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DEFINIÇÃO

Citologia inflamatória: padrões citológicos durante a inflamação, principais


infecções, reparações, lesões pré-cancerosas e carcinoma.

PROPÓSITO
Compreender que a Citologia cervicovaginal apresenta como objetivos análise
de lesões pré-cancerosas e reconhecimento e análise dos processos
inflamatórios. Analisar os padrões citológicos durante a inflamação possibilita,
na maioria das vezes, estabelecer a natureza do agente causador.

OBJETIVOS
MÓDULO 1
Analisar os padrões citológicos durante a inflamação

MÓDULO 2
Distinguir as infecções

MÓDULO 3
Descrever as reparações, lesões pré-cancerosas e carcinoma

INTRODUÇÃO
Vamos estudar agora a Citologia inflamatória, analisando os padrões celulares
encontrados durante os processos inflamatórios. Você sabe a importância da
Citologia inflamatória?
A partir da Citologia inflamatória, é possível avaliar a intensidade de reação
inflamatória, acompanhar a evolução do processo e, na maioria das vezes,
determinar a natureza do agente causador da inflamação.

Você imagina quais são as modificações nos padrões celulares encontradas na


Citologia inflamatória? Como diferenciar o padrão celular encontrado nos
esfregaços para chegar a uma conclusão diagnóstica? Alguns fenômenos
fisiológicos (gravidez, menopausa, parto) alteram o perfil de células
encontradas nos esfregaços, mas será que outros também podem alterar,
como a exposição sexual e a colocação do DIU?

Ao longo deste tema, vamos juntos estudar a Citologia inflamatória e construir


os caminhos para interpretar as lâminas provenientes dos esfregaços
cervicovaginais durante os processos inflamatórios.

MÓDULO 1

Analisar os padrões citológicos durante a inflamação

O trato genital feminino apresenta uma grande suscetibilidade


às inflamações e infecções. Isso está relacionado aos seguintes fatores:
atividade sexual, número de parceiros, fase do ciclo menstrual, imunidade, fator
socioeconômico, posição anatômica do trato genital feminino e idade. Em
mulheres na fase reprodutiva, o epitélio escamoso altamente proliferativo serve
de barreira contra lesões. De forma diferente, em mulheres na pós-menopausa
e em crianças, o epitélio atrófico diminui essa proteção e aumenta a
probabilidade do desenvolvimento de inflamações.

INFLAMAÇÕES
A inflamação é uma resposta de tecidos vascularizados a uma infecção e a
uma lesão tecidual. Essa resposta é caracterizada pelo recrutamento de
células e moléculas da circulação para o local da lesão para eliminar os
agentes. Divide-se em aguda (resolução mais rápida) e crônica (resolução mais
lenta).

Os processos inflamatórios no trato genital feminino são desencadeados por


agentes físicos: calor, trauma e irradiação; diminuição e interrupção do fluxo
sanguíneo, presença de patógenos, e agentes tóxicos.

A inflamação pode ser aguda ou crônica, específica (quando o agente agressor


é identificado, nesse caso, recebe o nome de “Vaginite”) ou inespecífica
(quando a causa não é conhecida, mas as células apresentam alterações
inflamatórias, recebe o nome de “vaginose”).

Vamos agora conhecer algumas nomenclaturas de inflamações no trato genital


feminino:

CERVICITE Processo inflamatório do colo uterino. COLPITE Processo


inflamatório localizado exclusivamente na mucosa
vaginal. ENDOCERVICITE Processo inflamatório localizado na mucosa
glandular. CERVICOCOLPITE Processo inflamatório que se estende ao canal
vaginal.
A inflamação pode ser detectada nos esfregaços cervicovaginais pela presença
de leucócitos, modificação na morfologia das células do epitélio (alterações
nucleares e citoplasmáticas), como também pela identificação do agente
causador. As lesões inflamatórias na mucosa cervical e vaginal estão
associadas ao corrimento branco ou cinza; ou amarelo-esverdeado excessivo,
fétido ou inodoro, com ou sem formação de espuma e sintomas como dor
abdominal baixa, dor lombar, prurido e dispareunia (dor genital após a atividade
sexual).

Neste módulo, vamos iniciar abordando algumas características citológicas que


podem ser encontradas nos esfregaços cervicovaginais durante os processos
inflamatórios.

EXSUDATO LEUCOCITÁRIO E
PRESENÇA DE HEMÁCIA
Durante os processos inflamatórios, é comum encontrar nos esfregaços
vaginais leucócitos polimorfonucleares neutrófilos, piócitos histiócitos e
bactérias, configurando o exsudato leucocitário. Nas inflamações agudas, há o
predomínio de exsudatos com numerosos piócitos e neutrófilos; e na crônica
são frequentes os linfócitos, plasmócitos e histiócitos. Em inflamações crônicas,
em resposta à tuberculose e aos corpos estranhos (como fios de sutura), pode
aparecer histiócitos epitelioides e células gigantes multinucleadas. Um
exsudato linfocitário é característico da condição patológica conhecida como
cervicite crônica folicular.

EXSUDATO LEUCOCITÁRIO
Às vezes, o exsudato é tão extenso que se sobrepõe às células epiteliais,
impossibilitando ou dificultando a análise das lâminas. Essas amostras são
classificadas como insatisfatórias ou satisfatórias, mas com limitações na
análise.

ATENÇÃO
Às vezes, o exsudato é tão extenso que se sobrepõe às células epiteliais,
impossibilitando ou dificultando a análise das lâminas. Essas amostras são
classificadas como insatisfatórias ou satisfatórias, mas com limitações na
análise.

VOCÊ SABE O QUE É UM EXSUDATO E


O QUE É UM PIÓCITO?
Exsudato

É o fluido extracelular com elevada concentração de proteínas e restos


celulares (como leucócitos, hemácias e restos de bactérias), formado durante o
processo inflamatório. No início do processo inflamatório, há aumento da
permeabilidade vascular que permite a saída de plasma, proteínas e células
(leucócitos) da circulação, dando origem ao exsudato ou transudato (fluido
extracelular com baixa concentração de proteína).

Piócito

É o neutrófilo que sofreu apoptose após a fagocitose dos agentes agressores,


chamado também de neutrófilo degenerado.

A ausência de um exsudato leucocitário não elimina a existência de um


processo inflamatório. Ademais, a presença de piócitos e neutrófilos pode não
ser indicativo de um processo inflamatório, como acontece na fase secretória
do ciclo menstrual (fase com alta produção de progesterona). Situação em que
são encontrados inúmeros neutrófilos nos esfregaços cervicovaginais, em
condições normais.

ATENÇÃO
Durante a leitura das lâminas, é essencial estar com pedido médico, o qual tem
de completar dados essenciais (como data da menstruação, indicação clínica e
suspeita diagnóstica) para auxiliar na interpretação dos achados e gerar
resultados fidedignos e confiáveis.

Nos processos inflamatórios severos, podem aparecer nos esfregaços


cervicovaginais hemácias bem ou mal conservadas. As hemácias também são
encontradas nas infecções por Trichomonas vaginalis (vamos estudar no
próximo módulo). No entanto, mulheres na menopausa, podem apresentar
hemácias em condições normais, pois são mais suscetíveis a sangramentos.

Você imagina por qual motivo as mulheres na menopausa apresentam mais


riscos de sangramento?

RESPOSTA
Mulheres na menopausa apresentam atrofia do epitélio de revestimento da
ectocérvice, devido à queda nos níveis de estrogénio. No início da menopausa,
há o predomínio de células intermediárias, podendo aparecer células
parabasais. Quando as taxas de estrogênio estão baixíssimas, há predomínio
de células parabasais. Diminui também a capacidade de secreção desse
epitélio, causando maior risco de sangramento.

Na figura 01, demonstra-se o padrão citológico das células que compõem os


exusdatos leucocitários (neutrófilos, piócitos, linfócitos e histiócitos) e as
hemácias que são encontradas nos esfregaços cervicovaginais durante o
processo inflamatório.

Figura 01 – Exsudato leucocitário e hemácias presentes em esfregaços


cervicovaginais durante um processo inflamatório. Coloração de Papanicolau.

ALTERAÇÃO DO PADRÃO CELULAR


Em um processo inflamatório, como nas inflamações genitais severas, ocorre
modificação da estrutura dos epitélios, com uma intensa descamação celular.
Isso ocasiona uma mudança no padrão citológico encontrado de acordo com a
idade do paciente.

Vamos agora analisar uma situação: a análise do esfregaço cervicovaginal de


uma mulher na fase reprodutiva revelou o predomínio de células escamosas
parabasais; como interpretar esse achado?

Na idade reprodutiva, a presença de células parabasais nos esfregaços


cervicovaginais é anormal. Esse padrão celular alterado pode ser indicativo de
erosão (inflamação restrita à mucosa epitelial) ou ulceração (inflamação que
ultrapassa os limites da lâmina basal atingindo o epitélio subepitelial) do epitélio
de revestimento com a destruição das camadas superficiais e intermediárias
(Figura 2).

Figura 02 – Ilustração da diferença entre erosão e ulceração.

Agora vamos analisar uma segunda situação: durante a leitura de uma lâmina,
foram encontradas numerosas células escamosas superficiais em uma mulher
que está na pós-menopausa sem reposição hormonal. A presença de células
escamosas superficiais é normal?

