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27/06/2023, 11:52 Feminismo atual é voltado a uma minoria privilegiada, diz filósofa feminista - BBC News Brasil

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Feminismo atual é voltado a uma minoria


privilegiada, diz filósofa feminista

MARVIN ESTER/DIVULGAÇÃO

Vinicius Pereira
De São Paulo para a BBC News Brasil

26 junho 2023

O feminismo atual é "distante" para a grande maioria das mulheres e só encontra eco entre
as "muito privilegiadas". Essa avaliação é feita por Nancy Fraser, filósofa americana e
professora titular de ciências políticas e sociais da New School for Social Research, em Nova
York.

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Feminista, Fraser publicou diversos livros sobre filosofia política e social nos EUA e Brasil,
incluindo Feminismo para 99% - um manifesto, e conversou com a BBC News Brasil sobre o
debate acerca da diversidade e pautas identitárias que toma conta do cenário político atual.

Ela faz críticas à esquerda sobre representantes de movimentos identitários que, segundo
ela, se unem a uma "agenda neoliberal", que teve efeitos negativos no bem-estar social dos
trabalhadores em todo o mundo, em uma luta para 1% da população.

"O feminismo para os 99%, como entendemos, é um projeto de entender que você não pode
separar gênero de raça, classe, sexualidade, ecologia, democracia e políticas econômicas",
disse.

Fraser cunhou o termo "neoliberalismo progressista" para tentar descrever uma aliança entre
parte da elite capitalista, centrada em Wall Street e no Vale do Silício, e que busca o livre
mercado para empresas e a redução da intervenção do Estado, e de liberais de movimentos
feministas, antirracistas, ambientalistas e LGBTQIA+.

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Toronto

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entre Rússia e Ucrânia

Para ela, a aliança do "neoliberalismo progressista" dominou a pauta política das últimas
décadas e ajudou na ascensão de nomes como Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro,
no Brasil.

Fraser também critica o debate que se formou acerca da indicação do advogado Cristiano
Zanin Martins para a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Luiz Inácio
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Lula da Silva neste mês. Políticos de esquerda e representantes da sociedade civil afirmaram
que a opção deveria ser por uma mulher negra.

FABIO TEIXEIRA/ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

'O feminismo atual é um grito distante para a grande maioria e faz eco apenas para essas
mulheres muito privilegiadas', diz Nancy Fraser

Para a filósofa, contudo, as condições de sexo e raça do candidato não devem ser as únicas a
serem consideradas para a escolha.

Confira a entrevista da BBC News Brasil com a filósofa:

BBC News Brasil -Para começar, queria entender melhor a sua definição do "neoliberalismo
progressista" e como a senhora vê a atual crise pela qual a democracia passa em países
como EUA e Brasil?

Nancy Fraser - O neoliberalismo progressista é um termo que cunhei para tentar descrever
uma aliança entre uma fração da elite capitalista, centrada em Wall Street, no Vale do Silício
e Hollywood, lugares simbólicos do capital hi-tech, e de parte dos liberais mainstream de
movimentos feministas, antirracistas, ambientalistas e LGBTQIA+.

Em muitos países, o neoliberalismo se consolidou com esse tipo de aliança com os


progressistas. Você poderia citar Ronald Reagan [ex-presidente dos EUA] e Margaret
Thatcher [ex-primeira ministra do Reino Unido], tipos originais de conservadores e que

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introduziram o neoliberalismo nesses países, mas em outros locais, o neoliberalismo foi


realmente consolidado por um tipo de política quase que de centro-esquerda.

Falamos, por exemplo, de Bill Clinton que construiu o que chamamos de “Novos
Democratas” - uma força política utilizada para marginalizar a ala esquerda do partido
Democrata. Podemos citar também o novo Partido Trabalhista de Tony Blair, no Reino Unido,
que são os exemplos mais célebres.

Clinton e Blair colocaram, em um mesmo movimento político, feministas, antirracistas,


ambientalistas e ativistas LBGTQIA+ de um lado e uma parte muito cosmopolita e super
tecnológica dos empresários do outro.

A ideia era realmente promover uma liberalização, mercantilização e financeirização da


economia, mas que teve efeitos muito negativos na segurança econômica e no bem-estar
social das classes trabalhadoras em todo o mundo.

