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Resumos DCI
Resumos DCI
O artigo 2.º, 1ª parte, consagra os ATOS OBJETIVOS DE COMÉRCIO, porque se trata de um elenco
objetivado de atos (os contantes da lista implícita em que o próprio Código consiste), contrapondo-se aos
ATOS SUBJETIVAMENTE COMERCIAIS (2ª parte), os quais supõem o comerciante e dependem sempre de
uma apreciação casuística, não se reconduzindo a tipos ou espécies de atos.
Posto isto, para efeitos do artigo 2.º CCom., é lei comercial o Código Comercial, acrescendo-lhe as leis
que eventualmente sejam objeto de qualificação como comerciais pelo legislador e, sobretudo, aquelas que
regulam mecanismos que são por elas qualificados como comerciais.
Ainda que o trespasse, formalmente, esteja no CC (artigo 112.º), é uma norma comercial. No CC
prevalece o interesse do outro contraente em não ver um terceiro ocupar a posição daquele com quem
contratou. Trata-se, por isso, de um interesse conforma ao CCom., já que tutela interesses específicos do
comerciante ou inerentes ao seu exercício empresarial.
O leasing ou locação financeira é também um ato de comércio. A natureza mercantil da lei que prevê
e regula a locação financeira é confirmada se atendermos ao critério geral que se sustenta para determinar
a natureza comercial de uma lei: o leasing é um contrato mercantil porque está previsto e regulado numa
lei que contém o regime que consagra especialidade que não se coadunam com o sentido da regulamentação
conforme do direito civil.
Em jeito de conclusão, quem quiser transmitir a empresa e com ela o contrato de locação financeira
não precisa da autorização do outro contraente. Mas no caso de o sujeito querer transmitir a posição
contratual de locatário financeiro, sem a empresa, já terá que pedir autorização ao outro contraente, porque
se aplica o CCivil.
A associação e participação é um ato de comércio, já que o referido decreto-lei é uma lei mercantil.
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NOÇÃO DE EMPRESA
É a empresa, com as suas características relevantes no plano jurídico e com os interesses que se
suscitam em seu torno, que justifica e desencadeia a aplicação do regime mercantil. Devemos, por isso,
definir empresa.
ORLANDO DE CARVALHO defende que a empresa é uma realidade da vida e não uma noção jurídica –
a empresa, antes de ser para o Direito, é algo que existe na vida social. Posto isto, há que reter que aquilo
que a empresa é para o Direito não pode ser mais do que aquilo que é para a realidade social. Sendo assim,
o ponto central da determinação daquilo que é empresa deve ser a específica conformação que o OJ
mercantil dela faz, explícita ou implicitamente.
Este preceito, em bom rigor, apenas identifica as empresas comerciais, tomando como pressuposto
aquilo que é a empresa. Não obstante, a partir deste artigo podem ser extraídos alguns dados que ajudam à
caracterização da empresa no Código Comercial português.
Por força deste preceito, as empresas que são consideradas comerciais são as que se propuseram
exercer certas atividades – propósito, neste contexto, é o mesmo que objetivo, intuito. A referência direta à
empresa como pressuposto e veículo para a comercialização de setores ou atividades económicas não pode
deixar de ser relevante.
O artigo 230.º possui ainda um importante dado para a caracterização da empresa no plano jurídico –
tratam-se de exclusões do âmbito de aplicação do preceito.
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Ora, a agricultura e o artesanato estão, assim, excluídos do âmbito da aplicação do direito mercantil,
porque não são atividades exercidas empresarialmente. Algo similar se passa com as profissões liberais
(advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, etc.) e as prestações de serviços (depende da capacidade
profissional do sujeito).
⚠ ATENÇÃO! ⚠
¯
A agricultura e o artesanato apenas são excluídos nos precisos termos da lei, isto é, só a
agricultura tradicional exercida por um sujeito com meios escassos e rudimentares, com dependência
quase absoluta em relação a elementos externos ao processo se encontra excluída; o artesanato
também só exclui-se como modo de produção não empresarial, isto é, exclui-se não pelo que se faz,
mas pela maneira como se faz – a razão de ser desta exclusão é entendível, pois o agricultor tradicional está em
absoluto dependente de fatores ligados à terra e de outros fatores de condição estritamente individual, pelo que
está impreparado para assumir outra organização e para ser sujeito a obrigações exigentes.
No entanto, tal não impede que se abranja a agricultura quando exercida empresariamente, na
esfera da comercialidade – só assim pode caber no artigo 230.º, diretamente ou por analogia.
Em suma, a empresa agrícola é empresa comercial, pelo artigo 230.º, e o seu titular é empresário
e comerciante à luz do artigo 13.º/1. Excluída fica apenas a agricultura tradicional e não empresarial.
São consideradas igualmente mercantis todas as empresas análogas às explicitadas neste artigo. A
qualificação como comerciais abrange todas as empresas de prestação de serviços, desde as que exercem
atividades mais tradicionais (cabeleireiros, reparação de automóveis, etc.) às que atuam em novos domínios
(fornecimento de gás, transporte aéreo, informática, telecomunicações, etc.) e ainda empresas de
construção civil e empreitadas de outras obras que não casas.
O artigo 230.º tem um sentido que vai para além da sua letra e do alcance imediato ou primário que
ela revela – o preceito não se limita a qualificar empresas como comerciais, e dele resulta, a mais disso, uma
relação entre a empresa (qualificada como comercial) e os atos de comércio.
Este artigo deve ser apreciado à luz do sistema adotado, pelo diploma em que se insere e da própria
sistemática do Código. Isto ponderado deve entender-se que a norma tem por objetivo qualificar como ATOS
OBJETIVAMENTE MERCANTIS os atos em que se analisa a atividade das empresas nela elencadas.
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O artigo 230.º toma como comerciais os atos que se integram na atividade da empresa, embora seja
importante registar que tal supõe a prova efetiva da integração do ato na empresa, ao contrário do que
sucede com o artigo 2.º, 2ª parte. Aqueles relativamente aos quais não se faz a tal prova, serão
eventualmente também suscetíveis de qualificação como comerciais na medida em que preencham os
requisitos de comercialidade subjetiva previstos na 2ª parte do artigo 2.º.
