Você está na página 1de 5

 

SuperiorTribunal de Justiça    

Notícias

ESPECIAL

10/04/2022 06:50

Os efeitos do histórico criminal na aplicação das penas da


Lei de Drogas
Tema central nos debates sobre segurança pública, o tráfico de drogas recebeu, no
Brasil, atenção especial por meio da Lei 11.343/2006, que disciplina a matéria e
descreve as condutas consideradas crime. Além da tipificação penal, entre muitas
outras questões, a lei estabelece os parâmetros para definir a situação do réu que
possua condenação por crimes anteriores.

O assunto dá margem a uma série de controvérsias. Uma condenação por porte de


drogas para consumo próprio pode ser utilizada para caracterizar reincidência em
outros crimes da Lei de Drogas? A existência de processos em curso basta para
afastar o tráfico privilegiado? Qual a influência dos atos infracionais cometidos pelo
réu na adolescência? 

Muitas dessas dúvidas, relativas aos efeitos que outros processos criminais –
anteriores ou atuais – podem ter sobre a situação do réu denunciado por crimes
relacionados à Lei de Drogas, são decididas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Ato infracional pode ser considerado para afastar a redução da


pena

Em outubro de 2021, no julgamento do EREsp 1.916.596, a Terceira Seção


estabeleceu, por maioria, que o histórico de atos infracionais – os quais geram a
aplicação de medidas socioeducativas ao menor de idade –, embora não caracterize
reincidência ou maus antecedentes, pode ser levado em consideração,
excepcionalmente, para afastar a redução de pena prevista no artigo 33, parágrafo
4º, da Lei 11.343/2006 (tráfico privilegiado).

Para tanto, o colegiado definiu que é necessária decisão fundamentada que aponte a
existência de circunstâncias reveladoras da gravidade dos atos anteriores e da
proximidade temporal entre essas condutas e o crime em julgamento.

O debate desse tema foi marcado pela divisão da Terceira Seção entre três posições.
Para alguns ministros, os atos praticados pelo acusado, antes de atingir a maioridade
penal, não poderiam influir negativamente na aplicação da pena pela prática de crime
quando alcançada a maioridade. Para outros, poderiam. Afinal, prevaleceu a posição
intermediária defendida por uma terceira corrente.

No acórdão, ficou registrado que, embora a medida socioeducativa – de caráter


preponderantemente pedagógico – tenha certa carga punitiva, ela "não configura
pena e, portanto, não induz reincidência nem maus antecedentes". Desse modo, a
existência de ato infracional no histórico do réu, por si só, não pode caracterizar sua
dedicação a atividades delituosas, a ponto de impedir o reconhecimento do tráfico
privilegiado.

Por outro lado, o colegiado entendeu que é possível haver prova de que o agente
venha se dedicando a atividades ilícitas desde a adolescência, sem interrupção
relevante até os fatos da denúncia. "Em tais circunstâncias excepcionais, a prova da
dedicação às atividades criminosas pode estar lastreada em eventos situados em
momento anterior ao advento da maioridade penal, sem que isso importe em violação
às disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente" – afirmou o acórdão.

Reincidência que aumenta pena por posse de drogas para uso


próprio é específica

Em dezembro de 2019, a Sexta Turma reviu sua posição e concluiu que o aumento de
pena no crime de posse de drogas para consumo próprio deve ocorrer apenas quando
a reincidência for específica. O colegiado negou provimento ao REsp 1.771.304, no
qual o Ministério Público sustentava que bastaria a reincidência genérica. No caso, o
réu já havia sido condenado pelo crime de roubo.

Para o relator, ministro Nefi Cordeiro (aposentado), a melhor interpretação a ser dada
ao parágrafo 4º do artigo 28 da Lei 11.343/2006 deve levar em conta que ele se
refere ao caput do dispositivo e, portanto, a reincidência diz respeito à prática do
mesmo crime – posse de drogas para uso pessoal.

Na avaliação do ministro, não obstante a existência de precedente da Sexta Turma


que considerou a reincidência genérica, uma melhor reflexão sobre o assunto conduz
à conclusão de que a reincidência mencionada no parágrafo 4º do artigo 28 tem de
ser específica, ou seja, relativa ao mesmo crime de posse para consumo próprio.

