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Controle de torque e retração de incisivos superiores: qual o problema?

Article  in  Revista Clínica de Ortodontia Dental Press · October 2020


DOI: 10.14436/1676-6849.19.4.062-069.bio

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Renato Parsekian Martins


São Paulo State University
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seção•biomecânica

Controle de torque e
retração de incisivos
superiores: qual o
problema?

[ 62 ] © Dental Press Publishing | Clin Orthod. 2020 Aug-Sept;19(4):62-9


Martins RP Controle de torque e retração de incisivos superiores: qual o problema?

Renato Parsekian

Martins 1-6

Resumo

INTRODUÇÃO: A retração de incisivos demanda controle


sobre o torque desses dentes. A mecânica utilizada precisa
ser diferente dependendo de como o ortodontista deseja
que esses dentes se posicionem ao fim do tratamento.
OBJETIVO: O presente artigo visa explicar, de maneira
simplificada, o que é necessário para que o ortodontista
controle o torque dos incisivos superiores durante uma
retração. A relação entre a força de retração aplicada e
os binários para controlar o efeito de lingualização será
discutida e ilustrada. CONCLUSÃO: Quando se planeja
a retração dos incisivos, seja para fechar espaços, seja
para “distalizar” a arcada toda, deve-se planejar o posi-
cionamento axial final desses dentes e planejar como a
mecânica será realizada. Não se pode esquecer que, para
ter controle dos incisivos, é necessário que haja binários
dentro da interface canaleta-fio ortodôntico.

Palavras-chave

Ortodontia. Fios ortodônticos. Proporção momento/força.


1.  Mestre e Doutor em Ortodontia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade
de Odontologia de Araraquara (Araraquara/SP, Brasil).

2.  Pós-doutor em Ortodontia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de


Odontologia de Araraquara (Araraquara/SP, Brasil).

3.  Doutorado sanduíche, Texas A&M University, Baylor College of Dentistry


(Dallas, EUA).

4.  Professor colaborador da pós-graduação em Ciências Odontológicas (área


de Ortodontia), Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Odontologia
de Araraquara (Araraquara/SP, Brasil).

5.  Editor associado do Dental Press Journal of Orthodontics e da Revista Clínica


de Ortodontia Dental Press.

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Martins RP Controle de torque e retração de incisivos superiores: qual o problema?

Todos sabemos que, ao aplicar uma força para de forças aplicado (a título de informação, se
lingual em um incisivo utilizando uma mecânica não houvesse a força sendo aplicada na coroa
Straight-wire, existe uma tendência de linguali- e somente a rotação fosse aplicada de alguma
zação desse dente. Como ortodontistas, podemos forma, os dois centros seriam coincidentes).
manejar como esse incisivo será movimentado
controlando as proporções momento/força. Ao aplicarmos uma força lingual de 100gF
Já  conversamos sobre esse assunto em um em um incisivo, podemos modificar a movi-
artigo anterior, no qual o exemplo utilizado mentação desejada por meio da anulação da
era o de um canino 1. O mesmo ocorre com o tendência de lingualização. Mas, primeiro,
incisivo. Quando uma força distal está sendo para tomar essa decisão de como o incisivo
aplicada a um incisivo superior por meio de deverá ser posicionado ao final do tratamento,
braquetes e paralela ao plano oclusal, ela tende o ortodontista precisa não só apenas avaliar as
a incliná-lo para lingual. Isso ocorre porque a dimensões dentárias intra-arcadas e interar-
força está sendo aplicada abaixo do centro de cadas, mas também a face do paciente e as
resistência, que se localiza, aproximadamente, condições periodontais. Uma vez definida a
nos 2/5 cervicais da raiz (para facilitar, podemos posição desejada do incisivo, podemos seguir
dizer que ele está localizado, aproximadamente, às opções mecânicas:
no meio da raiz ou a 10 mm do centro da coroa) .2

Assim, uma força de “X”  gramas aplicada no 1. Permitir uma inclinação descontrolada
centro da coroa tende a rotacionar o incisivo no do incisivo, por meio da ausência de um
sentido lingual em uma magnitude de 10 vezes binário (ou contra-inclinação ou momento)
a sua intensidade. Essa rotação ocorre ao redor produzido na interface canaleta-fio.
do seu centro de resistência, mas o incisivo 2. Produzir uma inclinação controlada do
rotaciona levemente apical desse ponto, já que incisivo, por meio da produção de um
também existe uma força “X” empurrando-o binário relativamente pequeno na interface
para lingual (Fig. 1). O ponto ao redor do qual um canaleta-fio.
dente rotaciona é chamado de centro de rotação. 3. Produzir uma translação do incisivo, por
Esses dois centros (de resistência e de rotação) meio de um binário maior, que anularia
podem ou não coincidir, dependendo do sistema totalmente a lingualização.

