Você está na página 1de 32

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE-NORTE

BASES BIOPATOLÓGICAS
PARA CURSOS DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE

F. Oliveira Torres

Nuno Sampaio

Luis Monteiro

2012
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Página 2
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CAPÍTULO VIII

A DEFESA CELULAR E ORGÂNICA NA INFLAMAÇÃO

Nos capítulos 1 e 2 ficou entendido ser o organismo humano uma estrutura sistémica
complexa, fruto de uma evolução determinada por influências ambientais conducentes a
algo estruturalmente compatível com a sua sobrevivência, ou seja, em equilíbrio com o
meio. É a consumação perante o ambiente de uma aventura ecológica, sobre a qual o
ambiente continua a exercer as suas influências. Vimos como saúde, doença e lesão
poderão ser interpretadas à luz destas constantes influências e necessidades adaptativas.

Desde sempre, dos primórdios, as expressões de vida têm de se adaptar para


sobreviverem, e assim acontece. Desde os primórdios, logo um paradoxo, pelo menos
aparente, se estrutura. É que toda a forma viva, mesmo a mais rudimentar da linha
evolutiva, e logo a primeira expressão de vida, desenvolveu a capacidade de defesa da
sua personalidade, da sua composição, da sua estrutura, lançando mão de processos de
defesa cuja complexidade crescente vamos encontrar ao longo da filogenia. Assim, o
paradoxo estará, em a vida ter de se modificar, e modifica na constante adaptativa, e ao
mesmo tempo, ter criado condições, muito simples em seu princípio, hoje
extraordinariamente complexas, para impedir essas modificações, essa perda da sua
própria condição. Vamos depois ver, aqui provavelmente também, as leis biológicas
têm razão.

Toda a dinâmica de defesa do organismo humano, dinâmica extraordinariamente


complexa, na sua rede de interrelações químicas, constitui o chamado processo
inflamatório, ou inflamação.

Desde que o organismo humano existe, ou melhor, ao longo da evolução filogenética


até ao organismo humano, foi-se estabelecendo e complexando a dinâmica de defesa,
contra a agressão e lesão, desse mesmo organismo. É lógico dizer-se: antes de se
compreender a dinâmica inflamatória, já essa dinâmica acontecia. A sua capacidade
efetiva de defesa, vai-se modificando, apurando. Já o dissemos: O que somos hoje, não
é o seremos amanhã.

Inflamação é um termo e só um termo. Hoje, largamente conhecida a dinâmica da


defesa, é um termo totalmente impróprio, para abranger e caracterizar toda essa
dinâmica. O termo inflamação vem do latim (inflamado - inflamationis), significa calor
e do grego (flegus) significando chama. Por isso os antigos chamaram a toda a alteração
apresentando tumor, rubor, calor e dor, inflamação ou seja calor, chama, incêndio. Todo
o "incêndio" rapidamente estabelecido e mais ou menos rapidamente apagado, era uma
inflamação aguda, e quando o "incêndio" era mais demorado, lhe chamavam de sub-
aguda. Com o microscópio verificou-se depois ter o "incêndio em fase aguda" vasos
sanguíneos dilatados e franco predomínio de polinucleares neutrófilos, na zona alterada.
Na fase tardia ou de "rescaldo do incêndio" os vasos "apagavam-se" e os polinucleares
eram muito raros, aparecendo agora, em pequena representação, um outro tipo celular, o
linfócito e por vezes o macrofago. Dizia-se, ainda há cinquenta anos, serem os
polinucleares neutrófilos, as células de defesa mais atentas, mais ativas e mais rápidas

Página 3
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

na sua prestação de serviços, sendo os macrófagos e os linfócitos uns preguiçosos,


tardios em sua intervenção. Assim ficou o polinuclear ligado ao "incêndio agudo" e o
linfócito ao "rescaldo", ou seja, à fase crónica, arrastada, terminal do processo. Algo
porém veio perturbar esta fácil interpretação da inflamação. Foi quando se verificou
existirem processos iniciados sem alterações vasculares e logo com a presença de
macrófagos e linfócitos. Sem se perceber o que se estava a passar - pouco ou nada se
conhecia da dinâmica do sistema imune, chamou-se a esse processo não vascular e com
predomínio de células mononucleadas (macrófagos e linfócitos) de inflamação crónica
desde início. Assim, há cinquenta anos, pela primeira vez aprendi a inflamação, ou
melhor, não aprendi, pois a contradição era evidente e o desconhecimento da realidade
de hoje, total.

O termo inflamação, agora abrangente de toda a dinâmica de defesa orgânica, é


incorreto, mas para sempre ficou consignado como o conjunto de mecanismos que se
foram estabelecendo e complexando ao longo da evolução filogenética, com a
finalidade de defesa, na manutenção do equilíbrio orgânico e de vigilância da
personalidade estrutural.