RESPOSTA
Nas mulheres pós-menopausa, onde não existe reposição hormonal, os níveis
de estrogênio estão muito baixos, há atrofia do epitélio com predomínio das
células parabasais. A presença de células superficiais pode ocorrer devido a
um aumento da vascularização, geralmente, nas infecções por Trichomonas
vaginallis. Nesse caso, há uma falsa impressão de uma reposição hormonal.

RESPOSTA CELULAR ÀS
AGRESSÕES: ALTERAÇÕES
DEGENERATIVAS E ALTERAÇÕES
REATIVAS
A retroplasia consiste em uma diminuição na atividade metabólica celular. Esse
processo pode estar relacionado ao próprio envelhecimento fisiológico da
célula ou então surge em resposta a uma agressão desencadeada por agentes
físicos (calor, irradiação e trauma), microrganismos patógenos, diminuição ou
interrupção do fluxo sanguíneo, agentes químicos. A agressão tecidual por
esses fatores gera uma inflamação que pode levar a alterações degenerativas
e necrose nas células do epitélio de revestimento.

Nas células degeneradas, o citoplasma apresenta acúmulo de água,


vacuolização, menor concentração de proteínas, que torna o citoplasma mais
pálido e pode levar a um aumento da basófila, o citoplasma cora em tons de
cinza ou avermelhado ou um rosa intenso (pseudoeosinofilia) e pode
apresentar duas cores diferentes (anfofilia). Além disso, o citoplasma tem halo
perinuclear e bordas citoplasmáticas mal definidas. Em alguns casos, a
membrana celular se rompe e há perda de conteúdo citoplasmático que resulta
no aparecimento de núcleos desnudos e no aumento da relação
nucleocitoplasmática. No núcleo, pode ocorrer tumefação ou retração, hipo ou
hipercromasia, perda da demarcação das bordas nucleares e dos detalhes da
cromatina, conferindo uma aparência homogênea ao núcleo. Quando a
cromatina se degenera, torna-se viscosa, aderente e se agrupa em massas
maiores (Figura 03).

ACÚMULO DE ÁGUA
O acúmulo de água ocorre devido ao comprometimento nas trocas de água
pela membrana plasmática. No núcleo, a perda de água pode levar a uma
diminuição do volume e a um enrugamento da membrana nuclear, que é visto
como um pregueamento dessa membrana.
HIPO OU HIPERCROMASIA
Existe degeneração do DNA e desnaturação das proteínas ligadas ao DNA
(histonas). A desnaturação dessas proteínas pode gerar uma maior ou menor
afinidade ao corante (hematoxilina), conferindo núcleos mais (hipercromasia)
ou menos corados (hipocromasia), respectivamente.

Figura 03 – Esquema ilustrando as alterações celulares nas reações


degenerativas.

Nas células que sofreram necrose, pode ser observado como sinal de morte
celular a picnose (cromatina condensada), cariorrexe (fragmentação do núcleo)
e cariólise (dissolução nuclear).

Será que nas alterações degenerativas ocorrem as mesmas alterações


que nas alterações reativas? Vamos descobrir?
Durante os processos inflamatórios e em resposta à radioterapia, podem
ocorrer algumas alterações celulares reativas. Nessas células, de forma
diferente das células que sofrem degeneração, há um aumento da atividade
celular em resposta ao dano.

As células com alterações reativas apresentam hipercromasia, espessamento


uniforme da borda nuclear, cromatina com granulação mais grossa, presença
de mais de um núcleo (bi ou multinucleadas) e nucléolos proeminentes.
Normalmente, a presença de vários núcleos e do nucléolo é observada em
células endocervicais.

Vamos observar com atenção na figura a seguir (Figura 04) as modificações


celulares encontradas nas alterações degenerativas, reativas e necrose. Essas
alterações podem ser observadas durante os processos inflamatórios.

Figura 04 – Fotos obtidas de esfregaços cervicovaginais, corados pelo


método de Papanicolau (aumento de 40x), mostrando alterações degenerativas
e reativas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

Distinguir as infecções

Até agora, verificamos alguns padrões citológicos encontrados nos processos


inflamatórios de uma forma geral. Vamos investigar essas alterações quando a
inflamação é desencadeada por uma infecção, conhecendo os principais
patógenos.

Como abordamos anteriormente, o trato genital feminino apresenta grande


suscetibilidade às inflamações e infecções. As infecções consistem na entrada
de um patógeno (fungo, bactéria, vírus e protozoário) no organismo. Os
principais sintomas das infecções são secreção vaginal anormal, prurido, dor e
sangramento.

Mas será que todos os microrganismos encontrados nos esfregaços


cervicovaginais são considerados patógenos?

O trato genital feminino apresenta diferentes mecanismos de defesa para evitar


a instalação das infecções, como o pH ácido da vagina, presença de pelos
pubianos, a barreira epitelial e a presença da microbiota bacteriana normal.

Na vagina e no colo uterino, existe uma grande variabilidade de


microrganismos que colonizam e formam comunidade complexa, conhecida
como microbiota. A maioria dessas espécies é saprófitas e sua presença no
esfregaço não significa uma infecção. Para que exista cercicovaginites, é
necessário ter uma série de alterações gerais e citológicas.

Vamos agora conhecer os microrganismos que compõem a microbiota do trato


genital feminino.
SAPRÓFITAS
Microrganismos saprófitos são espécies que se alimentam da matéria orgânica
em decomposição. Essas espécies apenas colonizam a região, não sendo
capaz de causar doença.

COMENTÁRIO
As glândulas de Bartholin e Skene, a cavidade uterina, as tubas uterinas, os
ovários e as estruturas anexas são estéreis em condições de normalidade.

Os órgãos genitais externos apresentam a microbiota semelhante à da pele,


apresentando como principais microrganismos o Staphylococcus aureus, S.
epidermidis, Corynebacterium spp. Na vagina, nas mulheres na idade fértil, o
ecossistema é polimicrobiano, composto de uma grande variedade de
microrganismos aeróbios, anaeróbio obrigatórios e facultativos, dentre
eles: Lactobacillus spp.; Corynebacterium spp.; Streptococcus spp.;
Fusobacterium spp.; Staphylococcus epidermidis; Clostridium spp.; Bacteroides
spp.; Escherichia coli; Gardnerella vaginalis (em 40-70% das mulheres
normais); Candida spp. Além dessas bactérias, também estão presentes
algumas espécies de fungos, como a Candida Albicans.

ATENÇÃO
Alguns estudos de Biologia molecular mostram a presença de outros
microrganismos constituintes da microbiota como Atopobium
vaginae, Megasphaera spp. E Bifidobacterium spp., dentre outros.

A composição dessa microflora vaginal não é constante, pois sofre inúmeras


variações em respostas a fatores, como: fisiológicos (parto, gravidez,
menopausa), patológicos (insuficiência hepática, distúrbios hormonais,
distúrbios metabólicos como diabete), medicações (antibióticos e
anticoncepcionais) locais (DIU, diafragma, exposição sexual).
GESTAÇÃO Elevação da progesterona, ocasiona intensa descamação do
epitélio, principalmente das células intermediárias com inúmeros grânulos de
glicogênio (células naviculares) que favorecem o crescimento de lactobacilos.
Os lactobacilos são produtores de ácido láctico a partir do glicogênio, que
acidifica mais o pH vaginal, favorecendo o crescimento de leveduras (que
crescem bem em pH ácido). PARTO A depressão hormonal seguida de atrofia
do epitélio alcaliniza o pH vaginal e diminui a população de lactobacilos, que
pode favorecer as infecções. MENSTRUAÇÃO Uma depressão hormonal leva
à descamação endometrial, diminuindo a acidez da vagina. MENARCA E
MENOPAUSA A presença do epitélio escamoso vaginal atrófico, que é fino,
diminui a população de lactobacilos e outros microrganismos. Isso torna o pH
vaginal mais alcalino.

Essa microbiota representa sem dúvida um dos mais importantes mecanismos


de defesa, mantendo o meio saudável e impedindo a proliferação de outros
microrganismos estranhos. Além disso, a presença de microrganismos que
produzem ácido láctico parece ser essencial para manter o pH ácido da vagina
e impedir a proliferação de microrganismos.

Deve-se considerar a microbiota vaginal muito dinâmica que, sob certas


condições, pode se tornar patógena. Vamos agora conhecer algumas
dessas bactérias da microbiota normal e responsáveis pelas infecções
cervicais. Além delas, vamos estudar outros microrganismos (vírus, fungos e
protozoários) que são capazes de causar doença.

Vamos agora conhecer os microrganismos que compõem a microbiota do trato


genital feminino.

BACTÉRIAS
As bactérias são divididas em dois grandes grupos, as bactérias Gram-
positivas e Gram-negativas. Essa classificação está relacionada às diferenças
encontradas na principal coloração utilizada em microbiologia (a coloração de
Gram). As bactérias Gram-positivas retêm o cristal violeta devido à presença
de uma espessa camada de peptidoglicano (polímero constituído por açúcares
e aminoácidos que originam uma espécie de malha na região exterior à
membrana celular das bactérias) em suas paredes celulares, apresentando-se
na cor roxa. As bactérias Gram-negativas apresentam uma fina camada de
peptidioglicano e assim não retêm o cristal violeta e ficam coradas de púrpura
(fucsina, o corante de fundo). As bactérias, além de Gram-positivas e Gram-
negativas, são classificadas de acordo com a forma, podendo ser cocos,
bastonetes, bacilos, diplococos, cocobacilos, espiroquetas.