Inquéritos ou processos em curso não descaracterizam o tráfico


privilegiado

No julgamento do HC 664.284, a Quinta Turma unificou a posição dos colegiados de


direito penal do STJ ao decidir que a aplicação da causa de diminuição de pena pelo
tráfico privilegiado, prevista na Lei de Drogas, não pode ser afastada com fundamento
em investigações ou processos criminais em andamento.

O relator, ministro Ribeiro Dantas, lembrou que o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei


11.343/2006 dispõe que os condenados por tráfico terão a pena reduzida – de um
sexto a dois terços – se forem primários, tiverem bons antecedentes e não se
dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas.

"Na falta de parâmetros legais para se fixar o quantum dessa redução, os tribunais
superiores têm decidido que a quantidade e a natureza da droga apreendida, além
das demais circunstâncias do delito, podem servir para a modulação de tal índice ou
até mesmo para impedir a sua aplicação, quando evidenciarem o envolvimento
habitual do agente com o narcotráfico", afirmou.

O magistrado ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou


reiteradas vezes no sentido de que outros inquéritos e processos em curso não devem
ser considerados em desfavor do réu no cálculo da pena, pois isso violaria o princípio
da não culpabilidade.

Ribeiro Dantas observou que, a partir dessa posição, o STF "vem decidindo ser
inadmissível a utilização de ação penal em curso para afastar a causa de diminuição
do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas". Ele observou que a Sexta Turma do STJ
já tinha adotado esse entendimento.

Porte para uso pessoal anterior não caracteriza reincidência no


tráfico

Sob a relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma, no


julgamento do HC 453.437, unificou o entendimento entre as turmas criminais do
STJ ao definir que o crime anterior de porte para uso pessoal não pode ser
considerado para caracterizar reincidência no tráfico.
O colegiado compreendeu que, apesar de sua caracterização como crime no artigo
28 da Lei 11.343/2006, o porte de drogas com a finalidade de consumo pessoal
tem previsão de punição apenas com medidas distintas da restrição de liberdade, sem
que haja a possibilidade de conversão dessas medidas para prisão em caso de
descumprimento.

Processo único de porte para consumo não é considerado para reincidência


A Sexta Turma, no julgamento do HC 390.038, afastou a reincidência relacionada a
um único processo anterior em desfavor do réu, no qual – após desclassificar o delito
de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio – o juízo
extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais
que suficiente para compensar eventual condenação. 

No caso em análise, as instâncias ordinárias deixaram de reconhecer a incidência da


causa especial de diminuição do tráfico privilegiado, porque concluíram que a extinção
da punibilidade, na hipótese, se assemelhou à extinção do processo executivo pelo
cumprimento da pena e, em consequência, seria apta a gerar a reincidência. No
entanto, para o relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz, essa
compreensão não foi a mais adequada.

Ao examinar a única ação penal que constava na vida pregressa do paciente, e que foi
utilizada para a constatação da reincidência, o ministro observou que, no momento da
sentença, o juiz desclassificou a imputação pelo crime de tráfico – processo a que o
paciente respondia em prisão cautelar – para a conduta de porte para consumo
próprio. Dessa forma, o juízo de primeiro grau considerou o tempo de prisão
provisória mais do que suficiente para compensar eventual medida a ser imposta ao
acusado e extinguiu a punibilidade.
Segundo o relator, não há como desprezar que o tempo considerado para a extinção
da punibilidade se deu no âmbito exclusivo da prisão preventiva. "É inconcebível
compreender, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão
provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista
tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os seus aspectos e
objetivos", disse.

Na sua avaliação, a decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se


muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva – como
reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no curso
do processo – do que do esgotamento do processo executivo pelo cumprimento da
pena.

Além disso, Schietti ponderou que, se o paciente não houvesse ficado preso
preventivamente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a
impossibilidade de se aplicar tal medida aos acusados da prática do crime de porte
para consumo próprio –, ele teria feito jus à transação penal, benefício que não
configura nem maus antecedentes nem reincidência. Por tais razões, o relator
entendeu que o único processo anterior existente em desfavor do réu não poderia ser
considerado para fins de reincidência.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

EREsp 1916596
REsp 1771304
HC 664284
HC 453437
HC 390038

Atendimento à imprensa: (61) 3319-8598


imprensa@stj.jus.br

Informações processuais: (61) 3319-8410


informa.processual@stj.jus.br

Avalie nosso serviço

E ajude a aprimorar as Notícias do STJ

+55 61 3319.8000

Você também pode gostar