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“TEMPOS MODERNOS”, DE CHARLES CHAPLIN, NO CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO DA ERA

MODERNA

Renata Pedrolli Renz - Matrícula 202008500257


Graduação em Direito - Ciência Política e Teoria Geral do Estado

INTRODUÇÃO
O filme Tempos modernos é considerado um clássico do cinema, sendo consagrado como de domínio
público. Estreou em 1936, e foi escrito e dirigido por Charles Chaplin. Esta comédia dramática se passa nos
Estados Unidos dos anos 1930, logo após a crise da “Grande Depressão” de 1929, que gerou uma recessão no
capitalismo e assolou o país, trazendo desemprego, fome, violência e outras tensões sociais para grande parte
da população americana.
Trata-se de uma sátira às ideias defendidas pelo liberalismo burguês e pelo capitalismo em uma
sociedade que vivenciava um crescimento tecnológico e industrial muito expressivos, a chamada
"modernidade". A realidade apresentada por Chaplin retrata as consequências da Revolução Industrial, além
das grandes mudanças nos costumes e valores da época. Sem deixar o lado humorístico de lado, em um primeiro
momento, Chaplin foca na exploração e desvalorização do operário, de sua mão de obra, e na sua
desumanização: o operário se torna uma simples e descartável ferramenta do processo produtivo.
Posteriormente, a crítica se volta ao impacto do pensamento burguês nas desigualdades sociais e aos
sofrimentos que o sistema capitalista traz para a classe trabalhadora.
O objetivo desta resenha é fazer um paralelo entre a realidade retratada no filme e os conceitos vistos
em aula na disciplina de Ciências Políticas e Teoria Geral do Estado.
SINOPSE DO FILME
Carlito, operário de uma linha de montagem de uma fábrica, realiza exaustivamente seu trabalho
repetitivo de apertar um par de parafusos, até ter um surto nervoso. Após um período internado no hospital, a
fábrica onde trabalhava fechou, deixando-o desempregado. Sua vida muda completamente quando se vê no
meio de um protesto de operários e acaba sendo preso equivocadamente ao ser considerado um líder comunista.
Ao sair da prisão, conhece uma jovem órfã que roubava comida para não passar fome, por quem se apaixona.
Juntos, tentam lidar com as dificuldades da vida moderna na busca de seus sonhos.