Figura 1: Duas formas de diagramar


uma força aplicada a um incisivo. Em (A),
a força está diagramada no braquete;
Em (B) , o sistema de forças está diagra-
A. B.
mado no centro de resistência.

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4. Produzir uma correção radicular do incisivo,


por meio de um binário muito grande, não
só anulando a lingualização da coroa, mas
também produzindo uma lingualização do
ápice radicular.

Na primeira opção, podemos simplesmente


utilizar um fio redondo ou um fio retangular
com muita folga na interface canaleta-fio. A. B.

Entretanto, deve-se ter cuidado com grandes Figura 2: Estimativa de movimentação de um incisivo sendo
lingualizações descontroladas, pois o ápice lingualizado por uma força de 100 gF, sem qualquer aplicação
radicular se movimenta para anterior (Fig. 2 e 3). de binário nos braquetes, isto é, o controle é zero. A tendência
Essa mecânica pode gerar iatrogenias se a de rotação é dada pela força multiplicada pela distância
perpendicular de sua linha de ação de força ao centro de
escolha pela movimentação descontrolada for
resistência. Observa-se que, nessa situação, o centro de
para um caso não indicado. rotação é levemente apical ao centro de resistência. Em (A),
a força está diagramada no braquete; em (B), o sistema de
Para seguirmos a segunda opção, na qual forças está diagramado no centro de resistência.
deseja-se controlar o ápice radicular para que
ele não se movimente na direção oposta da
coroa, é necessária a aplicação de um binário
em terceira ordem, o que conhecemos como
torque (Fig.  4). No arco contínuo, utilizamos
uma torção no fio ou escolhemos, a priori, uma
prescrição adequada junto a um fio de dimensões
determinadas, a ser utilizado na retração para a
aplicação desse binário (Fig. 5). Nesse momento
é que podemos encontrar algumas controvérsias
na Ortodontia, que gostaríamos de esclarecer.
A. B.

Podemos especular se, em vez das opções acima, Figura 3: Figura 2 modificada. Como estamos descrevendo
uma curva reversa ou uma dobra gable poderiam uma mecânica de fio contínuo, iremos estimar as movi-
mentações com as canaletas seguindo a posição vertical
controlar a inclinação dos incisivos. A resposta
dada por um fio guia de rigidez supostamente infinita e
aqui é: depende. Não só a falta de precisão no
desconsiderar as forças verticais produzidas por ele (tudo
posicionamento da curva pode gerar forças a título de compreensão sobre o assunto descrito neste
verticais, aumentando o atrito no deslizamento, artigo). Nessa figura, o incisivo foi inclinado de maneira
mas também a própria posição dessas “pré-ati- descontrolada 15 graus. Um fio guia de formato redondo
poderia ser utilizado para permitir a rotação do braquete
vações” pode não produzir os efeitos desejados3.
e dente ao redor dele. Dependendo da posição do incisivo,
Colocar o gable (ou curvatura) quando estamos
do quanto ele seria retraído, da prescrição do braquete e
fazendo uma retração dos quatro incisivos pode do tamanho da canaleta, até mesmo um fio retangular
até funcionar4, mas a partir do momento que a calibroso poderia permitir esse movimento.