As forças que desejavam esse tipo de projeto econômico precisavam de algum carisma,
algum tipo de toque especial, que faria esse projeto se tornar atrativo e vinculado a algo que
poderia obter amplo apoio. Isso, de certa forma, forneceria cobertura perante a sociedade,
dado que essa política econômica é feita para os ricos, mas que, com isso, poderia ser vista
como algo amigável pelo restante.

Portanto, tal política econômica foi fundida com uma forma de feminismo meritocrático,
antirracista e ambientalista. Com isso, essa forma de política socioeconômica conseguiu a
imagem de ser algo emancipatória, excitante, que olhava para frente.

Em alguns países, como na Alemanha liderada pelo ex-primeiro-ministro Gerhard Schröder,


do SPD, essa política teve muito sucesso, mas acho que nunca houve um nome para isso. Por
isso, comecei a definir esse conjunto de políticas como “neoliberalismo progressista”, pois eu
queria realmente sinalizar o neoliberalismo como um projeto econômico muito inconstante e
oportunista.

BBC News Brasil - O "neoliberalismo progressista" fez com que as discussões se tornassem
mais identitárias, ao invés de econômicas, tanto nos EUA como no Brasil?

Fraser - Eu distinguiria a discussão entre políticas de distribuição e políticas de


reconhecimento. Distribuição é exatamente sobre economia. É sobre trabalho, seguros,
salários, sobre também quem paga impostos, quanto as empresas deveriam pagar ou quanto
a classe média deveria pagar. Tudo isso é o que eu penso sobre as políticas de distribuição.

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ANA FERNANDEZ/SOPA IMAGES/LIGHTROCKET VIA GETTY IMAGES

Fraser afirma que 'para ter uma sociedade genuinamente justa, precisamos de uma política de
inclusão e reconhecimento e de políticas de distribuição igualitárias'

Do outro lado, há as políticas de reconhecimento, que tem a ver realmente como nós
reconhecemos todos os membros da nossa sociedade. Pessoas que pertencem a grupos que
são historicamente marginalizados, como, por exemplo, gays e lésbicas, trans, mulheres
negras, imigrantes, minorias religiosas, entre outros.

Essas pessoas serão reconhecidas como membros plenos da nossa sociedade? Eles terão os
mesmos direitos? Para mim, você precisa das duas discussões. Para ter uma sociedade
genuinamente justa, precisamos de uma política de inclusão e reconhecimento e de políticas
de distribuição igualitárias. E, caso haja um desbalanceamento, se focar em um e ignorar o
outro, as coisas irão dar errado.

Eu diria que na era do New Deal e da social democracia nos EUA, havia um grande stress
sobre políticas mais igualitárias de distribuição, sem uma atenção igual para políticas de
reconhecimento. Nas décadas seguintes, em especial nas décadas de 1980, 1990 e 2000, a
ênfase mudou apenas para o reconhecimento ou diversidade.

Acredito que, por muito tempo, isso sugou o oxigênio de outras discussões. O foco principal
dos movimentos sociais progressistas não estava na parte da distribuição, o que foi um
desastre porque foi nessas décadas que o neoliberalismo estava se desenrolando e que era o
momento real em que você precisava redobrar a atenção sobre a distribuição de renda.

Ao invés de trabalharmos para que ambas políticas fossem o foco e houvesse uma conexões
entre eles, nós tivemos o foco apenas no reconhecimento ou, como você diz, nas pautas
identitárias.

Mas, tenho que dizer que recentemente as coisas estão mudando novamente. Eu acho que
nós estamos tendo, desde a eleição de Trump nos EUA em 2016, uma mudança das massas,

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que começam a se virar contra o sistema.

Com essas circunstâncias, há mais atenção sobre distribuição e há versões disso na direita e
na esquerda, como Trump e Sanders, nos EUA, por exemplo. Agora, a diferença entre os dois
está no reconhecimento. Trump é um branco, nacionalista, anti-imigração, anti-gay e trans,
enquanto que do outro lado há inclusão.

Estamos começando a retornar nessa questão de distribuição e reconhecimento e, nos EUA,


neste momento, a direita está fomentando uma guerra cultural focada naquilo que podemos
falar nas escolas, o que devemos ensinar sobre o racismo nas escolas, dentre outras coisas.