Essa microbiota representa sem dúvida um dos mais importantes mecanismos


de defesa, mantendo o meio saudável e impedindo a proliferação de outros
microrganismos estranhos. Além disso, a presença de microrganismos que
produzem ácido láctico parece ser essencial para manter o pH ácido da vagina
e impedir a proliferação de microrganismos.

INFECÇÕES BACTERIANAS
LACTOBACILLUS VAGINALIS (BACILOS
DE DÖDERLEIN)
Os Lactobacillus spp. são bacilos gram-positivos, aeróbios ou anaeróbios,
considerados os principais componentes da microbiota vaginal. São
identificados na mucosa vaginal diferentes espécies de Lactobacillus
conhecidos como Bacilos de Döderlein, são elas: L. jensenii, L. gasseri, L.
acidophilus, L. fermentum, L. plantarum, L. casei, L. cellobiotus, L. oris, L.
reuteri, L. ruminis, L. crispatus, L. iners, L. vaginalis e L. crispatus, sendo L.
acidophilus a espécie mais conhecida.
Essas espécies apresentam enzimas capazes de causar a destruição
proteolítica (Citólise) das células escamosas intermediárias rica em glicogênio
(naviculares). Esses microrganismos convertem o glicogênio em glicose e
depois em ácido láctico. O ácido láctico é o responsável por manter o pH
vaginal ácido (entre 3,8 a 4,5). O baixo pH evita proliferação de outros
microrganismos. A presença de algumas espécies de lactobacillus são
benéficas, pois produzem peróxido de hidrogênio e bacteriocinas que são
tóxicos a algumas espécies como Gardnerella vaginalis. É importante ressaltar
que as células parabasais e superficiais são resistentes à citólise por esses
microrganismos.

Nos esfregaços cervicovaginais, o padrão de citólise provocado pelos


lactobacilos é observado pela presença de restos citoplasmáticos e núcleos
desnudos, presença dos lactobacilos e poucos leucócitos.
CÉLULAS PARABASAIS E
SUPERFICIAIS
Essas células apresentam no citoplasma baixo nível de glicogênio.

COMENTÁRIO
Não é certo que os lactobacilos, por si só, possam causar vaginite, embora
sejam responsáveis por corrimento vaginal quando a citólise é pronunciada.
Esse achado chama-se Vaginose Citolítica.

Quando teremos o predomínio desses microrganismos?

O predomínio ocorre nas fases em que há células com acúmulo de glicogênio,


como na fase secretória do ciclo menstrual, na gravidez e durante a
administração de alguns hormônios, especialmente os que mimetizam a ação
da progesterona. Na Figura 05, podemos observar o padrão citológico
encontrado na citólise provocadas pelos lactobacilos.

Figura 05 – Fotos obtidas de esfregaços cervicovaginais, corados pelo


método de Papanicolau (aumento de 40x), mostrando as alterações da citólise
e presença de lactobacilos.

Na imagem, a citólise é observada pela presença de núcleos desnudos (seta


preta). Também podemos observar numerosos lactobacilos que recobrem as
células epiteliais, alguns estão sinalizados (seta azul).

BACILOS E COCOS
Em mulheres que apresentem no epitélio predomínio de células parabasais, na
pré-menarca, pós-menopausa ou pós-parto, há a colonização por diferentes
espécies bacterianas, configurando a microbiota mista. Nessas mulheres, é
comum o aparecimento de cocos Gram-positivos, tais
quais Staphylococcusspp., Streptococcus spp.; Bacilos Gram-negativos, como
alguns representantes da família Enterobacteriaceae,
especialmente Escherichia coli. Além de diversas espécies de cocos ou bacilos
anaeróbios, Bacilos Gram-positivos, como: Corynebacterium spp; Cocos Gram-
negativos, Neisseria spp., Acinetobacter, spp., Moraxella spp. e espécies
anaeróbias, como Veilonella spp. e Megasphaera spp.

ATENÇÃO
Normalmente, esses achados não são considerados manifestações
inflamatórias, mas elas podem ser encontradas durante um processo
inflamatório ou infeccioso relacionado a outras etiologias, com exceção
da Neisseria gonorrhoeae, agente etiológico de cervicite gonocócica.

Nos esfregaços cervicovaginais, verifica-se uma mistura de cocos e bacilos. A


identificação da espécie só é realizada pela cultura microbiológica. Na figura a
seguir (Figura 06), podemos ver o padrão citológico da microbiota mista.

Figura 06 – Fotos obtidas de esfregaços cervicovaginais, corados pelo


método de Papanicolau (aumento de 40x), mostrando a presença de cocos
Gram-Positivos e Bacilos Gram-Negativos.

Agora que conhecemos alguns microrganismos presentes na microbiota


normal, vamos estudar alguns responsáveis pelas principais vaginites cervicais.

CHLAMYDIA TRACHOMATIS
A infecção urogenital por Chlamydia trachomatis é incluída como uma das
principais doenças sexualmente transmissíveis (DST), na qual a transmissão
acontece pelo parceiro com uretrite, prostatite ou epididimite por C.
trachomatis. A Chlamydia trachomatis é uma bactéria Gram-Negativa e
intracelular obrigatória (Essa bactéria necessita dos nutrientes da célula
hospedeira para sobreviver). Na maioria dos casos, a infecção por essa
bactéria é assintomática, mas pode desencadear um processo inflamatório no
colo do útero, endométrio, vagina, na vulva e nas trompas. No entanto, o sítio
primário da infecção é o epitélio colunar da endocérvice, contaminando as
células da JEC e metaplásicas, além de outras células epiteliais constituintes
do trato genital.

PARCEIRO
Nos homens, o sítio primário de infecção é o epitélio urogenital. A infecção por
essa bactéria causa uretrite não gonocócica e epididimite.

COMENTÁRIO
Os sintomas da Chlamydia trachomatis são: dor ou ardor ao urinar; corrimento
vaginal, semelhante a pus; dor ou sangramento durante o contato íntimo; dor
pélvica; sangramento fora do período menstrual. Pode haver infertilidade
tubária, gravidez. Além disso, em mulheres grávidas, há o aumento do risco de
aborto espontâneo e essa bactéria pode passar para o neonato no momento do
parto, provocando conjuntivite de inclusão e pneumonia.

Essas bactérias são intracelulares obrigatórios. Como vamos observá-las


nos esfregaços cervicovaginais?

Essa bactéria se apresenta em inclusões citoplasmáticas de tamanho uniforme


e distribuição perinuclear. As inclusões clamídias podem ser divididas em
corpos elementares, corpos reticulares e corpos agregados (Figura 07), de
acordo o estágio de desenvolvimento.

Os corpos elementares consistem em grânulos cocoides finos, esinofílios e


basofílios que estão distribuídos no citoplasma finamente poroso ou são
localizados na região perinuclear. Os corpos reticulares são inclusões maiores
circundadas por vacúolos de paredes finas (inclusões em alvos) que tendem a
ser cianofílicas.

Os corpos granulares são grandes vacúolos citoplasmáticos que aparecem


com grandes conjuntos de partículas finamente granulares eosinofílicas ou
cianofílicas, e ocupam a maior parte do citoplasma. Esse método é
considerado pouco preciso e apresenta baixa sensibilidade. O padrão ouro
para o diagnóstico dessa bactéria é o isolamento em cultura celular. No
entanto, 50% dos casos Cervicite crônica folicular (presença de um exsudato
linfocitário) está relacionado a Chlamydia trachomatis (Figura 07).

Figura 07 – Fotos obtidas de esfregaços cervicovaginais, corados pelo


método de Papanicolau mostrando as inclusões citoplasmáticas da Chlamydia
trachomatis e as características citológicas dos esfregaços na cervicite crônica
folicular.

GARDNERELLA VAGINALIS
A Gardnerella vaginalis são cocobacilos Gram-negativos ou Gram-variáveis
que, normalmente, estão associados a outras bactérias anaeróbicas e
aeróbias, como Mobiluncus bacteroides e Mycoplasma hominis. A infecção por
essa bactéria também é considerada uma DST. Cerca de 40-50% das
mulheres são assintomáticas, mas quando sintomáticas são caracterizadas por
um corrimento vaginal branco-acinzentado ou amarelo, fluido e homogêneo,
com o odor de peixe estragado e, às vezes, com aspecto bolhoso.

BACTÉRIAS ANAERÓBICAS E
AERÓBIAS
Neste caso, recebe o nome de Vaginose bacteriana. A Gardnerella vaginalis é
isolada em mais de 90% dos casos de vaginoses bacterianas, confirmando a
sua relação com a etiologia da doença. O pH vaginal nessa condição é
alcalino, maior que 4,8.