Portanto, em sua etimologia, inflamação poderá algo ter a ver com a chamada
inflamação aguda, mas nada exprime da hoje conhecida defesa imunológica.

Não mais discutindo o termo e aceitando-o, passemos então à compreensão


biopatológica da inflamação

Biopatologia da inflamação

A célula mais primordial da vida, já em seu viver, se defendia do que a incomodava ou


agredia. Envolvia o intruso com prolongamentos da sua massa citoplasmática (diz-se
hoje, emitia pseudópodes) e englobava a partícula estranha para a digerir. Esta dinâmica
de defesa dos primórdios da vida nunca mais foi perdida ou desprezada até hoje. Pelos
anos de 1880, Metchnikoff chamou a este processo por si observado nos unicelulares,
fagocitose. A fagocitose é imprescindível ainda hoje e para sempre, na nossa defesa.
Ficou entregue a células, na ontogenia geradas na medula óssea, com apenas essa
capacidade. São os polinucleares neutrófilos, então a primeira célula fagocitica dos
pluricelulares e a única capaz de destruir determinados tipos de agentes bacterianos,
como os tão frequentes cocos piogénicos. No unicelular, a fagocitose é só emitir
pseudópodes. Nos pluricelulares, no organismo humano, a fagocitose pelo polinuclear
neutrófilo, para acontecer no local de lesão, da cabeça aos pés, precisa de um conjunto
sistémico de alterações. Primeiro, a produção do número necessário de polinucleares e
sua condução ao local de lesão, para depois com características alterações vasculares, os
fazer sair desses mesmos vasos para o "campo de batalha", ou seja, para as matrizes
extracelulares, onde os agentes de lesão se encontram.

Toda a alteração sistémica necessária para a fagocitose ser efectiva na defesa do nosso
organismo, vai constituir a chamada inflamação aguda. São as alterações vasculares na
área de lesão - vasodilatação, arteriolar, capilar e principalmente venular - para mais
células circularem, e alterações das paredes vasculares acontecerem.

Página 4
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Com o aumento de permeabilidade, os polinucleares saem dos vasos sendo


acompanhados por água e proteínas, isto vai dar origem ao rubor, ao calor, ao tumor,
(aumento de volume) e à dor, por ocupação de espaço e compressão de terminações
nervosas.

Tudo acontece pelo jogo de substâncias químicas chamadas mediadores da inflamação


que, em cascata, se amplificam, por substâncias químicas geradoras do movimento das
células - as moléculas de adesão - e por substâncias químicas responsáveis pela defesa -
as citocinas.

O polinuclear neutrófilo, célula de defesa, da chamada inflamação aguda é uma célula


que não se divide e não sobrevive no confronto com o agente de lesão. Mata e morre. É
um autêntico "KamiKasi". Fagocitando, descarrega toda a sua atividade enzimática,
digere o que fagocita, digere-se a si próprio e ainda células normais vizinhas do local de
lesão. Assim, enquanto existirem agentes de lesão, casos de processos clínicos de
osteomielite crónica - supuração do osso devido ao estafilococo, mantida por muitos
meses, é preciso gerar polinucleares, continuarem os vasos do local abertos para os
polinucleares migrarem, e portanto manter a dinâmica inflamatória aguda. Na clínica o
processo diz-se crónico (é o tempo a chamar o termo), mas biopatologicamente, o
processo continua a ser inflamatório agudo, vascular e exsudativo.

O polinuclear neutrófilo, elemento celular basilar da defesa fagocítica, hoje dita


inespecífica, pois atua contra tudo que o atrai: Fagocita seja qual for o coco, ou os
tecidos mortos do local da lesão - necrotáxia. Vai para a "guerra" e não regressa ao
"quartel". Atua para morrer, é o puro representante dos primórdios da defesa da vida.
Mata por atividade enzimática e oxidativa. Por um ciclo (ciclo de klebannof) de
mieloperoxidases e iões, sendo um dos mais importantes, o iodo, leva à formação de
radicais livres, pela formação de água oxigenada (02H2). Estes oxidam os lipídeos das
membranas dos agentes biológicos e os das próprias células do organismo, destruindo-
as.