Este artigo 230.º se harmoniza com os dois preceitos centrais do sistema mercantil subjetivista (artigos
2.º e 13.º CCom.). Ele apenas tem relevo autónomo para qualificar as empresas: os atos que sejam praticados
no exercício da empresa são sempre comerciais pela conjugação do preceito com o artigo 2.º, 1ª parte, e os
titulares da empresa serão comerciantes na medida em que a empresa é mercantil e, consequentemente,
os atos em que se analisa a sua atividade são comerciais, preenchendo eles então, sem mais, os pressupostos
do artigo 13.º/1 CCom. A esta luz, é necessário que se exerça efetivamente a empresa mercantil, pois só
assim pratica atos de comércio.
Em suma, todos os atos que definem o modo como a empresa atua e que estruturam a sua organização
recebem a comercialidade como atos do artigo 230.º. E esta comercialização é autónoma: sendo comerciais
as empresas, são comerciais quer os atos constitutivos quer os atos organizatórios, ainda que um destes
grupos ou atos já seja comercializado por outra via (norma).
Parte significativa da doutrina vem defendendo o recurso à analogia para efeito de qualificação de um
ato como comercial, pelo que, a esta luz, um ato não previsto na lei comercial, mas com características
análogas a outro legalmente previsto, seria qualificado como comercial, por analogia com este.
Isto encontra fundamento no facto de que não é compreensível que se excluam do direito comercial
mecanismos ou contratos, pela simples circunstância, que pode ser meramente fortuita ou devia a inércia
do legislador, de ele não estar previsto na lei comercial.
No entanto, apenas justifica-se a analogia quanto a atos praticados no quadro da empresa, mas não
quanto a atos isolados ou desgarrados: quando um ato é praticado no exercício de uma empresa, ainda que
ele não esteja previsto na lei, esse ato será comercial se a empresa for análoga a uma das previstas no artigo
230.º CCom.
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O Código Comercial consagra uma via para contornar a rigidez excessiva que resultaria de um sistema
puramente objetivista, em que os atos de comércio seriam simplesmente aqueles que a lei especificamente
prevê.
“Serão considerados atos de comércio (...) todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que
não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar” (n.° 2, 2ª parte).
Assentes na qualidade de comerciante do sujeito que os pratica, são os atos subjetivamente comerciais
– são “subjetivos” porque são necessariamente praticados por um sujeito: o comerciante.
Quando o artigo 2.º, 2ª parte, refere-se a “ato”, este deve entender-se não apenas como aquilo que conste
estritamente do ato/documento que o formaliza, mas sim tudo o que foi convencionado ou referido na ocasião da
prática do ato e tudo o que o ato revelar e todas as circunstâncias que o rodearam.
O critério de apreciação do ato é o critério objetivo do ponto de vista do destinatário normal, colocado na
posição daquele concreto sujeito.
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Os atos subjetivamente comerciais tratam-se, pois, daqueles atos que são comerciais não pelo fator
objetivo consistente na lei em que são regulados, mas sim pelo elemento subjetivo consistente em serem
praticados pelos comerciantes – daí que se denominem atos subjetivos: é a qualidade do sujeito que os
pratica, que lhes confere comercialidade.
A lei parte do princípio de que, sendo o comerciante um profissional de comércio, deve-se partir do
pressuposto de que a sua atividade jurídica é, em regra, inerente à sua atividade económica. Logo, até prova
em contrário – pois a PRESUNÇÃO É IURIS TANTUM – os atos do comerciante são atos de comércio por se
presumir estarem ligados à sua empresa mercantil.
Para COUTINHO DE ABREU trata-se não de uma presunção, mas de uma NORMA IMPERATIVA, pois
do facto de se saber que determinado sujeito é comerciante não se conclui que os atos praticados por ele
são comerciais. Além disso, a norma constante do artigo 2.º, 2ª parte, estabelece a comercialidade de atos
e obrigações que respeitem três requisitos supra referidos.
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ACESSÓRIOS
AUTÓNOMOS
São aqueles que devem a sua
São aqueles qualificados como mercantis
comercialidade ao facto de se ligarem ou
por si mesmos, independentemente de
conexionarem a atos mercantis – fiança (101.º),
ligação a outros atos ou atividades
mandato (231.º), empréstimo (394.º), penhor (397.º)
comerciais.
e depósito (403.º).
FORMALMENTE COMERCIAIS
SUBSTANCIALMENTE COMERCIAIS
São os esquemas negociais que, utilizáveis quer
São aqueles que têm comercialidade em
para a realização de operações mercantis, quer para
a realização de operações económicas que não são razão da própria natureza, ou seja, por
atos de comércio nem se inserem na atividade representarem, em si mesmos, atos próprios
comercial, estão especialmente regulados em lei
de atividades materialmente mercantis.
mercantil – ex., negócios cambiários.
UNILATERALMENTE COMERCIAIS
BILATERALMENTE COMERCIAIS
(artigo 99.º CCom.)
São atos cuja comercialidade se verifica em
São atos cuja comercialidade se verifica só
relação a ambas as partes.
em relação a uma das partes.
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As sociedades comerciais (n.° 2) nascem comerciantes. Estas têm por objeto a prática de atos de
comércio (e note-se, não é necessário que os pratiquem efetivamente, mas apenas que os tenham por
objeto!) e, por isso, são comerciantes natos.
Todas as entidades que mereçam outra qualificação que não de sociedades comerciais, serão ou não
comerciantes pela via geral do n.° 1 e não pelo n.° 2.
Regra geral para aquisição da
qualidade de comerciante!
O artigo 13.º/1 enumera alguns requisitos fundamentais para que um sujeito seja comerciante,
devendo estes serem sempre entendidos à luz uns dos outros e da lógica global da norma:
PRÁTICA DE ATOS DE
CAPACIDADE PROFISSIONALIDADE EM NOME PRÓPRIO
COMÉRCIO
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As sociedades comerciais são comerciantes por via do artigo 13.º/2. O processo de constituição da
sociedade comercial é sucessivo e complexo: há o acordo dos sócios (artigo 36.º/2 CSC), a formalização do
contrato em documento escrito, com as assinaturas dos sócios reconhecidas presencialmente (artigo 7.º/1)
e, por último, as publicações (artigo 3.º/1, al. a) CRCom.).
No entanto, em qual destes momentos há sociedade comercial e quando há comerciante? As
sociedades comerciais são comerciantes (e só elas o são, ficando excluídas as sociedades civis sob a forma
comercial) e a sociedade comercial existe logo com a formalização nos termos do artigo 7.º/1 CSC – antes
desse momento há sociedade, mas ainda não há sociedade comercial.
Quem não preenche os requisitos do artigo 13.º, não será comerciante. Analisemos os artigos 14.º e
17.º a este respeito.