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Figura 4: Um binário representado por


meio de duas forças, em (A), ou por meio
de uma seta circular, em (B). Essas repre-
A. B.
sentações são intercambiáveis

Figura 5: Estimativa de movimentação


de um incisivo sendo lingualizado por
uma força de 100 gF. Um binário está
sendo aplicado nos braquetes para con-
trapor parcialmente sua tendência de
se inclinar para lingual. Em (A), a força
está diagramada no braquete; em (B),
o sistema de forças está diagramado
no centro de resistência (a modificação
didática mencionada na Figura 3 tam-
A. B.
bém foi realizada aqui).

colocamos na distal do canino, os binários de em posição. Ao encaixá-lo em posição, amarrado


terceira ordem nos incisivos se tornam insignifi- à canaleta do canino, sua deflexão permite que o
cantes . Isso pode parecer contraintuitivo, já que a
3
fio torça muito pouco na região anterior. O efeito
cultura ortodôntica, em geral, assume que haverá só iria se manifestar se o canino mudasse de
um efeito de torque vestibular nos incisivos, já posição, angulando para mesial e inclinando para
que é visível e mensurável uma relativa “torção” vestibular (acompanhando o formato pré-ativo
na região anterior do fio quando aplicamos essas do arco). Essas divergências entre as estimativas
pré-ativações (Fig.  6). O que ocorre aqui é uma de movimentações com o fio, mola ou qualquer
estimativa do sistema de forças baseada na posição dispositivo ortodôntico em suas formas passivas
pré-ativa do arco, em vez de se avaliar o sistema e ativas têm se mostrado comuns e atrapalham a
de forças com o arco ortodôntico ativo e amarrado previsibilidade do ortodontista5,6.

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A.

Figura 6: Em (A), percebe-se um arco


ortodôntico com “gable” passivo, onde
pode-se ver uma torção relativa do arco
na região anterior. Em (B), ao se amar-
rar o arco nos caninos, percebe-se que
haverá pouca torção relativa do arco a
B.
ser aplicada aos braquetes dos incisivos.

Enquanto vinte graus de gable parecem ser exemplo, isso é feito com molas pré-calibradas,
suficientes para gerar uma inclinação contro- nas quais a força das alças diminui com a
lada dos incisivos em uma retração dos quatro desativação em uma proporção maior que o
incisivos feita com alças3,7, no caso de retrações gable. Já no caso de retrações por deslizamento,
por deslizamento existem mais variáveis que seria necessário trabalhar com os mesmos altos
podem influenciar os resultados, como o atrito binários para produzir translações. Entretanto,
e a altura do ponto de aplicação da força, por os fios ortodônticos podem defletir na região
exemplo. Mesmo utilizando braquetes com mais anterior e não ter a capacidade de recuperação
inclinação vestibulolingual pré-programada elástica total, o que pode acarretar num colapso
(prescrição) ou alterando a torção dos fios, é anterior da arcada. Muitas vezes, os ortodon-
importante que o ortodontista mantenha o tistas podem abrir mão de extensões nos arcos
controle do paciente durante a retração (Fig. 6). para retração (power arms). Isso facilitaria a
possibilidade de translação, pois a linha de
Na terceira opção, que pediria por uma movi- ação da força de retração mais próxima do
mentação de corpo, a mecânica torna-se mais centro de resistência requer um menor binário
complicada para que os incisivos realmente para contrapor a retroinclinação do incisivo
sejam movimentados de corpo. Mecânicas com causada por ela.
alças em “T” pouco ativadas e produzidas em
beta-titânio poderiam produzir as proporções Na quarta opção, fica muito difícil, se não impos-
binário/força (ou momento/força) compatíveis sível, produzir binários dentro da interface cana-
com a translação (Fig. 7). Entretanto, costuma- leta-fio em proporção tão alta (de 12/1 a 14/1) para
mos fazer essa movimentação em dois passos, que esse movimento ocorra ao mesmo tempo que
retraindo os incisivos primeiro por inclinação uma retração (Fig. 8). A tensão que os fios atuais
controlada e, depois, corrigindo as raízes, pouco teriam que produzir precisaria ser tão alta que,
a pouco. Na técnica do arco segmentado, por possivelmente, causaria uma deformação dos

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Figura 7: Estimativa de movimenta-


ção de um incisivo, onde uma força de
100 gF está sendo aplicada ao braquete
junto a um binário de intensidade alta
o suficiente para contrapor totalmente
a tendência de inclinação para lingual.
Em (A), a força está diagramada no bra-
quete; em (B), o sistema de forças está
diagramado no centro de resistência
(a modificação didática mencionada
nas figuras anteriores também foi rea-
A. B.
lizada aqui).