Na filogenia da defesa da vida, e portanto na evolução, uma outra célula se apura para
essa defesa. É também fagocítica, mas não fagocita por quimiotactismo como o
polinuclear, mas por reconhecer algo estranho. Por um quimismo sacarídico, estabelece
a ligação entre muitos fatores de lesão e a sua membrana, acontecendo a fagocitose.
Fagocitando, esta célula, de nome macrófago, por ser maior que o polinuclear -
micrófago, não morre na sua atividade fagocítica. Pelo contrário, estimulada quando
fagocita, divide-se e segrega. Poderá dizer-se, ao contrário do polinuclear, que morre, o
macrófago inicia o seu viver, estabelece uma família dividindo-se, não precisa de vasos
abertos para estar presente. Segrega uma vasta gama de citocinas e mediadores
determinantes da efetivação da defesa e despertam a resposta da chamada terceira linha
celular de defesa, aparecida talvez há cerca de quinhentos milhões de anos com a célula,
o linfócito. Estamos no hoje chamado sistema imune, na dinâmica imunológica da
defesa. Também aqui o linfócito não precisa de vasos, prolifera e fá-lo de uma forma
específica para cada fator lesivo do organismo, e dele distinto. O linfócito,
inviabilizador do bacilo da tuberculose, é distinto do que interfere com o virus da
hepatite. Há especificidade na resposta, há resposta proliferativa e não exsudativa, há
formação de um enorme cortejo de citocinas, há atividade "Killer", atividade supressora,

Página 5
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

memória e defesa da personalidade química estrutural orgânica. Há intervenção contra


tudo que a modifique. Há tolerância para o próprio e vigilância contra o não próprio.

O linfócito tem no macrófago o seu grande informador e corresponde, estimulando o


macrófago a mais se dividir, exprimindo morfologias distintas, as células epitelioides e
células gigantes. Macrófagos e linfócitos, as tais células preguiçosas, assim tidas no
passado, precisam de tempo para prepararem a defesa e só a terminam com a vitória ou
seu esgotamento.

Assim, temos a tal inflamação crónica desde o inicio, afinal apenas dinâmica da defesa
imune, adquirida na evolução.

A química da dinâmica inflamatória


mediadores, moléculas de adesão, citocinas

Mediadores da Inflamação

São produtos químicos iniciadores e manutensores do processo. Os primeiros, são


chamados iniciadores ou primários, sendo o mais importante a amina vasoactiva, a
histamina. Os mediadores secundários são os manutensores das alterações vasculares e
dos processos esxudativos e englobam mediadores plasmáticos e tecidulares.

Ultrapassadas as superfícies de fronteira cutânea ou mucosa, a primeira grande linha de


defesa orgânica, os fatores de lesão estimulam ou destroem células, imediatamente
colocadas após essas superfícies, os mastócitos, de cujos grânulos se libertam histamina.
A histamina é muito difusível, rapidamente se espalha, atinge a microcirculação, e
rapidamente é inativada, pois se assim não fosse, em qualquer lesão, inflamávamos da
cabeça aos pés. Antihistamínicos inactivam-na.

São funções da histamina: vasodilatação venular; constrição da célula endotelial


venular; estimulação da formação de moléculas de adesão na superfície endotelial;
estimulação do metabolismo do ácido araquidónico.

As duas primeiras funções facilitam o aumento da permeabilidade vascular e a formação


de exsudados. A segunda função, com o enrugar da superfície endotelial, leva a
aumento do atrito à passagem do sangue sobre essa superfície, com activação do factor
XII da coagulação (factor de Hageman) e imediata ativação dos sistemas plasmáticos de
amplificação biológica: sistema da coagulação, sistema fíbrinolítico, sistema cinínico e
sistema do complemento, todos eles com péptidos, como as cininas vasodilatadoras,
fibrinopéptidos e fatores do complemento, quimiotáticos, mediadores secundários
manutensores da resposta inflamatória. O metabolismo do ácido araquidónico vai levar
à formação de prostaglandinas vasodilatadoras, tromboxano vasoconstritor e
leucotrienos vasodilatadores, constritores e quimiotáticos.

Página 6
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

FUNÇÃO PRINCIPAL MEDIADORES

Prostaglandinas
Vasodilatação Monóxido do Azoto (NO)
Cininas
Aminas vasoativas
Complemento C3 e C5
Aumento da permeabilidade vascular Cininas
Leucotrienos C, D e E
PAF
Complemento C5
Quimiotatismo Leucotrieno B4
Ativação leucocitária Interleucina 8 (IL-8)
Produtos bacterianos
Interleucinas (IL-1, IL-6, TNF)
Febre Prostaglandinas
Prostaglandinas
Dor Bradicinica
Enzimas lisossómicas
Lesão tecidular NO
Radicais livres

Quadro I - Principais mediadores da inflamação e funções

Moléculas de adesão na inflamação

Têm importância fulcral na dinâmica inflamatória aguda e crónica. Na inflamação


aguda, o seu papel está na marginação dos polinucleares à superfície endotelial, na sua
aderência a essa mesma superfície onde, sob ação dos factores quimiotáticos, migram na
matriz extracelular, a caminho do local onde se encontra o agente de lesão. Os vasos
dilatam, a célula endotelial enruga, a permeabilidade vascular acontece, saem dos vasos
água, proteínas e polinucleares (exsudado inflamatório). A água, primeira a sair,
acarreta hemoconcentração sanguínea, retardo da corrente e queda das células sobre a
superfície endotelial (marginação).

