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REDUPLICAÇÃO VERBAL EM XICHANGANA1

David Alberto Seth Langa

Faculdade de Letras

Departamento de Linguística e Literatura

e-mail: davidlan@nambu.uem.mz

Reduplicação é o processo de repetição da totalidade de uma palavra ou de parte


dela para exprimir um determinado significado que de outra maneira não seria
possível a nível morfológico (Jensen 1942, Katamba 1993, Ngunga 2000). Nesta
comunicação pretendemos descrever a reduplicação verbal em Xichangana, uma
língua bantu falada maioritariamente no sul de Moçambique. Nela preocupa-nos
verificar se este fenómeno (Ex: -famba-famba „andar repetidamente‟ ou -
mbombomela „afundar‟) tem motivações de carácter morfológico ou semântico.
Através da análise dos dados, argumenta-se que a reduplicação naquela língua deve
obedecer à condição morfológica e semântica uma vez que a não observância de
uma destas condições resulta na agramaticalidade do verbo reduplicado.

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Comunicação apresentada no Seminário sobre a “investigação em Ciências Sociais: Situação Actual e
Perspectivas”, UEM, Faculdade de Letras - Maputo
Langa, David. 2002. Reduplicação Verbal em Xichangana. In. Ngunga et al. 2002. (eds). Investigação em Ciências
Sociais e Humanas: Situação Actual e Perspectivas. Maputo: Imprensa Universitária. Pp 33 – 48. Página 1
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1. Introdução

A língua Changana pertence ao grupo Tshwa-Ronga (S.50 na classificação de Guthrie

(1967) que abrange 3 línguas mutuamente inteligíveis (Sitoe & Ngunga 2000). Esta

língua é faladas nas províncias de Maputo, Gaza Inhambane e Niassa (INE 1999) e na

zona meridional das províncias de Manica, Sofala para além de ser falada na África do

Sul e Zimbabwe (Nelimo 1989, Sitoe 1996, Sitoe & Ngunga 2000).

Constitui o objectivo desta comunicação estudar a “Reduplicação Verbal em

Xichangana” no seu aspecto morfológico e semântico. Pretende-se ver no aspecto

morfológico os processos de formação de palavras que levam à reduplicação e, no

aspecto semântico as implicações a nível “dos significados da fala” (Hurford & Heasly

1983:1) da ocorrência desses processos de formação de palavras. Para o efeito foi

seleccionado um corpus com cerca de 1000 formas verbais de estrutura morfológica do

tipo – C-, - CVC2 - ou mais longas e, através do método de entrevista combinado com o

de introspecção, testamo-los junto de falantes nativos desta língua, com o objectivo de

verificar se a estrutura morfológica das bases influencia ou não a reduplicação nos dois

níveis supra mencionados.

A reduplicação, “um processo de repetição de uma parte ou de todo o tema 3”

(Ngunga 1998:1), que pode ocorrer em todas as categorias (Furtune 1957) e posições

morfológicas (Bauer 1988, Spencer 1991), tem sido objecto de estudo de muitos

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C: significa consoante e V: significa vogal
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Tema verbal, Segundo Ngunga (2000), é constituído pelo núcleo ou radical mais a vogal terminal ou
afixos flexionais. Vogal terminal é tida como a última vogal -a que é um dos sufixos descontínuos que
marcam o infinitivo nestas línguas (Ngunga 2000, Langa 2001). Esta noção não deve ser confundida com a
de vogal temática na medida em que esta determina o tipo de conjugação do verbo e sempre antecede a
desinência verbal (Mateus et al 1989). O Radical, por sua vez, pode ser flexionado ou não flexionado
dependendo de ter sido adjunto a ele material lexical derivacional ou flexional. A raiz verbal é o núcleo
desprovido de quaisquer afixos (Ngunga 2000, Langa 2001).
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linguistas (Matthews 1974, Bybee 1985, Bauer 1988, Spencer 1991, Katamba 1993,

Ngunga 1998, 2001) de entre outros.