COMENTÁRIO
Na proliferação maciça de G. vaginalis associada a bactérias anaeróbias, há
um aumento na produção de aminas derivadas do metabolismo das bactérias.
Quando o pH vaginal aumenta, as aminas volatilizam e produzem o odor
anormal, semelhante ao do peixe ou da amônia, principalmente depois das
relações sexuais e menstruação. As aminas têm características citotóxicas,
ocasionando o corrimento genital.

Essa bactéria tem a capacidade de aderir ao citoplasma de células escamosas


intermediárias e superficiais, chamadas de células-guia. Nos esfregaços
cervicovaginais, os microrganismos são facilmente verificados na superfície
celular em suas bordas, sobrepondo a membrana celular.

As células raramente apresentam alterações degenerativas e apresentam um


citoplasma com aparência normal, cianofílico ou esinofílico, mas com aspecto
granular. Nesses esfregaços, há ausência ou escassez de lactobacilos e
neutrófilos, porém o fundo pode apresentar um aspecto turvo ou nublado pela
presença de outras bactérias.

Na Figura 08, podemos analisar as alterações citológicas encontradas nos


esfregaços cervicovaginais de mulheres infectadas por Gardnerella vaginalis.

Figura 08 – Fotos obtidas de esfregaços cervicovaginais, corados pelo


método de Papanicolau mostrando as alterações citológicas na infecção
por Gardnerella vaginalis.

INFECÇÕES VIRAIS (HERPES-


VÍRUS)
Você já teve Herpes labial? Sabia que existe Herpes genital e que essa doença
está incluída nas DST? Será que ambas as doenças são causadas pelo
mesmo tipo de vírus?

Os vírus são organismos intracelulares obrigatórios. O vírus Herpes são vírus


de DNA, com capsídeo icosaédrico e com um envoltório lipídico. Essa família
engloba vários tipos de vírus, mas apenas 6 tipos patogênicos ao homem. Os
Herpes-simplex do tipo 01 (HSV-1) acometem, principalmente, faces e lábios e
raramente o trato genital; de forma diferente, o HSV-2 acomete,
predominantemente, a região genital. A infecção ocorre, normalmente, no início
da idade reprodutiva, mostra vesículas na pele e mucosa da região genital que
rompem com aparecimento de úlceras rasa. Essas lesões curam de forma
espontânea entre 2-4 semanas. Pode haver também febre, mialgia e
indisposição. É comum a recorrência de infecções, pois o vírus fica em latência
nas raízes dos nervos dorsais da medula espinhal, normalmente relacionado à
baixa imunidade e ao estresse.

Na região genital, o vírus acomete as células escamosas parabasais e


superficiais, metaplásica imaturas e endocervicais, e ocorrem diferentes
alterações morfológicas. Inicialmente, é observado citomegalia e cariomegalia.
Em seguida, devido à degeneração, a cromatina se torna rarefeita, os núcleos
com uma coloração fosca, há acúmulo da cromatina no folheto interno da
membrana nuclear, revelando uma membrana nuclear espessa. É muito
comum multinucleação com núcleos sobrepostos e, em alguns casos, pode
haver inclusões intranucelares grandes.

O citoplasma apresenta-se opaco e denso, devido à necrose por coagulação


das proteínas e alterações no citoesqueleto da célula.

Na figura a seguir (Figura 09), podemos analisar as alterações citológicas


causadas pelas infecções pelo Herpes-simples, a demonstração da estrutura
do vírus e as principais alterações citológicas causadas.

Figura 09 – As alterações citológicas causadas pelo vírus Herpes-simples


e fotos dos esfregaços cervicovaginais mostrando o padrão citológico
encontrado nessas infecções.

INFECÇÕES MICÓTICAS
(CANDIDA SP.)
Algumas leveduras, como a Candida sp., são microrganismos que fazem parte
da microbiota vaginal. No entanto, as infecções micóticas pela Candida sp. são
muito comuns, principalmente pela Candida albicans. Outras espécies também
podem causar vaginite, como: C. tropicalis, C. glabrata, C. krusei, C.
parapsilosis e C. pseudotropicalis. Essa infecção acomete mulheres com baixa
imunidade (como aquelas em tratamento com corticoides, HIV quimioterapia ou
diabetes) e na gravidez.

C. GLABRATA
Única espécie que não forma pseudo-hifas e se apresenta sob a forma de
macroconídias (microesporos).

SAIBA MAIS
As leveduras presentes na microbiota vaginal são, na maioria das vezes,
provenientes do trato gastrointestinal. Elas passam da região anal para a
vaginal por autoinoculação. Na região vaginal, elas se adaptam e desenvolvem.
Além disso, as leveduras produzem enzimas hidrolases que possibilitam a
penetração no epitélio escamoso, onde participam da microbiota ou podem
causar inferiores, imediatos ou posteriores. A transmissão sexual também é
aceita.

Outras espécies além da Candida sp. podem causar infecções mitóticas, mas,


para identificação, é necessária a cultura.

Você imagina por que na gravidez pode acontecer uma infecção por
leveduras?

RESPOSTA
Na gestação, o aumento da produção de progesterona ocasiona uma intensa
descamação do epitélio, principalmente das células intermediárias, com
inúmeros grânulos de glicogênio (células naviculares) que favorecem o
crescimento de lactobacilos. A citólise pelos lactobacilos libera o glicogênio que
é metabolizado ao ácido láctico e, assim, diminui o pH vaginal. As leveduras,
como a Candida sp., apresentam a capacidade de crescer em pH ácido
(inferior a 3,8).
A infecção por Candida sp. pode ser assintomática ou sintomática com a
presença de uma secreção vaginal espessa, branca (semelhante à nata de
leite) associada a prurido e à dor. Com frequência, a vulva e vagina estão
edemaciadas e hiperemiadas, algumas vezes associadas à dor e à queimação
ao urinar. As lesões acometem a vulva, a vagina e algumas vezes o colo do
útero. Na parede vaginal e no colo do útero, podem aparecer pequenos pontos
branco-amarelados.

Na análise dos esfregaços cervicovaginais, a infecção demostra células com


algumas alterações degenerativas, apresentando vacúolos citoplasmáticos,
pseudoeosinofilia, halos perinucleares e núcleo com retração da borda nuclear.
No entanto, algumas vezes, são observadas alterações reativas com a
tumefação nuclear. No fundo da lâmina, encontram-se neutrófilos, piócitos e
podem identificar hifas, pseudo-hifas e esporos redondos ou ovais com 3 a 7
micrômetros de diâmetro. Essas estruturas coram normalmente em vermelho
ou marrom. Na figura a seguir (Figura 10), podemos observar a presença
dessas estruturas nos esfregaços cervicovaginais.

RECOMENDAÇÃO DE PROTOCOLOS E
PRÁTICAS
Durante a leitura das lâminas, para identificar as infecções mitóticas, faz-se
necessário que ocorra uma busca minuciosa na lâmina, uma vez que as hifas,
os esporos e as pseudo-hifas são dispostos embaixo das células escamosas,
sendo difícil visualizá-los. Assim, é importante analisar as extremidades dos
esfregaços, pois essa área tem agrupamentos mais frouxos de células e a leve
dessecação comum nessas áreas facilita o reconhecimento, especialmente dos
esporos que se mostram maiores que aqueles presentes nos setores bem
fixados da amostra.

Figura 10 – Fotos dos esfregaços cervicovaginais corados por


Papanicolau (aumento de 40x), mostrando a presença de pseudo-hifas e
esporos de fungos.
PROTOZOÁRIOS - TRICHOMONAS
VAGINALIS
Trichomonas vaginalis é um protozoário exclusivamente humano, anaeróbio
facultativo, flagelado, unicelular e provido de mobilidade. Esse protozoário
causa infecção do sistema geniturinário no homem e na mulher, a
tricomoníase. A transmissão desse patógeno é sexual. Em metade das
mulheres, a infecção é assintomática; quando sintomática, causa corrimento
vaginal abundante, purulento, de cor verde-amarelada, bolhoso e odor
desagradável. O exame ginecológico evidencia sinais de irritação vulvar,
hiperemia e edemas nas paredes vaginais, que apresentam aspecto
característico de “morango.”

RECOMENDAÇÃO DE PROTOCOLOS E
PRÁTICAS
No momento da coleta, é importante realizar a análise de todo o trato genital
para observar possíveis alterações macroscópicas. Essas alterações devem
estar contempladas no pedido médico.

Nas mulheres, o local de alojamento é na vagina, mas pode permanecer na


uretra, bexiga, glândulas acessórias, no canal cervical e na cavidade uterina.
Esse protozoário apresenta a capacidade de destruir de forma direta as células
escamosas. Como você imagina que essa destruição das células será
observada nos esfregaços cervicovaginais?

Nos esfregaços cervicovaginais de mulheres infectadas por T. vaginalis, a


análise citológica apresenta alterações degenerativas, com pseudoeosinofilia,
halos perinucleares e tumefação nuclear. Além disso, pode ocorrer necrose
celular observado por cariólise e cariorrexe.

O fundo do esfregaço é caracterizado pela presença de muco, exsudato


purulento, com acúmulo de neutrófilos se sobrepondo às células epiteliais
degenerativas, conhecidos como “balas de canhão”. Os protozoários também
são observados como estruturas ovais ou redondas, com tamanho entre 5 a 20
micrômetros, com o citoplasma corado de cinza-azulado e apresenta grânulos
castanho avermelhados.