Página 7
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

FACTOR DE HAGEMAN

C3 C5 CONTACTO TRIPSINA

CALICREÍNA

FACTOR XI
PLASMINA

ATIVADO
ATIVADA
O SISTEMA
A CASCATA DA ATIVADO FIBRINOLÍTICO
COAGULAÇÃO O SISTEMA
CINÍNICO

PLASMINA
FIBRINA
(FIBRINOPÉPTIDOS) CININA

C3 C3

PRODUTOS DE
DEGRADAÇÃO DA
FRAGMENTOS DO
FIBRINA COMPLEMENTO
C3 C1
ESTERASE
C3 C3

ATIVAÇÃO DO
SISTEMA DO
COMPLEMENTO

Esquema 8 – Interrelações dos sistemas das cininas, da coagulação,


fibrinolítico e do complemento

Por ação das moléculas de adesão há um primeiro rolar do polinuclear sobre a superfície
endotelial (rolling) por interação dos grupos açucarados dos polinucleares (fator Lewis),
que se ligam à selectina P das células endoteliais, dando uma frágil ligação. Por ação
dos mediadores, outras selectinas se formam, a selectina L nas células brancas do
sangue (leucócitos) e a selectina E na célula endotelial. Estas selectinas vão promover
uma ligação mais firme entre o polinuclear e a superfície endotelial. Também por ação

Página 8
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

dos mediadores é estimulada a formação de integrinas nos leucócitos e de integrinas e


imunoglobulinas (ICAM e VCAM), na célula endotelial.

Assim teremos nas células endoteliais, selectinas P e E, moléculas ICAM e VCAM e


integrinas.

Nos leucócitos (polinucleares), selectina L, grupos açucarados de Lewis e integrinas.


Ver moléculas de adesão (capítulo 2).

As células endoteliais, pelas suas selectinas P e E ligam-se aos grupos Lewis dos
leucócitos (rolling) e ás selectinas L dos leucócitos (aderência mais firme). Pelas suas
integrinas, as células endoteliais ligam-se à laminina da matriz (parede) e pelas suas
moléculas ICAM e VCAM às integrinas dos leucócitos.

Os leucócitos, pelos grupos Lewis e selectina L, ligam-se ás selectinas da célula


endotelial e a selectina L liga-se ainda ás glicoproteínas da matriz extracelular,
posicionando-se o polinuclear nessa matriz. As integrinas dos leucócitos ligam-se a
ICAM e VCAM da célula endotelial.

As moléculas de adesão dos leucócitos, como a selectina L, vão depois espalhar-se pela
superfície de todo o polinuclear, reduzindo a adesividade e a possibilidade deste seguir a
atração quimiotática.
Na inflamação crónica os linfócitos posicionam-se na matriz por intermédio da
molécula de adesão CD44.

Esquema 9 – Metabolismo do ácido araquidónico

Página 9
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Citocinas

São substâncias químicas intervenientes, com diversas atividades, na dinâmica da


defesa. Inicialmente descritas como produzidas pelos leucócitos, foram conhecidas por
interleucinas. Tendo porém sido verificado numa grande variedade de outras células
orgânicas a produção destas substâncias, ficaram a chamar-se de citocinas, sem todavia
o termo de interleucina ter deixado de se utilizar, sendo até para algumas das citocinas,
o termo mais utilizado.

A capacidade de uma célula produzir citocinas resulta da atividade de defesa individual


das células, adquirida ao longo da filogenia da vida.

A defesa individual teve na fagocitose a sua primeira arma, mas foi-se apurando. Hoje,
todas as células do organismo, quando lesadas, antes de auxiliadas na sua defesa pela
resposta sistémica de defesa inflamatória e imunológica, já por modificação genotípica
estão a produzir substâncias - citocinas, protetoras. Fala-se hoje então numa defesa
individual e numa defesa coletiva.

Na capacidade de defesa individual temos a formação do interferon a inviabilizar a


atividade vírica, o chamado fator de necrose tumoral, as proteínas de choque térmico, as
defensinas, as colectinas e a própria dinâmica apoptótica.

Citocinas – as suas 5 categorias

Citocinas mediadoras da imunidade natural

IL-1, TNF-α, Interferon, IL-6, as-IL-1, IL-6 e TNF. Iniciam a resposta inflamatória não
específica.