A reduplicação pode ser total (completa) ou parcial. É completa “quando todo o

morfema é reduplicado e parcial quando apenas uma parte é reduplicada” (Jensen 1962:

68). Este processo tem implicações semânticas diferentes conforme os diferentes

materiais lexicais envolvidos (Matthews 1974, Wiesmann & De Matos 1980, Bybee

1985, Bauer 1988, Katamba 1993), pois dependendo da língua particular pode significar:

Iteração, frequência, repetição (Changana); Marca de pretérito (Latim); Forma do plural

(Kaingang); Atenuação, intensidade (Tagalog); Aumentativo (Turco e Thai); Diminutivo

(Thai).

A presente comunicação organiza-se da seguinte maneira: no ponto 1 apresenta-se

a introdução, no ponto 2 apresentamos a reduplicação verbal na língua em estudo e,

finalmente, no ponto 3 as conclusões.

2. Reduplicação Verbal em Changana

Nesta secção vai-se discutir a reduplicação verbal em Changana na sua vertente

morfológica e semântica. Para o efeito, far-se-á esta análise sem perder de vista os tipos

de estruturas morfológicas em que a reduplicação pode ocorrer o que nos vai permitir

subdividir esta secção em (2.1) reduplicação total, (2.2) reduplicação parcial e

finalmente, (2.3) a reduplicação de estruturas do tipo – C-. Vejamos, em seguida, a

reduplicação total.

2.1. Reduplicação total

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Reduplicação total “é um processo morfológico em que o reduplicante e a base

são idênticos (a nível segmental)” (Ngunga 1998:2, Liphola 2000:46), como se pode ver

nos seguintes dados:

(1) - tlanga-tlanga ' brincar repetidamente'

-famba-famba 'andar repetidamente'

-hundza-hundza 'passar repetidamente'

-khoma-khoma ' pegar repetidamente'

Os exemplos em (1), ilustram o caso da reduplicação total normal em que o reduplicante,

sublinhado, é repetido completamente a nível segmental na forma reduplicada. O

objectivo desta reduplicação é exprimir a frequência em que a acção descrita pelo verbo

ocorreu. É usada para expressar acções iterativas segundo um ponto de vista de um

observador que vê ou assiste alguém ou algo a exercer repetidamente a mesma acção.

Estas formas têm a sua correspondente não reduplicada na língua por isso têm registo no

dicionário. Vejamos os seguintes exemplos:

(2) -famba 'andar'


-hundza 'passar'
-khoma 'pegar
-tlanga 'brincar'

Estes mostram que os constituintes da reduplicação total são independentes desta visto se

comportarem como itens lexicais autónomos.

Os verbos uma vez reduplicados, comportam-se como morfemas lexicais que

formam um bloco que não pode ser quebrado ou decomposto em unidades morfológicas,

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por isso são sujeitos às mesmas regras morfológicas (derivação, flexão) como qualquer

verbo na língua, como se pode ver nos exemplos (3) que se seguem:

(3) - tlanga-tlangile „ brincou repetidamente‟ cf. - tlanga-tlangisa „fazer brincar repetidamente‟


-famba-fambile „andou repetidamente‟ cf. - famba-fambisa „fazer andar repetidamente‟
-hundza-hundzile „passou repetidamente‟ cf. - hundza-hundzisa „fazer passar repetidamente‟

-khoma-khomile „ pegou repetidamente‟ cf. - khoma-khomisa „fazer pegar repetidamente‟


-tsama-tsamile „sentar repetidamente‟ cf. -tsama-tsamisa „fazer sentar repetidamente‟

Os exemplos acima, na coluna à esquerda, mostram a flexão do sufixo do tempo passado

(-ile) na posição sufixal dos temas verbais, a única de que a língua dispõe para acomodar

os morfemas da marca do tempo passado nesta língua e, na coluna à direita, a derivação

do sufixo derivacional (-is-) na mesma posição. A ocorrências destes materiais nos dois

membros da reduplicação provoca agramaticalidade. Vejam-se os seguintes exemplos:

(4) *- tlangile-tlangile cf. *- tlangisa-tlangisa


*-fambile-fambile cf. *-fambisa-fambisa
*-hundzile-hundzile cf. *-hundzisa-hundzisa
*-khomile-khomile cf. *-khomisa-khomisa

Os exemplos em (3) mostram a impossibilidade de ocorrência de processos morfológicos

nos dois termos, o reduplicante e o reduplicado. Isto prova que a reduplicação origina

uma nova palavra e que tem disponível as mesmas posições que aquelas na acomodação

dos morfemas gramaticais. Se bem que em (1) notamos que a reduplicação dá a ideia de

frequência das acções ou o aspecto iterativo, a agramaticalidade dos exemplos em (5),

mostra que não aceitam ser reduplicados. Apreciemo-los:

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(5) *-biha-biha
*-chona-chona
*-enta-enta
*-guga-guga

Os exemplos em (5) embora potencialmente existentes, pois cada uma delas também

existe em dicionários isoladamente conforme : - biha „ser feio‟; -chona „ser noite‟; -enta

„ser profundo‟; -guga „ser velho‟; não são totalmente reduplicáveis. Esta impossibilidade

de reduplicação pode justificar-se tendo em conta duas explicações: A primeira é a de que

estes verbos exprimem estados, posturas ou qualquer outra situação que seja diferente de

uma acção que possa ser repetida pelo mesmo sujeito. Só para dar alguns exemplos, um

buraco profundo só o é uma única vez, algo velho só tem essa qualidade uma única vez,

etc. A segunda explicação é a de que estes verbos funcionam como qualificadores4 na

língua, que de facto são, e por não poderem ocupar o núcleo de sintagma verbal na

estrutura sintáctica, não podem ser reduplicados por falta de motivação na lógica

semântica da língua. Esta análise elimina a primeira explicação.

Sendo o objectivo da reduplicação em Xichangana expressar o aspecto iterativo

das acções descritas pelos verbos, não podemos, por isso, re-reduplicar os temas verbais

reduplicados se visarmos esse fim iterativo como mostram os exemplos que se seguem:

(6) * -pfala-pfala-pfala-pfala
* -bala-bala-bala-bala
*-chumayela-chumayela-chumayela-chumayela
*-cinama-cinama-cinama-cinama

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Os qualificadores são tidos como modificadores nominais nas línguas Bantu com a função de atributos. Se
este termo não provoca ambiguidades podemos considerá-los, adjectivos (Sitoe 1996)
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Estas constatações permitem-nos concluir que tal como em Ciyao (Ngunga 1998), o

termo reduplicado em Changana não aceita ser reduplicado. Podemos também concluir

que a condição para a efectivação da reduplicação total depende da estrutura do verbo,

que deve ser do tipo - CVC- ou mais longa. Do ponto de vista morfológico, os

constituintes da reduplicação (o reduplicante e o reduplicado), são dependentes uma vez

que só admitem uma única posição, para acomodar as morfologias, o que não acontece

em termos semânticos. Os verbos da estrutura acima podem ser totalmente reduplicados

contudo, existem alguns verbos com as mesmas características morfológicas mas que,

mesmo semanticamente expressando iteractividade, não têm as partes correspondentes

não reduplicados ou, nos casos em que existam, a sua morfologia e semântica não é de

todo igual ao expresso pela reduplicação total - é o caso do que podemos considerar de

reduplicação fossilizada como podemos ver nos exemplos que se seguem:

(7) -bzata-bzata „tentar dizer qualquer coisa e falhar por falta de palavra‟
-cadza-cadza „ruído dos pés ao chapinhar‟
-daka-daka „orfar, ofegar‟
-svata-svata „arrastar os pés‟
-daba-daba „simplório, pateta‟

Os exemplos em (7), embora sejam de origem ideofónica5, apresentam o caso da

reduplicação fossilizada pois apresentam a mesma estrutura morfológica que os vistos

anteriormente, porém apresentam-se diferentes daqueles em dois pontos: (i) A semântica

