedades unipessoais, mas pode fazer sentido em certas
circunstâncias – por ex., se o sócio único quiser reunir com o gerente.

Tradicionalmente, acontece num lugar determinado, implicando um encontro de várias


pessoas ao mesmo tempo e no mesmo local; hoje é possível reuniões virtuais, art. 376.º/6/b)
(aplicável a todos os tipos).

 Deliberações em assembleia universal: a assembleia geral é uma reunião convocada; no


entanto, é possível haver reuniões de sócios sem convocação, porque não houve ou faltou
convocação de todos os sócios, ou porque a convocação foi irregular. Nestes casos, a não
convocação ou irregularidade da convocação pode ser sanada através da universalidade
da assembleia (art. 124.º/1, 2ª parte). Para que as
deliberações tomadas numa assembleia universal sejam válidas, é necessário que 3 pressupostos
estejam reunidos (art. 54.º/1):
 Todos os sócios estejam presentes ou representados;
 Todos os sócios manifestem a vontade de que haja uma assembleia;
 Todos os sócios manifestem a vontade de deliberar sobre determinado assunto.

A não verificação do primeiro requisito é causa de nulidade, a dos outros de anulabilidade.

A assembleia universal como forma de sanação da convocatória está previsto no art. 56.º/1/a), 2ª
parte, implicitamente; porém, também pode ser feita sem ser como forma de sanar a
convocatória.

 Deliberações unânimes por escrito: são deliberações tipicamente previstas para


situações de urgência ou impossibilidade/inconveniência de uma assembleia. Todos os
sócios concordam quanto a deliberar certa matéria e no sentido do voto, pelo que basta que a
correspondente deliberação seja registada em documento escrito e assinada por todos os
sócios. Deliberações tomadas fora da assembleia geral, em situações urgentes, em que não há
tempo para se convocar e se reunir a assembleia geral, mas em que todos concordam quanto a
determinada deliberação, subscrevendo-a, assinando. (art. 54.º/1 e 3).

 Deliberações por voto escrito: são apenas permitidas para as sociedades por quotas e em
nome colectivo. Estão reguladas no art. 247.º, não só quanto à sua admissibilidade (n.º1), mas
também quanto ao seu procedimento, n.º 2 a 7 (em especial 3 a 7). O procedimento é o
seguinte: em primeiro lugar, o gerente envia uma carta registada aos sócios a perguntar se
estão de acordo em que se delibere por escrito sobre determinado assunto; concordando todos,
é enviada a proposta de deliberação.

Qual é a natureza das deliberações? As deliberações são actos jurídicos constituídos por uma
ou mais declarações de vontade (os votos), com vista à produção de certos efeitos jurídicos. O
voto vai contribuir para uma deliberação, mas nem sempre está em causa uma deliberação –
apenas quando dá origem a extinção, modificação ou constituição de uma relação jurídica.
Aplica-se às deliberações as regras comuns do direito civil que se aplicam às declarações
negociais, sem prejuízo das especialidades do art. 55.º a 62.º CSC.

2.1.2.2 Participação plena nas deliberações e direito de voto

A participação nas deliberações pode ser plena ou limitada, sendo que o art. 21.º/1/b) nos diz
que a participação dos sócios nas deliberações pode ter restrições previstas na lei.

A participação plena do sócio nas deliberações compreende:

 Direito de estar presente nas assembleias gerais;


 Direito de discutir os assuntos sujeitos a deliberação;
 Direito de ser consultado nas deliberações por voto escrito;
 Direito de votar as propostas (em assembleia ou fora dela);

O direito de voto ou de votar é o que merece mais detalhe, e é o poder que o sócio tem de
participar nas deliberações. A influência de cada sócio nas deliberações é determinado pelo
poder de voto, que depende do peso relativo do sócio. Os sócios maioritários são os que têm a
maioria do poder de voto. Quais são os critérios de atribuição dos votos? Nas sociedades em
nome colectivo regre o princípio personalístico ou democrático, em todas as outras, o
princípio capitalístico ou proporcional.
 Sociedades em nome colectivo: a cada sócio pertence um voto, salvo outro critério
estatutário (art. 190.º/1).
 Sociedades por quotas: cada sócio tem um voto por cêntimo (1 euro =100 votos) do
valor nominal da quota (art. 250.º/1), salvo quando o contrato social atribua voto duplo
(art. 250.º/2).
 Sociedades anónimas: cada sócio tem um voto por acção (art. 384.º/1), podendo
estabelecer-se as derrogações do n.º 2.
 Sociedades em comandita: o estatuto deve regular, em função do valor nominal das
participações sociais, a atribuição de votos aos sócios, não podendo o conjunto dos
sócios comanditados ter menos de metade dos votos atribuídos ao conjunto dos sócios
comanditários (art. 472.º/2).

Há duas modalidades de votos para efeitos de contagem: votos emissíveis (de todos os sócios)
e emitidos (os que estão na assembleia daquele dia). Para calcular maiorias qualificadas, vai-
se muitas vezes buscar os votos emissíveis. Quando se fala de votos correspondentes ao
capital social, são todos os votos (votos emissíveis). O art. 250.º/3 fala dos votos emitidos. As
abstenções não contam para a maioria (art. 250.º/2, “não se consideram como tal”), o que é
uma questão muito discutida para as deliberações da administração uma vez que a lei não
prevê nada.

 Impedimentos de voto

Existem circunstâncias muito relevantes na prática em que o direito de voto, embora


existindo, não pode ser exercido – impedimentos de voto. Isto ocorre nas situações de
conflito de interesses entre sócio e sociedade (arts. 251.º e 384.º/6); quando um accionista
esteja em mora na realização de entrada em dinheiro (art. 384.º/4); e nas situações previstas
nos arts. 485.º/3, 487.º/2 CSC e 192.º CVM. A hipótese mais relevante é a de conflitos de
interesses.
Outro aspecto: Nas sociedades anónimas, aplica-se analogicamente o artigo 251º a
situações de impedimento de voto, não abrangidas pelo 384º nº6. (para Coutinho de
abreu).
Elenco exemplificativo ( por causa do designadamente ) no artigo 251º.

O CSC contém dois artigos fundamentais nesta matéria:

 Nas sociedades por quotas, rege o art. 251.º/1, que diz que o sócio não pode deliberar
“quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de
conflito de interesse com a
sociedade” (1ª parte). Esta é a cláusula geral; já a 2ª parte e suas alíneas recorrem a
uma técnica de enumeração de situações de conflitos de interesses, que são hipóteses
exemplificativa. Este artigo aplica-se, por remissão dos arts. 189.º/1 e 474.º, às
sociedades em nome colectivo e em comandita simples. A al. g) prevê a hipótese de a
de liberação recair sobre uma relação estranha a estabelecer entre o sócio e a
sociedade – é estranha ao contrato social a relação alheia à socialidade, ou seja, em
que o sócio participa mas não enquanto tal (nem como titular de participação social,
nem como titular da gerência ou órgão de fiscalização).
 Quanto às sociedades anónimas, rege o art. 384.º/6, que estabelece que um accionista
não pode votar quando a lei expressamente o proíba e ainda quando a deliberação
incida sobre as matérias indicadas nas alíneas seguintes. Apesar de não se dizer que
estas hipóteses configuram casos de conflitos de interesses, são casos em que existe
uma divergência entre o interesse do sócio e o interesse da sociedade. Este preceito é
aplicável directamente às sociedades anónimas e, por remissão do art. 478.º, às
sociedades em comandita por acções.

Qual é o procedimento a seguir quanto existe um impedimento de voto?

 O sócio não tem direito de voto, logo deve não votar.


 Se revelar o propósito de votar, o presidente da assembleia deve avisar o sócio.
 Se quiser ainda assim votar, o presidente não deve contar o seu voto.
 Se o presidente computar o voto, este voto emitido e computado é nulo, pois estas são
normas imperativas (art. 294.º do CCiv.). A deliberação é assim anulável por haver um
vício de procedimento; porém, não é anulada em concreto se os votos considerados
nulos não forem necessários para a maioria (arts. 58.º/1/a) e 59.º/1 e 2).

O contrato de sociedade pode prever mais situações de impedimento de voto ?

Uma primeira questão que se coloca é se o estatuto social pode prever mais situações de
impedimento. Para Coutinho de abreu, não, porque a regra é a de existência do direito de voto.
Por isso, os impedimentos devem ser excecionais e só serão admissíveis os legalmente
previstos. A nossa posição de princípio é a de que isto é possível, uma vez que as situações do
art. 251.º são exemplificativas; porém, devemos ser restritivos nessa possibilidade na medida
em que as restrições ao direito de voto devem ser excepcionais e estar previstas na lei (art.
21.º/1/b)). Também devemos ter em conta que as deliberações que favoreçam especialmente
determinado sócio já são anuláveis pelo art. 58.º/1/b), ainda que esse sócio tenha votado.
Assim, devemos entender que não existem conflitos nas deliberações cujo objecto esteja
previsto na lei, no art. 246.º, e não seja um caso do art. 251.º (porém, podemos ter conflitos no
caso da amortização compulsiva de quotas, art. 232.º e segs. e 246.º/1/b)). Esta questão deve
ser vista caso a caso, mas sempre tendo em conta que restrições estatutárias a direitos de
voto devem ser excepcionais.

Por outro lado, as hipóteses previstas para as sociedades por quotas devem ser aplicadas
analogicamente às sociedades anónimas. Apesar de o art. 384.º/6 consagrar um elenco
taxativo de impedimentos de voto por conflitos de interesses, “não vemos razões para não
aplicar analogicamente alguns preceitos legais
directamente aplicáveis às sociedades por quotas ... Um exemplo: também os administradores
não podem, sem autorização da assembleia geral, exercer actividade concorrente com a da
sociedade (arts. 398.º/3 e 428.º); logo, por analogia com o estabelecido na al. e) do n.º 1 do
art. 251.º, não pode o sócio- administrador votar na deliberação respeitante a esse
consentimento” (p. 227).

Há situações em que Coutinho de abreu, entende, não existirem conflitos de interesses, que
impeçam o sócio de votar. Porque, se trata de deliberação cujo objeto se encontra previsto no
código das sociedades comerciais, mas não, no 251º e 384º nº6. Deliberação para fixar a
remuneração da gerência e deliberação para o sócio consentir na sessão da sua quota.

Outra questão é a de saber se os impedimentos se aplicam às por quotas unipessoais.


COUTINHO DE
ABREU entende que não, com os seguintes argumentos:

 Apesar de se poder afirmar, em certos casos, a possibilidade de conflitos de interesses


(noutras situações não há conflitos, por ex., o sócio único não decide sobre a perda da
sua quota, a sua exclusão, etc.), a aplicação do regime dos impedimentos impediria o
sócio de decidir sobre determinadas matérias e isso não deve ser possível.
 O regime dos impedimentos visa primariamente prevenir o risco da tomada de
decisões contrárias ao interesse social, e não prevenir prejuízos para terceiros – e é
possível atacar deliberações cujo conteúdo se revele contrário ao interesse social.
 Apesar de as decisões do sócio único favorecendo os seus interesses extra-sociais
poderem causar prejuízos a terceiros, estes dispõem de meios de defesa (impugnação
pauliana, art. 610.º e segs. do CC, responsabilização do administrador, art. 78.º, e do
sócio único, arts. 83.º e 84.º).

Já RICARDO COSTA entende que este regime deve ser aplicado às sociedades unipessoais,
mas como impedimento de decisão: em rigor, não é um impedimento ao direito de voto, pois
não temos uma deliberação, mas sim uma decisão. Temos um impedimento de decisão, e por
isso temos uma condição de validade das decisões – logo, a violação do impedimento não
corresponde a um vício de procedimento, mas sim do conteúdo, que dá origem à nulidade.
Claro que nem todas as hipóteses se aplicam aqui – as als. a), e) e g) do art. 251.º são as que
se podem aplicar.
Finalmente, pergunta-se se a relação familiar faz alargar o âmbito do conflito de interesses,
i.e., se o sócio pode votar quando haja conflitos de interesses entre a sociedade e o cônjuge,
ascendentes ou descendentes. Nas associações, temos uma norma do CCiv. que alarga o
âmbito (art. 176.º/1), logo a questão é a de saber se isto é aplicável analogicamente às
sociedades. A doutrina portuguesa responde que não, relevando o argumento literal da lei – o
CSC não fala em familiares. A esfera jurídica dos interesses do sócio é a relevante para aferir
dos conflitos, relevando os interesses directos e indirectos.

COUTINHO DE ABREU apresenta, a favor desta tese, 3 argumentos (p. 229):


 O CSC diz somente que o sócio não pode votar quando ele mesmo esteja em situação
de conflito de interesses com a sociedade, logo deve defender-se que o interesse
conflituante com o da sociedade é um interesse directo ou imediato do sócio.
 Há muitas sociedades estreitamente familiares, e a experiência demonstra que mesmo
aí não são raros os votos divergentes.
 Existe sempre a possibilidade de lançar mão do abuso de direito.
 A ratio legis está na existência de conflito de interesses na sociedade, face ao sócio e não
ao seu familiar.
 O voto familiar nem sempre terá o mesmo sentido do impedido de votar.

2.1.2.3 Participação limitada

O sócio com o impedimento do voto ou o sócio sem direito a voto, (o sócio que investe dinheiro,
mas que não lhe confere o direito de votar), não tem participação plena, mas sim, participação
limitada.

Os sócios que não têm direito de voto não têm direito de participar plenamente, mas têm o
direito de participação limitada:
 Sociedades em nome colectivo, por quotas e em comandita simples: todos os sócio têm
direito de estar presentes nas assembleias gerais e de participar na discussão dos
assuntos indicados na ordem do dia (art. 248.º/5).
 Sociedades anónimas e em comandita por acções: os sócios com direito de voto mas
impedidos de o exercer podem assistir às assembleias gerais e participar nos debates,
sendo que os sócios sem direito de voto têm em regra os mesmos direitos, salvo se o
contrato social determinar o contrário (art. 379.º/3). Porém, o estatuto não pode
impedir que os titulares de acções preferenciais sem voto não possam ser
representados na assembleia (art. 343.º e 379.º/3).