Citocinas reguladoras do crescimento, ativação e diferenciação dos linfócitos

IL-2, IL-4, IL-5, 1L-12, IL-15 e o fator transformador do crescimento (TGF-β).


As IL-2 e IL-4 favorecem o crescimento e a diferenciação dos linfócitos. As IL-10 e o
TGF-β regulam a resposta imune.

Citocinas ativadoras de células inflamatórias

IFN-γ, TNF-α TNF-β, IL-5, IL-10 e IL-12.

Citocinas que afetam os movimentos dos leucócitos (quemoquinas)

Página 10
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Têm duas sub-famílias as C-C e a Cx-C, dependendo da posição cisteina. As X-C são
produzidas por macrófagos ativados e células endotélias. As C-C são produzidas pelas
células T.
A IL-8 é uma importante quemoquina CX-C. As proteínas quimiotáticas para os
monócitos e as proteínas inflamatórias dos monócitos, são exemplos de quemoquina C-
C.

Citocinas estimuladoras da hematopoiese

Originam-se em linfócitos e em várias células estromais. São membros, os fatores da


formação de colónias (Cs Fs), a IL-3 e a IL-7.
Algumas citocinas como a IL-1, TNF-α e TNF-γ têm efeitos pleiotrópicos.

SÚMULA DA ATIVIDADE DE ALGUNS FACTORES QUE INTERVEM NO


PROCESSO INFLAMATÓRIO

Cininas (bradicinina) - contração lenta de determinados músculos lisos, dilatação


vascular, dôr, aumento da permeabilidade vascular, quimiotatismo para os neutrófilos e
macrófagos.

Postaglandinas - aumentam a permeabilidade vascular, libertam histamina dos


mastócitos; atuam directamente na parede vascular; têm atividade quimiotática; dilatam
as arteríolas; produzem dôr e febre; potenciam a ação da histamina e bradicinina.
Estes efeitos são inibidos pela aspirina e corticóides. Possuem efeitos antagónicos:
aumentam o AMP cíclico por ativação da adenilciclase, com inibição da fagocitose,
inibidores da libertação de histamina pelos mastócitos e da libertação de enzimas
lisossómicas.

Fibrinopéptídeos - potenciam os mediadores inflamatórios; ativam a bradicinina:


induzem alterações vasculares; são quimiotáticos para os neutrófilos.

Fragmentos do sistema de complemento - Aumentam a permeabilidade vascular;


possuem ação quimiotática para os leucócitos; possuem fator de mobilização dos
leucócitos e factores de libertação de enzimas lisossómicas.

Componentes lisossómicos - Grupos principais: proteínas catiónicas, proteases ácidas


proteases neutras.

Proteínas catiónicas

Aumentam a permeabilidade vascular, possuem quimiotatismo para os fagócitos


mononucleares, possuem um factor imobilizador dos neutrófilos.

Página 11
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Proteases ácidas

Determinam a degradação das membranas basais e a libertação de leucocinina do


leucocininogéneo plasmático.

Proteases neutras

Degradam o colagéneo, elastina, as membranas basais renais, a cartilagem e a fíbrina;


formação de fragmentos quimiotácticos de C3 e C5; libertação de cininas de
cininogéneo plasmático; aumento de permeabilidade vascular.

Produtos segregados pelos fagócitos (Sistema fagocítico-mononuclear)

Enzimas - Enzimas lisossómicas (lisosima); ativadores do plasminogéneo; colagenase;


elastase.

Produtos afetando células de cultura - Fator linfocitoestimulador; factor estimulador da


formação de colónias; inibidores da síntese de ADN; toxinas; proteínas do
complemento; interferon; pirogéneos.

Colectinas - Com domínio de colagéneo e lectina, têm grande actividade contra


bactérias e vírus.

Factores libertados pelos linfócitos

- Os vários tipos de interleucinas.

- Perforinas, produzidas pelos linfócitos Killer. De estrutura semelhante ao complexo


terminal do complemento, ataca as membranas celulares, produzindo “poros”
transmembranosos nas membranas alvo. Monómeros de perforina ligam-se à camada
lipídica da membrana, formando estruturas porosas poliméricas, que alteram a função
da membrana, perturbando a sua permeabilidade, que culmina com lise osmótica.

- Defensinas (pequenas proteínas de não mais de cem aminoácidos) ligam-se, por serem
moléculas catiónicas, aos fosfolipídeos da membrana celular dos agentes e rompem-nos.
Têm também actividade quimiotática, ligando-se ao recetor quemoquínico, o CCR6 de
células fagocíticas denditrícas e de linfócitos T. Por este último mecanismo, promovem
o aparecimento de células imunes na resposta a qualquer tipo de agente microbriano.