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O Ideofone é entendido como uma categoria linguística típica das Línguas Bantu que consiste na
associação de cor, som, estado, luz, etc que implica uma construção psíquica dos mesmos nas cabeças dos
indivíduos (Doke 1968). Marivate (1981) diz estes terem a função de qualificar o predicador para dar a
ideia de modo, cor, estado, acção com maior expressividade, podendo estabelecer com o adjectivo relação
de tempo, de espaço, de material, de finalidade, etc.
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do verbo não reduplicado é diferente da do reduplicado, o caso de –bzata ‘produzir

estalidos com a mão contra o pilão ao pilar’ e -svata ‘desaparecer’; (ii) alguns verbos

totalmente reduplicados não têm a sua correspondente não reduplicado, constituíndo

desse modo “lacunas acidentais” ou “lexicais” na língua uma vez que seria de esperar que

existissem, é o caso de *-daka e *-bada .

Este comportamento permite-nos não perder de vista o requisito segundo o qual a

reduplicação deve satisfazer à condição morfológica e semântica. Da não observância de

uma destas condições resulta na agramaticalidade da palavra reduplicada. Estas

características fazem com que, contrariamente à reduplicação total normal, os constuíntes

do verbo (as partes reduplicante e reduplicada) não estejam separadas por um hífen

(Ngunga 1998).

Discutida a reduplicação total, passaremos, em seguida, a considerar a

reduplicação parcial.

2.2 Reduplicação Parcial

Matthews (1974) diz haver a reduplicação parcial quando uma parte da base é

reduplicada ou repetida, por outras palavras, pode-se dizer que a reduplicação parcial são

palavras autónomas que expressam um valor iterativo embora este não seja expresso na

íntegra morfologicamente. Considerem-se os seguintes exemplos:

(8) -dedereka 'andar aos tropeções'

- phepherha 'peneirar'

-phuphurhuka 'falar coisas sem cabimento'

-mbombomela 'afundar-(se)'

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Os exemplos em (8) mostram a reduplicação parcial onde o sublinhado indica a parte

parcialmente reduplicada. Segundo Ngunga (1998:8) do ponto de vista semântico, “as

formas parcialmente reduplicadas indicam micro-repetições da acção ou evento a nível

interno do tema verbal. Isto é, a acção ou evento que externamente pode ser vista como

um dado único, internamente constitui um conjunto de repetições.” Sob este prisma de

análise, e reparando para os exemplos em (8), podemos ver que todos os temas verbais

embora explicitamente não descrevam aspecto iterativo à semelhança da reduplicação

total normal, são psicologicamente iterativos. Só para dar algum exemplo kuphepherha

„peneirar‟, esta acção é uma sucessão de acções do mesmo nome, se considerarmos que o

gesto de peneirar não se faz uma única vez se pretendemos, de facto, esse fim. O mesmo

se pode dizer de kumbombomela „afundar-(se)‟, pois o acto de afundar não é pontual, mas

representa um acto contínuo e progressivo, por mais rápido que ele seja, da mesma acção.

Essa continuidade e progressividade dá psicologicamente uma ideia de “micro–

repetições” como diria Ngunga (ibd.).

Desta forma, esta reduplicação dá subjectivamente uma ideia iterativa, porém não

é totalmente expressa a nível “morfológico”. Diferentemente dos temas verbais

totalmente reduplicados, os parcialmente reduplicados, em (8), aceitam ser re-

reduplicados totalmente.