2.1.2.4 Representação voluntária de sócios

O direito de participação nas deliberações não tem de ser exercido pelos próprios sócios, estes
podem exercê-lo através de representantes voluntários. A representação voluntária só não é
permitida nas deliberações por voto escrito (art. 249.º/1).

Quais são os possíveis representantes?

 Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: cônjuge, ascendente,


descendente ou outro sócio (art. 189.º/4).
 Sociedades por quotas: a solução é a mesma, salvo se o estatuto permitir
expressamente outros representantes (art. 249.º/5).
 Sociedades anónimas e em comandita por acções: qualquer sujeito (art. 380.º/1).

O instrumento de representação é geralmente a procuração, art. 249.º/3.

2.1.3 Direito à informação

2.1.3.1 Informação e direitos à informação


Está previsto no art. 21.º/1/c), que nos diz que todo o sócio tem o direito a obter informações
sobre a sociedade. Está regulado: nas sociedades por quotas, arts. 214.º a 216.º; nas
sociedades anónimas, arts. 288.º a 292.º; nas sociedades em nome colectivo, art. 181.º; nas
sociedades em comandita, arts. 474.º, 478.º e 480.º por remissão.

O direito à informação tem 3 modos fundamentais:


 Direito à informação em sentido estrito: é o poder de o sócio fazer perguntas à
sociedade, que é aqui sujeito passivo, sobre a vida social, e de exigir que esta responda
com veracidade, completude e elucidação (3 requisitos).
 Direito de consulta: poder de o sócio exigir o exame de documentos.
 Direito de inspecção: poder de o sócio exigir à sociedade o necessário para vistoriar e
examinar os bens sociais.

Diz-se muitas vezes que o direito à informação é um direito instrumental de outros,


designadamente do direito de participação. Isto implica uma diminuição da valia deste direito,
que não deve ser aceite: apesar de ser muitas vezes utilizado no âmbito do direito de
participação, o sócio tem o direito de inspeccionar independentemente desse fim (com outros
fins, por ex. para vender uma quota, ou mesmo sem fim específico). O direito de informação
vale por si próprio, apesar de poder ser acessório. É fundamentalmente conferido para que os
sócios que arriscam capital possam ter a informação necessária.

1) Direito à informação em sentido estrito: pode ser exercido fora das assembleias gerais ou
nelas:
 Fora das assembleias: os sócios têm o poder de exigir do órgão de administração
informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade ou assuntos
sociais (arts. 181.º, 214.º/1 e 291.º/1). Nas sociedades anónimas e em comandita por
acções (em relação aos sócios comanditários), apenas os accionistas cujas acções
representem no mínimo 10% do capital social têm este direito (art. 291.º/1). Oralmente
ou por escrito.
 Nas assembleias gerais: qualquer que seja o tipo de sociedade, qualquer sócio que
nelas participe pode requerer que lhes sejam prestadas informações verdadeiras,
completas e elucidativas. Isto resulta do art. 290.º/1, previsto para as sociedades
anónimas e aplicável por remissão aos outros tipos de sociedade (arts. 189.º, 214.º/7,
474.º e 478.º).. Também os sócios sem direito de voto têm direito de informação.
Oralmente ou por escrito.

2) Direito de consulta: é amplamente permitido nas sociedades em nome colectivo,


sociedades em comandita simples, sociedades por quotas e sociedades em comandita por
acções (arts. 181.º/1 e 3, 214.º/1, 2 e 4, 474.º e 480.º). Estas sociedades devem facultar a
qualquer sócio a consulta da escrituração, documentos e livros sociais. Apesar de se afirmar
que a consulta deve ser feita pessoalmente pelo sócio, não se deve excluir a hipótese de este
se fazer acompanhar por um perito.

Nas sociedades anónimas, e sociedades em comandita por acções quanto aos sócios
comanditários, o Código é restritivo, consagrando no art. 288.º o direito mínimo à informação
(não são consultáveis todos os documentos), e no art. 289.º o direito à informação
preparatório. Este é um direito limitado porque:
 Os documentos consultáveis são limitados (restrição do objecto da consulta);
 Não é qualquer sócio que pode exercer este direito , precisando de ter 1% do capital e
motivo justificativo – este motivo deve ser interpretado de forma lata.

3) Direito de inspecção: está previsto no art. 281.º/4 para as sociedades em nome colectivo,

art. 480.º para as sociedades em comandita por acções e art. 214.º/5 para as sociedades por
quotas. Nas sociedades anónimas, não se faz qualquer menção a este direito (art. 288.º e
segs.), devendo entender-se que o legislador foi intencional nesta omissão, por haver mais
inconvenientes que vantagens na possibilidade de inspecção. No entanto, não se deve vedar
que a sociedade anónima preveja nos estatutos este direito.

O art. 214.º/2 prevê, para as sociedades por quotas, que o estatuto pode regular o direito à
informação em qualquer das suas manifestações. Apesar de só estar previsto para as
sociedades por quotas, deve-se entender que deve ser aplicado analogicamente aos outros
tipos de sociedades.

2.1.3.2 Administradores-sócios e direito à informação

A questão que se coloca aqui é a seguinte: quando um administrador e gerente é


simultaneamente sócio, este sujeito goza do direito à informação? Isto é muito discutido,
principalmente para as sociedades por quotas, nas quais esta duplicidade de papéis é muito
frequente. A doutrina portuguesa divide-se, sendo que a corrente maioritária é a corrente
negativa, a que adere COUTINHO DE ABREU. Esta corrente baseia- se nos seguintes
argumentos:
1. Os gerentes têm um direito mais amplo à informação, i.e., o direito à informação dos
gerentes consome o dos sócios.
2. São os administradores que estão obrigados a comunicar aos sócios, logo não faz
sentido terem os sócios direito à informação.
3. O direito de informação dos sócios está legal-sistematicamente concebido para os
sócios fora do órgão de administração e que por isso precisam de questionar os
administradores acerca da gestão da sociedade.
4. Se não receber informação enquanto administrador/gerente, o mecanismo que supre
isto é o da investidura judicial no cargo (art. 1170.º e 1171.º do CPC), que vai permitir
que possa ter acesso ou exigir informação dos outros administradores ou gerentes.

SOVERAL MARTINS insere-se na tese contrária, entendendo que o sócio gerente, mesmo
sendo gerente, tem direito à informação – desde logo, porque o art. 214.º e outros são
preceitos que falam sempre do sócio enquanto sócio. Pelo facto de ser gerente não deixa de
ser sócio, e tal não justifica uma compressão dos seus direitos. Por outro lado, a investidura
no cargo social não é uma boa via para obter informação, pois é um processo que não está
destinado a obter informações de outros sujeitos.

2.1.3.3 Recusa de informação e utilização ilícita de informação

Existem casos em que os membros do órgão de administração têm o poder-dever de recusar a


informação solicitada por sócios. O direito de informação pode ser recusado desde que a lei o
preveja, sendo que precisamos de distinguir aqui o direito de informação prestado em
assembleia geral e fora.

Em assembleia geral, a recusa de informação é lícita quando a prestação da mesma possa


ocasionar grave prejuízo à sociedade ou violação de segredo imposto por lei (art. 290º.º/2, que
deve ser aplicado analogicamente a sociedades de outro tipo). Notas:
 Prejuízo grave:
o É prejuízo para a sociedade e não para os membros da administração.
o Tem de haver uma probabilidade forte de causar prejuízos.
o A recusa é lícita quando, num juízo empresarial razoável, se conclua que a
comunicação da informação é apta a causar prejuízos.
 Segredo imposto por lei: abrange as informações não publicitadas e que por lei não
podem ser comunicadas pela sociedade – segredos de Estado, segredo profissional
(por ex., art. 378.º CVM e 449º CSC).

Fora da assembleia, apenas regula esta matéria o art. 215.º/1 (sociedade por quotas), 288.º/1 e
291.º/4 e 5 (sociedades anónimas). Porém, o art. 215.º é aplicável analogicamente às
sociedades em nome colectivo, em comandita simples e, para os sócios comanditados, por
acções; os outros dois artigos são aplicáveis analogicamente nas sociedades em comandita por
acções (sócios comanditários).
 Art. 215.º/1: a recusa é legítima quando haja receio que o sócio utilize a informação
para fins estranhos e com prejuízo desta; e quando originar violação de segredo
imposto por lei no interesse de terceiro. Existe receio legitimador quando, atendendo
à natureza da informação pedida e à situação do sócio, haja forte probabilidade de a
mesma informação ser utilizada para fins diferentes, daí resultando prejuízo para a
sociedade.
 Art. 288 e 289.º/1 e 2: a recusa da consulta dos documentos previstos no art. 289.º não
é lícita; já a dos documentos do art. 288.º só é recusável quando o sócio alegue
motivo justificado.

Quais são as consequências da violação deste dever?

 A recusa ilícita de informações em assembleia geral é causa de anulabilidade das


respectivas deliberações (art. 290.º/3), sendo também anuláveis as deliberações que
não tenham sido precedidas de certas informações (arts. 214.º/2 e 5, 263.º/1 e 289.º),
art. 58.º/1/a) e c).
 Os gerentes ou administradores que recusem ilicitamente informação ou prestem
informação falsa, incompleta ou não elucidativa violam um dever legal; se esse
comportamento causar dano à sociedade e/ou sócio, incorrem em responsabilidade
civil (arts. 72.º e segs. e 79.º) e criminal (arts. 518.º e 519.º).
 Existe também a possibilidade de requerer inquérito judicial (arts. 181.º/6, 216.º/1,
292.º/1).
 O sócio não-accionista que utilize as informações obtidas de modo a prejudicar
injustamente a sociedade e outros sócios é responsável, nos termos gerais, pelos
prejuízos que lhes causar e fica sujeito a exclusão (arts. 181.º/5 e 214.º/6); o accionista,
responsável nos termos gerais (art. 291.º/6).

2.1.4 Direito à designação para os órgãos sociais de administração e fiscalização

O art. 21.º/1/d) prevê que todo o sócio tem direito a ser designado para os órgãos de
administração e fiscalização. Este não é, porém, um direito subjectivo propriamente dito –
“nem o sócio tem o poder de exigir ou pretender que seja designado, nem os outros sócios têm
o dever jurídico de o designar”. Os sócios têm é o direito de não serem excluídos para o
órgãos de administração e para órgãos de fiscalização.

2.2 Obrigações

2.2.1 Obrigação de entrada

2.2.1.1 Entradas possíveis

Segundo o art. 20.º/a), os sócios são obrigados a entrar para a sociedade com bens
susceptíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria.
Esta é a “primeira e fundamental obrigação de todos os sócios primitivos de uma sociedade”
(p. 247).

O termo “entrada” aparece na lei quer como prestação, quer como objecto da prestação –
atendendo a este último sentido, distinguem-se três tipos de entradas:
 Entradas em dinheiro: é cumprida através da entrega de papel-moeda ou por meio
de cheque ou ordem de transferência bancária.
 Entradas em espécie: são entradas em bens diferentes de moeda e indústria (por
ex., imóveis ou empresas). Podem entrar com a propriedade desses bens, mas também
com outros direitos reais ou mesmo a título obrigacional (hipótese confirmada pelo
art. 25.º/4). Apesar de o art. 20.º/1/a) se referir a bens susceptíveis de penhora, deve
entender-se “serem permitidas também as entradas com bens que, não obstante serem
impenhoráveis, são susceptíveis de avaliação económica, contribuem para o exercício
da actividade social e aproveitando, assim, também aos credores sociais” (p. 250).
 Entradas em indústria: os sócios obrigam-se a prestar determinada actividade ou
trabalho à sociedade. Apenas os sócios de responsabilidade ilimitada podem entrar
com indústria (sociedade em nome colectivo e sócios comanditados nas sociedades em
comandita, arts. 176.º/1/a) e b) e 468.º); nas sociedades por quotas, anónimas e em
comandita (quanto aos sócios comanditários), estas entradas são proibidas (arts.
202.º/1, 277.º/1 e 468.º). Isto é assim devido à frágil consistência das entradas em
indústria, que não se compagina com a responsabilidade limitada.

2.2.1.1 Avaliação de entradas e aquisição de bens a accionistas

O art. 28.º exige a avaliação dos bens nas entradas em espécie, que deve ser feita por um
ROC designado por deliberação dos sócios (n.º 2, salvo o sócio que tiver feito a entrada).
Quando se verifique um erro na avaliação feita pelo revisor, o sócio é responsável nos termos
do art. 25.º/3.

Os interesses acautelados pela exigência de avaliação das entradas em espécie seriam postos
em causa se a sociedade, pouco depois da constituição, pudesse adquirir onerosa e
livremente bens aos sócios. Por ex., “um sócio entrou com 10.000 em dinheiro; logo depois a
sociedade comprou-lhe por 10.000 um veículo que valia 8.000; a venda do veículo traduziu-se
praticamente numa entrada em espécie dissimulada”. Assim, o art. 29.º prevê que, “sob pena
de ineficácia, a aquisição de bens por uma sociedade anónima ou em comandita por acções
deve ser aprovada por deliberação dos sócios – precedida de verificação do valor dos bens
nos termos do art. 28.º – quando seja efectuada antes da celebração do acto constituinte, em
simultâneo com ela ou nos dois anos seguintes a um sócio e o contravalor desses bens exceda
2% ou 10% do capital social, consoante este foi igual ou superior a 50.000€, ou inferior a esta
importância” (p. 253).

O valor das entradas em indústria também deve constar do estatuto, mas a avaliação é feita
pelos sócios – não só temos uma responsabilidade ilimitada dos sócios, como o valor das
contribuições em indústria apenas servem para o cálculo na participação nos lucros e perdas
(art. 176.º/1/b)).

2.2.1.3 Valor das entradas e valor das participações


O valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não inferior, ao valor das
correspondentes participações (art. 25.º/1 e 2). Desta forma, consegue-se que o valor do
património social inicial seja pelo menos idêntico ao capital social.

2.2.1.4 Tempo das entradas

O art. 26.º dispõe sobre o tempo das entradas:

 As entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato
(n.º 1).
 Sempre que a lei o permita, as entradas podem ser realizadas até ao termo do primeiro
exercício económico (n.º 2).
 Nos casos e termos em que a lei o permita, os sócios podem estipular contratualmente
o diferimento das entradas em dinheiro (n.º 3).