Figura 8: Estimativa de movimentação


de um incisivo onde uma força de 100 gF
está sendo aplicada ao braquete junto
a um binário de intensidade relativa-
mente alta, não somente para contrapor
a tendência de inclinação da coroa para
lingual, mas também para inclinar o
ápice radicular mais ainda para lingual.
Em (A), a força está diagramada no bra-
quete; em (B), o sistema de forças está
diagramado no centro de resistência
(a modificação didática mencionada
nas figuras anteriores também foi rea-
A. B.
lizada aqui).

próprios fios. O binário necessário para produzir Essa correção radicular sem a retração (pois ela já
uma inclinação radicular concomitante à retração foi feita) poderia ser realizada com o mesmo arco
teria que ser, aproximadamente, 2,5  a  3  vezes de retração. Se alças foram utilizadas, o gable deve
maior que o produzido por uma alça em gota ser ativado, mas sem ativação horizontal das alças,
para retração controlada. Nessas situações, inde- e, caso a retração tenha sido feita por deslizamento,
pendentemente da técnica utilizada, parece que torções ativas na região dos incisivos podem ser
a melhor opção seria retrair os incisivos com necessárias, acompanhadas de braquetes pré-pro-
controle para, depois, realizar a correção radicular. gramados com grande inclinação vestibular.

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Martins RP Controle de torque e retração de incisivos superiores: qual o problema?

CONCLUSÃO REFERÊNCIAS

1. Martins RP. Por que eu preciso saber o que é a proporção momento-


força. Rev Clin Ortod Dental Press. 2017;16(1):38-45.
Quando o ortodontista planeja a retração dos
2. Burstone CJ, Pryputniewicz RJ. Holographic determination of
incisivos, seja para fechar espaços, seja para centers of rotation produced by orthodontic forces. Am J Orthod.
1980;77(4):396-409.
“distalizar” a arcada toda, deve-se planejar 3. Chiang PC, Koga Y, Tominaga JY, Ozaki H, Hamanaka H, Sumi M et al.
Effect of gable bend incorporated into loop mechanics on anterior
o posicionamento axial final desses dentes e tooth movement: Comparative study between en masse retraction
and two-step retraction. Orthodontic Waves. 2015;74(3):55-61.
como a mecânica será realizada. Não se pode
4. Katona TR, Isikbay SC, Chen J. Effects of first- and second-order
esquecer que, para ter controle dos incisivos, é gable bends on the orthodontic load systems produced by T-loop
archwires. Angle Orthod. 2014;84:350-7.
necessário que haja binários dentro da interface 5. Martins RP. Um arco base consegue intruir incisivos? Parte 1. Rev Clín
Ortod Dental Press. 2017;16(3):38-44.
canaleta-fio ortodôntico.
6. Ledra IM, Gandini Jr. LG, Martins RP. Expansion with transpalatal arch
or continuous arch mechanics. Am J Orthod Dentofacial Orthop.
2020;157(5):611-8.
7. Raboud DW, Faulkner MG, Lipsett AW, Haberstock DL. Three-
Torque control and maxillary dimensional effects in retraction appliance design. Am J Orthod
Dentofacial Orthop. 1997;112(4):378-92.

incisor retraction: what is the


problem?

Abstract
INTRODUCTION: Incisors retraction demands
control over the torque of these teeth. The mechan-
ics used needs to be different depending on how
the orthodontist wishes their positioning at the
end of the treatment. OBJECTIVE: This article
aims to explain, in a simplified manner, what is
necessary for the orthodontist to control the torque
of maxillary incisors during retraction. The rela-
tionship between the applied retraction force and
the binaries to control the lingualization effect will
be discussed and illustrated. CONCLUSION: When
the orthodontist plans to retract the incisors, either
to close spaces or to distalize the entire arch, it is
necessary to plan their final axial positioning and
plan how the mechanics will be performed. It should
not be forgotten that in order to have control of Como citar: Martins RP. Torque control and maxillary incisor retraction: what
is the problem? Clin Orthod. 2020 Aug-Sept;19(4):62-9.
the incisors, there must be binaries within the
orthodontic wire-bracket slot interface. Enviado em: 17/07/2020 - Revisado e aceito: 08/08/2020

DOI: https://doi.org/10.14436/1676-6849.19.4.062-069.bio
Keywords
Orthodontics. Orthodontic wires. Endereço para correspondência: Renato Parsekian Martins
Moment-to-force ratio. E-mail: dr_renatopmartins@hotmail.com

© Dental Press Publishing | Clin Orthod. 2020 Aug-Sept;19(4):62-9 [ 69 ]

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