O núcleo é excêntrico, redondo ou oval, semitransparente, levemente basofílico


e mal definido. Raramente, são observados os flagelos do parasita, apenas o
núcleo. Importante ressaltar que, para a diferenciação dos restos
citoplasmáticos, é essencial a visualização do núcleo do parasita.

Vamos agora conhecer a estrutura dos parasitas e como são observados nos
esfregaços cervicovaginais (Figura 11).

Figura 11 – O protozoário Trichomonas vaginalis e as alterações


citológicas causadas nos esfregaços cervicovaginais.

Observe com atenção: no fundo dos esfregaços de mulheres infectadas com T.


vaginalis, é comum a associação (em quase 85% dos casos) com uma bactéria
anaeróbia de Leptothrix vaginalis. Essa bactéria é comum na mucosa intestinal,
oral e, ocasionalmente, na vagina. Aparece como uma estrutura filamentosa,
em forma de “S”, “U”.

Vamos conhecer um pouco mais do padrão citológico dessa bactéria na Figura


12.

Figura 12 – Esfregaços cervicovaginais corados pelo Papanicolau,


aumento de 40x. Na imagem, podemos observar a presença de bactérias em
forma de filamentos em “U”, característico de Leptothrix vaginalis (seta preta).
Essas bactérias estão associadas a T. vaginalis (seta azul).

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3
Descrever as reparações, lesões pré-cancerosas e carcinoma

Vimos que, independente da origem dos processos inflamatórios, há alterações


estruturais nas células. Essas alterações podem colocar em risco a estrutura e
o funcionamento normal do epitélio escamoso e da endocérvice. As células
podem proliferar ou diferenciar em uma tentativa de minimizar os estragos,
garantindo assim a sobrevida e manutenção do funcionamento normal das
células nesses tecidos.

Esses processos são chamados de reações proliferativas benignas. Eles


podem ser didaticamente divididos em: processos de proteção, destrutivos e
reparação.

PROCESSOS DE PROTEÇÃO

Quando o epitélio estratificado escamoso cervicovaginal está sofrendo a


influência de estimulação crônica, ele sofre um processo de hiperdiferenciação.
Esse processo pode ser:

 Acantose consiste no aumento de células e da espessura do epitélio


para aumentar seu poder de proteção.
 Hiperqueratose consiste no espessamento do estrato córneo
associado à produção anormal da queratina nas células da camada
superficial do epitélio escamoso. Nesse caso, as células superficiais
são maduras e anucleadas.
 Paraqueratose é outro tipo de queratinização com produção anormal
da queratina pelo epitélio estratificado escamoso superficial, mas as
células nesse caso não perdem os núcleos.
 Metaplasia: metaplasia consiste em fenômeno adaptativo que resulta
em um novo tipo celular mais bem preparado para suportar um
ambiente adverso.
PROCESSOS DESTRUTIVOS
Inflamação. Como visto anteriormente, os mecanismos iniciais de defesa
compreendem: barreira epitelial, síntese de muco protetor, pH vulvar e vaginal,
microbiota vaginal e componentes inespecíficos inerentes à imunidade inata
(células fagocitárias e reação inflamatória).

PROCESSOS DE REPARAÇÃO TECIDUAL

Você imagina como acontece a reconstrução do tecido lesado? Quais as


alterações celulares podem ser observadas nos esfregaços cervicovaginais
que identificam um processo de reparação? Quando devemos identificar uma
lesão para evitar o desenvolvimento do câncer?

O processo de reparação tecidual consiste na substituição do tecido lesado por


células viáveis. Inicia-se quando há a destruição dos epitélios causados por
processos inflamatórios severos, biópsias cauterização ou radioterapia,
desenvolvendo um processo de reparação. A reparação tecidual pode ocorrer
através da regeneração (nesse caso, ocorre a substituição da célula lesada por
outra do mesmo tipo, restabelecendo a integridade do tecido) ou por fibrose (a
lesão é grande e não é possível a regeneração das células. Assim, as células
lesadas são substituídas por tecido conjuntivo, ou seja, fibroblastos e
colágeno).

A reparação tecidual na endocérvice acontece a partir das células de


reserva e na ectocérvice pelas células basocelulares localizadas na camada
basal do epitélio escamoso. Quando ocorre a reparação por regeneração,
essas células proliferam e migram para cobrir a lesão. Em um primeiro
momento, verifica-se uma única camada de células com aumento na atividade
biológica, depois, essas células se diferenciam. A maioria das células
epiteliais de reparação é derivada das células glandulares ou
metaplásicas imaturas, sendo menos comuns as células escamosas.

CÉLULAS DE RESERVA
Células do epitélio colunar endocervical. São células basais, pequenas,
triangulares e intercaladas.

A MAIORIA DAS CÉLULAS EPITELIAIS


DE REPARAÇÃO É DERIVADA DAS
CÉLULAS GLANDULARES OU
METAPLÁSICAS IMATURAS, SENDO
MENOS COMUNS AS CÉLULAS
ESCAMOSAS
Por isso, na análise citopatológica, é muito difícil verificar a origem das células.

Quando a lesão se estende também para o tecido fibroconjuntivo, a reparação


tecidual acontece por fibrose. O mecanismo pelo qual o tecido lesionado é
substituído por tecido conjuntivo, sintetizado pelos fibroblastos, pode ser
observado na figura a seguir (Figura 13).

Figura 13 – Esquema mostrando as principais fases do processo de


reparação na fibrose.

É possível observar que, (A) após a destruição do tecido epitelial e do tecido


fibroconjuntivo por diferentes fatores (processos inflamatórios severos, biopsias
cauterização ou radioterapia), há o recrutamento de células inflamatórias para
o local da lesão (primeiro neutrófilo e depois macrófago) a fim de eliminar o
agente agressor e os restos celulares. (B) Em seguida, no local da lesão, há
uma neoformação de capilares, repondo aqueles que se perderam durante a
agressão. (C) As células epiteliais da borda da lesão se proliferam (células de
reparação epitelial) e migram para cobrir a lesão. Em um primeiro momento,
verifica-se uma única camada de células com aumento na atividade biológica.
Junto às células epiteliais, os fibroblastos se proliferam (célula de reparação
mesenquimal) e migram para a área da lesão. (D) As células epiteliais se
proliferam e diferenciam-se formando as células idênticas ao tecido; os
fibroblastos também se proliferam e sintetizam as fibras colágenas. Finalmente,
há a formação da cicatriz (fibrose), reconstituindo as condições normais do
tecido fibroso adulto.

Podemos observar no quadro 01 o padrão citológico encontrado nos


esfregaços cervicovaginais das células de reparação epitelial e mesenquimal.
Ressalta-se que, no início do processo de reparação, pode ocorrer um
exsudato inflamatório, com hemácias integras, diferentemente do que acontece
no câncer invasivo, em que se apresentam hemácias lisadas (assunto que será
abordado nos próximos tópicos deste tema).

Em alguns casos, as células de reparação apresentam alterações nucleares


difíceis de diferenciar das encontradas nas neoplasias malignas (como
carcinoma escamoso não queratinizante e adenocarcinoma endocervical).
Nessa situação, o processo de reparação é chamado de atípico e está incluído
na categoria de atipias de células escamosas de significado indeterminado
(ASC).

No quadro 01, também vemos as características das células de reparação


atípicas.

Como podemos diferenciar as neoplasias de uma reparação celular


atípica?

Durante o exame citopatológico, podemos verificar alguns fatores que ajudam


no diagnóstico diferencial da reparação celular atípica, como: a idade e a
história do paciente (incluindo a verificação de traumatismo recente,
cauterização ou infecção), ausência de material necrótico (restos celulares e
fibras), maior coesão celular e orientação unidirecional do núcleo quando as
células estão agrupadas. Nas neoplasias, as células isoladas são numerosas e
há a sobreposição nuclear e presença de material necrótico.

Células Citoplasma Núcle


Abundante, de coloração pálida Volumosos, redondos ou ov
Células de a bosofílico (produção de RNA e com bodas regulares. Croma
reparação epitelial proteínas); as bordas granular. Nucléolo típico às
(típica) citoplasmáticas são geralmente eosinofílico (relacionado ao
indistintas. proteica).

Citoplasma alongados e
Células de
cianofílico. Essas células podem Núcleos com bordas regular
reparação
apresentar-se reativas granular e nucléolos. O núcl
mesenquimais
(apresentam uma maior da célula.
(origina fibroblastos)
coloração)

Anisocariose (variação no ta
células que constituem o ag
Células de
significativa, hipercromasia e
reparação epitelial Citoplasma abundante
granulação mais grosseira, à
atípica
distribuída. Nucléolo pode se
com alteração da forma).

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Quadro 01: Características citológicas das células de reparação. Fonte:


Elaborado pela autora.
Analisaremos agora como esse padrão citológico é observado nos esfregaços
cervicovaginais, a partir da Figura 14.

Figura 14 – Fotos dos esfregaços cervicovaginais corados por


Papanicolau mostrando Citologia das células de reparação.