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UMA PESSOA PROIBIDA POR LEI DE COMERCIAR, MAS QUE VIOLE A PROIBIÇÃO, EXERCENDO
PROFISSIONALMENTE O COMÉRCIO, É COMERCIANTE?
Há uma certa divergência doutrinal a este respeito, tendendo COUTINHO DE ABREU para uma resposta
positiva. Desde logo, porque têm capacidade para praticar atos de comércio e fazem deste profissão
(cumprem-se os requisitos do artigo 13.º).
Além disso, porque não são nulos, anuláveis ou ineficazes os atos ou atividades comerciais de tais
pessoas. Por isso as sanções cominadas para a violação das proibições legais não afetam a validade e eficácia
do exercício do comércio, sendo, portanto, de outra ordem (responsabilidade civil, destituição com justa causa,
penas disciplinares, perda de mandato, demissão, destituição judicial, etc.).
O artigo 15.º estabelece que as dívidas comerciais do cônjuge comerciante se presumem contraídas
no exercício do seu comércio – trata-se de um preceito instrumental de uma regra básica do casamento em
regime de comunhão de bens (artigo 1691.º, al. d) CC).
O credor tem de provar que o sujeito que contraiu a dívida é comerciante e que ela resulta de um ato
de comércio, presumindo-se, portanto, que a dívida foi contraída no exercício de comércio do comerciante
– basta que se prove que é um ato objetivo ou subjetivo para se presumir essa relação.
A presunção do artigo 15.º assenta na constatação de que os atos de comércio praticados por um
comerciante se inserem na sua atividade comercial, ficando o credor dispensado de provar a integração do
concreto ato no comércio do sujeito que o praticou.
A tutela é dada ao credor do comerciante casado, facilitando o acesso ao crédito pelo comerciante.
Desta forma, por aplicação da referida presunção, o comerciante ou o seu cônjuge ficam na seguinte posição:
• Ou fazem a prova de que um dos pressupostos em que assenta a presunção não é exato
(provar que o ato não é comercial ou que o cônjuge não é comerciante);
• Ou ilidem a presunção através da prova de que, apesar do devedor ser comerciante e o ato
ser comercial, este não se integra na atividade comercial dele – isto é possível nos atos objetivamente
comerciais ou no subjetivamente comerciais quando nada resulte quanto à sua conexão.
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A transmissão entre vivos obedece a três requisitos: a transmissão de uma firma tem de fazer-se com
a de um estabelecimento comercial a que esteja ligada – a transmissão do estabelecimento e da firma tanto pode ser
feita a título definitivo (trespasse) como a título temporário (locação e usufruto, p. ex.); é necessário o acordo das partes;
e o adquirente deve aditar à sua própria firma menção de sucessão e a firma adquirida.
Todo o comerciante é obrigado a ter escrituração mercantil efetuada de acordo com a lei (artigo 29.º),
na qual deve inscrever todos os factos relativos à sua atividade mercantil, e apenas eles. O artigo 40.º
estabelece ainda uma obrigação de arquivar a escrituração mercantil.
A regra é que os livros são privativos do comerciante e só por eles podem ser usados e exibidos (ainda
que possa recorrer a terceiros para a sua elaboração – artigo 38.º CCom.). A exceção legal é a prevista no
artigo 42.º, relativo ao pedido de exibição judicial. Fora destes casos, a lei prevê, no seu artigo 43.º que, em
sede judicial, possa haver exame de escrituração quando o comerciante nisso tenha interesse e por
solicitação da outra parte ou do tribunal, neste caso quando a questão envolva responsabilidade do
comerciante e os livros sejam adequados a fixar os factos a ela relativos.
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No caso da obrigação prevista no n.° 3 do referido artigo, a atividade dos comerciantes desenvolve-se
no mercado e tem relevância para o tráfico jurídico em geral. Desta forma, tendo em vista a segurança na
atividade mercantil, o OJ predispôs um sistema organizado justamente para dar publicidade à situação
jurídica dos comerciantes (artigo 1.º CRC).
Os factos e entidades sujeitos a registo são os previstos na lei (pp. da tipicidade), destacando-se os
previstos nos artigos 1.º a 10.º CRC. Todavia, nem todos os factos aí previstos têm de ser registados. O registo
pode ser facultativo ou obrigatório, sendo que sujeitos a registo obrigatório são apenas os previstos no artigo
15.º – o registo não é constitutivo, mesmo quando é obrigatório (é declarativo apenas).
Há casos excecionais onde o registo é constitutivo: artigos 13.º/2 CRC e 5.º, 112.º, 120.º e 160.º/2 CSC.
Hoje, o registo é feito por TRANSCRIÇÃO ou EXTRATO (extração dos elementos que definem a situação
jurídica das entidades sujeitas a registo constantes dos documentos apresentados – constitui presunção de que existe
a situação inscrita, nos precisos termos em que é definida no registo, artigo 11.º CRC) ou por DEPÓSITO (mero
arquivamento dos documentos que titulam factos sujeitos a registo) – artigo 53.º-A/2 e 3.
Vale aqui a prioridade do registo, pelo que este é uma mera condição de oponibilidade a terceiros dos
factos a ele sujeitos.
Em regra, o registo efetua-se a pedido do interessado (pp. da instância), exceto nos casos de
oficiosidade previstos na lei (artigo 28.º/1 CRC).
Relativamente ao n.° 4 do artigo 18.º, o BALANÇO é o documento onde se compara o ativo com o
passivo para revelar o valor do capital próprio ou situação líquida – é um dos principais documentos de prestação
anual de contas – e o comerciante é obrigado a dar balanço anual do seu ativo ou passivo, nos três primeiros
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“Qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços
num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento”
(artigo 3.º/1 da Lei n.° 19/2012).
SENTIDO SENTIDO
SUBJETIVO OBJETIVO
1. SENTIDO SUBJETIVO
Aparecem como sujeitos que exercem uma atividade económica, titulares de direitos e deveres.
Podem ser pessoas singulares ou coletivas, bem como sociedades, associações ou outras entidades sem
personalidade jurídica.
Para serem considerados empresas, têm de exercer atividade económica, não sendo esta
necessariamente destinada à obtenção de lucros (mas também não pode, em mercado, proporcionar todos
os bens gratuitamente) e nem tem de ser suportada por uma organização de trabalho dependente ou outros
fatores produtivos – falamos aqui dos inventores que comercializem as respetivas invenções, artistas que explorem
comercialmente as suas prestações artísticas, profissionais liberais, etc.
