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plugada

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 255, 01 de Setembro | 2012

Prática Pedagógica

Inclusão plugada
Computadores e outros equipamentos apoiam o
aprendizado dos alunos com deficiência
Elisa Meirelles
NOVA ESCOLA
Fernanda Salla

No momento em que Pablo da Silva Soares, 11


anos, conheceu Rafael Lima da Silva, 13, em
2010, os dois estavam no 4º ano da EMEF José
Mariano Beck, em Porto Alegre. Rafa, como é
chamado, tem limitações em grau severo em
decorrência da paralisia cerebral. Ele é
cadeirante, movimenta os braços com
dificuldade e, naquela ocasião, se comunicava
apontando desenhos e letras em uma
prancha. Pablo notou os aparatos, sentou ao
lado dele e simplesmente perguntou: "Como
você faz para falar?" Desde então, se tornaram
melhores amigos.

Pouco depois do encontro, Rafael se


beneficiou de novas tecnologias que chegaram
à escola para facilitar o diálogo com colegas
como Pablo e com os professores. Ele passou
a usar um teclado virtual. Com um mouse
adaptado, seleciona as letras na tela e escreve
direto no laptop, que carrega para todos os
Rafael (à dir.), seu amigo Pablo e o
teclado virtual que colabora com sua lados. O programa tem um comando que,
comunicação (abaixo): sempre com o quando acionado, reproduz em som o que
computador, ele expressa suas ideias
está escrito no monitor. "Com isso, Rafa pode,
por exemplo, perguntar suas dúvidas. O
mecanismo também permite que ele ouça o
que foi escrito e aprimore a ortografia", conta Magali Dias de Souza,
responsável pela Sala de Integração e Recurso (SIR) da escola, que introduziu
o trabalho com esse material.

"O recurso o tirou da zona de conforto e ele passou a ter condições de fazer
anotações e outras atividades sozinho", complementa Luciana Chaves Kroth
Tadewald, ex-professora dele, que teve a ideia de usar o laptop em sala. Em
parceria com Magali, ela chegou à estratégia atual, que Rafael levou para a
escola nova, onde frequenta o 5º ano.

Equipamentos como os dele compõem a tecnologia assistiva (conheça mais


sobre esse tema no quadro abaixo). O termo engloba qualquer recurso -
digital ou não - que vise aumentar as capacidades funcionais de pessoas com
deficiência. São apoios que podem colaborar com os 58.423 alunos com
necessidades educacionais especiais (NEE) que, segundo o Censo Escolar
2011, estão em salas regulares no país.

Olhar cuidadoso
Diversidade é grande e professor pode buscar a ferramenta ideal até nos
computadores regulares

A tecnologia asssistiva tem recebido atenção no Brasil. O governo federal


promete investir 150 milhões de reais até 2014 em projetos na área. Em julho, foi
inaugurado o Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA),
em Campinas, a 96 quilômetros de São Paulo, voltado para o desenvolvimento de
equipamentos. E o Ministério da Educação (MEC) já montou 37.801 salas de
recursos multifuncionais em escolas públicas.

"Há diversas tecnologias que colaboram com os alunos com NEE, mas não
existe um tipo de aparelho predefinido por deficiência", alerta Rodrigo Mendes,
presidente do instituto que leva seu nome. Há, por exemplo, crianças com
deficiência intelectual que se beneficiam de leitores de voz, muito usados por
pessoas cegas.

Parece complicado, mas a solução pode estar bem na tela à sua frente. Em
qualquer computador, é possível encontrar softwares com comandos de
acessibilidade, como o teclado virtual e a lente de aumento. E uma ferramenta
simples como um site de histórias em quadrinhos pode colaborar para
aperfeiçoar a leitura e a escrita de estudantes surdos, por exemplo.

O atendimento deve evoluir

"Os aparatos eletrônicos surgem para superar problemas que até pouco
tempo atrás pareciam insuperáveis", avalia Rita Bersch, diretora da Assistiva
Tecnologia e Educação, de Porto Alegre. E, mesmo após chegar a um modelo
de atendimento que parece ideal, deve-se revê-lo sempre, pois as
necessidades dos alunos podem mudar. "Os recursos usados no início da
escolaridade são diferentes daqueles dos anos
finais", exemplifica Elisa Tomoe Moriya
Schlünzen, da Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), campus de
Presidente Prudente.

A evolução da própria criança ou de sua


condição também requer novas estratégias. A
docente Adriana Veríssimo Pereira Brandão,
da EM José Miranda Sobrinho, em Betim, na
região metropolitana de Belo Horizonte, viveu
Adriana e Lucas: ele não se sentia parte
do aprendizado, mas com o notebook isso em sua prática. Em 2010, passou a
passou a registrar os conteúdos atender Lucas Gonçalves, 13 anos, que já havia
sido seu aluno na classe regular. O garoto tem
distonia muscular progressiva generalizada.
"Desde o 3º ano, ele apresentava problemas para registrar os conteúdos e
atualmente não consegue mais escrever com o lápis e a caneta", explica a
docente.

Diante da nova dificuldade, Adriana pesquisou outros mecanismos e concluiu


que um notebook seria a melhor opção. Antes, um estagiário escrevia por
Lucas. "Eu não fazia nada na aula. Era muito ruim ficar parado. Agora eu
mesmo copio no computador, imprimo e colo no caderno", comemora o
estudante. Ele vai para o Ensino Médio em 2013 e mudará de escola. Sua
doença é progressiva, mas é impossível prever o que será afetado. Por isso,
os novos professores precisarão acompanhá-lo de perto e fazer as
adequações à medida que elas forem necessárias.

Recursos não garantem a inclusão

Outro fator que impacta a contribuição da


tecnologia para o desenvolvimento de um
estudante é o desempenho, em conjunto, dos
vários profissionais que o atendem. "Não cabe
ao docente da sala de recursos ensinar
conteúdos. Ele deve dar o suporte necessário
para que os conhecimentos sejam
desenvolvidos dentro da sala de aula regular",
afirma Rita. O professor da turma, por sua vez,
Kevin com a lupa em formato de mouse:
ao passar o instrumento pelo texto, as
tem mais condições de identificar as
letras aparecem ampliadas na tela. Isso necessidades ligadas às atividades propostas.
facilita a leitura do menino, que possui
Além disso, é preciso dialogar sempre com os
deficiência visual
profissionais de saúde que acompanham o
caso, como faz Suy Miranda Mendes,
professora da sala de recursos da EM Bento Machado Ribeiro, também em
Betim. Ela atende Kevin Vitor Neri Nunes, 12 anos, aluno do 7º ano que tem
apenas a visão periférica de um dos olhos. "Estamos sempre em contato com
os médicos para saber como está a evolução e o que pode ser feito", conta.
Kevin usa uma lupa eletrônica, semelhante a um mouse. Ele passa o aparelho
sobre o texto, que é ampliado na tela de um monitor. Em outros momentos,
escuta os textos com o fone acoplado ao notebook, que tem leitor de voz.

De certa forma, os educadores apresentados nessas páginas fizeram algo tão


simples quanto a abordagem de Pablo com Rafa: eles olharam para seus
alunos. Depois, identificaram a barreira a ser superada e se uniram a outros
profissionais para buscar soluções. A tecnologia apoiou para que esse esforço
surtisse efeito. Em termos de conteúdo, Rafael só tem uma pequena
defasagem por causa de problemas de saúde, que o mantiveram afastado da
escola, e Lucas e Kevin têm dificuldades comuns aos colegas de turma.

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