IDENTIFICAÇÃO DOS PROCESSOS


NAS CARACTERÍSTICAS
CITOLÓGICAS
Durante algumas exposições, como a radioterapia, colocação do DIU e
deficiências do organismo, por exemplo, vitamina B12/ácido fólico, as células
encontradas nos esfregaços cervicovaginais apresentam modificações
nucleares e citoplasmáticas características e que podem permanecer durante
longos anos.

Essas alterações são importantes, pois podem ajudar a avaliar se o tratamento


radioterápico funcionou na eliminação das células malignas ou no diagnóstico
precoce de algumas doenças, como acontece na deficiência de vitamina
B12/ácido fólico.

A radioterapia é utilizada para o tratamento do câncer e, em especial, do


carcinoma escamoso do colo do útero. O exame cervicovaginal é de suma
importância, pois o encontro de células malignas que persistem ou o
reaparecem após o tratamento indica a necessidade imediata de intervenção
cirúrgica e clínica. A análise para verificar a persistência de células malignas
deve ser realizado após 4-8 semanas do início do tratamento.

Nesse período, ainda existe uma grande quantidade de material necrótico, de


células inflamatórias e ainda podem ser vistas células malignas. Depois, há
atrofia do epitélio, essas alterações podem ser agudas (persistem até 6 meses
do final do tratamento) ou crônicas (persistindo durante anos).
DIFERENÇA ENTRE CÉLULAS
IRRADIADAS MALIGNAS E BENIGNAS

VISTAS CÉLULAS MALIGNAS


Após a radiação, as células malignas que persistem apresentam alterações
morfológicas provocadas pela radiação e pela malignidade da doença. A
viabilidade das células malignas deve ser avaliada através da visualização de
mitoses nessas células.

CÉLULAS MALIGNAS

Alteração da relação núcleo-citoplasma; membrana nucelar espessada;


cromatina preservada, grosseira, distribuída irregularmente.

CÉLULAS BENIGNAS

Relação núcleo-citoplasma preservada; cromatina granular ou de aspecto


“borrado”; hipercromosia quando ocorre picnose.

Podemos ver as alterações morfológicas (núcleo e citoplasma) do efeito da


radiação nas células da radioterapia no Quadro 2 e Figura 15.

Alterações citoplasmáticas

Vacuolização; citomegalia; coloração bifásica


Alterações Aumen
(anfofilia/policromasia); Formas bizarras com
associadas à croma
prolongamento; fagocitose (pseidocaninalismo); bordas
radioterapia (fase hipercr
citoplasmáticas mal definidas; células gigantes
aguda) vacúol
multinuceladas.
Alterações
associadas à Células de diferentes tamanhos com o citoplasma Multinu
radioterapia (fase anfofílico ou policromático. menos
crônica)

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Quadro 02: Alterações associadas à radioterapia. Fonte: adaptado de BRASIL,


2012a.

Figura 15 – Fotos dos esfregaços cervicovaginais corados por


Papanicolau (aumento de 40x) mostrando alterações relacionadas à
radioterapia.

Algumas deficiências nutricionais, como de vitamina B12/ácido fólico, podem


causar alterações morfológicas nas células do trato genital que são observadas
muito antes das alterações megaloblásticas da medula óssea. Essas
alterações são semelhantes àquelas encontradas durante a radioterapia. A
deficiencia é comum nas mulheres grávidas, usuárias de contraceptivos orais e
na lactação.

VOCÊ SABIA
A vitamina B12 e o ácido fólico são coenzimas importantes para a síntese de
DNA e a divisão dessa molécula. A deficiência dessa vitamina e do ácido fólico
causa anemia, com as hemácias em um tamanho maior do que o normal. Essa
anemia é conhecida como Anemia Megaloblástica.

Além disso, o uso do DIU por longos períodos causa irritação mecânica crônica
e alterações reativas nas células glandulares endometriais, endocervicais e
metaplásicas escamosas. As alterações envolvendo os núcleos podem ser
significativas e confundidas com o adenocarcinoma. Devemos estar atentos
aos dados clínicos dos pacientes no pedido médico.
Vamos agora conhecer as alterações celulares nessas duas condições. O
quadro 03 mostra as principais alterações associadas ao uso do DIU e à
deficiência de vitamina B12. Na Figura 16, podemos analisar as alterações nas
células durante a deficiência de B12 e provocadas pelo uso do DIU.

Alterações citoplasmáticas

Aumento
Alterações associadas à Citoplasma pálido, às vezes com anfolia;
núcleo/cit
deficiência de vitamina vacuolização; formas bizarras, às vezes com
multinuce
B12/ácido fólico projeções citoplasmáticas. Cariomegalia.
citoplasm

Células endocervicais: podem aparecer


Células e
como células colunares grandes,
aumenta
Alterações associadas hipervacuolizadas, às vezes com neutrófilos e
tamanho
ao uso do DIU intracitoplasmáticos.
(contraceptivo
Células e
intrauterino) Células endometrias: revela grandes
com leve
vacúolos citoplasmáticos, às vezes infiltrados
condens
por neutrófilos (leucofagocitose)

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Quadro 03: Alterações citológicas associadas à deficiência da vitamina


B12/ácido fólico e ao uso do DIU. Fonte: Elaborado pela autora.

Figura 16 – Alterações relacionadas à deficiência de vitamina B12/ácido


fólico e ao uso do DIU.
LESÕES PRÉ-CANCEROSAS,
LESÕES INTRAEPITELIAIS
ESCAMOSAS E CARCINOMA
ESCAMOSO DO COLO UTERINO “IN
SITU” E INVASOR
O câncer do colo do útero é o segundo tumor mais frequente nas mulheres.
Vamos iniciar estudando a infecção pelo papilomavírus humano (HPV).
Estudos demonstram uma intensa relação entre a infecção pelo HPV e o
câncer na região anogenital, que corresponde ao carcinoma cervical, vulvar,
vaginal, do pênis e ânus, sendo que, no câncer do colo do útero, a prevalência
da infecção pelo HPV é de 75-100%.

O HPV é um vírus de DNA com dupla hélice circular, com capsídeo


icosaédrico, não envelopado e que possui tropismo para o epitélio estratificado
da pele, cavidade oral e anatogenital. Até a presente data, são descritas mais
de 150 espécies de HPV, sendo 15 espécies com alto poder carcinogênico
(como HPV do tipo 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59 e 61) e outras
de baixo risco (como HPV do tipo 6 e 11).

O contágio pelo HPV ocorre após o contato sexual em 99% dos casos,
podendo ocorrer também de forma vertical (0,5%), ou seja, no momento do
parto, e a partir de fomentos (0,5%) como: toalhas, brinquedos, motel e
sabonetes. A infecção ocorre após a entrada do vírus por pequenas lesões na
mucosa.

VÍRUS
Os vírus são organismos intracelulares obrigatórios.
HPV DO TIPO 6 E 11
As mulheres infectadas por esse sorotipo raramente desenvolvem lesões
progressivas.

SAIBA MAIS
O HPV tipo 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, são responsáveis por 80% dos canceres
genitais. Atualmente, está disponível pelo SUS a vacinação contra o HPV dos
tipos 16 e 18 para pessoas entre 9-26 anos. O esquema vacinal é realizado em
3 doses nos intervalos de 0,3 e 6 meses.

Vamos agora entender como essas células penetram o epitélio escamoso do


trato genital assistindo ao vídeo a seguir.

As manifestações da infecção pelo HPV podem ser clínicas com o


aparecimento de verrugas (condilomas) na região vulvar ou perianal. Essas
verrugas são chamadas popularmente de “crista de galo”, “figueira” ou “cavalo
de cristais” e são infecções documentadas em 30% dos casos. Tais infecções
podem ser subclínicas (que correspondem a 70% dos casos), ou seja, não
vistas a olho nu, e são apenas diagnosticadas pelas alterações na morfologia
celular, verificadas no exame citopatológico, histopatológico e pelo exame
colposcópico.

As características citológicas das infecções pelo HPV de baixo grau incluem


algumas alterações que podem ser observadas no quadro 4 e na Figura 17.
Importante ressaltar que a infecção latente pelo HPV não é detectada pelos
métodos tradicionais, apenas por testes histopatológicos e de Biologia
molecular.

Tipo de
Alterações citoplasmáticas Alteração
alteração
Células escamosas intermediárias e Aumento do tamanho
superiores com cavitação perinuclear bem nuclear, às vezes bi e
Coilocitose
demarcada com condensação periférica do além de cromatina de
citoplasma. granular.

Disqueratócitos podem ocorrer na superfície


Aumento nuclear, hipe
do epitélio. São células escamosas em
Disqueratose cromatina condensad
miniatura ou do tamanho padrão com
irregularidades da bor
queratinização anormal.

Células muito grandes, com citoplasma Células muito grandes


eosinofílico, cianofílico ou policromático, eosinofílico, cianofílico
Macrócitos
contendo às vezes neutrófilos ou outras contendo às vezes ne
células escamosas. células escamosas.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Quadro 04: Alterações citológicas associadas à infecção pelo HPV. Fonte:


Elaborado pela autora.

Figura 17 – Alterações citológicas associadas à infecção pelo HPV.