As empresas podem apresentar formas diversas, sujeitas a regimes diferenciados, como as empresas
do setor privado, setor público ou subsetor cooperativo) – neste primeiro inserem-se os agricultores,
artesãos, profissionais liberais, cientistas ou artistas que comercializem as suas invenções/prestações
artísticas.
2. SENTIDO OBJETIVO
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“Estabelecimento comercial” e a designação que toma a empresa no seio da sua dimensão objetiva.
Neste momento, podemos usar indistintamente o termo empresa (em sentido objetivo) e estabelecimento
comercial. Para COUTINHO DE ABREU, o estabelecimento comercial em sentido objetivo (=empresa) é uma
unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente
estável e autónomo de uma atividade comercial.
O estabelecimento é um bem jurídico, feito de vários bens ou elementos (=os seus fatores produtivos),
os quais variam consoante os tipos ou formas de estabelecimento, variando de empresa para empresa,
dentro de um mesmo grupo tipológico.
Conclui-se, portanto, que é estabelecimento a organização produtiva apta a funcionar, incluídas
também aquelas que ainda não entraram em funcionamento.
O estabelecimento comercial é identificado com a CLIENTELA (ou com o “direito à clientela”). Contudo,
quanto aos estabelecimentos que ainda não tenham estrado em funcionamento, a doutrina portuguesa vem
defendendo que, embora não funcionando ainda, um complexo de bens de produção organizados pode ser
considerado estabelecimento comercial – sê-lo-á se, à partida, já se revelar minimamente apto garantir clientela
que lhe permita reproduzir os respetivos processos produtivos. Não obstante, faltando-lhe bens sem os quais não
funcionará, não existe ainda estabelecimento, pois este está em formação.
COUTINHO DE ABREU entende que a clientela não é, em rigor, um elemento da empresa, por não ser
um meio ou instrumento estrutural-funcionalmente inserido na organização produtiva que a empresa é.
O estabelecimento comercial é um bem (coisa) no património de um sujeito que não tem qualquer
autonomia no que respeita a dívidas – pelas dívidas resultantes da exploração do estabelecimento responde
todo o património do sujeito, em plano de igualdade (artigo 601.º CC). Em regra, as dívidas emergentes de
atos de comércio não convocam a afetação especial de bens, mesmo quando o sujeito é comerciante e tem
um património especialmente afetado ao exercício mercantil.
Para possibilitar que as coisas não tenha de ser assim, o legislador criou um novo instituto: o EIRL (DL
n.° 248/86). Quando um sujeito tenha constituído um ERIL, o estabelecimento é constituído como
património autónomo. Desta forma, o comerciante destaca do seu património geral uma massa de bens que
passa a constituir um património autónomo e pelas dívidas decorrentes do exercício da sua atividade
mercantil, responde unicamente essa massa de bens.
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TRESPASSE LOCAÇÃO
1. TRESPASSE
O TRESPASSE traduz um negócio de transmissão definitiva do estabelecimento por negócio inter vivos
– pode incluir vários tipos de negócios, desde compra e venda, permuta, entrada em sociedade, doação,
dação em pagamento, venda executiva, etc.; sendo que relevante é que tenham por objeto o
estabelecimento e pretendam a transmissão da sua propriedade.
Desde 2000, a forma exigida para o trespasse passou a ser simples escrito (antes era a escritura
pública).
ÂMBITOS DE ENTREGA
ÂMBITO IMPERATIVO
OU ÂMBITO CONVENCIONAL ÂMBITO NATURAL
MÁXIMO
O trespassante de estabelecimento fica, em princípio, obrigado a, num certo espaço de tempo, não
concorrer com o trespassário e sucessivos adquirentes – OBRIGAÇÃO IMPLÍCITA DE NÃO CONCORRÊNCIA.
Esta obrigação pode intervir na generalidade dos negócios incluíveis no conceito de trespasse.
Além do trespassante, podem ficar vinculados o cônjuge do trespassante, os filhos deste (quando
tenham colaborado na exploração da empresa transmitida) e, quando o trespassante seja uma sociedade,
alguns sócios (nomeadamente aqueles que possuem os conhecimentos relativos à empresa trespassada
indispensáveis a uma concorrência qualificada).
Esta obrigação conhece LIMITES ESPACIAIS e TEMPORAIS: vale apenas nos lugares delimitados pelo
raio de ação do estabelecimento trespassado e durante o tempo suficiente para se consolidarem os valores
de organização e/ou de exploração da empresa transmitida na esfera de um adquirente-empresário
razoavelmente diligente.
⚠ A obrigação implícita de não concorrência pode ser afastada por estipulação contratual.
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Para efeitos da alínea b) do n.° 2, considera-se não haver trespasse quando, no momento do negócio,
havia intenção de dar outro destino ao prédio que não a continuação do mesmo estabelecimento.
A interpretação do artigo 1112.º/2, al. b) não pode deixar de se conjugar com o n.° 5 do mesmo artigo.
A leitura conjugada de ambos permite concluir que a lei distingue dois tipos de casos:
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Este artigo 1112.º/2 deve ser entendido como um artigo que estabelece requisitos adicionais para que
a cessão da posição contratual dispense consentimento do senhorio – cada uma das alíneas é autónoma!
O n.° 5 deste artigo prevê uma causa de resolução do contrato de arrendamento direta, com
fundamento na mudança de destino, e não consequencial como a do n.° 2.
O objetivo de ambos os preceitos é o de equilibrar a relação contratual de arrendamento, não impondo
ao senhorio que suporte mudanças de inquilino para lá do necessário a uma tutela do valor que é o
estabelecimento.
O n.° 3 do artigo 1112.º declara que a transmissão da posição do arrendatário, sem dependência de
autorização do senhorio, deve ser comunicada a este num prazo de 15 dias. A cedência da posição de
arrendatário não comunicada atempadamente é ineficaz relativamente ao senhorio, podendo este resolver
o contrato de arrendamento, de acordo com o previsto no artigo 1083.º/2, al. a).
Contudo, havendo trespasse válido, o senhorio não tem poderes para recusar o trespassário como
arrendatário.
2. LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO
A locação de estabelecimento (comercial ou não comercial) é definível como o contrato pelo qual umas
das partes se obriga a proporcionar à outra gozo temporário de um estabelecimento, mediante retribuição.
As partes estipulam livremente a duração do contrato, mas se nada estipularem, considera-se
celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos (artigo 1110.º CC), o qual renovar-se-á automaticamente
por períodos sucessíveis de igual duração, salvo estipulação em contrário (n.° 3).