Isso é uma estratégia deliberada para distrair a atenção para longe das políticas econômicas
porque os Republicanos, incluindo Trump e seus concorrentes, ainda têm um programa
econômico pró-ricos. Eles não querem falar muito sobre isso. Isso é distração.

Então, o desafio para o outro lado é resistir a ser tragado pela guerra cultural e deixar o
debate econômico de lado ou, ao menos, entender como conectar essas duas visões
novamente.

A diversidade está se tornando uma palavra utilizada apenas pelas empresas. Todas as
companhias, toda universidade, tem um departamento de diversidade e essas pessoas são
completamente desconectadas de qualquer ideia de como um conteúdo crítico deveria ser.
Isso é uma política muito rasa. Não é algo igualitário.

As vezes, aqui nos EUA, nós chamamos "black faces in high places". Então, sem qualquer
atenção para a situação da massa das pessoas negras, essa diversidade não possui um
conteúdo real e é uma nova distração basicamente.

BBC News Brasil - Mas isso ocorreu por causa da própria esquerda ou a extrema-direita
pautou o debate?

Fraser - Eu acho que é uma ótima questão, mas muito complicada. Eu venho pensando muito
nisso. De um lado, nós não devemos fazer parte dessa política de distração, não podemos
deixar com que todos os debates institucionais sejam sobre esses problemas. Nós não
podemos jogar o jogo deles.

Ao mesmo tempo, o que eles estão fazendo é tornar alvo e usando de bode expiatório
pessoas reais. Então, nós não podemos lidar com um projeto que nega serviços sociais para
uma juventude trans, por exemplo, que está em uma situação frágil e vulnerável.

Nós temos que, de alguma forma, estarmos preparados para defender indivíduos que estão
sendo usados, ao mesmo tempo que defendemos os direitos de reprodução, que é um outro
foco de ataque.

Por isso, deveríamos falar sobre tais pontos, mas a parte difícil é perceber como conectar

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esses dois problemas. Isso não é fácil.

BBC News Brasil - A senhora acha que esse "neoliberalismo progressista" ajudou na
eleição de presidentes da direita radical, como Trump nos EUA e Bolsonaro, no Brasil?

Fraser - Sim, com certeza. Nos EUA não há dúvidas que o bloco do neoliberalismo
progressista, que consolidou o neoliberalismo e marginalizou a parte pró-trabalhista do
partido Democrata, realmente tem uma grande parte de responsabilidade na deterioração
das condições e dos padrões de vida no país.

No Cinturão da Ferrugem, que é historicamente o coração da indústria americana e hoje é


um terreno baldio com muitos problemas de vício em opióides e violência armada, o
neoliberalismo progressista tem muito o que responder. Eles, basicamente, supervisionaram
a transição de uma classe trabalhadora altamente sindicalizada para uma massa de trabalho
mal paga e precarizada.

Não há dúvidas que isso ajudou Trump, mas também ajudou Bernie Sanders. Em outras
palavras, as pessoas entenderam, em um certo momento, que eles não poderiam seguir
essas políticas neoliberais, que eles precisavam de uma alternativa para uma situação que
Antonio Gramsci chama de “crise da hegemonia”.

Elas perceberam que o establishment não é mais confiável, o senso comum já não era mais
persuasivo, então as pessoas estavam olhando para uma alternativa radical. Algumas
olharam para Trump, outras para Sanders, e o que é muito interessante é que às vezes elas
optavam por Sanders, mas com ele fora da disputa, votaram em Trump, em um fenômeno
semelhante ao que ocorreu no Brasil, com o voto “Bolsolula”.

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PAUL WEAVER/SOPA IMAGES/LIGHTROCKET VIA GETTY IMAGE

Para Fraser, em alguns países, como os EUA, 'o feminismo liberal vem sendo hegemônico'

Qualquer forma de neoliberalismo se tornou tóxica, politicamente falando. As pessoas


começaram a procurar alternativas para esse sistema. Em um país como os EUA, onde o
neoliberalismo se aliou aos progressistas, é compreensível que Trump fosse o beneficiário
maior dessa busca. Isso porque o neoliberalismo se associou muito ao tema da diversidade e,
ao rejeitar esse sistema econômico, acabam por rejeitar também a pauta identitária.

BBC News Brasil - No livro Feminismo para os 99% por que a senhora afirma que “o
feminismo liberal está falido” e que “é necessário um feminismo para a grande maioria”. O
que seria isso?