Como mencionado, a infecção pelo HPV é a primeira causa das lesões pré-
cancerosas que podem evoluir para o câncer. A infeção pelo HPV é incluída no
sistema Bethesda como lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (NIC-1). As
lesões intraepiteliais são divididas em 3 tipos (NIC 1, NIC 2 e NIC 3) e,
histologicamente, são classificadas de acordo com o grau de diferenciação,
maturação e estratificação das células e anormalidades nucleares. A proporção
da espessura do epitélio representada por células indiferenciadas é utilizada
para a graduação das lesões (Figura 18).

Figura 18 – Esquema mostrando a evolução das lesões pré-cancerosas.

O diagnóstico histológico pelo NIC é observado pela proliferação, perda de


diferenciação, perda da polaridade celular e atipias nucleares (núcleos
aumentados, maior relação núcleo/citoplasma, maior intensidade de coloração,
variação do tamanho e forma do núcleo). À medida que se aumenta a
gravidade da lesão, há um aumento do aparecimento de mitoses e de células
indiferenciadas. O grau de displasia é medido pela espessura do epitélio, que é
composto por tais células. Na figura, observa-se que, conforme é aumentado o
grau de displasia, o epitélio normal é substituído por células indiferenciadas e,
no NIC 3, ele é totalmente substituído, só estando presente células desse teor.

Como é feito o diagnóstico citológico nas lesões pré-cancerosas?


Devemos observar as alterações nucleares das células descamadas da
superfície epitelial. Nas lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau (LSIL),
existem alterações nucleares, mas essas células ainda apresentam grande
volume citoplasmático. De forma diferente, nas lesões de alto grau (HSIL), o
citoplasma encontra-se escasso. No carcinoma in situ, só são observadas
células indiferenciadas. Para a classificação citológica dessas lesões, devemos
observar a maturidade citoplasmática (verificar a relação da quantidade de
núcleo em relação ao citoplasma – relação núcleo/citoplasma -, em que quanto
maior a relação em células normais, maior é a displasia) e a intensidade de
alterações nucleares (aumento de tamanho, alterações na forma, e na borda
nuclear e modificação da coloração e da cromatina).

SAIBA MAIS
Como no sistema Bethesda, as lesões conhecidas como displasia
moderada/NIC 2 e carcinoma in situ (NIC 3) são incluídas na mesma
classificação de lesão intraepitelial escamosa de alto grau, pela dificuldade de
diferenciação no diagnóstico citológico dos dois tipos, elas são apresentadas
nesse quadro juntas. No entanto, podemos observar algumas alterações
citopatológicas, como:
NIC 2:células similares àquelas da displasia leve, acompanhadas por células
anormais mais imaturas. Essas células têm relação nucleocitoplasmática
aumentada e citoplasma menos abundante, que, geralmente, é denso e lembra
em textura e configuração aquele das células metaplásicas. Os núcleos são
hipercromáticos, podendo exibir maior número de cromocentros e maiores
irregularidades da membrana nuclear do que nas células da displasia leve.
NIC 3 (carcinoma in situ): os esfregaços contêm habitualmente grande
número de células primitivas, imaturas, que podem variar de tamanho de caso
a caso, porém sempre exibindo elevada relação nucleocitoplasmática. As
células podem se mostrar isoladas ou em agrupamentos sinciciais com bordas
celulares indistintas e núcleos desordenados, com sobreposição. As bordas
nucleares são irregulares e podem ter uma aparência interrompida. Podem
ocorrer raras figuras de mitose anormais. Quando as células alteradas são
muito pequenas e se mostram isoladas, são mais difíceis de identificar na
rotina, principalmente nos esfregaços contendo abundante exsudato purulento
ou sangue.

Os sinais de gravidade da lesão são: aumento do número de células anormais,


diminuição da maturação citoplasmática, irregularidade das bordas nucleares,
aumento do tamanho dos grânulos da cromatina e sem o aparecimento dos
coloides.

Conheceremos agora um pouco mais das diferenças entre as lesões


escamosas de baixo e alto grau que estão descritas Quadro 05 e Figura 19.

Figura 19 – Padrão citológico das lesões intraepiteliais escamosas de


baixo e alto grau.

Quadro 05: Alterações histológicas e citológicas associadas às lesões


intraepitelial escamosas de baixo e alto grau.
Em infecções persistentes pelo HPV, as lesões de baixo grau podem evoluir
para lesões de alto grau, que rompem a membrana basal e invadem o
estroma adjacente, evoluindo assim para o carcinoma escamoso invasivo.
Esse tipo de neoplasia corresponde a 75% dos tumores malignos do colo do
útero.
Como vamos diferenciar durante um exame citopatológico um carcinoma in
situ de um carcinoma invasor? Existem algumas condições que podem simular
carcinoma escamoso invasivo.

BAIXO GRAU PODEM EVOLUIR PARA


LESÕES DE ALTO GRAU
Nem sempre ocorre dessa forma, há casos que no início há o aparecimento de
uma lesão de alto grau.

Característica

Forma

Núcleo

Citoplasma

Cromatina
Nucléolo

Diátese tumoral (Sangue, fibrina. Células inflamatórias, restos celulares presentes no fundo
da lâmina) Ausente. Presente.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Quadro 06: Diferença do padrão citológico entre o carcinoma in situ e o


carcinoma escamoso invasor. Fonte: Adaptado de Brasil, 2012a

Existem algumas condições que podem simular carcinoma escamoso invasivo.


Vamos agora ver como podemos diferenciá-las:

LESÕES INTRAEPITELIAIS ESCAMOSAS, ESPECIALMENTE AS


QUERATINIZANTES

 Ausência de diátese tumoral;

 Ausência de “espaços claros” nos núcleos caracterizando a


distribuição irregular da cromatina;

 Ausência de nucléolo em outras células anormais não queratinizadas.

PROCESSO DE REPARAÇÃO

 Células isoladas raras;

 Menor relação nucleocitoplasmática;

 Anormalidades menos significativas na distribuição da cromatina;

 Ausência de diátese tumoral.

ATROFIA

 Ausência de irregularidade das bordas nucleares;

 Ausência de irregularidades na distribuição da cromatina.


ALTERAÇÕES CITOPÁTICAS PELO HERPES-VÍRUS

 Multinucleação;

 Amoldamento nuclear e rarefação da cromatina em outras células.

EFEITO DE RADIOTERAPIA/QUIMIOTERAPIA

 Macrocitose;

 Policromasia;

 Vacuolização citoplasmática;

 Cromatina de aspecto “borrado”.

ADENOCARCINOMA POUCO DIFERENCIADO ENDOCERVICAL OU


ENDOMETRIAL

 Arranjos glandulares, arranjos esféricos;

 Células colunares no adenocarcinoma endocervical;

 Vacuolização frequente e infiltração neutrofílica comum no


adenocarcinoma endometrial;

 Núcleos às vezes excêntricos, com menor hipercromasia e nucléolos


mais frequentes e proeminentes;

 Ausência de células queratinizadas.

ADENOCARCINOMA METASTÁTICO

 Características similares às descritas no item acima.

As principais manifestações clínicas dos carcinomas invasores são


sangramento anormal, hematúria, dor que irradia para a região sacral,
fraqueza, perda de peso. Os carcinomas invasores podem ser classificados em
3 tipos diferentes de acordo com o padrão histopatológicos: carcinoma
escamoso de células não queratinizantes de grandes células (mais comum),
carcinoma escamoso de células queratinizantes e carcinoma escamoso de
células não queratinizantes pequenas (mais raros). Podemos observar essas
diferenças no Quadro 07 e na Figura 20.

Quadro 07: Alterações histológicas e citológicas associadas às lesões


intraepitelial escamosas de baixo e alto grau.

Figura 20 – Padrão citológico dos carcinomas escamosos invasores.

LESÕES GLANDULARES
INTRAEPITELIAIS (GIL)
A segundo maior neoplasia do colo uterino é o adenocarcinoma endocervical. A
infecção pelo HPV também é capaz de desenvolver o adenocarcinoma. As
lesões glandulares são de difícil diagnóstico, pois não existem sinais clínicos e
a maioria das lesões encontra-se dentro do canal endocervical, o que dificulta a
coleta das amostras.

Histologicamente, o adenocarcinoma é um tumor maligno com células com a


aparência das células glandulares endocervicais. A neoplasia infiltra o estroma
do colo, sob a forma de glândulas que apresenta diferentes tamanhos e exibem
forma irregular. Essas estruturas são revestidas por uma ou mais camadas de
células tumorais cuboides ou colunares.

Segundo o Sistema Bethesda 2001 e a nomenclatura brasileira para laudos


cervicais (2006), as anormalidades citológicas das glândulas endocervicais
podem ser dividias em 4 grupos, conforme podemos observar no Quadro 08 e
Figura 21.

Classificação Observação
Citoplasma

Atipia de células glandulares


Células epiteliais
endocervicais diagnosticada no
glandulares
exame citológico correspondem
endocervicais atípicas Pode ser abundante, mas
no exame histopatológico, mais
de significado relação nucleocitoplasmá
frequentemente, às lesões pré-
indeterminado, se mostra aumentada.
cancerosas de origem escamosa
provavelmente não
do que adenocarconoma
neoplásicas
endocervical.