(9) -mpompola-mpompola 'observar repetidamente‟

-reremela-reremela 'estremecer repetidamente'

-jojometa-jojometa 'emergir algo repetidamente'

-foforha-foforha 'arrepiar arduamente repetidamente'

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Os exemplos em (9) mostram que os temas verbais parcialmente reduplicados aceitam ser

totalmente reduplicados para dar a ideia de quantidade de vezes em que o conjunto das

“micro–acções” descritas pelo verbo é repetido. Portanto, uma vez totalmente

reduplicados, comportam-se como temas verbais normais com as mesmas restrições

morfológicas que as dos verbos normalmente reduplicados. Contudo, não podemos “re-

reduplicar” o constituinte ou sílaba reduplicada. Uma tentativa de assim se proceder

resulta em palavras “reduplicadas” agramaticais como podemos observar nos exemplos

que se seguem:

(10) * -mpompompompola

* -rherherherhemela
* -jojojojometa
* -fofofoforha

Os exemplos em (10) mostram a impossibilidade de re-reduplicação da sílaba

reduplicada. Embora a reduplicação vise expressar o aspecto iterativo, esse objectivo não

se alcança através deste tipo de estruturas na medida em que ela só ocorre em núcleos

lexicais.

Veremos, na subsecção que se segue, a reduplicação em raízes verbais de

estruturas do tipo -C- .

2.3 Reduplicação verbal de estruturas do tipo - C-

Os temas, as raízes verbais total e parcialmente reduplicados acima descritos

apresentam estrutura - CVC- ou mais longas. Vejamos, em seguida, o que acontece

quando a raiz tem estrutura do tipo –C-:


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(11) * -ba -ba c.f. -b-


*-wa -wa c.f. -w-
*-nwa -nwa c.f. -nw-
*-cha - cha c.f. -ch-

Os exemplos em (11) mostram o que seria a reduplicação total de raízes verbais de

estrutura de tipo - C-. Como se vê, o resultado da simples prefixação ou sufixação de

uma forma à outra é sempre agramatical. Para expressar a ideia iterativa nestas estruturas

a língua recorre a outros mecanismos, como seja, o uso de (-etel-)6, um sufixo gramatical

que indica frequência como se pode ver nos seguintes exemplos:

(12) -betetela „bater repetidamente‟

-wetetela „cair repetidamente‟

-nwetetela „beber repetidamente‟

-chetetela „bater, golpear repetidamente‟

Os exemplos em (12) mostram o uso do sufixo verbal em raízes ou bases verbais de

estrutura do tipo -C- para expressar a ideia de iteractividade. Aquilo que é expresso

semanticamente através de meios morfológicos, pode ser expresso lexicalmente como

em (13) :

(13) kuba kanyingi „bater muitas vezes‟

kuwa kanyimgi „cair muitas vezes‟

kunwa kanyingi „beber muitas vezes‟

kucha kanyingi „jogar muitas vezes‟

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O sufixo -etel- é extensão verbal iterativa (Sitoe 1996).
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Estes exemplos mostram a adopção da estratégia lexical na expressão da iteractividade

dos verbos de estrutura do tipo -C- em Changana. Esta estratégia consiste na construção

de um sintagma em que o verbo é modificado por uma palavra que a ela se junta para

exprimir o aspecto iterativo. Esta forma é a mais produtiva porque pode-se juntar também

a formas verbais de estrutura do tipo -CVC- ou mais longas conforme mostram os

seguintes exemplos:

(14) a. vadlile kanyingi „comeram muitas vezes‟

vabile kanyingi „bateram muitas vezes‟

b. kufamba kanyingi „andar muitas vezes‟

kuyetlela kanyingi „dormir muitas vezes‟

c. varherhemelile kanyingi „estremeceram muitas vezes

vambombomelile kanyingi „afundaram-se muitas vezes‟

Nos exemplos em (13a) temos verbos de radical de estrutura -C- , em (13b) de radical de

estrutura -CVC- e em (13c) de radical de estrutura -CVCVC-. Note-se que em todos

casos a reduplicação é apenas semântica que é expresso lexicalmente. Daqui, podemos ter

mais uma evidência de a reduplicação não tem que exclusivamente ser expresso em

morfológicos, pois também pode ser expresso por meios lexicais. Além disso a

reduplicação pode ser exclusivamente semântica podendo isso ser expresso por outros

meios que não envolvem repetição de parte ou totalidade do tema verbal. Esta é a

característica de reduplicação de verbos de raízes de estrutura do tipo -C-. Com este tipo

de verbos só se pode ter reduplicação semântica que, por um lado, pode ser expresso

lexicalmente como se pode ver nos exemplos em (13), por outro lado pode ser expresso

através da adição do sufixo (-etel-) à base verbal como se pode ver em (12).