Fatores constituintes dos neutrófilos

Proteases; Colagenase; Elastase - Hidrolizam membranas e o tecido conjuntivo.

Página 12
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Proteínas básicas - Aumentam a permeabilidade vascular; libertam aminas vasoativas


dos mastócitos.

Substância reativa lenta - Aumenta a permeabilidade vascular.

Cininogenase - Hidrólise de cininogéneo e libertação de cininas. Atividade


procoagulante: gera fíbrina e ativa as plaquetas. Produzem radicais livres - O2H2

Leucotrieno B4 - Agregação dos polinucleares neutrófilos.Quimiotaxia. Libertação na


presença de Citoclasina B das enzimas lisossómicas dos neutrófilos. Estímulo da
mobilização e influxo de cálcio nos neutrófilos. Aumento da permeabilidade vascular.

Leucotrienos C4, D4 e E4 - Broncoconstrictores. Vasoconstritores. Aumento da


permeabilidade vascular.

No (Monóxido de Azoto) - Vasodilatador, estimulador da formação de interleucinas e


estimulador macrófágico.

Histamina - Vasodilatador, contração das células endoteliais, estimulador de proteínas


de adesão celular (selectina P).

Interferon - Rapidamente produzido pelas células infetadas por vírus. Impede a divisão
víríca, a saída do vírus da célula e a entrada do vírus noutras células. Ativa macrófagos
e células NK (Killer naturais).

Em resumo, e na perspectiva biopatológica, temos então a defesa individual celular


entregue à capacidade citocínica e a defesa coletiva orgânica englobando então a
chamada inflamação ou processo inflamatório.

Toda a capacidade de defesa do organismo se herda. Nessa herança podemos referir a


existência de uma imunidade verdadeiramente inata e uma outra que herdada como
capacidade, se vai exprimir como adquirida ao longo da vida e de acordo com o tipo de
antigéneos com o organismo contactados.

Temos assim uma chamada imunidade inata, natural, englobando a defesa inespecífíca
fagocítica e o reconhecimento do próprio entregue aos linfócitos. Os linfócitos B e T
possuem uma tal diversidade de recetores na superfície das suas membranas que, estão
aptos para reconhecerem todos os novos antigéneos solúveis aparecidos
(reconhecimento entregue aos linfócitos B) e todos aqueles antigéneos que, ligando-se
ás células, modificam a estrutura própria (reconhecimento entregue às
células linfóides T). Serão raros, tal a variedade de recetores da célula T, os
antigéneos não reconhecidos, e portanto não combatidos. Por vezes porém eles
aparecem. É o que se está a passar com o HIV, o vírus da imunodeficiência. Só daqui a
algumas gerações virá a encontrar linfócitos T para o controlarem. Toda a defesa contra
a diversidade antigénica engloba a resposta específica da imunidade adquirida. Estamos,
na evolução, constantemente a adquirir novas capacidades imunes.

Página 13
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Na defesa inespecífíca falamos no quimiotactismo e na fagocitose, imprescindíveis para


a defesa inespecífíca ser efetiva.

O quimiotactismo ou actividade quimiotática, acontece pelo espalhar a partir da zona de


lesão de substâncias químicas ditas quimiotáticas (serinas-esterases) que vão estimular
as proteínas de contração dos polinucleares neutrófilos, promovendo o seu movimento
no sentido da maior concentração quimiotática, ou seja a área de lesão.

A fagocitose acontece após o contacto, facilitado por substâncias químicas ditas


opsonizantes, seguida da ingestão do produto a fagocitar, e logo da sua digestão em
vacuolo próprio, o fagosoma. Ai são vertidas as enzimas líticas e formada água
oxigenada, rica fonte de radicais livres.

Toda a defesa inespecífíca pode fracassar por deficiência quimiotática ou fagocítica. A


deficiência quimiotática por falta das proteínas de contração, actina e miosina, nas
células fagocíticas. A deficiência fagocítica por deficiência da opsonização, da ingestão
e da digestão. A deficiência na ingestão liga-se à deficiência em mieloperoxidases e
logo incapacidade de formação de O2 H2. É o que acontece na Diabetes mellitus, com
todo o cortejo de infeções. As deficiências da fagocitose podem estar relacionadas com
leucopénias (baixo número de células brancas circulantes) ou com deficiências na
dinâmica de adesão dos leucócitos: a de tipo I, por falta de cadeia β2 das integrinas dos
leucócitos e a de tipo II, por deficiência do factor de Lewis dos leucócitos, e logo não
ligação ás selectinas endoteliais.