 Entradas em espécie:
 São realizáveis, em alguns casos, antes da celebração do acto constituinte; noutros
casos, realiza- se no momento da celebração do acto constituinte.
 Se a entrada consistir numa coisa ou numa entrada de mero gozo, não se pode
estabelecer no acto constituinte o diferimento da obrigação de entrada para além do
momento da celebração do acto (o art. 26.º/2 apenas se aplica às entradas em
dinheiro).

 Entradas em dinheiro: a regra é que devem ser realizadas até ao momento da celebração do
acto constituinte da sociedade (art. 26.º/1), porém, existem várias excepções:
 Para as sociedades constituídas nos termos do CSC, as entradas podem ser realizadas
até ao termo do primeiro exercício económico (arts. 26.º/2, 199.º/b), 204.º/4 e 1.º/b) do
DL 33/2011).
 Para as sociedades por quotas e anónimas constituídas através do regime da empresa
na hora ou on-line, permite-se a realização de todas as entradas em dinheiro até alguns
dias depois da celebração do acto constituinte (art. 7.º/2 DL 111/2005 e 6.º/1/e) DL
125/2006). Conjugando estes preceitos com o art. 1.º do DL 33/2011, conclui-se
ainda que, nas sociedades por quotas na hora e on-line, as entradas em dinheiro podem
ser realizadas até ao final do primeiro exercício económico (arts. 7.º/2 e 6.º/1/e)).
 Além destas excepções, temos ainda o diferimento de entradas em dinheiro. O
Código admite que o estatuto social preveja, em certos termos, o diferimento nos arts.
203.º/1 e 277.º/2, respeitantes às sociedades por quotas e anónimas (aplicável às
sociedades em comandita por acções).

o Nas sociedades por quotas, todas as entradas em dinheiro são diferíveis. O


pagamento deve ser efectuado em certas datas ou ficar dependente de certos
factos (art. 203.º/1); se o estatuto não fixar qualquer prazo, aplica-se o art.
777.º/1 do CCiv.
o Nas sociedades anónimas e em comandita por acções, pode ser diferida a
realização de 70% do valor nominal ou do valor de emissão das acções (art.
277.º/2).
 Nas sociedades por acções, o estatuto pode também fixar prazos, mas não
pode permitir o diferimento da realização das entradas em dívida por
mais de 5 anos (art. 285.º/1); não fixando o estatuto qualquer prazo,
aplica-se igualmente o art. 777.º/1 do CCiv.

Uma questão que se coloca é se, nas sociedades por acções, a percentagem das entradas
em dinheiro que é possível diferir se reporta a todas elas, globalmente consideradas, ou a
cada uma delas (i.e., se cada sócio tem de realizar até à celebração do contrato pelo menos
30% do valor das acções, ou se basta que as entradas realizadas por todos os sócios atinjam
30%). C. DE ABREU entende que, apesar de a letra do art. 277.º/2 não ser conclusiva,
deve-se entender que cada sócio tem de realizar a parte da sua entrada correspondente a
30%. O autor suporta esta solução com os seguintes argumentos:
1. Está de acordo com a ideia de sociedade comum comunidade de proveitos e riscos;
2. Torna mais difícil a participação nas sociedades de sujeitos precipitados ou irreflectidos;
3. Promove mais eficazmente a realização das entradas diferidas, pois os sócios sabem
que, se não realizarem as entradas, ficam sujeitos a perder as respectivas participações
e os pagamentos já realizados (art. 285.º/4) (p. 258).

 Entradas em indústria: são de execução continuada, exigem a actividade e cooperação do


sócio ao longo do tempo.

2.2.1.5 Meios para o cumprimento das entradas diferidas

A lei prevê vários mecanismos que asseguram o cumprimento da obrigação de entrada:

 Parte geral do CSC: valem nesta matéria os arts. 27.º e 30.º/1.


 Partes especiais relativas às sociedades por quotas e anónimas: o CSC prevê
procedimentos especiais de execução dos créditos derivados da falta de pagamento
pelos sócios remissos.
o Sociedades por quotas: se o sócio não efectuar a prestação, a sociedade dá um
prazo de 30 dias (art. 204.º/1), findos os quais pode deliberar a exclusão do
sócio e a perda da quota e pagamentos realizados ou a perda da quota
correspondente à prestação não efectuada (art. 246.º/1/b) e c), e art. 204.º/2).
Ver ainda arts. 205.º, 206.º, 197.º/1 e 207.º/1, 207.º/3, 208.º/1 e 208.º/2.

o Sociedades anónimas: os administradores avisam os accionistas que lhes é


concedido um prazo de 90 dias; não sendo o pagamento efectuado, podem os
sócios deliberar a perda a favor da sociedade das acções e pagamentos já
efectuados quanto a elas, ficando o sócio excluído quando a pera abranja todas
as acções que possuía (art. 285.º/4). Ver ainda arts. 286.º/1, 285.º/5 e 286.º/2 e
3, 4 e 5.

Coloca-se a questão de saber se há um dever de promoção pelas sociedades destes


procedimentos especiais. Apesar de a letra o art. 204.º/1 confirmar este entendimento, que
tutelaria os interesses da generalidade dos sócios e credores sociais, C. DE ABREU entende
que os administradores ou gerentes podem optar. “Em vez dos referidos procedimentos
especiais de execução, podem, tendo em conta as circunstâncias, recorrer ao processo geral de
execução contra os sócios remissos. O próprio CSC admite a faculdade de opção no final do
n.º 4 do art. 27.º ... e no n.º 4 do art. 207.º” (p. 263).
2.2.2 Obrigação de quinhoar nas perdas (remissão)

Iremos ver esta obrigação no capítulo do capital social.

2.2.3 Dever de actuação compatível com o interesse social ou/e dever de lealdade

Estes deveres não estão determinados em nenhuma norma, antes decorrem de princípios
jurídicos – princípio do comportamento compatível com o interesse social e/ou princípio da
lealdade do sócio (por sua vez, estes retiram-se da legislação e da jurisprudência). O dever de
actuação compatível com o interesse social e o dever de lealdade coincidem quase sempre;
porém, o dever de lealdade é mais amplo, abrangendo os comportamentos dos sócios em
que não está em causa o interesse social. C. DE ABREU dá preferência à primeira
designação.

2.2.3.1 Interesse social

 Quadro geral: em relação à problemática do interesse social, temos tradicionalmente duas


teorias em confronto:
 Institucionalismo: o interesse social é um interesse comum, não apenas dos sócios,
mas de outros sujeitos (credores, trabalhadores e até a colectividade nacional).
 Contratualismo: o interesse da sociedade é o interesse dos sócios enquanto tais.

Hoje, a propósito das concepções económicas e jurídicas dos interesses prosseguíveis pelas
empresas ou sociedades, fala-se das seguintes teorias:
 Teorias monísticas: identificam o interesse da empresa com o dos sócios.
 Teorias dualísticas: para além dos interesses dos sócios, os interesses dos
trabalhadores também relevam.
 Teorias pluralísticas: entra também o interesse público.
Nos últimos anos, primeiro nos EUA e depois noutros países, tem prevalecido a teoria
monística.

 Inviabilidade de uma concepção unitária de interesse social: durante muito tempo,


prevaleceu entre nós uma concepção unitária de interesse social, a concepção contratualista.
Para C. DE ABREU, esta concepção mantém-se válida no que toca ao relacionamento dos
sócios com a sociedade, na medida em que é critério delimitador de situações e
comportamentos dos sócios – por ex., através dele aferimos as situações de conflitos de
interesses para efeitos de impedimentos de voto (art. 251.º/1). Releva ainda para os arts.
328.º/2/c), 329.º/1 e 2, 460.º/2, e 181.º/5,214.º/6 e 291.º/6.

Já o art. 64.º vem adoptar uma perspectiva institucionalista, inviabilizando uma concepção
unitária de interesse social: relativamente aos critérios de comportamentos dos
administradores, estes devem actuar no interesse da sociedade, que inclui os interesses dos
sócios e de outros sujeitos relevantes, como os credores e trabalhadores.

 Interesse social e posição ou comportamento dos sócios: no âmbito do comportamento dos


sócios, o interesse social é o interesse comum a eles – não dos seus interesses divergentes, mas
sim da comunidade de interesses dos sócios ligada à causa comum do acto constituinte, o
escopo lucrativo. Porém, não existe um só interesse social, mas sim vários: “no interesse
social teremos uma relação entre uma necessidade – (em regra) a obtenção de lucro por parte
de todos e cada um dos sócios – e um ou mais bens determinados (sendo o caso) em cada
deliberação”. Assim, temos vários interesses sociais, consoante as situações com que a
sociedade se depara. C. DE ABREU define interesse social como “a relação entre a
necessidade de todo o sócio enquanto tal na consecução do lucro e o meio julgado apto a
satisfazê-la” (p. 270).

É à maioria que cabe decidir qual o bem mais apto para conseguir o fim social, i.e., escolhe o
interesse social em concreto. Porém, o interesse social não se confunde com o interesse da
maioria – caso contrário, não haveria deliberações abusivas.

2.2.3.2 Dever de lealdade dos sócios


 Noção, manifestações e fundamento

Para C. DE ABREU, este é um dever de conteúdo negativo, que “impõe que cada sócio não
actue de modo incompatível com o interesses social (interesse comum a todos os sócios
enquanto tais) ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade” (p. 282).
Este dever contém várias manifestações legais, entre elas:
 Art. 58.º/1/b) – anulabilidade das deliberações dos sócios abusivas.
 Art. 83.º – o sócio com poder para designar ou fazer eleger os membros dos órgãos de
administração ou fiscalização responde perante a sociedade ou sócios quando tenha
actuado culposamente na escolha dos mesmos.
 Art. 184.º e 187.º – obrigação de os sócios de responsabilidade ilimitada não
concorrerem com a sociedade.
 Ver ainda art. 242.º, e 251.º e 384.º/6.

Porém, o dever de lealdade existe mesmo em situações não previstas na lei. Exemplos:

 Dever de o sócio não aproveitar em benefício próprio as oportunidades de negócios


da sociedade.
 Dever de o sócio não impugnar judicialmente deliberações sociais, a fim de pressionar
a sociedade ou sócios dominantes a pagarem somas de dinheiro.
 Nas sociedades personalísticas, em que o dever de lealdade é mais intenso, os sócios
não devem difundir opiniões negativas sobre a sociedade.
 Dever de o sócio não transmitir a sua participação social a um terceiro “predador”
(pretende adquirir o controlo da sociedade).

Qual o fundamento do dever de lealdade? Apesar de alguns autores o verem no princípio da


boa fé, para COUTINHO DE ABREU “o dever de lealdade tem o seu fundamento primeiro
na natureza da sociedade enquanto instrumento para a consecução de determinado fim ou a
satisfação de interesses sociais – o sócio está vinculado a respeitar essa natureza, a mover-se
dentro do círculo permitido por esse fim ou interesses” (p. 285).
Outra questão que se coloca é a de saber se este dever é igual em todos os tipos societários.
Assim, temos:
 O dever de lealdade é mais intenso e extenso nas sociedades de pessoas (em nome
colectivo, comandita simples e ainda nas por quotas) do que nas outras.
 É também mais intenso e extenso para sócios maioritários e de controlo dominante do
que para os minoritários. Por exemplo, o não aproveitamento de oportunidades
negociais vale para os sócios de todas as sociedades, variando conforme os sócios e
acesso aos negócios; a obrigação de não concorrência impende somente sobre sócios
maioritários.

 Dever de lealdade perante a sociedade e entre os sócios

Temos duas subrelações dentro da sociedade: sócio/sócio e sócio/sociedade. Há autores que


distinguem, nesta linha, o dever de lealdade perante a sociedade e o dever de lealdade entre os
sócios – por ex., um aumento do capital social num momento em que é desnecessário perante
a sociedade e em que a maioria sabe haver sócio minoritário sem possibilidade de participar.

No entanto, para COUTINHO DE ABREU, o dever de lealdade perante a sociedade acaba


por ser um dever perante os sócios, de actuar de modo compatível com o interesse comum a
todos os sócios. Além disto, distinguir estes dois deveres implicaria que o interesse social
seria neutro, o que não é verdade pois acaba por se objectivar nos sócios. Assim, a deliberação
do desnecessário aumento de capital é abusiva por favorecer especialmente uns sócios em
detrimento de outro. Porém, em algumas hipóteses, há possibilidade de os sócios lesarem
ilicitamente interesses de outros sócios sem lesarem interesses da sociedade – nestas
situações, podemos autonomizar o dever de lealdade entre os sócios. Uma das hipóteses é a
das deliberações emulativas, do art. 58.º/1/b).

Uma questão final é a de saber se o dever de lealdade inclui interesses para além da
sociedade, extra- sociais. Em alguns casos, parece que sim, nas sociedades com um forte
pendor personalístico – por ex., uma sociedade por quotas com classes familiares entre os
sócios (temos vários candidatos a gerentes, mas um é filho de um dos sócios – temos aqui
uma comunhão que importa respeitar).

Esta é uma das matérias mais importantes hoje em dia, principalmente porque hoje se verifica
um fenómeno de “regresso às origens”, de atribuição de um maior poder dos sócios.

 Sanções

A violação do dever de lealdade constitui uma ilicitude, geradora de responsabilidade


extracontratual. Quando há deliberações, as deliberações que violem o dever de lealdade são
anuláveis, sendo anulada em concreto se os votos viciados contribuírem para formar a
maioria.

 Dever do sócio único

Finalmente, coloca-se a questão de saber se este dever existe nas sociedades unipessoais –
RICARDO COSTA entende que sim, pois o interesse da sociedade é o interesse do sócio
enquanto sócio, logo existe uma esfera de interesse do sócio que não coincide com o da
sociedade. COUTINHO DE ABREU é da mesma opinião. Porém, o campo do dever de
lealdade nas sociedades unipessoais será muito reduzido – na prática, pode manifestar-se
nos casos do art. 83.º (o sócio único não-gerente não deverá influenciar a administração
de modo a que esta cause prejuízos à sociedade) e art. 58.º/1/b) (deliberações abusivas, que
poderão ser impugnadas pelo órgão de fiscalização quando exista, art. 59.º/1).