LEITURA DO FILME A PARTIR DO CONTEXTO HISTÓRICO


Já na cena de abertura, quando é mostrado um relógio marcando próximo das seis horas, o filme deixa
claro o foco central abordado ao trazer a mensagem: “Tempos Modernos. Uma história sobre a indústria, sobre
a iniciativa privada – a luta da humanidade na busca da felicidade” (tradução livre).
A imagem do relógio pode ser interpretada como uma crítica ao capitalismo e aos modelos Taylorista
e Fordista de produção, os quais obrigam os operários a produzirem cada vez mais para gerarem mais lucro,
com rígido controle do tempo produtivo. Há, também, uma forte crítica à ideia da divisão e especialização do
trabalho e da exploração do trabalhador ao exercer exaustivamente uma mesma atividade.
Este controle do ritmo de trabalho é bastante presente na primeira parte do filme, que tem na figura do
presidente da fábrica a sua personificação. Ele é mostrado quase que como um ser onisciente, pois controla,
através de grandes telões, todos e tudo que acontece na fábrica - inclusive o banheiro -, a fim de ditar o ritmo
da produção, porém sem preocupação alguma com as condições de trabalho dos funcionários.
Outro momento deste controle e da exploração da mão-de-obra operária (bastante defendidos do
liberalismo econômico) é quando aparece um vendedor demonstrando uma máquina capaz de alimentar o
operário enquanto ele continua exercendo seu trabalho, para a produção não parar.
A desumanização do trabalhador gerada no capitalismo, transformando-o em mera extensão da
máquina, uma pequena engrenagem de um gigantesco processo de produção, incapaz de discernimento e de
pensar, é retratada em diferentes situações. Primeiro quando, ao parar para descansar, Carlito continua
repetindo os movimentos de apertar as porcas que se prendem às placas, como que em espasmos. Depois, ao
tentar mudar - sem sucesso - o ritmo da máquina, não consegue se adaptar e é engolido por ela.
A alienação gerada pela opressão e repetição do trabalho (ideia bastante rechaçada por Marx) é tamanha,
que mesmo preso dentre as engrenagens da máquina, ele continua apertando as porcas que vê pela frente. No
ápice de sua alienação, Carlito surta e sai tentando apertar tudo que imagina ser uma porca, como o nariz de
seu colega, os botões da roupa da secretária e de uma senhora que vê na rua, até que é preso e levado a um
hospital psiquiátrico. Uma outra passagem que ilustra isto é a cena em os operários estão correndo atrás de
Carlito em surto, mas assim que este liga uma máquina e reinicia a linha de montagem, os operários deixam de
persegui-lo e voltam a trabalhar, até que outro operário desliga novamente a máquina e a perseguição é
retomada.
Vale ressaltar que esta ideia da alienação é apresentada já nos instantes iniciais do filme, quando mostra
a imagem de um rebanho de ovelhas brancas caminhando amontoadas, sobreposta a de operários aglomerados
saindo de uma estação de trem. Este comportamento de rebanho é repetido na cena que as fábricas são reabertas
após a greve e os trabalhadores se aglomeram e se empurram para tentar conseguir um emprego. Trata-se de
uma analogia direta ao operário que não pensa, que é conduzido em massa para uma mesma direção, fazendo
menção ao pensamento do sindicalismo radical. Georges Sorel, seu maior expoente, considerava o homem
médio como uma espécie de carneiro, capaz unicamente de seguir o guia do rebanho.
Um fato que pode passar despercebido é que entre as ovelhas brancas há uma preta. Esta imagem pode
ser interpretada como representação do próprio Carlito, posto que ele não consegue se adaptar ao ritmo de
processo ditado pelos detentores do poder, tampouco consegue se adaptar a nenhum outro emprego que tenta.
Em uma segunda parte do filme, Chaplin se foca em criticar as desigualdades sociais geradas pelo
liberalismo, em especial a miséria, a fome e a violência. O contraste da casa burguesa almejada pelo casal, com
a casa caindo aos pedaços que a jovem encontrou para o casal morar, é uma crítica direta ao pensamento
burguês que considera o indivíduo o único responsável pela sua riqueza e sucesso.
Em relação a fome e a miséria, em três passagens é possível perceber o desespero do trabalhador que,
por não conseguir mais se sustentar, se vê obrigado a praticar crimes, abrindo mão da sua dignidade e
integridade, para obter o mínimo necessário à sua subsistência. Retratadas na figura da jovem órfã que rouba
alimentos para comer; quando Carlito tenta, a todo custo, retornar à prisão e quando seu antigo colega de fabrica
assalta a loja onde Carlito trabalhava como vigia.
A violência é retratada, sobretudo, na forma de repressão aos movimentos grevistas e sociais, crescentes
na época (especialmente pela consolidação dos sindicatos). Evidenciada no tumulto entre desempregados e a
polícia, que resultou na morte do pai da jovem. A alusão à perseguição política aos considerados subversivos
(comunistas) pode ser vista na cena em que Carlito balança uma bandeira vermelha de sinalização. Tão logo
surge uma multidão de manifestantes atrás de Carlito, surge a polícia repreendendo os manifestantes,
culminando na prisão de Carlito como líder comunista. Ao final do filme esta perseguição política fica
novamente evidente ao mostrar que mesmo a jovem já estando empregada no café, ela é procurada pela polícia
por vadiagem.
Ao final, o operário junto com sua amada, seguem na luta em busca da felicidade, mesmo com todos
os problemas vividos pela sociedade. Ao mesmo tempo que se pode entender como um conformismo por parte
do casal ao perceberem não ser possível vencer o capitalismo, também pode ser entendido como um abandono
ao sistema, ao se analisar as cenas finais em que ambos dão as costas à cidade e seguem pela estrada, em busca
de novos rumos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trata-se de uma crítica veemente ao sistema capitalista gerado pelo liberalismo após a revolução
industrial, à sociedade moderna e ao seu sistema de produção. Ressalta a manipulação e alienação da classe
operária, a qual se torna prisioneira do trabalho repetitivo e simples, até o limite de sua capacidade física e
mental. Seria possível, inclusive, fazer um paralelo desta alienação gerada pelo sistema produtivo com
condicionamento do comportamento (reflexo condicionado) proposto por Ivan Pavlov na década de 1920.
Também é uma crítica social, pois mostra que as ideias defendidas pelo liberalismo burguês de
meritocracia e valorização do esforço individual não se materializam frente as diferentes realidades vividas
pelos operários. Ao contrário, evidenciam as dificuldades e frustrações do proletariado na busca por seus
sonhos. Assim, é possível compreender que o capitalismo não é apenas um sistema de produção de riquezas,
mas também um sistema de exploração dos trabalhadores que resulta em grande desigualdade social ao
concentrar na mão de poucos a riqueza produzida pela grande massa trabalhadora (o dualismo representado
pelo burguês opressor/proletariado oprimido).
A crítica se estende à opressão vivida pelos trabalhadores na busca por condições dignas de existência
(luta de classes). Visando defender os interesses do capitalismo, o governo passa a enxergar como inimigos
todos aqueles que se mostram simpatizantes das causas operárias, sendo considerados subversivos e traidores
da pátria (tachados como comunistas e anarquistas) e perseguidos politicamente (o que foi bastante
intensificado anos mais tarde, no período que ficou conhecido como Macartismo).

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