Fraser - O feminismo sempre foi um movimento com muitas correntes e facções diferentes,
ou seja, o feminismo é algo com muitas visões e argumentações. No entanto, em países
como os EUA, o feminismo liberal vem sendo hegemônico. Isso se tornou um padrão porque
o liberalismo é muito forte na nossa cultura, em geral.

O feminismo surgiu como um movimento radical, em uma nova esquerda, anti-imperialista e


anticapitalista, mas assim que a poeira baixou, o feminismo virou um grupo de interesse por
assim dizer, e amplamente colado ao partido Democrata nos EUA.

Isso se tornou um assunto normal, uma tendência, e mais e mais focado em como colocar um
pequeno número de mulheres em posições de poder dentro de uma hierarquia corporativa,
do mundo político e até mesmo na hierarquia militar.

A ideia era que segurar as mulheres embaixo seria uma discriminação e se removessemos
essa discriminação, essas super talentosas mulheres poderiam alcançar o topo. Isso é uma
visão absurdamente rasa, que ignora completamente as bases da subordinação das mulheres
em uma sociedade moderna, que é como dividimos o trabalho produtivo do trabalho de
reprodução social, onde pagamos um e o outro não.

Isso é uma característica arraigada profundamente na sociedade, que tem efeitos


gigantescos nas chances de vida de homens e mulheres. Então, focaram na ideia de que
queremos a meritocracia, da ascensão talentosa, mas a meritocracia não é o mesmo do que
igualdade.

Eu acho que nós tivemos evidências suficientes nos últimos 40 anos para ver que esse
feminismo realmente não é capaz de garantir uma condição satisfatória e igualitária para
mulheres de todas as classes sociais e raças.

Isso foi manejado de maneira perfeita pela classe dominante, que já tem uma boa educação,
boa formação cultural e muitos recursos, mas por isso nós tivemos basicamente um
“feminismo de uma só questão”, focado apenas no gênero de uma mesma classe social.

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Então, agora eu acredito que o problema é conseguir entender que não podemos isolar a
questão de gênero. Se tentarmos, nós acabaremos no feminismo para 1% da população.

O feminismo atual é um grito distante para a grande maioria e faz eco apenas para essas
mulheres muito privilegiadas, que possuem o luxo de dizer que nós não precisamos nos
preocupar com classes, cor ou temas econômicos, apenas sobre gênero. O feminismo para os
99%, como entendemos, é um projeto de entender que você não pode separar gênero de
raça, classe, sexualidade, ecologia, democracia e políticas econômicas.

DARIO OLIVEIRA/NURPHOTO VIA GETTY IMAGES

Para Fraser, é necessário ir além da legalização do aborto

Eu acho que sempre houve feministas que praticam esse tipo de feminismo para os 99%,
mas que pode ter outros nomes pelo mundo. Nos EUA, os movimentos feministas populares
existem, mas são muito marginalizados, enquanto que a mídia foca no feminismo de Hillary
Clinton, das atrizes de Hollywood com o movimento “Me too”, mesmo que a maioria das
vítimas de assédio sexual sejam trabalhadoras de fazendas ou de hotéis, por exemplo.

Quando Hillary Clinton perdeu para Donald Trump, no exato momento em que estávamos
escrevendo o livro, pensamos que seria um tipo de chamado, uma derrota do feminismo
liberal. Agora, eu não diria que o feminismo liberal está derrotado, mas acho que há mais
abertura agora para formar alternativas de feminismo, como o que ocorre no Brasil e
Argentina, onde algumas feministas conquistaram grande visibilidade e que representam o
que chamamos de feminismo para 99%.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv211rld5ggo 9/17
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BBC News Brasil - No Brasil, o STF deverá colocar em julgamento a possibilidade do aborto
legal ainda neste ano. No mesmo livro, as autoras afirmam que “o aborto legal faz pouco
pelas mulheres pobres”. O que isso significa? A luta pelo aborto legal, em si, não é
suficiente?

Fraser - Eu sou uma forte apoiadora do aborto legal, quero deixar isso bem claro. Mas, se
você pensar qual é o objetivo que buscamos alcançar ao tornar o aborto legal é tentar dar as
pessoas a liberdade, incluindo os recursos que elas precisam para entender a liberdade e
fazer que a decisão de ter um filho seja autônoma. Para que elas consigam organizar suas
vidas, elas precisam viver com o poder de decisão, mas também com dignidade, segurança e
com suporte de um sistema público forte.