CAPÍTULO VI: CAPITAL E PATRIMÓNIO SOCIAIS, LUCROS, RESERVAS E


PERDAS

1. Capital social (noções)

O capital social é uma cifra estatutária, que consta do estatuto social (art. 9.º/1/f) CSC).
Para a concepção tradicional e dominante, o capital é a cifra representativa da soma dos
valores das entradas dos sócios. Porém, para COUTINHO DE ABREU, esta concepção é
incorrecta: o valor das entradas em indústria não é computado no capital social (art. 9.º/1/f)
e 178.º/1); e o valor das entradas pode ser superior ao valor das participações
correspondentes (art. 295.º/2/a) e 3/a), exemplo dos prémios de emissão) ou mesmo inferior
(art. 289.º/2).

Assim, o capital social deve ser definido como a cifra representativa da soma dos valores
nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie. Temos
quatro elementos:
 Cifra;
 Representação;
 Soma de valores nominais,
 Participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie.

Porém, apesar de esta noção ser válida para a maioria das sociedades, não o é para as
sociedades anónimas com acções sem valor nominal (DL 49/2010). Para estas sociedades, o
capital social será antes a cifra livremente fixada nos estatutos que representa o valor mínimo
das entradas a realizar pelos sócios (art. 25.º/2 e 298.º/1). O valor de emissão das acções é
igual ao valor das entradas do capital social, são os sócios que decidem o prémio de emissão.

O capital social aparece muitas vezes na lei noutra acepção, de capital social real – é o
montante de bens destinados a cobrir o capital social estatutário. O capital social não se
confunde com o património, conjunto de relações jurídicas: o património também é uma
cifra, mas que tem correspondência com um conjunto de relações jurídicas e bens. O
património social pode ser superior ao capital social real.

Temos ainda a noção de capital próprio de uma sociedade que equivale ao património (ou
activo) líquido de uma sociedade (arts. 32.º/1, 35.º/2, 171.º/2, 349.º/1 e 2).

2. Património social (em confronto com o capital social)


O património de uma sociedade é o conjunto de relações jurídicas com valor económico, i.e.,
avaliável em dinheiro. “Se nem todas as sociedades, como vimos, têm de ter capital social,
todas elas têm património. Logo no momento inicial, ele é constituído ao menos pelos
direitos correspondentes às obrigações de entrada. Depois, à medida que decorre a vida
societária, o património vai-se alterando com a entrada de outros direitos ou bens e de
obrigações” (p. 405).

O património e capital sociais não se confundem: enquanto que o capital é uma cifra, uma
realidade aritmético-monetária; o património é uma realidade composta por relações
jurídicas. No momento da sociedade originária, o capital e património geralmente
correspondem. O património pode ser maior do que o capital, não pode é ser menor (o valor
das entradas não pode ser inferior ao valor do capital).

3. Funções do capital social

Quais são as funções do capital social?

 Função de financiamento: o valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não
inferior, ao valor nominal das participações (art. 25.º/1 e 2), i.e., o património social
inicial tem de ser pelo menos igual ao capital social. Os bens deste património são
um meio de financiamento, sendo que esta função de financiamento tem mais
importância ao início, depois perde valor.
Esta função de financiamento não existe no capital mínimo legal geral das sociedades
anónimas (art. 276.º/5) e no capital social mínimo estatutário das sociedades por
quotas (arts. 201.º, 219.º/3).

 Função de ordenação: “o capital social aparece na lei como critério para


determinação da medida de direitos e obrigações dos sócios, da existência de certos
direitos na titularidade de sócios, e dos quóruns deliberativos” (p. 407).
o Em regra, os sócios participam nos lucros e nas perdas sociais segundo a
proporção dos valores das participações no capital (art. 22.º/1). Ver também
arts. 250.º/1 e 384.º/1.
o A existência de certos direitos dos sócios é determinada por referência ao
capital social (por ex., art. 77.º/1).
o Nas sociedades por quotas, certas deliberações exigem um quórum
deliberativo qualificado (arts. 265.º/1 e 270.º/1; para as sociedades anónimas,
art. 383.º/2).

 Função de avaliação económico-financeira das sociedade: o capital social é um


dos parâmetros utilizadas na avaliação económico-financeira da sociedade; porém, esta
função é pouco relevante – esta avaliação prescinde do capital nas sociedades sem ele,
e poderia fazer-se recorrendo apenas ao confronto entre activo e passivo.
 Função de garantia dos credores: está ligada ao princípio da intangibilidade do
capital social, que nos diz que a sociedade não pode atribuir aos sócios bens sociais
necessários à cobertura do valor do capital social e reservas indisponíveis, i.e., os
sócios não podem tocar no capital social. Está previsto no art. 32.º/1 do CSC. Note-se
que o capital social não é garantia geral das obrigações da sociedade (a garantia é o
património, art. 601.º CCiv.) – os credores estão protegidos pela proibição de o
património social líquido se tornar inferior ao valor do capital e reservas legais e
estatutárias em virtude de distribuições de bens aos sócios.
Porém, esta é uma garantia fraca:
o O capital social pode ser muito baixo, nomeadamente em função das regras dos
capitais sociais mínimos (50.000€ para as sociedades anónimas e 1€ para as
sociedades por quotas).
o O património líquido pode descer abaixo da cifra do capital por outras causas que
não a distribuição de bens aos sócios.

4. Lucros

4.1 Noções

O capital social também é importante na matéria da distribuição dos lucros. O lucro


societário é o ganho traduzível em incremento do património da sociedade; porém, temos
diversas noções de lucro:
 Lucro de balanço: é a diferença entre o valor do património social líquido e o valor
conjunto do capital social e das reservas indisponíveis. Marca o limite máximo de
bens que podem ser distribuídos aos sócios (art. 32.º).
 Lucro de exercício: é o lucro que designa a diferença entre o valor do património
social líquido no final e início de cada período. Releva, por ex., para a constituição da
reserva legal (arts. 218.º e 295.º/1). Tem de estar dentro do lucro de balanço.
 Lucro final: é apurado na fase terminal da sociedade e corresponde ao excedente
do património social líquido sobre o capital social.
4.2 Direito dos sócios a quinhoar nos lucros

Todos os sócios têm direito a quinhoar nos lucros, que se traduz na faculdade de exigir
parte dos lucros (em regra, na proporção do valor da respectiva participação no capital
social, art. 22.º/1)), quando os mesmos sejam ou tenham de ser distribuídos. Isto não quer
dizer que cada sócio, quando haja lucros distribuíveis, possa exigir uma parte deles: só o
pode fazer se e quando os lucros sejam ou devam ser distribuídos.
O art. 22.º/3 diz que é nula a cláusula que exclua este direito, i.e., é proibido o pacto
leonino. Esta proibição visa garantir o bom funcionamento da sociedade. Note-se que a regra
do art. 22.º/1 admite convenção em contrário (é dispositiva), pelo que o estatuto pode
estabelecer que os sócios quinhoam nos lucros mais que proporcionalmente (direito especial).

É possível que sujeitos diferentes dos sócios participem nos lucros? O CSC prevê esta
possibilidade (arts. 255.º/3 e 399.º/2 e 3), e os estatutos podem prevê-lo – por ex., estabelecer
que os trabalhadores terão o direito de participar nos lucros. A lei dá poder aos sócios de
deliberar sobre a distribuição dos lucros, e neste poder deliberativo deve estar incluído o
poder de determinar a distribuição por não sócios (arts. 189.º/3, 246.º/1/e) e 376.º/1/b)).
Claro que depois este poder tem de respeitar certos princípios, como o da especialidade do
fim.

4.2.1 Distribuição dos lucros de balanço

Em regra, os sócios não têm direito ao lucro de balanço ou total (limitado no art. 32.º), não
têm o poder de exigir a sua repartição. Têm apenas direito a exigir que a administração lhes
apresente um relatório de gestão (art. 65.º/1 e 5), com uma proposta de aplicação de
resultados (art. 66.º/5/f)) e de deliberar sobre tal aplicação (arts. 189.º/3, 246.º/1/e) e
376.º/1/b)).

No entanto, encontramos duas excepções a esta regra.


 Titulares de acções preferenciais sem voto: têm direito a dividendo prioritário
anual retirado do lucro de balanço (arts. 341.º/2 e 342.º).
 Sociedades por quotas e anónimas: não se verificando certas condições, os sócios
têm direito à distribuição de pelo menos metade do lucro de exercício distribuível
(arts. 217.º/1 e 294.º/1). O lucro distribuível tem de estar compreendido dentro do
lucro de balanço, i.e., tem de respeitar o limite do art. 32.º.

Uma vez adoptada a deliberação de distribuição de lucro, os sócios ficam com um direito de
crédito
sobre o quinhão respectivo. Notas:

 Nas sociedades por quotas e anónimas, o crédito do sócio não se vence imediatamente
(arts. 217.º/2 e 294.º/2) – vence-se passado 30 dias, com possibilidade de estender o
prazo.
 Existem certas situações em que os administradores não devem executar a deliberação
de distribuição de lucros: quando puder resultar um património social líquido inferior
ao capital social e reservas indisponíveis (art. 31.º/2/a)); e em caso de providência
cautelar de suspensão (art. 381.º/3 do CPC) ou de acção de invalidade da deliberação
(art. 31.º/4).
No caso de os sócios receberem a título de lucros bens cuja distribuição não era permitida por
lei, o art. 34.º dispõe que só são obrigados à restituição os sócios que conheciam a
irregularidade da distribuição ou não deviam ignorá-la (sócios de má-fé). O n.º 2 estende
este regime ao transmissário do direito do sócio.

4.2.2 Distribuição de lucros de exercício

Na distribuição de lucros de exercício nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita


por acções, regem os arts. 217.º e 294.º. Segundo estes artigos, verificando-se que existe
naquele período lucro de exercício distribuível, se o estatuto social não dispuser
diferentemente (quanto à medida de distribuição, ou quanto à maioria dos votos exigida) e
se os sócios não deliberarem por maioria qualificada (três quartos) distribuir menos de
metade, a sociedade fica obrigada a distribuir aos sócios metade do lucro de exercício. Esta
é, por isso, uma regra supletiva. Notas:
 O lucro de exercício tem de ser distribuível (art. 33.º/1) – não são distribuíveis os
lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores
ou reconstituir reservas impostas por lei (arts 218.º e 295.º) ou pelo estatuto social.
 Assim, as operações que temos de fazer são: em primeiro lugar, retirar os
montantes necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores; em segundo,
distribuir os lucros; em terceiro, aferir do respeito pelo art. 32.º.
 Não relevam aqui eventuais resultados positivos transitados de anos anteriores.

COUTINHO DE ABREU coloca algumas questões de interpretação/aplicação dos arts.


217.º/1 e 294.º/1 (p. 423).
 O estatuto social nada diz acerca da distribuição dos lucros – os sócios têm direito à
distribuição de metade do lucro, sob condição de não ser adoptada por maioria de três
quartos dos votos emissíveis uma deliberação de distribuição de menos de metade.
o E se a deliberação for adoptada por maioria simples? Voltamos à regra
supletiva e os sócios têm direito a metade (podendo exigir o cumprimento
judicial da obrigação, art. 817.º do CCiv.). Se o presidente da assembleia
declarar que a proposta foi aprovada, a deliberação é anulável (art. 58.º/1/a)),
podendo os sócios pedir na acção anulatória a condenação da sociedade a
entregar os respectivos quinhões.
o Nada é decidido e passam 30 dias sobre a data em que deveria ter havido
decisão sobre a aplicação dos resultado – o sócio continua a ter o direito de
exigir o quinhão correspondente.
 O estatuto social diz algo sobre a distribuição dos lucros de exercício.
o A cláusula estatutária comete à assembleia geral a fixação anual do destino a
dar aos lucros, por ex. permitindo uma deliberação por maioria simples – é
válida.
o A cláusula estatutária estabelece a distribuição aos sócios de certa percentagem
do lucro, que pode ser inferior a 50% – é válida (no entanto, há quem defenda
que esta cláusula é nula).
o A cláusula estatutária impõe a distribuição de todos os lucros – a doutrina
diverge. Os autores que defendem que é nula argumentam que o CSC
estabelece imperativamente a competência dos sócios deliberarem sobre a
aplicação dos resultados (arts. 246.º/1/e) e 376.º/1/b)), logo a cláusula que retira
este poder aos sócios é nula. COUTINHO DE ABREU entende que esta
cláusula é válida – aqueles são preceitos gerais de competência deliberativa e
os arts. 217.º e 294.º/1 contêm preceitos especiais. RICARDO COSTA inclina-
se para a primeira posição.
o A cláusula estatutária impõe a não distribuição dos lucros de exercício – aqui
colocam-se mais dúvidas. Em geral, entende-se que é nula. COUTINHO DE
ABREU admite a validade em geral desta cláusula: nas sociedades constituídas
por tempo determinado, a questão é mais pacífica; nas de tempo indeterminado,
considera que é válida uma vez que a impossibilidade de distribuição dos
lucros de exercício não significa a impossibilidade de distribuição de lucros de
balanço e reservas livres, logo os sócios continuam a ter o direito de quinhoar
nos lucros.

4.2.3 Distribuição do lucro final

A sociedade, para se extinguir, vai liquidar-se. Na liquidação da sociedade, depois de


satisfeitos ou acautelados os direitos dos credores sociais (art. 154.º), existindo activo
remanescente, é destinado:
 Em primeiro lugar, ao reembolso do montante das entradas realizadas (art. 156.º/2);
 Se restar algum activo, temos o lucro final propriamente dito, que é distribuído pelos
sócios na medida aplicável à distribuição dos lucros em geral (art. 156.º/4), i.e.,
segundo a regra do art. 22.º/1.

Assim, com a deliberação de aprovação das contas finais, os sócios ficam com um direito de
crédito à entrega pela sociedade dos respectivos quinhões no lucro de liquidação, que podem
ser compostos por bens em espécie (art. 156.º/1).
4.2.3 Distribuição de lucros de balanço e de exercício com bens em espécie?