Já referimos ser a inflamação, não um processo localizado, mas sempre um processo


sistémico, ou seja, com alterações homeostáticas e adaptativas em vários sistemas, para
que a dinâmica e os equilíbrios se cumpram. Assim na inflamação aguda temos:

Fase sistémica aguda da inflamação

Factores desencadeantes: Interleucina 1, interleucina 6, factor de necrose tumoral (TNF)

Engloba:
1- Febre
2- Alterações endócrinas: aumento da síntese de glucagon, insulina, ACTH, cortisol,
catecolaminas adrenérgicas, tirosina, hormona de crescimento, aldosterona e
vasopressina.
3- Alterações metabólicas: Aumento do catabolismo proteico, da gluconeogenese,
aumento total da síntese proteica. Aumento dos níveis plasmáticos de fenilalanina e
triptofano para sua rápida libertação. Variações no metabolismo dos lipídeos, dos níveis
plasmáticos dos triglicerideos, ácidos gordos livres, corpos cetónicos e lipoproteínas de
muita baixa densidade, com descida drástica das HDL e subida de colesterol e
triglicerideos com hipofosfolipidemia.
4- Redução das funções do Sistema Reticulo Endotelial e Imunosupressão
5- Aumento dos níveis do Cobre por ligação à ceruloplasmina, diminuição do zinco e
ferro com aumento da síntese da ferritina tecidular.
6- Alterações hepáticas: 1 - Ultraestruturais e químicas, 2 - alterações enzimáticas, 3 -
síntese de proteínas. Aumento de atividade nas três alíneas
7- Proteínas da fase sérica aguda (pasmáticas)

Página 14
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

- Proteínas que aumentam 50%: ceruloplasmina e C3


- Proteínas que aumentam duas a quatro vezes: α1-anti tripsina, fibrinógeneo,
hepatoglobulina, αl-ácido glicoproteína
- Proteínas que aumentam centenas de vezes: proteína C reactiva e proteínas séricas
amilóides - SAA e SAP

Funções da SAA: quimicamente muito próxima da proteína C reativa facilita a


opsonização. Quimicamente uma apolipoproteína associa-se a HDL3 onde substitui a
ApoA, e interfere no metabolismo do colesterol. Facilita a ligação de HDL3 a
macrófagos e dificulta a sua ligação a hepatócitos e outras células. Assim acontecem
excessos de colesterol nos locais inflamados onde são usados na reparação. SAA inibe a
interlucina-1 ,TNF e prostaglandina E2. Reduz a febre. Inibe a trombina e agregação
plaquetária (efeitos protetores). Inibe os excessos oxidativos dos neutrófilos protegendo
os tecidos. Induz a síntese de colagenases regulando a reparação.

Classificação do processo inflamatório - Apresentação sucinta e esquemática, na


sequência do que já atrás foi referido.

Segundo o predomínio do tipo reacional (Esquema V):

- Inflamação Aguda, vascular exsudativa, inespecífíca, caracterizada por vasodilatação


e aumento da permeabilidade vascular, com formação dos chamados exudados
inflamatórios.

- Inflamação granulomatosa - Caracterizada pelo predomínio da célula macrofágica.


Se o macrófago fagocita partículas inertes, divide-se lentamente, dá origem ás chamadas
células gigantes de corpo estranho e a renovação celular é muito lenta. Constitui o
chamado granuloma de corpo estranho. Se o macrófago fagocita uma partícula
antigénica vai receber o auxílio do linfócito, prolifera ativamente, transforma-se em
células epitelioides (idênticas a epiteliais) e em células gigantes de Langhans, que se
distinguem das células gigantes de corpo estranho, pelos vários núcleos estarem
dispostos à periferia da célula, ao contrário do que acontece na de corpo estranho, em
que os núcleos se amontoam. É o granuloma específico, tuberculóide ou sarcoidótico.

- Inflamação crónica - Avascular, produtiva (proliferativa), específica, imune.


Predominantemente constituída por linfócitos formando clones, específicos para o
antigénio, que os estimula. Quase sempre a resposta linfócitária está ligada à atividade
informadora do macrófago e constitui-se assim a chamada inflamação crónica
granulomatosa.

Na inflamação granulomatosa e crónica granulomatosa a expressão morfológica vai


depender da proliferação celular e logo é nodular.

Variantes morfológicas da inflamação aguda

A inflamação aguda, vascular, exsudativa e inespecífíca é estruturalmente sempre


idêntica, dependendo a variabilidade clínica das doenças infeciosas por agentes

Página 15
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

piogénicos, apenas do local onde o processo acontece e do teor em proteínas e


componentes celulares presentes nos exsudados.

Assim, segundo o local onde acontece, uma inflamação aguda pode ser:

- Abcesso: coleção localizada de pús em tecidos laxos.