Células epiteliais
O risco de doença pré-maligna
glandulares
nesse grupo corresponde a 96%, Aumento da relação
endocervicais atípicas
para o desenvolvimento e nucleocitoplasmática. Me
de significado
diagnóstico histopatológico do quantidade de citoplasma
indeterminado
adenocarcinoma in situ e bordas celulares mal defin
possivelmente
invasico.
neoplásicas

Adenocarcinoma
Histologicamente é caracterizado Citoplasma delicado e ma
cervical in situ
pela preservação da arquitetura definido. Apoptose. A
glandular normal; envolvimento apoptose, ou corpos
de parte ou de todo o epitélio apoptóticos, representam
revestindo as glândulas ou a núcleos homogêneos,
superfície; aumento nuclear, condensados, com ou sem
cromatina grosseira, nucléolo fragmentação nuclear e
pequeno único ou múltiplo;
aumento da atividade mitótica;
variável estratificação dos
núcleos. O fundo dos esfregaços citoplasma densamente
é límpido, com aumento da eosionofílico.
celularidade. Algumas das
células anormais mostrando
aparência colunas.

Adenocarcinoma Histologicamente eles Citoplasma delicado, mal


cervical invasivo apresentam células individuais ou delimitado.
glândulas incompletas revestidas
por células parecendo
morfologicamente malignas na
interface do estroma; glândulas
parecendo malignas circundadas
por resposta desmoplásica. Pode
ser que essas alterações não
apareçam e deve ser verificado
glândulas com arquiterura
complexas ramificadas, ou
glândulas pequenas, presença de
glândulas abaixo do limite
profundo das glândulas normais.
Diátese tumoral (em metade dos
casos ou menos). Maior número
de células anormais, com
frequente configuração colunar.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Quadro 08: Anormalidades citológicas das glândulas endocervicais. Fonte:


Elaborada pela autora.

Figura 21 – Anormalidades citológicas nas células endocervicais dos


esfregaços cervicovaginais corados pelo exame de Papanicolau (aumento de
40x).

Percebam que é muito difícil distinguir o adenocarcinoma in situ do invasor,


sendo assim necessário o exame histopatológico. Na Figura 22, a seguir,
podemos verificar as diferenças histológicas dessas duas condições quando
comparado ao tecido normal.

Figura 22 – Padrão histológico no adenocarcinoma invasivo e in situ.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dessa jornada, exploramos toda a Citologia inflamatória estudando as
principais alterações encontradas durante os processos inflamatórios causados
por agentes físicos (como radiação e o trauma causado pelo HPV), deficiências
nutricionais (como deficiência de vitamina B12) e durante as infecções. Além
disso, verificamos como o organismo realiza a reparação tecidual após as
lesões inflamatórias e retorna ao funcionamento normal. Aprendemos que o
padrão de células encontrado nos esfregaços pode alterar em condições
anormais. Antes de estudar as infecções, vimos que a região vaginal apresenta
vários mecanismos para evitar as infecções e inflamações, como a presença
de pelos pubianos, o pH ácido da vagina, a produção de secreções, a presença
de células do sistema imune inato na região e a presença de uma microbiota.

De todos esses fatores, a microbiota é o principal mecanismo de defesa contra


os patógenos, mas sofre alterações ao longo da vida da mulher que podem
favorecer a proliferação de patógenos. Vimos que a presença de lactobacilos,
da flora mista e de algumas leveduras é normal, porém a presença
de Trichomonas vaginalis, Chlamydia Trachomatis, Herpes-vírus e Gardenella
Vaginais provoca alterações estruturais nas células do epitélio de revestimento
da endocérvice e ectocérvice. As leveduras, como a Candida albicans, também
fazem parte da flor normal, embora elas possam se tornar patológicas ao
encontrarem um ambiente favorável. Além disso, foi estudada a infecção pelo
HPV e verificada a sua importância e patogenicidade. O HPV é capaz de
originar lesões pré-cancerosas e o carcinoma escamoso do colo uterino.
Abordou-se também o adenocarcinoma, o segundo tumor maligno mais comum
no colo uterino. Em todos os casos, apresentou-se detalhadamente o padrão
de células encontradas nos esfregaços cervicovaginais durante cada processo
inflamatório, ajudando a entender como chegar a uma conclusão diagnóstica
pelos exames citopatológicos.

PODCAST

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da saúde, Instituto Nacional do Câncer
(INCA). Nomenclatura Brasileira para laudos cervicais e condutas
preconizadas. 2006. 57p. Consultado em meio eletrônico em: 18 de maio de
2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Técnico em citopatologia. Caderno 1:
Citopatologia Ginecológica. 2012a. 194p. Brasília: Ministério da Saúde; Rio
de Janeiro: CEPESC, 2012. Consultado em meio eletrônico em: 04 de maio de
2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Técnico em citopatologia. Caderno 2: Atlas de
citopatologia diagnóstica. 2012b. 194p. Brasília: Ministério da Saúde; Rio de
Janeiro: CEPESC, 2012. Consultado em meio eletrônico em: 04 de maio de
2020.
BRASIL. Ministério da saúde, Instituto Nacional do Câncer
(INCA). Nomenclatura Brasileira para Laudos Citopatológicos Cervicais.
2012c. 25p. Consultado em meio eletrônico em: 18 de maio de 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção básica: Controle dos
canceres do colo do útero e de mama, nº 13. 2013. 128p. Brasília.
Consultado em meio eletrônico em: 14 de maio de 2020.
BRASIL. Ministério da saúde, Instituto Nacional do câncer (INCA). Controle do
câncer do colo do útero: Conceito e Magnitude. 2020. Consultado em meio
eletrônico em: 07 de maio de 2020.
BRASIL. Ministério da saúde, Instituto Nacional do câncer (INCA). Programa
do INCA - parte VI (câncer de mama). s/d. Consultado em meio eletrônico
em: 07 de maio de 2020.
CONSOLARO, M. E. L.; MARIA-ENGLER, S. S. Citologia Clínica Cérvico-
vaginal. Texto e Atlas. São Paulo: GEN, 2012.
DIAZ, M., D., P., E.; MEDEIROS, R., B. Câncer do colo uterino: fatores de
risco, prevenção, diagnóstico e tratamento Revista de Medicina. v.88, n.1,
p. 7-15, 2009.
FILHO, J. B. M.; RIBEIRO, M. A. R. Câncer do colo do útero. Saúde & Vida
online. Consultado em meio eletrônico em: 12 de maio de 2020.
GAMBONI, M.; MIZIARA, E. F. Manual de Citopatologia Diagnóstica. São
Paulo: Ed. Manole Ltda, 2013.
LINHARES, I., A; GIRALDO, P., C.; BARACAT, E., C. Novos conhecimentos
sobre a flora bacteriana. Revista Associação médica Brasileira. V.56, n.3,
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SELLORS, J., W.; SANKARANARAYANAN, R. Colposcopia e tratamento da
neoplasia intra-epitelial: Manual para principiantes. França: IARCS.
Consultado em meio eletrônico em: 12 de maio de 2020.
SOUZA, A., P. Cancro do colo do útero: tendências e estudos recentes.
2011. 84 f. Trabalho de conclusão de curso [licenciatura em ciências
farmacêuticas] – Universidade Fernando Pessoa. Portugal. 2001.
WEBER, A., V.; BACKES, L., T., H. Análise retrospectiva de inflamações
cervicovaginais por agentes microbiológicos no sul do Brasil. Revista
saúde integrada. v.9, n. 17, p.28-40, 2016.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos abordados neste tema:

 Como vimos, nos esfregaços cervicovaginais normais, pode-se


encontrar diferentes tipos celulares, com diferentes características
morfológicas. Para conhecer mais essas células e se familiarizar com
cada uma delas, é importante visitar o site Citopatologia do colo
uterino-altas digital (International Agency for Research on Cancer) e o
Atlas de Citopatologia Diagnóstica.

 No início do tema, o processo inflamatório foi definido como uma


resposta do organismo a uma agressão. Para conhecer mais sobre
esse tópico, faça a pesquisa por vídeos a respeito dos processos
inflamatórios.
 Falamos sobre as doenças sexualmente transmissíveis causadoras
de vaginites cervicais, apontando diferentes tipos de bactérias, fungos
e vírus que causam essas doenças. Para saber mais sobre as DSTs
e seu diagnóstico, visite o Guia de Bolso do Ministério da Saúde
sobre o controle de DSTs.

 Ainda sobre as DSTs, é interessante visitar o Boletim Técnico do


Laboratório Hermes Padine, que fala sobre o diagnóstico
da Chlamydia trachomatis.
 Falamos muito sobre o HPV e sua associação com o câncer do colo
do útero. Para entender mais sobre esse vírus e sua relação com o
câncer do colo do útero, pesquise e leia o artigo de revisão A
infecção pelo papiloma vírus humano e sua associação com o
câncer do colo uterino: uma breve revisão.

 Ao longo do tema, foi abordado um pouco sobre o sistema Bethesda


e a nomenclatura Brasileira para laudos cervicovaginais. Para
entender mais sobre o sistema Bethesda e a nomenclatura Brasileira
para laudos cervicovaginais, pesquise sobre laudos citopatológicos
em endereços especializados, por exemplo, no site do INCA.

CONTEUDISTA
Helena Horta Nasser

CURRÍCULO LATTES

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