Os lucros finais podem ser distribuídos em espécie; porém, em relação aos lucros de balanço e
de exercício, a lei nada diz. COUTINHO DE ABREU defende que o art. 156.º/1 se pode
aplicar analogicamente aos lucros de balanço e de exercício, e assim podem ser distribuídos
lucros em espécie se tal possibilidade estiver prevista nos estatutos ou se todos os sócios
o deliberarem. Existem mesmo
situações em que é aconselhável a distribuição em espécie – por ex., a sociedade teria de
recorrer ao crédito para satisfazer os lucros em dinheiro.

Notas:

 O valor dos bens deve ser o valor (regularmente calculado) inscrito no balanço.
 Deve ser respeitado o princípio do igual tratamento dos sócios.

4.2.4 Adiantamento sobre lucros

É possível adiantar lucros? A regra é a da anualidade – elaboração e apreciação das contas


da sociedade (arts. 65.º e segs., 263.º e 451.º e segs.), e com base na aprovação das mesmas,
deliberação de atribuição dos lucros (arts. 376.º/1/b), 246.º/1/e) e 248.º/1, 189.º/1 e 3). Porém,
existe uma excepção, prevista no art. 297.º: se o estatuto social autorizar, pode o órgão de
administração, com o consentimento do órgão fiscalizador, decidir ou deliberar que seja feito
aos sócios adiantamento sobre o lucro de exercício corrente. Fora do âmbito de aplicação
deste artigo, os sócios não podem deliberar um adiantamento do lucro.

4.2.5 Transmissão de direitos aos lucros e transmissão de participações sociais

Os sócios não podem transmitir autonomamente o direito geral ou potencial a quinhoar


nos lucros, uma vez que este é uma componente não autónoma da participação social.
 Porém, o sócio pode dispor de um quinhão de lucro, enquanto crédito futuro – quando
o crédito se tornar actual (com a deliberação de distribuição de lucros) e o cedente
permanecer sócio, então o cessionário tem direito a ele.
 Para além disto, o direito de crédito a uma quota-parte do lucro, porque se
autonomizou da participação social, é transmissível, com ou sem ela. No regime das
acções, o art. 55.º/2 do CVM diz que, se tiver havido destaque do direito ao dividendo,
tem legitimidade para exercer o direito o titular do direito destacado e não o titular
das acções (art. 55.º/1 e 3/a) CVM).

5. Reservas
5.1 Noção

COUTINHO DE ABREU define reserva societária como a “cifra representativa de valores


patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou
não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais perdas sociais e para
autofinanciamento” (p. 455).
Constituem uma defesa do capital social, compensando as perdas ou sendo um meio de auto-
financiamento.

As reservas resultam de lucros que a sociedade não pode distribuir (caso das reservas legais e
estatutárias) ou não querem distribuir, i.e., que os sócios deliberam não distribuir (reservas
facultativas ou livres).

Temos vários tipos de reservas:

 Reserva legal e equiparadas (arts. 218.º e 295.º);


 Reservas estatutárias (art. 33.º/1);
 Reservas livres (art. 220.º/2);
 Reservas ocultas (art. 33.º/3).

5.2 Espécies de reservas

 Reservas legais e equiparadas

As sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções devem constituir reserva
legal (arts. 218.º, 295.º/1 e 478.º). Notas:
 Pelo menos 5% dos lucros de exercício devem ser afectados à constituição da reserva
legal, até que corresponda a 20% do capital social; estes valores podem ser mais
elevados (art. 295.º/1). Nas sociedades por quotas, o valor mínimo de reserva é de
2.500€ (art. 218.º/2).
 A reserva legal só pode ter as aplicações do art. 296.º.
 Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as do art. 295.º/2 (reservas equiparadas), e
têm a mesma destinação que esta.
 São nulas as deliberações dos sócios violadoras dos arts. 295.º e 296.º (quer pelo art.
56.º/1/d), uma vez que se trata de normas imperativas; quer pelo art. 69.º/3).

 Reservas estatutárias
Os sócios podem estabelecer nos estatutos que certa percentagem dos lucros de exercício será
afectada a uma reserva, com ou sem indicação do seu destino (o que não impede que seja
aplicada na cobertura de perdas (art. 296.º/a) e b)).

As deliberações dos sócios desrespeitadoras das regras estatutárias sobre constituição e


aplicação da reserva são, em geral, anuláveis (art. 58.º/1/a), in fine); porém, são nulas as
deliberações distribuidoras de bens sociais que desrespeitem a intangibilidade da reserva
estatutária (arts. 32.º/1, 33.º/1 e 56.º/1/d)).
 Reservas livres

As reservas livres são constituídas por deliberações dos sócios, que lhes podem afectar a
totalidade ou parte dos lucros de exercício distribuíveis. Porém, é necessário respeitar os
limites dos arts. 217.º/1 e 294.º/1: se a constituição de reservas livres implicar que serão
distribuídos menos de metade dos lucros de exercício, tal só é válido se existir cláusula
contratual neste sentido ou se houver uma deliberação adoptada por maioria qualificada dos
votos emissíveis.

 Reservas ocultas

As reservas ocultas propriamente ditas resultam de más práticas e ocorrem quando um balanço:

 Omite uma verba no activo ou inclui uma verba fictícia no passivo;


 Subvaloriza bens no activo ou sobrevaloriza o passivo.

Nestes casos, o património líquido da sociedade aparece com um valor inferior ao valor real,
sendo que a diferença entre estes dois valores constitui uma reserva oculta. Podemos ter
reservas ocultas lícitas ou tácitas no segundo caso, quando a subvalorização de bens do activo
é devida à utilização de critérios legais de mensuração ou de amortização.

As deliberação que aprovem contas com reservas ocultas são nulas (art. 69.º/3, parte final).

6. Perdas

6.1 Espécies

As perdas são decréscimos ou quebras no património da sociedade. Temos várias espécies de


perdas:
 Perda de balanço: é a diferença negativa, registada em balanço, entre o valor do
património social líquido e o valor do capital social e reservas indisponíveis.
 Perda de exercício: é a diferença negativa do valor do património social líquido no
final do exercício relativamente ao que se verificava no início.
 Perda final ou de liquidação: é a diferença negativa entre património social líquido no
termo da liquidação da sociedade e o capital social.

6.2 Obrigação de quinhoar nas perdas


Todo o sócio é obrigado a quinhoar nas perdas, salvo o disposto quanto a sócios de
indústria (art. 20.º/b) e 22.º/3).

A participação nas perdas não significa responsabilidade por dívidas, a sociedade pode ter
perdas e ir pagando as dívidas. “Perdas sociais não é o mesmo que dívidas sociais, participar
nas perdas da sociedade não é o mesmo que responder perante credores da sociedade” (p.
439). Por outro lado, também não é a obrigação, perante a sociedade, de fazer contribuições
adicionais para anular as perdas. O que esta obrigação significa é que todo o sócio corre o
risco de perder (total ou parcialmente) o investimento feito como contrapartida da
aquisição de participação social. Isto remete-nos para as perdas finais, o sócio pode ser
confrontado com a impossibilidade de reaver o património investido na sociedade.

O art. 20.º/b) e 22.º/3 ressalva o disposto quanto a sócios de indústria; porém, também estes
estão sujeitos a perder o valor das suas entradas quando haja perdas (art. 176.º/1/b)). O art.
178.º/2 refere-se à responsabilidade dos sócios perante credores sociais e significa que o sócio
de indústria que satisfaça obrigações da sociedade tem o direito de exigir dos sócios de capital
o montante que pagou.
CAPÍTULO VII: ÓRGÃOS SOCIAIS

SECÇÃO I: DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS

1. Preliminares

Vamos ver as deliberações ineficazes e as deliberações inválidas. O CSC não prevê as


deliberações

inexistentes; porém, encontramos deliberações inexistentes em dois tipos de hipóteses:

 Não correspondência dos factos a qualquer forma de deliberação dos sócios (ex:
deliberação tomada pelos trabalhadores).
 Não correspondência dos factos à forma de deliberação invocada (ex: a assembleia
geral nunca se realizou).

As deliberações inexistentes não produzem quaisquer efeitos, e a inexistência pode ser


invocada a todo o tempo por qualquer pessoa.

2. Deliberações ineficazes

2.1 Em geral

As deliberações ineficazes estão previstas no art. 55.º, que diz que “salvo disposição legal em
contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento
de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu
acordo, expressa ou tacitamente”. Ou seja, faltando o consentimento de um sócio exigido por
lei, a deliberação não produz efeitos, sendo que esta ineficácia é absoluta e total. Notas:
 O referido consentimento pode ser dado nas respectivas deliberações ou fora delas.
 O consentimento pode ter de ser dado por vários sócios (sócios determinados ou
determináveis), sendo suficiente o não consentimento de um deles para a ineficácia; ou
ainda pode ser necessário consentimento formado colegial-maioritariamente (art.
24.º/6).

Exemplos:

 Deliberações que suprimam ou restrinjam direitos especiais dos sócios sem o


consentimento dos respectivos titulares (art. 24.º/5 e 6);
 Deliberações de transformação de sociedade que importem para todos ou alguns sócios
a assunção de responsabilidade ilimitada, sem aprovação pelos sócios que devam
assumir essa responsabilidade (art. 133.º/2).
 Ainda arts. 136.º/1, 221.º/7, 229.º/4 e 328.º/3).

Para além disto, o CSC prevê casos de ineficácia relativa (permitido pela 1ª parte do art.
55.º). É o caso das deliberações do art. 86.º/2 e 244.º/2.

Os órgãos societários podem atuar em conformidade com as deliberações ineficazes, pelo que
neste caso pode-se intentar acções de simples apreciação com o fim de obter a declaração
judicial de ineficácia das deliberações.

2.2 Acta, condição de eficácia das deliberações?

A acta é o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia
ou por voto escrito, e ainda de outros dados do respectivo procedimento deliberativo. Notas:
 Por regra, as actas são lançadas em livro de actas, sendo hoje possível o suporte
electrónico (31.º/1 , 37.º e 39.º/1 CCom.).
 Apesar do disposto no art. 63.º/1, as actas não respeitam somente às deliberações
adoptadas em assembleias, também as deliberações por voto escrito devem ser
registadas (arts. 247.º/6, 59.º/2/b)). Apenas não têm de constar as deliberações
unânimes por escrito.
 As actas notariais são lavradas por notário (art. 46.º/6 CNot.), e as relativas a
deliberações por voto escrito são redigidas por gerente (art. 247.º/6).
 As actas particulares de assembleias gerais das sociedades anónimas e em comandita
por acções devem ser assinadas pelo presidente da assembleia, assim como por
secretário desta ou, quando exista, secretário da sociedade (arts. 388.º/2, 446.º-B/1/b)).
Já as das sociedades por quotas, em nome colectivo e em comandita simples devem ser
assinadas por todos os sócios.
 A lei não diz quando deve ser elaborada a acta de assembleia geral, sendo que é
recomendável fazê-lo antes do encerramento da assembleia.
A questão que se coloca é a de saber se uma deliberação efectivamente tomada mas não
documentada em acta (ou porque esta não foi lavrada ou porque não faz menção à
deliberação) sofre por isso em termos de validade ou eficácia. Esta é uma matéria que
suscita divergências doutrinais – existem autores que defendem que tal deliberação seria
inexistente, nula, anulável, ineficaz, ou de que nada disso sofreria. COUTINHO DE ABREU
entende que a deliberação é válida e eficaz (p. 452):
 “Uma deliberação adoptada pelos sócios em forma apropriada é, apesar da falta de
acta, de facto e juridicamente existente”.
 “Depois, a acta não é modo ou meio pelo qual os sócios exprimem ou exteriorizam a
sua vontade deliberativa, não é forma nem formalidade ad substanciam; por isso, e
também pelas balizas fixadas no art. 56.º do CSC, não é nula a deliberação sem acta”.
 “Por sua vez, a falta de acta, além de não inquinar o conteúdo da deliberação, também
não vicia o procedimento deliberativo”, logo não há lugar para a anulabilidade.

A tese maioritária é a tese da ineficácia das deliberações, que COUTINHO DE ABREU


rejeita. Por ex., as deliberações, enquanto não são registadas em acta, produzem efeitos. A
falta de acta acarreta consequências negativas, mas diferentes da ineficácia das deliberações:
as actas têm uma função certificativa, assegurando uma maior segurança e informação. Daí
que o art. 63.º/1 estabeleça que as deliberações dos sócios tomadas em assembleia só podem
ser provadas pelas actas. Porém, se em tribunal for desfeito o valor probatório de uma certa
acta e se provar ter sido adoptada uma deliberação nela não registada, deverá admitir-se
como provada a deliberação. Ou seja: para COUTINHO DE ABREU, a acta é meio
substituível de prova, e não condição de eficácia das deliberações.

Outros exemplos em que a falta de acta não acarreta ineficácia:


 Registo: as deliberações sujeitas a registo não podem ser registadas se não forem
comprovadas por acta; porém, esta impossibilidade de registo funda-se na falta de
documento comprovativo e não na ineficácia.
 Procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art. 380.º/2 CPC): no
caso de o requerente alegar que não lhe foi fornecida cópia da acta e a sociedade não a
apresentar, o tribunal considera que existente a deliberação (art. 568.º/d) e 63.º/1, arts.
417.º/1 e 2 do CPC e 344.º/2 CCiv.).
 Acção anulatória de deliberações do sócios: se o sócio invocar impossibilidade de
obter a acta (art. 59.º/4) e a sociedade não apresentar a acta, a solução é a mesma.

3. Deliberações nulas

As deliberações nulas verificam-se, desde logo, nos casos do art. 56.º. Este preceito não
esgota, porém, as situações em que se pode falar de deliberação nula – basta, por exemplo,
atentar no art. 69.º/3. O art. 56.º mostra-nos que a nulidade pode resultar quer de vícios de
procedimento, quer de vícios de conteúdo – os de conteúdo resultam do próprio regime
adoptado na deliberação; no procedimento, está em causa o conjunto de actos adoptados para
tomar aquela deliberação.