Relativamente ao regime de DENÚNCIA, quando o contrato seja celebrado com prazo certo, na falta
de regime convencional, vale o artigo 1098.º/3 a 6, exceto se operar o prazo supletivo de 5 anos, caso em
que o locatário não pode denunciar o contrato com antecedência inferior a um ano (artigo 1110.º/2).
Se o contrato for de duração indeterminada, o regime supletivo da denúncia pelo locatário é o
constante do artigo 1100.º.
Sob pena de nulidade, deve o contrato ser celebrado por escrito (artigo 1112.º/3).
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ÂMBITOS DE ENTREGA
O âmbito mínimo tem de ser respeitado (elementos essenciais para a identificação da empresa objeto
do negócio), salvo quando outra coisa resulte da lei ou do contrato.
Enquanto durar a locação, o locador está obrigado a não concorrer num determinado espaço com o
locatário – não obrigação não é implícita pois resulta de disposições legais expressas (artigos 1031.º, al. b) e
1037.º).
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As modalidades adotadas pelo plano de insolvência são a recuperação, a liquidação ou o plano misto
(recuperar a empresa e, ao mesmo tempo, alienar bens da massa insolvente) – há inclusive quem autonomize o
saneamento por transmissão (artigo 199.º CIRE): alienação de um ou mais estabelecimentos do devedor, a
favor de uma ou mais sociedades que são constituídas para adquirirem esse(s) estabelecimento(s) – na
prática, é uma operação de liquidação do património do insolvente.
O n.° 1 do artigo 1.º é enganoso, pois dá a ideia de que um processo de insolvência terá sempre um plano de
insolvência que consistirá num plano de recuperação ou de liquidação. Esta ideia está errada, pois o que o CIRE
consagra é um regime em que a liquidação da massa insolvente é a REGRA, pois se nada for decidido em contrário, o
destino da massa insolvente é a sua liquidação e, para que se decida em contrário, terá de ser apresentada uma
proposta de plano de insolvência, e nada no CIRE obriga a que essa proposta apareça – inclusive há casos em que
sequer é possível apresentar proposta.
Podem apresentar proposta de plano o devedor (quando se apresenta à insolvência – artigo 24.º/3),
o administrador da insolvência (encarregue por deliberação da assembleia de credores ou por iniciativa
própria), um credor ou grupo de credores com créditos correspondentes a, pelo menos, um quinto do total
dos créditos não subordinados e qualquer responsável legal pelas dívidas da insolvência (artigo 193.º).
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Sendo admitida pelo juiz a proposta de plano (artigo 207.º), este notificará as entidades mencionadas
no artigo 208.º para, querendo, emitirem um parecer sobre ela. E convocará também a ASSEMBLEIA DE
CREDORES para discutir e votar a proposta de plano (artigo 209.º/1).
Aprovado o plano de insolvência pelos credores, para que seja plenamente eficaz, este necessita de
ser homologado por sentença judicial (artigo 217.º).
O processo de insolvência exige sempre plano de insolvência, quer para a liquidação quer para a
recuperação. No entanto, no caso dos pequenos empresários pessoas singulares não existe plano de
insolvência – o pequeno empresário não pode recorrer ao plano de recuperação; pode apenas utilizar o
plano de pagamento, mas para isso este tem de ser aprovado pelos seus credores e, uma vez aprovado, terá
de ser homologado pelo juiz.
A diferença entre o plano de pagamento e o plano de insolvência de recuperação é que no 1° temos a
aprovação do plano de pagamento – a homologação pelo juiz– a declaração de insolvência; no 2° temos a
declaração de insolvência – aprovação do plano de insolvência de recuperação – homologação pelo juiz.
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Quaisquer pessoas singulares ou coletivas (artigo 2.º/1, al. a) CIRE) – associações, fundações, sociedades
comerciais, sociedades civis de tipo comercial, sociedades civis simples personalizadas (como os advogados),
cooperativas, agrupamentos, ACE, AEIE.
Entidades ou sujeitos de natureza coletiva, mas não personalizados – associações sem personalidade
jurídica e comissões especiais; sociedades civis simples; sociedades comerciais e civis de tipo comercial, antes do
registo definitivo do ato pelo qual são constituídas; cooperativas antes do registo da sua constituição.
Temos insolvência iminente quando se antevê como provável que o devedor não terá
meios para cumprir a generalidade das suas obrigações já existentes no momento em
INSOLVÊNCIA que se vençam – apenas o devedor pode invocar a insolvência iminente no processo de
insolvência.
IMINENTE
SOVERAL MARTINS defende que o que se fará é um juízo de probabilidades: se a
dificuldade em cumprir as suas obrigações indica que é maior a probabilidade de se vir
a encontrar em situação de insolvência atual do que a hipótese contrária, há insolvência
iminente; se esta dificuldade em cumprir as suas obrigações não indica tal coisa, estamos
perante uma situação económica difícil.
O artigo 3.º/2 consagra ainda outra situação de insolvência: “As pessoas coletivas e os patrimónios
autónomos (...) são considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo,
avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
O passivo e o ativo devem ser avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, mas o n.° 3 do
artigo 3.º permite que se utilizem critérios de avaliação, a fim de ser feita prova de que o ativo (inferior ao
passivo por aplicação das normas contabilísticas comuns) é afinal superior ao passivo.
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Um dos efeitos importantes da declaração de insolvência está previsto no artigo 88.º CIRE – este artigo
representa uma proteção importante para os devedores, pois lhes vai dar um “porto seguro”.
Existem alguns casos onde o devedor tem o dever de se apresentar à insolvência. No entanto, isto não
vale para todo e qualquer devedor (artigo 18.º) e nem para todas as situações de insolvência.
Devido ao período excecional que vivemos em virtude da pandemia Covid-19, a Lei n.° 1-A/2020 veio
estabelecer um regime legal excecional e provisório com vista a suspender o dever de apresentação à
insolvência.
O artigo 157.º permite que o administrador da insolvência encerre o estabelecimento antes mesmo
da assembleia de apreciação do relatório. Este encerramento antecipado é já um encerramento definitivo
ou ficará dependente da deliberação da assembleia de credores? SOVERAL MARTINS defende que não é um
encerramento definitivo – na prática, isto importa porque, se há encerramento definitivo, no âmbito do DT
e do exercício do direito perante a segurança social, os contratos de trabalho caducam; já tal não acontece
se o encerramento for apenas provisório.
O artigo 196.º CIRE faz referência a uma série de providências com incidência no passivo do devedor.