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De acordo com os dados de que dispomos, podemos afirmar que o uso da

estratégia morfológica ou da estratégia lexical tem lugar quando não é possível

reduplicar totalmente o tema verbal em raízes verbais de estrutura do tipo -C-. Uma vez

ocorridos os sufixos verbais para expressar o aspecto iterativo, os processos morfológicos

(derivação, flexão) vão ocorrer em posições disponíveis para hospedá-los à semelhança

de qualquer palavra na língua, os exemplos que se seguem, onde usamos a marca do

passado, são elucidativos:

(15) -betetelile „bateu repetidamente‟

-wetetelile „caiu repetidamente‟

-nwetetelile „bebeu repetidamente‟

-chetetelile „bateu, golpear repetidamente‟

Os exemplos em (15) mostram que a marca de tempo passado ocorre na posição onde

normalmente ocorre nas formas verbais nesta língua, isto é, na posição sufixal da base

verbal. Uma vez aplicada a extensão verbal, a forma verbal obtida não aceita ser re-

reduplicada, como se vê nos exemplos que se seguem:

(16) *–tetetela-tetela
*-khetela-tetela
*-nwetetela - tetela
*-chetetela- tetela

A explicação que se pode dar para justificar a impossibilidade de reduplicação do sufixo

em (16) é a de que a re-reduplicação deste, torna-se desnecessária, uma vez que a ideia de

frequência ou repetição já está expressa pela extensão verbal.

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Uma restrição dá-se em temas verbais longos totalmente reduplicadas pois, sendo

a ideia iterativa expressa pela reduplicação total da base verbal o uso da extensão com

essa finalidade, torna-se redundante do ponto de vista semântico. Isto justifica a

agramaticalidade dos exemplos que se seguem.

(17) *-bukuxa-bukuxetela
*- bukwama-bukwametela
*- bula-buletela
*- bulacha-bulachetela

Em termos semânticos, como já se sabe, a reduplicação total visa expressar o aspecto

iterativo. A extensão verbal é usada para expressar a mesma ideia mas tendo em conta os

diferentes pontos ou focos de observação do enunciador. Deste modo podemos concluir

que a afixação do sufixo (-etel-) é a única forma morfológica de exprimir a ideia de

iteractividade em raízes do tipo -C -.

Vistos os aspectos da reduplicação do tema verbal total, vamos, finalmente,

apresentar o ponto (3) que é a conclusão.

3. Conclusão

A presente comunicação tinha o objectivo de apresentar uma descrição morfo-semântica

da reduplicação verbal em Changana. Feita a descrição, podemos ver que a reduplicação

total só ocorre com categorias gramaticais que podem ocupar a posição nuclear do

sintagma verbal e pode ser fossilizada quando não tem as correspondentes formas não

reduplicadas, nos casos que tenha a sua semântica não é todo igual à expressa pela

reduplicação total.

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As raízes verbais parcialmente reduplicadas, admitem a reduplicação total, desde

que a parte reduplicada não seja novamente reduplicada devendo, depois, seguir as

mesmas restrições morfológicas que aqueles (os totalmente reduplicados).

Os verbos de raízes verbais de estrutura de tipo -C-, não aceitam a reduplicação

por meio da repetição de parte ou da totalidade do tema verbal e para exprimir

iteractividade usam o mecanismo de adição da extensão verbal -etel- ou a estratégia

lexical que se é a mais produtiva. As duas estratégias (morfológica e lexical) na

expressão de iteractividade não podem co-ocorrer. Uma restrição que se pode justificar

pela necessidade de evitar a redundância semântica.

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Sociais e Humanas: Situação Actual e Perspectivas. Maputo: Imprensa Universitária. Pp 33 – 48. Página 15
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