Em geral, podemos dizer que:

 Em regra, só a violação de normas legais imperativas pelo conteúdo das deliberações


provoca a nulidade destas (art. 56.º/1/d)). Assim, é necessário saber qual a natureza
da norma violada. Saber se temos uma anulabilidade ou nulidade é algo que nos
obriga a olhar para a norma violada
– é norma legal ou estatutária; e, sendo norma legal, é de natureza imperativa ou não?
Nos casos práticos temos de ver isto.
 Em relação aos vícios de procedimento, salvo caso excepcionais (art. 56.º/1/a) e b)),
estes originam a anulabilidade. A violação de normas legais pelo procedimento
deliberativo não dá origem a uma deliberação nula.
 As deliberações que ofendam disposições legais dispositivas ou normas estatutárias não
são nulas, mas em princípio apenas anuláveis (art. 58.º/1/a)).

3.1 Deliberações nulas por vícios de procedimento

Segundo o art. 56.º, também os vícios de procedimento podem conduzir à nulidade, embora
em regra apenas tenham como consequência a anulabilidade (art. 58.º/1/a)). São os casos das
als. a) e b).

 Al. a): se a assembleia geral não for convocada, as deliberações são nulas, salvo se todos
os sócios estiverem presentes. Embora a letra da al. a) pareça levar a concluir que o que está
em causa é a ausência de todos os sócios, na verdade basta que um não seja convocado para
que esta sanção se aplique. “Apesar de a falta de convocação ser vício de procedimento, é
vício muito grave, na medida em que afasta sócios do exercício de direitos fundamentais da
socialidade – designadamente o direito de participar nas deliberações e o direito de obter
informações sobre a vida da sociedade” (p. 461).

Outra norma muito importante é o art. 56.º/2, que equipara casos em que houve convocação a
casos em que não houve convocação – estamos perante vícios tão graves que a lei trata estas
situações como se não tivesse havido convocação. Por ex., quando não se diz qual o dia da
assembleia, ou quando o aviso não seja assinado por quem tenha essa competência.

Note-se que as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada não são nulas se
todos os sócios tiverem estado presentes ou representados. Assim, se se tiverem cumprido os
requisitos da assembleia universal (art. 54.º), a deliberação é válida; senão, é meramente
anulável (vício de procedimento, art. 58.º/1/a)).

 Al. b): são nulas as deliberações dos sócios tomadas por voto escrito sem que todos os
sócios tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado
por escrito o seu consentimento. Isto refere-se à hipótese do art. 247.º: para se poder deliberar
por voto escrito, é necessário que todos os sócios acordem que assim seja (n.º 2 e 3), o que
requer uma consulta por escrito. Podendo proceder-se a votação pro escrito, o gerente envia a
todos os sócios a proposta (n.º 4).
O problema que aqui se coloca é o que significa “convidar”, i.e., qual o momento relevante
para se aferir se todos os sócios forma convidados? O art. 247.º faz menção a dois momentos
relevantes: o primeiro é a consulta; o segundo, o envio da proposta. A doutrina diverge muito,
sendo que COUTINHO DE ABREU e SOVERAL MARTINS defendem que o momento
relevante é o segundo – no momento em que se faz a consulta, não se está a exercer direito de
voto (está de acordo com o teor do art. 56.º/b)). Ou seja, a nulidade ocorre quando nem
todos os sócios foram convidados a votar por escrito, i.e., quando a proposta não é enviada
a todos os sócios.

Também aqui não há qualquer nulidade quando, apesar de um ou mais sócios não terem sido
convocados a exercer o direito de voto, afinal também deram o voto por escrito.

Na al. a) e b), estamos perante casos de nulidade atípicas, como revela o n.º 3, pois em certas
circunstâncias não podem ser invocadas. Os vícios da falta de convocação e da falta de
convite podem ser sanados posteriormente por vontade de todos os sócios que não
participaram nas deliberações – “a nulidade ... não pode ser invocada quando os sócios
ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem
posteriormente dado por escrito o seu consentimento”.

3.2 Deliberações nulas por vícios de conteúdo

Já nas al. c) e d), vamos encontrar vícios de conteúdo.

 Al. c): são nulas as deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a
deliberação dos sócios. Esta alínea é objecto de interpretações distintas na doutrina. Para
LOBO XAVIER, a al. c) faria sentido em dois conjuntos de situações:
 Deliberações sobre matérias atribuídas por lei, não aos sócios, mas a outro órgão.
 Deliberações que interfiram unilateralmente na esfera de terceiros.

SOVERAL MARTINS concorda com LOBO XAVIER. A norma 373.º/3 mostra a utilidade
da al. c), sendo que trata da distribuição de competências entre o órgão colectividade de
sócios e o órgão administração. Em matéria de gestão, os sócios só podem deliberar mediante
pedido do órgão de administração. Ora, o art. 373.º/3 tem natureza imperativa, mas em bom
rigor não podemos dizer que os accionistas nunca têm competência para deliberar sobre
aquelas matérias (i.e., o regime pode ser afastado) pois, se houver pedido do órgão de
administração, já podem. Isto significa que afinal a al. c) tem sentido útil: se os accionistas
deliberarem sobre matérias de gestão sem o pedido, estarão a deliberar sobre matérias que,
pela sua natureza (gestão), não teriam competência. Pelo art. 405.º, verificamos que existe um
conjunto muito vasto de matérias que a lei considera de gestão da sociedade.
Já COUTINHO DE ABREU entende que a al. c) não tem sentido útil perante a d), é
subsumida por ela. Contesta os dois casos identificados por LOBO XAVIER:
 Em relação à primeira situação, apenas se compreenderia que se integrasse na al. c) se
fosse um vício de procedimento; porém, uma regra legal que atribua competência
exclusiva a um órgão (ex: conselho de administração) em certas matérias significa ao
mesmo tempo a proibição da assembleia geral adoptar deliberações nessa matéria, logo
temos um vício de conteúdo. Tratando- se de normas imperativas, aplica-se a al. d).
 Por outro lado, a sociedade não pode interferir unilateralmente na esfera de terceiros –
a modificação desta esfera exige acordo entre os terceiros e a sociedade, nos termos de
normas imperativas (art. 406.º e 863.º/1 CCiv.). Assim, estas deliberações são nulas
porque ofensivas da aplicação de normas imperativas (al. d)).

 Al. d): são nulas as deliberações de conteúdo contrário aos bons costumes ou a preceitos
legais que não possam ser revogados. A segunda parte refere-se à violação de normas
imperativas. Isto acarreta um exercício de interpretação: quando é que uma norma é
imperativa?
 Desde logo, há indicações da norma legal nesse sentido;
 Se visa tutelar interesses dos credores, em regra será imperativa;
 Se visa tutelar interesses dos sócios indisponíveis;
 Se garante um certo esquema organizativo-funcional.

Já em relação às deliberações ofensivas dos bons costumes, não é fácil encontrarmos


exemplos – desde logo, pela fluidez e indeterminação da noção de bons costumes, e também
porque estes têm de ser contrariados pelo conteúdo. COUTINHO DE ABREU dá o exemplo
de uma deliberação em que os gerentes aceitarão de certos terceiros interessados em negociar
com a sociedade o depósito de dinheiro (“luvas”) em contas bancárias.

 Regime especial das deliberações de aprovação do relatório de gestão e de documentos de


prestação de contas

O art. 65.º/1 diz que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos
competentes da sociedade o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos
de prestação de contas, sendo que compete aos sócios deliberar sobre o relatório de gestão e
contas de exercício (art. 189.º/3 e 474.º, 246.º/1/e), 376.º/1/a) e 478.º). Estas deliberações
estão sujeitas, segundo o art. 69.º, a um regime especial de invalidade.

Este regime não é claro, sendo que podemos dizer, com COUTINHO DE ABREU, o seguinte:
 Se a norma violada relativa à elaboração de contas tiver uma projecção formal, caberá
no n.º 1 e a consequência é a anulabilidade. Por ex., é violada a norma que prescreve
dever ser o administrador a elaborar e assinar os relatórios (art. 65.º/1, 3 e 4).
 Se a norma violada tiver uma projecção mais material, se se repercutir na substância
numérica das contas, então podemos ter um caso do n.º 2 (anulabilidade, casos de
pouca gravidade) ou no n.º 3 (nulidade). O art. 69.º/3 diz que as deliberações violem
preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização de reserva legal são
nulas, bem como as deliberações que violem preceitos cuja finalidade seja a protecção
dos credores ou o interesse público. Esta segunda parte determina que são nulas
deliberações que aprovem um balanço falso por apresentarem activo líquido
superior ou inferior ao real – no primeiro caso, os preceitos legais violados tutelam os
credores sociais; no segundo, pode estar em causa a constituição ou reintegração da
reserva legal.

3.3 Acção de declaração de nulidade

O art. 57.º/1 diz que o órgão de fiscalização da sociedade deve dar a conhecer aos sócios a
nulidade. No art. 379.º/4, diz-se quem deve estar presente na assembleia, sendo que o órgão
de fiscalização pode logo na assembleia dar a conhecer; senão, num momento posterior. Nas
sociedades em que não há órgão de fiscalização, rege o art. 57.º/4 (este dever compete a
qualquer gerente). Para além deste dever, temos o do n.º 2 – dever de impugnar a
deliberação (sendo que, neste caso, quem vai representar a sociedade é um sócio nomeado
pelo tribunal).

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada
oficiosamente – vale aqui o regime geral do art. 286.º do CCiv. (ver também art. 25.º CPC).
Pode ser invocada por qualquer interessado, sendo que aqui se contam, além dos
especialmente visados no art. 57.º, os administradores das sociedades por acções, qualquer
sócios e alguns terceiros.
 Administradores: têm legitimidade para propor a acção nos casos em que o órgão
fiscalizador não cumpre os deveres do art. 57.º/1 e 2.
 Qualquer sócio tem legitimidade para propor a acção de nulidade.
 Terceiros com legitimidade activa são, por ex., os credores e trabalhadores da
sociedade quando esteja em causa uma deliberação de distribuição de lucros fictícios.

Interessa-nos também o regime do art. 61.º. A sentença que declarar nula ou anular uma
deliberação é eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não
tenham sido parte ou não tenham intervindo na acção (art. 61.º/1). Porém, ressalvam-se os
efeitos produzidos na esfera jurídica de terceiros de boa fé, com fundamento em actos
praticados em execução da deliberação (art. 61.º/2). O
terceiro está de boa fé quando, no momento em que conclui negócio com a sociedade, crê na
validade da deliberação ou a ignora. SOVERAL MARTINS entende ser necessário o
conhecimento efectivo.

4. Deliberações anuláveis

O art. 58.º diz-nos quando é que as deliberações são anuláveis.

4.1 Deliberações ilegais

 Al. a), 1ª parte: são anuláveis as deliberações que violem disposições legais, quando ao
caso não caiba a nulidade. Podemos ter aqui vícios de procedimento ou de conteúdo:
 Vícios de procedimento: com excepção dos previstos no art. 56.º/1/a) e b) e 2, os
vícios do procedimento deliberativo provocam, em princípio, a anulabilidade das
respectivas deliberações. COUTINHO DE ABREU reconduz a este caso a al. c) (falta
de elementos mínimos de informação). Porém, nem todos os vícios de procedimento
provocam a anulabilidade das respectivas deliberações, é necessário atender à
teleologia das normas violadas e às consequência das ofensas. Assim, “são vícios de
procedimento relevantes quer os que determinam um apuramento irregular ou
inexacto do resultado da votação e, consequentemente, uma deliberação não
correspondente à maioria de votos exigida, quer os ocorridos antes ou no decurso da
assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e
informada de sócios nas deliberações” (p. 493).
 Vícios de conteúdo: os vícios de conteúdo dão origem a anulabilidade quando está
em causa a violação de normas dispositivas. Note-se que as normas dispositivas
podem ser derrogadas pelo estatuto social ou, quando este ou a lei o permitam, por
deliberação dos sócios (art. 9.º/3) – por isso, só quando falte esta permissão é que as
deliberações são anuláveis. Também se aplica a al.
a) nos casos de violação de princípios jurídicos com força equivalente aos da lei,
nomeadamente os princípios de igualdade e lealdade. Apesar de a al. b) já ser uma
manifestação destes dois princípios, esta alínea não abrange casos não
desrespeitadores do princípio da igualdade; e não se exige na al. a) o “propósito” da al.
b).

 Al. c): são anuláveis as deliberações que não foram precedidas do fornecimento aos
sócios de elementos mínimos de informação. O n.º 4 do art. 58.º auxilia a interpretação deste
preceito, elencando situações em que considera que estão presentes elementos mínimos de
informação.

4.2 Deliberações anti-estatutárias


 Al. a), 2ª parte: são anuláveis as deliberações que violem o contrato de sociedade, seja
através do conteúdo, seja do procedimento.
 Vício de conteúdo: por ex., a deliberação autoriza a administração a praticar actos fora
do objecto social-estatutário.
 Vício de procedimento: por ex., a deliberação adoptada com a maioria de votos
legalmente necessária mas desrespeitando a maioria qualificada exigida
estatutariamente (arts. 250.º/3 e 386.º/1).

4.3 Deliberações abusivas

 Al. b): são anuláveis as deliberações abusivas, que compreendem duas espécies:
 Deliberações abusivas: visam conseguir vantagens especiais em prejuízo da
sociedade ou de outros sócios;
 Deliberações emulativas: pretendem prejudicar outros sócios ou a sociedade, sem
que tal acarrete qualquer vantagem.

Estas duas deliberações são distintas: nas abusivas, o propósito relevante é o de alcançar
vantagens especiais; nas emulativas, é o de causar prejuízos.
 Vantagens especiais: são proveitos patrimoniais concedidos por deliberações,
possibilitados ou admitidos a sócios e/ou não-sócios, mas não a todos os que se
encontram perante a sociedade em situação semelhante à dos beneficiados, bem como
os proveitos que não seriam concedidos a quem hipoteticamente ocupasse posição
equiparável (p. 501). Exemplos: delibera-se por maioria dissolver a sociedade, a fim
de os sócios maioritários continuarem; fixa-se a remuneração do sócio gerente num
valor muito elevado.
 O prejuízo é sofrido pela sociedade, ou pelos sócios que não votaram com o propósito
de causar prejuízo. Um sócio pode sofrer prejuízos, não enquanto sócio, mas por ex.
enquanto sócio gerente.