No entanto, importa distinguir as medidas que visam, em primeira linha, o devedor e, por essa via, recuperar
também a empresa, e aquelas que visam apenas a empresa.
Contudo, quando não há disposição no plano de insolvência, regula o artigo 197.º. Isto significa que,
analisando a alínea a), isso só será bom para os credores que beneficiem de garantias reais e privilégios
creditórios, pois mantêm-se. Tal já não se verifica relativamente aos créditos subordinados (alínea b)), pois
se nada constar do plano de insolvência em relação a estes, consideram-se objeto de perdão total. Além
disso, uma vez cumprido o que consta do plano de insolvência, se havia outras dívidas que não estava
tratadas no referido plano, considera-se o devedor exonerado do seu cumprimento (alínea c)) – encerrado
o processo de insolvência, o devedor não pode voltar a ser executado.
⚠ No entanto, temos de ter em conta que, à luz do artigo 233.º/1, al. c), os credores que não foram
pagos podem, eventualmente, voltar a executar o devedor, pressupondo que o devedor não se extinguiu
(tratando-se de pessoa coletiva, o processo de insolvência pode ter conduzido à sua extinção).
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A Lei n.° 75/2020 veio, no seu artigo 4.º, estabelecer a possibilidade de verificar-se certos pressupostos
e ser concedido um prazo adicional na assembleia de credores, para reformular este plano de insolvência e
adaptar a proposta do pano ao contexto pandémico vivido atualmente. Prevê-se um adiamento dos efeitos
do incumprimento do plano de insolvência, isto é, o prazo do artigo 218.º/1, al. a) só começa a contar após
o termo de vigência da presente lei.
PER PER
(artigos 17.º-A a 17.º-H) (artigos 17.º-I)
O PER dos artigos 17.º-A a 17.º-H pressupõe que O PER regulado no artigo 17.º-I se inicia já com a
o plano seja votado e aprovado já na pendência do apresentação de um plano que foi obtido antes do
processo especial (como uma fase do processo). Este início do próprio processo, isto é, um plano que
inicia-se com o requerimento apresentado pela resultou de um acordo celebrado entre a empresa e
empresa devedora, mas, para que este requerimento os seus credores (que têm de representar a maioria
possa ter lugar, é necessário que se faça acompanhar de votos que seriam necessários caso tivesse havido
de uma declaração assinada pelos credores não votação no processo) – é um processo de natureza
pelo menos, 10% dos créditos não subordinados – Este PER serve para impedir que o tribunal
esta exigência tem em vista dar seriedade ao processo. homologue aquele acordo que foi obtido
A empresa apenas pode avançar com o pedido extrajudicialmente pois, se o tribunal homologar,
de abertura do PER se se encontrar em situação de este passa a produzir efeitos não só em relação aos
insolvência iminente (artigo 17.º-A/1) ou em situação credores que subscreveram o acordo, mas também
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Posto isto, podemos concluir que o PER dos artigos 17.º-A a 17.º-H trata-se de um processo judicial,
enquanto o PER do artigo 17.º-I é um acordo extrajudicial (tudo se passa fora do tribunal e antes do
processo).
Trata-se de atos que serão praticados fora do processo judicial e que assenta em dois temas
fundamentais: NEGOCIAÇÕES e ACORDO DE REESTRUTURAÇÃO.
Este regime vem dizer que as partes que desejem iniciar NEGOCIAÇÕES poderão, se o devedor em
causa for uma empresa, sujeitar estas negociações a um regime extrajurídico. Contudo, para que as
negociações possam sujeitar-se ao RERE, é necessário o preenchimento de dois pressupostos,
nomeadamente, é indispensável que a empresa e os credores com os quais vai negociar celebrem um
PROTOCOLO DE NEGOCIAÇÕES e, de seguida, têm de o depositar na conservatória do Registo Comercial.
Para que a empresa devedora beneficie da aplicabilidade do RERE, é necessário que esteja em situação
económica difícil ou em situação de insolvência iminente – no caso do acordo de reestruturação, apenas após o
seu depósito é que exigir-se-á uma declaração de um ROC neste sentido, com o intuito de fazer-se um controlo da
situação da respetiva empresa; já para o protocolo de negociações, esta declaração não é exigida.
SOVERAL MARTINS defende que, quer o regime das negociações, quer o acordo de reestruturação, só
fazem sentido quando o devedor é empresário, pois têm o intuito de fazer a empresa sobreviver, não
fazendo sentido que não empresários possam recorrer ao RERE.
Se, eventualmente, for alcançado um acordo de reestruturação, este poderá ser utilizado para se
iniciar um PER do artigo 17.º-I – o acordo de reestruturação apenas produzirá inter partes, mas se for utilizado para
iniciar o referido PER, poderá eventualmente vir a ser homologado pelo juiz e consequentemente produzir efeitos
relativamente a outros credores também, inclusivamente àquelas que não assinaram o acordo.
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Devido à situação pandémica, a Lei n.° 75/2020 veio aprovar um novo processo, nomeadamente o
PEVE. Este é muito semelhante ao PER do artigo 17.º-I, mas distingue-se no sentido de que vai permitir o
recurso ao mesmo não só a empresas em situação de insolvência iminente, mas também a empresas em
situação de insolvência atual (artigo 6.º).
Trata-se de um processo para obter-se a homologação de um acordo e foi o meio que o legislador
encontrou para que as empresas possam provar que, devido à pandemia, ficaram em situação de insolvência
atual – têm de provar que a 31 de dezembro de 2019, a empresa tinha um ativo superior ao passivo.
1. MARCAS
As marcas são signos suscetíveis de representação objetiva, clara e autónoma, destinados a distinguir
certos produtos de outros produtos idênticos ou afins. No entanto, também têm uma função de garantia de
qualidade, tutelada pelo direito.
Podemos falar ainda de marcas nominativas (nomes ou palavras), figurativas (figuras ou desenhos),
constituídas por letras, números ou cores, marcas mistas, sonoras ou auditivas, tridimensionais ou de forma
(com três dimensões – comprimento, largura e altura), simples e complexas.
As marcas tanto podem pertencer a empresários como a não empresários e o atual CPI divide as
marcas coletivas em marcas coletivas (pertencem a associações de pessoas singulares ou coletivas e podem
ser usadas pelos respetivos associados) e marcas de certificação ou de garantia (pertencem a pessoas
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singulares ou coletivas que controlam os produtos ou estabelecem normas a que eles ficam sujeitos) – cada
marca pertence a um só sujeito (normalmente, coletivo).