De maneira simples, eu estou dizendo que o fato de podermos interromper a gravidez


quando nós quisermos é necessário, mas não o suficiente para ter uma autonomia
reprodutiva. Aborto legal é uma condição absolutamente necessária, mas apenas uma. Há
outras e precisamos de segurança dos meios de subsistência, moradia decente e acessível,
assistência médica e suporte para as crianças, com escolas, etc. Isso faria com que as
mulheres tivessem uma decisão realmente empoderada e autônoma.

No momento, as pessoas estão fazendo o seu melhor em termos de tentar dar o poder de
decisão sobre a gravidez, mas infelizmente isso não é o ideal. Agpra, é a hora das feministas
de esquerda tentar unir o direito ao aborto para o serviço social, com garantia de renda e
moradia.

É o mesmo caso da violência contra a mulher. A esquerda entendeu que apenas colocar o
parceiro abusador na cadeia não é o suficiente, que é necessário oferecer saídas reais para
que as mulheres possam realmente sair de relações abusivas. Elas precisam ter um local
seguro para criar suas crianças e reconstruir suas vidas, o que, novamente, é algo para o
serviço social e o direito à renda e moradia.

BBC News Brasil - Neste mês, o presidente Lula indicou seu ex-advogado, um homem
branco, para a Suprema Corte. Parte da esquerda criticou a indicação apenas por ser um
homem branco, enquanto que a outra parte silenciou, mas sem uma discussão acerca das
posições políticas do indicado. Como a senhora vê isso?

Fraser - Em uma escolha para uma Suprema Corte, eu acredito que é necessário prestar
muita atenção para entender as posições jurídicas e em relação ao mundo do candidato.

Se voltarmos às eleições de 2016 nos EUA, eu apoiei Bernie Sanders contra Hillary Clinton.
Eu sou uma feminista. Você acha que eu achei incrível ter mais um homem branco na Casa
Branca? Mas o mais importante para mim, naquele momento, era o que Bernie e Hillary
representavam. Para ser honesta, as feministas estavam divididas e também existiu esse tipo
de debate que surgiu agora no Brasil.

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MARCOS DEL MAZO/LIGHTROCKET VIA GETTY IMAGES

Fraser vê como um erro o foco 'apenas na questão identitária'

Nós tivemos a experiência de eleger o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, e
foi um momento de muita esperança, mas que se tornou uma grande decepção. Isso mostra
os limites sobre essa discussão de ter que eleger um político que apenas pareça você
fisicamente.

Claro que seria incrível ter uma pessoa negra e tenho certeza que há muitos negros e negras
qualificados para serem indicados para o STF no Brasil. Mas, eu diria que focar
exclusivamente na questão identitária é um problema.

BBC News Brasil - Discussões sobre as escolhas no STF baseada em diversidade também
fazem surgir críticas sobre a suposta “americanização” da política brasileira, cada dia mais
influenciada e pautada pelos debates e formas dos EUA. A senhora acredita nisso?

Fraser - Eu não tenho certeza. Vocês ao menos têm um partido dos trabalhadores, coisa que
não temos por aqui (risos). Eu diria que o que ocorre em todo lugar é a influência das redes
sociais e da tecnologia na comunicação política.

Isso é uma mudança no jogo e, com certeza, tem um efeito gigantesco. Se você me perguntar
o que fez Trump ter a possibilidade de capitalizar os efeitos negativos do neoliberalismo na
classe trabalhadora, eu responderia a mudança radical na estrutura da mídia e na
comunicação política.

O que começou lá atrás, com a rádio, depois TVs como a Fox News, se transformou para as
redes sociais. Agora, temos um mundo estranho da não-comunicação, fatos alternativos, etc.

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Discutimos os depoimentos de Trump para a Justiça, mas nas redes a população se divide
como eles enxergam isso.

Não sei se as coisas são exatamente assim no Brasil, mas claramente podemos ver como a
tecnologia também impacta a política por aí. Quando essa tecnologia de transformação
encontra a deterioração das condições de vida da população, coisas como a eleição de
Trump, que é um gênio da comunicação e da demagogia, podem ocorrer. Então espero que o
Brasil consiga escapar dessa espiral.

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