Mas o que significa “propósito”? Para COUTINHO DE ABREU, o dolo aqui em causa não
tem de ser directo nem necessário, basta que seja eventual. Basta provar que um ou mais
sócios, ao votarem, previram como possível a vantagem especial para si ou para outrem, ou o
prejuízo da sociedade ou de outros sócios, e não confiaram que tal efeito eventual se não
verificaria. Esta hipótese da al. b) é de difícil prova, é necessário provar este elemento
subjectivo.
Na parte final da al. b), prevê-se a “prova de resistência”: as deliberações são anuláveis a
menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos,
i.e., a sociedade pode provar que, sem os votos daquele sócio, a deliberação teria sido
igualmente adoptada.

O art. 58.º/3 contém outro preceito respeitante às deliberações abusivas, que diz que os
sócios que tenham formado maioria em deliberação abusiva respondem solidariamente para
com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados. Numa primeira
leitura, parece que este artigo prevê a responsabilidade de todos os sócios cujos votos
formaram a maioria, independentemente de serem ou não abusivos; porém, como nota
COUTINHO DE ABREU, apenas o votante ou votantes abusivos deve ser responsabilizado,
só estes cometem factos ilícitos. Este preceito refere-se, sim, à responsabilidade pelo voto
abusivo e significa que os votantes são sujeitos a responsabilidade perante a sociedade e
outros sócios pelos danos causados. Assim, pode na mesma acção ser pedida a anulação da
deliberação e a indemnização a favor da sociedade e/o de sócios (art. 36.º/1 e 2 do CPC). A
anulação não obsta à condenação em responsabilidade civil, e vice-versa.

4.4 Acção anulatória

Quanto à legitimidade para intentar a acção anulatória, o art. 59.º/1 diz-nos que a
anulabilidade por ser arguida pelo órgão de fiscalização ou pelos sócios que não tenham
votado no sentido que fez vencimento ou posteriormente aprovado a deliberação, expressa
ou tacitamente. Temos aqui uma forte restrição nas legitimidade activa.
 Sócios:
o Os sócios que não votam no sentido do vencimento são aqueles que não emitem
votos (ou porque se abstêm, ou porque não participaram na assembleia) e os
que emitem votos contra a proposta aprovada ou a favor da proposta recusada.
o Se o voto for secreto, como é que sabemos quem votou no sentido inverso e tem
legitimidade? Rege aqui o n.º 6.
o É necessário que fosse sócio ao tempo da deliberação? A letra do n.º 1 e 6 parece
indicar que sim; porém, COUTINHO DE ABREU entende que não tem de ser
assim – pode intentar a acção o sucessor mortis causa ou o que adquire
participação social de quem estava legitimado para a acção anulatória. Se o
sócio autor da acção alienar a meio a sua participação social, o adquirente pode
continuar como autor da acção.
 Órgão de fiscalização: este tem o dever de propor a acção anulatória (embora em
certos casos se possa admitir algum espaço de discricionariedade). Nas sociedades
que não tenham órgão de fiscalização, a anulabilidade da deliberação dos sócios
pode ser arguida pelos gerentes, por aplicação analógica do art. 57.º/4. Apesar de
esta possibilidade não estar prevista no art. 59.º, defende-se aqui a aplicação
analógica do art. 57.º/4 – principalmente quando estejam em causa
deliberações anuláveis por vício de conteúdo prejudiciais para a sociedade e
executáveis pelos gerentes. Invocam-se a favor desta tese dois argumentos: por um
lado, o dever de lealdade legitima-os a pedir a anulabilidade (art. 64.º/1/b)); por outro,
não se compreenderia que em algumas sociedades apenas os sócios pudessem arguir a
anulabilidade e em outras, do mesmo tipo mas com órgão de fiscalização (quando
este seja facultativo) já não possam.

A acção anulatória tem de ser proposta dentro de um certo prazo, que está previsto no art.
59.º/2 e é de 30 dias a partir das seguintes datas:
 Data em que foi encerrada a assembleia geral. No n.º 3 diz-se que, sendo uma
assembleia interrompida por mais de 15 dias, uma acção de impugnação pode ser
intentada 30 dias depois da data em que a deliberação foi tomada.
 3º dia subsequente à data do envio da deliberação por voto escrito.
 Data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre um
assunto que não constava da convocatória. Este preceito não refere os casos em que o
sócio foi irregularmente convocado; porém, a jurisprudência tem aplicado
analogicamente os arts. 380.º/3 CPC e 178.º/2 CCiv. para permitir ao sócio nestas
condições arguir a anulabilidade da deliberação no prazo de 30 dias a contar da data
em que teve conhecimento. Porém, COUTINHO DE ABREU diz que isto apenas deve
suceder nos casos em que a irregularidade impeça o sócio de participar na
assembleia e tomar conhecimento do que aí se deliberou.

5. Suspensão de deliberações sociais

As acções de anulação ou declaração de nulidade podem demorar muito tempo. Para


acautelar o periculum in mora, o CPC contém um procedimento cautelar, chamado
“suspensão de deliberações sociais” (art. 380.º e segs.).

Note-se que podem ser objecto deste procedimento quer as deliberações anuláveis, quer as
nulas – LOBO XAVIER entende que as nulas não poderiam ser, uma vez que não faz sentido
suspender os efeitos de uma deliberação que nunca produziu efeitos. No entanto, esta
deliberação aparece-nos enquanto deliberação que quer produzir certos efeitos; para além
disso, a letra do artigo suporta este entendimento.
5.1 Legitimidade activa

O art. 380.º/1 diz que “qualquer sócio” pode requerer suspensão; porém, isto só é assim no
caso das deliberação nulas ou absolutamente ineficazes. Pensando no caso das deliberações
anuláveis, não fará sentido que um sócio que votou a favor e não pode intentar possa pedir a
suspensão; o mesmo com as
deliberações relativamente ineficazes. Só faz sentido pedir a providência um sócio que possa
intentar a acção principal.

No CVM, encontramos normas relativas à suspensão de deliberações sociais de sociedades


abertas. No art. 24.º, estabelece-se que a providência cautelar de suspensão só pode ser
requerida por sócios que possuam acções correspondentes a pelo menos 0,5% do capital
social.

5.2 Prazos

A suspensão deve ser requerida, sob pena de caducidade, no prazo de 10 dias (art. 380.º/1),
contados (nº 3):
 A partir da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas. Não se
menciona as hipóteses das deliberações por voto escrito e unânimes por voto escrito –
nestes casos, aplica-se o art. 59.º/2/b).
 Se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em
que teve conhecimento. Mais uma vez, COUTINHO DE ABREU defende que não é
qualquer irregularidade na convocação que leva a esta contagem do prazo – se o
sócio soube da assembleia para realizar certos assuntos e não participou, o prazo deve
ser contado à mesma a partir da data da assembleia.

Quando esteja em causa uma deliberação anulável, a instauração do procedimento cautelar


de suspensão não suspende nem interrompe os prazos de propositura de acção anulatória.

5.3 Requisitos de procedência

Os requisitos de procedência são os requisitos gerais dos procedimentos cautelares:


 Fumus boni iuris: é previsível ou provável a procedência, na acção principal, do
pedido de declaração de nulidade ou ineficácia.
 Periculum in mora: a delonga da acção principal comporta perigo de a deliberação
produzir efeitos danosos significativos para o requerente e/ou sociedade com a sua
execução, impedido ou dificultando o seu efeito útil. A execução, para efeitos do
procedimento cautelar, significa eficácia ou produção de efeitos jurídicos.
 Proporcionalidade: o juiz não suspende a deliberação se o prejuízo resultante da
suspensão for superior ao que pode derivar da execução.

5.4 Efeitos da citação

O art. 381.º/3 diz que, a partir da citação, não é lícito à sociedade executar a deliberação
impugnada. Os efeitos da citação não são, porém, equivalentes ao da procedência da
suspensão: não é lícito à sociedade executar

a
deliberação, mas esta não se torna, por causa da citação e da ilicitude da execução, ineficaz
ou de eficácia suspensa. Outras diferenças decorrem do art. 375.º.

5.5 Inversão do contencioso

A inversão do contencioso é uma figura que significa que, a pedido do requerente da


providência cautelar, ele é dispensado do ónus de propor a acção principal por decisão do
juiz que decreta a providência requerida (art. 369.º), cabendo então ao requerido o ónus da
impugnação da providência (art. 371.º). Para inverter o contencioso, o juiz deve formar
convicção segura acerca do direito acautelado e a providência deve ser adequada a realizar a
composição definitiva do litígio (art. 369.º/1). Ou seja, a inversão do contencioso é possível
quando a deliberação suspensa não precise de acção principal para deixar de produzir
efeitos; já não será admissível quando seja necessária uma acção principal para destruir os
efeitos da deliberação suspensa.

Invocando-se apenas a anulabilidade da deliberação, é possível a inversão do contencioso? Se


for nula, não se coloca qualquer problema: é como se não tivesse produzido efeitos desde o
início, logo suspender aquela deliberação permite dizer que a natureza da providência era
adequada à composição definitiva do litígio. No caso da deliberação anulável, só é eliminável
através da sua anulação, logo suspender a deliberação, só por si, não permite dizer que conduz
a uma composição definitiva. Esta é a posição de LOBO XAVIER (com a qual concorda
SOVERAL MARTINS); já COUTINHO DE ABREU entende que a suspensão permite a
composição.
SECÇÃO II: ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E REPRESENTAÇÃO

1. Modos de designação dos administradores

São vários os modos de designação de administradores ou titulares dos órgãos de


administração e representação, sendo a mais comum a eleição por deliberação dos sócios
(arts. 191.º/2, 252.º/2, 391.º/1, 392.º/1 e sges., 425.º/1/b)). Outros modos:
 Deliberação do conselho geral e de supervisão (art. 425.º/1/a) e 4);
 Deliberação do conselho de administração (art. 393.º/3/b));
 Contrato social (art. 252.º/2, 391.º/1, 425.º/1) ou acto constituinte unilateral (art. 270.º-
G)
 Etc.

Entre uma pessoa designada como administrador e a sociedade estabelece-se uma relação
jurídica complexa, sendo que, atendendo à génese desta relação, têm sido avançadas
numerosas teses acerca da sua natureza jurídica: teses contratualistas, unilateralistas,
dualistas, etc. A relação será contratual quando for fundada no contrato de sociedade e o
administrador for sócio, i.e., for parte do contrato. Porém, esta relação não é regulada pelo
regime dos contratos, mas sim pela lei, que fixa os poderes e deveres dos administradores e os
mecanismos que podem disciplinar a relação.

Também se tem discutido a natureza da designação por deliberação dos sócios. Certos autores
defendem que se trata de um contrato (a deliberação é a proposta e a aceitação do cargo a
aceitação da proposta); porém, COUTINHO DE ABREU entende que se trata de um
negócio unilateral da sociedade, relativamente à qual a aceitação constitui condição de
eficácia. Porém, há deliberações que produzem directamente efeitos em relação a terceiros,
como a nomeação de titulares de órgãos sociais.

2. Vinculação de sociedades

2.1 Como actuam vinculativamente as sociedades (generalidades)


As sociedades intervêm eficazmente em actos jurídicos, i.e., vinculam-se, por meio de órgãos
(ou titulares destes) e de representantes voluntários.

Em relação aos órgãos, estão aqui em causa os órgãos de administração e representação.


Existe aqui uma equivalência entre representação e vinculação; no entanto, esta
representação não é representação propriamente dita – os órgãos são parte componente da
sociedade, não actuam em substituição dela. Fala- se, assim, de representação orgânica. Para
SOVERAL MARTINS, não podemos afirmar esta equivalência – por ex., no caso da
representação passiva, dificilmente podemos falar de vinculação.
2.2 Requisitos subjectivos

2.2.1 Indicação da qualidade de administrador

Os administradores, para vincular a sociedade, devem actuar enquanto tais, não em nome
pessoal – assim, devem indicar essa qualidade por referência à sociedade.
 Actos não escritos: a indicação pode ser expressa ou tácita (art. 271.º/1 do CCiv.).
 Actos escritos: a doutrina e jurisprudência mostram-se divididas. No entendimento de
COUTINHO DE ABREU, os arts. 260.º/4 e 409.º/4 não exigem que a indicação da
qualidade de administrador seja expressa, basta que os destinatários do escrito possam
lê-lo de modo a deduzirem que o mesmo é imputável à sociedade. Assim, a indicação
da qualidade de administrador pode ser tácita. Por ex., numa letra de câmbio aparece
como sacada uma sociedade e no lugar do aceite aparece a assinatura do
administrador.

2.2.2 Órgãos de representação plural

Quando o órgão administrativo-representativo de uma sociedade é singular, a representação


orgânica cabe ao administrador único. Quando haja mais do que um administrador, temos
várias possibilidades:
 Representação disjunta: cada um dos administradores tem o poder de vincular a
sociedade.
Promove a rapidez da vinculação social e é favorável aos terceiros.

 Representação conjunta: é necessária a intervenção de todos os administradores,


da maioria ou da minoria deles. Favorece uma maior ponderação e controlo
recíproco dos administradores.

A escolha do método de representação é feita pela lei e/ou pelo estatuto social.
 Regras legais e derrogações

A lei estabelece as seguintes regras:

 Representação passiva: a regra é a da disjunção, i.e., as notificações ou declarações


de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos administradores (arts.
261.º/3 e 408.º/3). Esta é uma regra imperativa.
 Representação activa: nas sociedades em nome colectivo e em comandita simples,
vale a regra da disjunção (art. 193.º/1 e 474.º); nas sociedades de outro tipo, a regra
é a da conjunção maioritária (arts. 261.º, 408.º/1, 431.º/3 e 478.º). Estas são regras
dispositivas.
Quanto às sociedades por quotas e anónimas, estas ficam vinculadas pelos negócios jurídicos
concluídos pela maioria dos administradores ou gerentes, ou por eles ratificados. (art. 261.º/1
e 408.º/1). Porém, admitem-se desvios a esta regra – o art. 261.º/1 ressalva cláusula do
contrato de sociedade que disponha de modo diverso e o art. 408.º/1 permite que a sociedade
fique vinculada por número menor.