1. CAPACIDADE DISTINTIVA
Os sinais, para serem marcas, hão de ser capazes de individualizar e distinguir produtos (artigos 208.º
e 209.º/1, al. a) CPI) – não são marcas os sinais exclusivamente específicos (aqueles que denotam a espécie de
produtos, p. ex., a palavra “ovo” ou o retrato do mesmo não podem ser marca de ovos), descritivos (referem-se a
características dos produtos) e genéricos (designam um género ou categoria de produtos onde se incluem os produtos
que se pretende marcar com este sinal, p. ex., “refresco” para laranjadas).
As marcas tridimensionais podem ser constituídas pela forma do produto ou da respetiva embalagem
(artigo 208.º CPI). No entanto, não são marcas as formas natural, funcional ou esteticamente necessárias
(artigo 209.º/1, al. b) CPI) – só as formas arbitrárias podem ser marcas, como p. ex., a forma de uma garrafa
oval para aguardente velha ou uma forma invulgar de um frasco para perfumes.
Em regra, uma única cor não pode ser marca, mas, hoje, o CPI de 2018 admite que tal aconteça (artigos
208.º e 222.º/1, al. f)), mas só muito excecionalmente isso será viável.
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2. VERDADE
A marca é verdadeira se não for decetiva ou enganosa. A este propósito, o artigo 231.º/3, al. d) CPI
estatui a irregistabilidade das marcas que contenham sinais suscetíveis de induzir o público em erro.
3. LICITUDE (RESIDUAL)
O artigo 231.º CPI consagra uma lista de elementos que poderão levar à recusa do registo de uma
marca, aparecendo ainda outros fundamentos no artigo seguinte.
4. NOVIDADE E ESPECIALIDADE
As marcas têm de ser novas, distintas e inconfundíveis, sob pena de o seu registo ser recusado (artigo
232.º/1, als. a) e b) CPI). No entanto, tal novidade apenas tem de se afirmar no âmbito de produtos idênticos
ou afins – vigora o pp. da especialidade.
Problemático é saber quando é que existe afinidade entre os produtos, semelhança entre as marcas
(imitação de uma por outra) e risco de confusão:
Para que uma marca possa considerar-se não nova e insuscetível de registo, é necessário que seja
idêntica ou semelhante à marca anteriormente registada por outrem para produtos afins ou idênticos e,
ainda, tal identidade/semelhança tem de poder induzir em confusão o consumidor.
Para que se constitua um direito de propriedade sobre uma marca, é preciso que a mesma seja
registada (no INPI) – artigo 210.º CPI. O processo normal de registo é regulado pelos artigos 222.º e ss. CPI.
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Quanto ao REGIME DE PROTEÇÃO, temos de distinguir as marcas registadas (artigo 210.º/1 CPI) das
marcas não registadas de facto ou livres, devendo ainda acrescentar-se que as marcas notórias e as marcas
de prestígio, mesmo quando não registadas, gozam de proteção especial (artigos 234.º e 235.º CPI).
As MARCAS DE PRESTÍGIO gozam de uma proteção alargada pois, embora radicadas em certos
produtos, estas libertam-se da função distintiva, aparecendo como símbolos de excelência – a proteção
especial de que esta goza é concedida sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do caráter
distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudica-los.
Para serem de prestígio, as marcas têm de ser notórias e gozar de boa reputação (esta reputação
assenta na boa qualidade dos produtos respetivos).
As MARCAS DE FACTO também gozam de prioridade de registo (artigo 213.º CPI), quando se
reconheça que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente
da sua intenção (artigo 311.º, al. a) CPI).
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As marcas de facto, por não serem objeto de direito de propriedade, não são transmissíveis
autonomamente. No entanto, enquanto elementos de empresas, podem ser transmitidas juntamente com
estas.
As LICENÇAS DE EXPLORAÇÃO de marcas estão previstas nos artigos 31.º e 258.º CPI: através de
contrato (oneroso ou gratuito) pode o titular de marca registada cedê-la a terceiro em licença de uso ou
exploração.
O contrato de licença está sujeito à forma escrita e só produz efeitos em relação a terceiros depois de
averbado no INPI (artigos 31.º/3 e 29.º/1, al. b) e n.° 2).
O registo de marca é NULO nos casos previstos no artigo 32.º/1 e quando na sua concessão tenha sido
desrespeitado o disposto no artigo 231.º/1, 3 a 6.
É também ANULÁVEL o registo de marca quando na sua concessão tenha sido infringido o previsto nos
artigos 232.º a 235.º (artigo 260.º/1).
O registo de marca CADUCA, independentemente da invocação da causa, quanto tiver expirado o seu
prazo de duração ou por falta de pagamento de taxas (artigo 36.º/1, als. a) e b) CPI).
Caduca também se as respetivas causas forem invocadas por interessado e houver a correspondente
declaração pelo INPI (artigos 36.º/2 e 269.º CPI).
Por declaração unilateral recetícea (dirigida ao INPI), pode o titular de marca RENUNCIAR, total ou
parcialmente, ao direito de propriedade sobre ela (artigo 37.º/1 e 2).
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TÍTULOS DE CRÉDITO
Nós temos três títulos de créditos que individualizam-se dos demais devido ao facto de representarem
uma prestação em dinheiro, nomeadamente as LETRAS (LULL), CHEQUES (LUC) e LIVRANÇAS (LULL).
De acordo com o pp. da literalidade, a letra do título é decisiva para a determinação do conteúdo,
limites e modalidades do direito. Portanto, o teor verbal do documento é determinante do direito que nele
é mencionado – cada um dos regimes jurídicos terá uma certa literalidade associada ao documento (no caso
das letras, é o artigo 17.º LULL que nos permite falar de uma certa literalidade, com os limites estabelecidos na lei).
A LETRA
A letra é um documento em papel que contém uma ordem de pagamento (=saque) de uma quantia
determinada, dada pelo sacador ao sacado, à ordem do tomador.
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Tipicamente, cada um dos respetivos sujeitos é diferente do restante, mas nem sempre isso será assim:
o saque pode ser feito à ordem do próprio sacador, caso em que este será, simultaneamente, sacador e
tomador, podendo dar a ordem para que a letra seja paga a si próprio (artigo 3.º LULL).
Uma vez recebida a ordem de pagamento, o sacado, só por receber tal ordem, não se torna obrigado
a pagar a quantia aposta da letra, só se tornando efetivamente obrigado cambiário com um ACEITE, isto é,
enquanto não aceitar, não estará obrigado. Com o aceite, tornar-se-á aceitante e, consequentemente, um
obrigado cambiário.