 Quer nas sociedades por quotas, quer nas anónimas, os estatutos podem estabelecer um
número inferior à maioria. Isto está de acordo com o disposto na Directiva em
matéria de sociedades (68/151/CEE, nova redacção) – no art. 10.º/2, diz-se que as
limitações dos poderes dos órgãos da sociedade que resultem dos estatutos são
sempre inoponíveis a terceiros; porém, uma cláusula estatutária que permite a
vinculação social por administradores em número inferior à maioria não limita os
poderes dos administradores, antes os amplia. O art. 10.º/3 vem confirmar isto.

 Nas sociedades anónimas, não se pode estabelecer a intervenção dos


administradores em número superior à maioria (art. 408.º/1) – assim, uma cláusula
estatutária que exija isto é inoponível a terceiros, tendo apenas eficácia interna. Já nas
sociedades por quotas, esta cláusula é plenamente eficaz. Temos aqui uma limitação
ao poder de cada gerente, pelo que poderia pensar-se que aqui se aplicaria o art.
260.º/1 (“não obstante as limitações constantes do contrato social”) e a cláusula seria
inoponível a terceiros. No entanto, o art. 261.º/1 prevê a eficácia da cláusula
estatutária que prescreva a conjunção maioritária reforçada ou integral (“salvo
cláusula do contrato que disponha de modo diverso”). Isto vem na linha da directiva: o
art. 10.º/2 prevê a inoponibilidade das limitações estatutárias aos prevejam prever a
oponibilidade de cláusula estatutária que limite subjectivamente os poderes de
representação dos administradores (observadas certas exigências de publicidade). O
art. 261.º/1 vem consagrar esta possibilidade. Note-se que existem divergências em
relação à leitura conjunta do art. 260.º e 261.º: COUTINHO DE ABREU entende que
o art. 260.º se refere no geral às limitações objectivas e subjectivas aos poderes de
representação, enquanto que SOVERAL MARTINS entende que o art. 260.º se aplica
apenas às objectivas e o 261.º às subjectivas.

 Sobretudo nas sociedades por quotas, são frequentes as cláusulas que dispõem que a
sociedade se obriga validamente com as assinaturas de dois gerentes, bastando a de
um só para os actos de mero expediente. Os actos de mero expediente são “actos de
pequeno relevo económico para a sociedade e/ou rotineiros praticáveis com reduzida
margem de liberdade ou discricionariedade administrativo-representativa” (p. 545).
Quando um só administrador pratica actos que não são de mero expediente, a
sociedade ficará à mesma vinculada, uma vez que esta cláusula tem eficácia interna –
limita objectivamente os poderes de representação (art. 9.º/3 Directiva, arts. 260.º/1, e
409.º/1).
 Também encontramos cláusulas que referem nominalmente um ou mais
administradores- representantes (ex: tendo uma sociedade cinco administradores, a
sociedade obriga-se com a assinatura de dois deles, devendo uma delas ser do
administrador A). Tratando-se de uma limitação subjectiva, é permitida e é oponível a
terceiros.

 Nas sociedades anónimas com estrutura organizatória tradicional ou monística, pode o


estatuto social autorizar o conselho de administração a delegar a gestão corrente da
sociedade em um ou mais administradores ou numa comissão executiva (art. 407.º/3);
bem como dispor que a sociedade fica vinculada pelos negócios celebrados por um
ou mais administradores-delegados (art. 408.º/2). Quando isto suceda, a sociedade fica
vinculada pelos actos praticados, dentro dos limites da delegação, pelo administrador
ou administradores delegados; quando ultrapassam estes limites, a sociedade fica à
mesma vinculada (as limitações estão ancoradas no estatuto social e têm por isso
eficácia interna, art. 409.º/1).
 Nas sociedades por quotas, os gerentes podem delegar nalgum ou nalguns deles
competência pra a prática de alguns negócios – também aqui os gerentes delegados
vincula a sociedade, mesmo quando ultrapassam os limites da delegação.

 Vigorando a conjunção, basta um administrador actuar para a sociedade ficar vinculada?

A jurisprudência dominante e alguma doutrina maioritária entendem que as sociedades por


quotas e anónimas ficam vinculadas pelos negócios jurídicos concluídos por um só
administrador, apesar de para elas vigorar o método da conjunção. A favor desta tese,
avançam-se os arts. 260.º/1 e 409.º/1, que dizem estabelecem a inoponibilidade das limitações
do contrato social, e a prevalência dos interesses dos terceiros de boa fé. COUTINHO DE
ABREU rejeita este entendimento:
 Por um lado, a referência aos “administradores” e “gerentes” feita nos artigos citados é
em abstracto (não se diz qual o número necessário, isto é dito no art. 261.º e 408.º); e,
por outro, estas não são propriamente limitações que derivam do contrato, mas sim da
lei.
 Não faz sentido apelar aqui aos interesses dos terceiros de boa fé, relevam mais os
interesses da sociedade protegidos pela conjunção.
“Em suma, vigorando (supletiva ou estatutariamente) a conjunção, a sociedade não fica
vinculada pelos actos jurídicos praticados por um só administrador, tais actos são
ineficazes em relação à sociedade” (p. 551).

 Exercício da representação conjunta e disjunta

Na representação conjunta:
 Os administradores podem emitir simultaneamente as declarações de teor idêntico, ou
podem emitir separada ou sucessivamente – neste caso, a sociedade fica vinculada no
momento em que é emitida a última declaração necessária.
 Se intervier um administrador, ou mais do que um mas em número insuficiente, a
sociedade não fica vinculada, salvo se esses negócios forem ratificados (arts. 261.º/1 e
408.º/1). Para COUTINHO DE ABREU, não é necessário que tenham de intervir na
ratificação tantos quantos tinham de intervir na celebração do negócio; já SOVERAL
MARTINS entende que a ratificação deve ser feita pela maioria.

Na representação disjunta:

 Na representação disjunta, ou conjunta minoritária, pode suceder que sejam emitidas


declarações contraditórias – se ambas as declarações chegam ao mesmo tempo ao
destinatário ou são emitidas simultaneamente, a sociedade não fica vinculada; não
sendo esse o caso, é eficaz a declaração que primeiro chega ao destinatário
(receptícia) ou a primeira manifestada adequadamente (não receptícia).

2.3 Extensão dos poderes de vinculação (limites objectivos)

Vamos agora ver os limites relativos à espécie e extensão dos actos praticáveis pelos
administradores:

 Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: a competência dos gerentes


para representar a sociedade deve ser sempre exercida dentro dos limites do objecto
social e, pelo contrato, pode ficar sujeita a outras limitações ou condicionamentos (art.
192.º/2). A sociedade não fica vinculada pelos actos de gerente que desrespeitem
limites estatutários, a menos que os sócios ratifiquem tais actos (n.º 3).
 Sociedades por quotas e por acções: as limitações que resultem dos estatutos ou de
deliberações dos sócios e de outros órgãos não obstam em geral à vinculação (art.
10.º/1 e 2 Directiva, arts. 260.º/1, 2 e 3 e art. 409.º/1, 2 e 3), em nome da protecção
dos terceiros e segurança do comércio. É do regime destas sociedades que iremos
tratar.

 Limites legais
Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a
lei lhes confere (i.e., dentro da capacidade jurídica da sociedade), vinculam-na perante
terceiros (arts. 260.º/1 e 409.º/1). Porém, a sociedade não fica vinculada por qualquer acto
para cuja prática tenha capacidade, pois aos limites da capacidade acrescem limites aos
poderes de vinculação.
Os limites legais aos poderes de representação ou vinculação dos administradores podem
traduzir-se na privação ou limitação desses poderes.
 Privação: os poderes de representação são atribuídos, não ao órgão com competência
representativa geral, mas a um outro órgão. É exemplo o art. 441.º/c) (pouco
relevante).
 Limitação: os casos de condicionamento legal dos poderes de vinculação são mais
relevantes.
o Em certos casos, a lei prescreve que certos actos dependem de deliberação dos
sócios. É exemplo a alienação ou oneração de quotas próprias (art.
246º.º/1/b)).
o O art. 10.º/1 da Directiva diz que a sociedade se vincula perante terceiros pelos
actos realizados pelos seus órgãos, “a não ser que esses actos excedam os
poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos”. Os arts. 260.º e
409.º/1 não referem os poderes que a lei permite conferir aos administradores,
mas devemos interpretar estes artigos conforme a Directiva – assim, a
sociedade fica vinculada também pelos actos que, apesar de não estarem
dentro dos poderes que a lei confere aos administradores, estão dentro dos
poderes que a lei permite conferir-lhes. É exemplo o art. 246.º/2, que permite
ao estatuto atribuir aos sócios a competência para deliberar sobre alienação ou
oneração de bens imóveis. Assim, se uma sociedade que não tenha consagrado
esta possibilidade, ainda assim fica vinculada pela venda de estabelecimento
efectuada pelos gerentes.

 Limites estatutários

Os actos praticados pelos administradores em conformidade com os poderes que a lei lhes
atribui vinculam a sociedade perante terceiros, ainda que os actos sejam praticados em
desconformidade com disposições estatutárias limitadoras dos poderes de representação
(arts. 260.º/1, 490.º/1 e 431.º/1). Isto salvo se estiverem em causa actos que desrespeitem a
cláusula estatutária relativa ao objecto social e se se verificarem os requisitos exigidos (arts.
260.º/2 e 3, 409.º/2 e 3).

O estatuto pode proibir aos administradores a prática de certos actos (por ex., a subscrição de
letras), ou condicionar os poderes de vinculação (por ex., nas sociedades por quotas, faz
depender de deliberação de sócios a aquisição de imóveis, art. 246.º/1).

As limitações estatutárias apenas têm eficácia interna, são inoponíveis a terceiros. Não são
terceiros os sócios e membros dos demais órgãos sociais; porém, já não os sócios não
fundadores, que não conhecem os estatutos nem terão de os conhecer ao negociar com a
sociedade.

 Limites resultantes de deliberações dos sócios e de outros órgãos


“Também as deliberações dos sócios, dos órgãos de administração ou do conselho geral e de
supervisão que limitem os poderes de representação dos administradores não impedem a
vinculação das sociedades. Os actos praticados pelos administradores dentro dos poderes
que a lei lhes confere vinculam-nas perante terceiros, ainda quando tais actos não se
conformem com aquelas deliberações (arts. 260.º/1, 409.º/1 e 431.º/1)” (p. 559). Estas
deliberações têm apenas eficácia interna, sendo inoponíveis a terceiros.

Quem são os terceiros para este efeito? Depende se a deliberação foi adoptada pelos sócios ou
por outros órgãos:
 Deliberações dos sócios: nas sociedades por quotas, quer os titulares dos órgãos quer
os sócios não são terceiros; nas sociedades anónimas, não são terceiros os membros
dos órgãos, bem como os sócios que tenham participado nas deliberações.
 Deliberações dos demais órgãos: não são terceiros os titulares de qualquer deles; são
terceiros os sócios.

Nas sociedades anónimas, o art. 406.º diz que compete ao conselho de administração deliberar
sobre qualquer assunto da administração da sociedade. Isto não significa que a sociedade não
fique vinculada pelos actos praticados sem prévia deliberação do conselho; desde que os
poderes de representação sejam exercidos do modo exigido (art. 408.º), a sociedade fica
vinculada.

 Abusos do poder de vinculação

“As limitações extra-legais (estatutárias ou resultantes de deliberações sociais) aos poderes


dos administradores são em regra ... somente internas, sem eficácia externa ... Mas tais
limitações internas podem em alguns casos ter eficácia externa, impedindo a vinculação”
(p. 560). É o caso do abuso do poder de vinculação, que ocorre quando este é utilizado
conscientemente num sentido contrário ao seu fim ou instruções do representado, e a outra
parte conhecia ou tinha de conhecer o abuso. Não ocorre apenas no caso de limitações
extra-legais; e não basta a violação destas limitações para termos abuso.

COUTINHO DE ABREU acolhe a doutrina alemã, que classifica o abuso do poder de


representação em dois grupos de casos:
 Colusão: o administrador e terceiro colaboram consciente e intencionalmente em
prejuízo da sociedade.
 Abuso evidente: o administrador age conscientemente em detrimento da sociedade
celebrando negócios prejudiciais para esta e o terceiro conhece ou devia conhecer
aquele propósito e prejuízo.
Quais são as sanções para os abusos? A doutrina maioritária portuguesa aplica
analogicamente o art. 269.º CCiv., e os negócios são ineficazes com possibilidade de serem
ratificados pela sociedade. Porém, COUTINHO DE ABREU faz uma diferenciação: na
colusão, uma vez que há conluio entre administradores e terceiros, a sanção deve ser a
nulidade (art. 281.º CCiv.); nos restantes casos, pode aplicar-se o art. 269.º.

2.4 Representação voluntária

A sociedade também se vincula através de representantes voluntários, i.e., sujeitos que


recebem dela, por negócio jurídico, poderes de representação. O CSC prevê a possibilidade
de nomeação de mandatários ou procuradores para a prática de determinados actos ou
categorias de actos, sem necessidade de permissão estatutária (arts. 252.º/6 e 391.º/7). Para
além destes, podem ainda representar a sociedade outros sujeitos, como os trabalhadores
assalariados ou os sujeitos que administram empresas por efeitos de contrato de gestão de
empresa.

Os poderes de representação dos representantes voluntários não podem ter extensão maior do
que os administradores; e são ainda limitados pelos respectivos instrumentos de
representação.

Coloca-se a questão de saber se é lícita uma procuração geral, que atribua amplos ou gerais
poderes de gestão e representação da sociedade. Para COUTINHO DE ABREU, procuração
será ilícita se significar que o procurador se substitui ao órgão social de administração e
representação; será permitida “se o órgão mantiver a alta direcção da empresa social e a
administração da sociedade, bem como o controlo ou supervisão da gestão-representação
corrente confiada ao procurador e a possibilidade de avocar actos compreendidos nessa
actividade corrente” (p. 565). Já para SOVERAL MARTINS, esta procuração é sempre ilícita.

Finalmente, não é permitida a cláusula estatutária que, além de prever a vinculação da


sociedade por vários administradores, permite que fique vinculada pelos actos praticados por
um administrador e procurados (“conjunção imprópria).

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