Em regra, a emissão de uma letra pressupõe uma relação entre sacador (credor) e sacado (devedor) e
entre sacador e tomador (terceiro), pelo que, se o sacado é devedor do sacador, e este, por sua vez, é
devedor do tomador, então será mais fácil que o sacado pague a dívida diretamente ao tomador.
As formas de pagamento de uma letra são as previstas no artigo 33.º LULL.
• A palavra “letra” deve ser inserida no título e expressa na língua empregada para a redação do
mesmo;
• Ordem de pagamento (=saque);
• O nome do sacado;
• A época de pagamento;
• A indicação do lugar em que o pagamento deve ser efetuado (artigos 1.º e 2.º LULL);
• Nome do tomador;
• Indicação da data e lugar onde a letra é passada;
• Assinatura do sacador.
A falta dos requisitos referidos no artigo 1.º LULL tem como consequência a não produção de efeitos
do documento como letra. No entanto, existem EXCEÇÕES: em caso de não indicação da época de
pagamento, a letra é considerada pagável à vista; em caso de não indicação do lugar do pagamento, vale o
lugar que tenha sido designado ao lado do nome do sacado (o seu domicílio, portanto); em caso de não
indicação do lugar onde a letra foi passada, considera-se o lugar designado ao lado do nome do sacador.
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Contudo, não será em todos os casos de falta de requisitos essenciais que a letra não produzirá efeitos,
variando a resposta consoante haja ou não ACORDO DE PREENCHIMENTO – este é feito no sentido de definir
em que termos devem ser preenchidos os requisitos em falta e permite-nos distinguir entre a letra em
branco (faltam elementos, mas há acordo de preenchimento, portanto basta que esteja designado o
documento com a palavra “letra” e, na opinião de SOVERAL MARTINS, que contenha a assinatura do
sacador) e a letra incompleta (faltam elementos e não há acordo de preenchimento, pelo que a letra não
produzirá efeitos).
NEGÓCIOS CAMBIÁRIOS
2. O ACEITE
O aceite é um negócio cambiário unilateral que consiste na declaração, por parte do sacado, na qual
este se obriga a pagar a letra à data do seu vencimento – o sacado aceita a ordem de pagamento que lhe é
dada.
Como já foi dito, se este não aceitar, não fica obrigado. No entanto, pode dar-se o caso de se ter
comprometido antes a aceitar a letra e, portanto, nesta eventualidade, fica obrigado a indemnizar a pessoa
perante a qual se obrigou (o sacador).
A recusa do aceite, a ter lugar, deve ser comprovada por um protesto (ato formal que atesta essa
recusa – artigo 44.º LULL), para que o sacado possa daí retirar as inerentes vantagens.
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3. O ENDOSSO
Com o endosso, é dada ao sacado (devedor) uma nova ordem de pagamento, isto é, é-lhe dada a
ordem para pagar ao endossado (e já não ao endossante, vulgo portador legítimo da letra) – diz-se que o
endosso é um novo saque.
O endosso pode ser feito a favor do sacado (seja ou não aceitante), a favor do sacador ou a favor de
qualquer outro obrigado cambiário, podendo qualquer um deles reendossar (artigo 16.º LULL).
O endossante (portador legítimo da letra), quando endossa a letra, também está a tornar-se obrigado
cambiário (artigo 15.º LULL).
O portador da letra só será considerado legítimo portador se a sua posição decorre de uma cadeia de
endossos sem interrupções.
Aquele que recebe a letra através de ENDOSSO EM BRANCO (tem lugar com a declaração de endosso
assinada, mas sem indicação de que é o endossado ou aquele que é realizado apenas com a assinatura do
endossante escrita no verso da letra ou em folha anexa – artigo 13.º LULL) é considerado portador legítimo
da letra – o endosso em branco não afeta a regularidade da cadeira de endossos (artigo 16.º LULL).
Eventualmente, pode ser inserida uma CLÁUSULA NÃO À ORDEM para proibir novos endossos (artigo
15.º LULL).
4. O AVAL
O aval é um negócio cambiário pelo qual o sujeito que emite a declaração garante o pagamento da
letra, no todo ou em parte, nas mesmas condições que o avalizado (artigo 30.º e ss. LULL).
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O avalista é um obrigado de garantia e a sua responsabilidade está prevista no artigo 32.º LULL. Este
responde nos mesmos termos em que responde aquele por quem é dado o aval – se o avalista dá o seu aval
pelo aceitante, responde nos mesmos termos que o aceitante, e continuará a responder mesmo que o
protesto não seja feito a tempo.
Logo, a responsabilidade do avalista dependerá da pessoa pela qual ele deu o aval – sacador,
endossante ou aceitante.
Devemos ter em atenção o artigo 47.º LULL, articulado com o artigo 53.º, no sentido de que os
sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos SOLIDARIAMENTE responsáveis para
com o portador – trata-se de uma solidariedade imperfeita, pois não se divide a responsabilidade entre eles,
podendo a totalidade da quantia colocada na letra ser exigida a qualquer um destes obrigados.
A causa que subjaz à obrigação cambiária é-lhe indiferente – a obrigação cambiária é abstrata (abstrai-
se da sua causa), Logo, o devedor cambiário não pode invocar, perante o portador mediato do título,
exceções fundadas nas relações causais estabelecidas com anteriores portadores ou com o sacador (artigo
17.º LULL) – isso apenas aplica-se quando a pessoa que vem invocar o vício é portador mediato (portador
que não é parte nestas relações pessoais.
O artigo 17.º, ao prescrever esta abstração da obrigação cambiária, fixa uma condição: o portador
mediato só poderá invocar a abstração da obrigação cambiária se estiver de boa fé – obstando, então, a que
o obrigado lhe oponha vícios da relação subjacente ao surgimento da obrigação cambiária como meio de se
desonerar do pagamento).
O portador mediato não estará de boa fé quando, ao adquirir a letra, procedeu conscientemente em
detrimento do devedor.
O legítimo portador da letra (justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos) tem um
direito sobre o título que é autónomo relativamente aos direitos dos anteriores possuidores. Nesse sentido,
o direito do legítimo possuidor da letra não é afetado por vícios dos direitos sobre a letra de anteriores
possuidores (artigo 16.º LULL) – trata-se da autonomia de um direito sobre o documento.
No entanto, este regime não aplicar-se-á se o portador da letra, no momento da sua aquisição, estava
de má fé ou cometeu falta grave (ignorava a posse irregular do endossante, mas era-lhe exigido tal conhecimento).
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