- Fleimão: processo inflamatório em que o exsudado purulento se dissemina devido
aos tecidos serem densos.
- Úlcera: processo inflamatório, com solução de continuidade de uma superfície
cutânea ou mucosa.
- Falsa membrana: processo inflamatório fibrino-purulento disposto em superfície
mucosa ou serosa, com o aspeto de membrana, mas não resistindo à tração por não
existir organização. É exemplo a lesão da orofaringe provocada pelo agente da difteria,
que ulcera a mucosa e a recobre por placa esbranquiçada.

Segundo a composição dos exsudados inflamatórios.

Exsudado inflamatório é a expressão da inflamação aguda formada pelo que sai dos
vasos, ou pelo que sai dos vasos mais detritos celulares resultantes da ação dos agentes
de lesão e defesa, ou os saídos dos vasos mais produtos de secreção glandular, teremos:

Exsudado seroso: Formado por água e proteínas de não muito elevado peso molecular.
Ex. derrame pleural na tuberculose.

Exsudado mucoso : formado pela água e proteínas saídos dos vasos, mais produto de
glândulas mucosas. Ex. a vulgar constipação gripal.

Exsudado fíbrinoso: formado quase exclusivamente por proteínas de alto peso


molecular como o fibrinogéruo, que fora dos vasos, polimerizando, forma fíbrina. São
exemplos a pericardite da febre reumática (pericardite em "pão com manteiga") a
pericardite na urémia e a pericardite no enfarte do miocárdio.

Exsudado purulento ou pús: fluído amarelo-esverdeado, espesso, constituído por água,


proteínas e células (polinucleares neutrófilos), saídos dos vasos e pelos produtos de
destruição celular e logo restos celulares, proteínas nucleares, sabões, polinucleares a
serem destruídos (piócitos). O exsudado purulento encontra-se nos abcessos e fleimões.

Exsudado hemorrágico: é um exemplo tradutor de grave lesão das paredes vasculares,


levando à saída também de glóbulos rubros. Acontece pelo meningococo em
meningococémias e em lesões produzidas por rickétsias como a febre das carraças, ou
tipo exantemático.

Exsudados mistos: são os mais frequentes dos exsudados inflamatórios e assim


poderemos ter exsudados sero-mucosos, sero-fibrinosos, muco-purulentos, fibrino-

Página 16
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

purulentos, sero-hemorrágicos, etc, etc.Os fatores que podem modificar a resposta estão
dependentes do agente, sua patogenicidade e suas características estruturais, e
dependentes do organismo, ou seja, da idade, da nutrição, da temperatura e da
capacidade de qualquer dos tipos de resposta.
Na mucosa oral e cavidade oral todos os grandes tipos de inflamação acontecem e os
seus aspectos morfo-clínicos serão tratados em patologia oral.

Página 17
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CAPÍTULO IX

REPARAÇÃO DAS LESÕES:


REGENERAÇÃO E CICATRIZAÇÃO

Sempre que uma lesão acontece, desencadeia-se a resposta inflamatória e


imediatamente se inicia a tentativa reparativa.

A reparação será a substituição das estruturas celulares lesadas, por células vivas e
saudáveis.

A reparação, em sua dinâmica, vai depender do tipo celular lesado e da extensão da


lesão. O tipo celular diz respeito â capacidade maior ou menor da célula, em se dividir.
Nessa perspectiva possuímos:

- Células móveis ou lábeis: São células com grande capacidade de divisão. São
exemplos deste tipo celular as células epiteliais das superfícies de fronteira cutânea ou
mucosa e as células da medula óssea.

- Células fixas ou estáveis: São células com capacidade de divisão, mas menos
acentuada do que nas células móveis. São exemplo, as células epiteliais
parenquimatosas como as células hepáticas (hepatócitos).

- Células permanentes: São as células com nula ou quase nula capacidade de divisão,
como por exemplo as células musculares e as células nervosas.

A reparação pode fazer-se por regeneração e cicatrização

A regeneração é o processo reparativo em que as células lesadas são substituídas por


células idênticas, originárias de células vizinhas. Determina a reconstituição "ad
integram" e acontece quando as células lesadas são células móveis, ou células fixas, sem
a sua matriz de suporte ter sido destruída.
A cicatrização é o processo reparativo em que as estruturas lesadas são substituídas por
uma estrutura diferente, o tecido de granulação, que vai dar origem ao tecido de
cicatrização, ou cicatriz. Acontece este mecanismo reparativo em toda as estruturas
formadas por células permanentes e nas lesões extensas de células móveis e fixas com o
conectivo de suporte destruído. Uma lesão mesmo mínima, no sistema nervoso central,
acarreta cicatriz e o mesmo acontece no músculo, como por exemplo no enfarte do
miocárdio.

Na cicatrização, o tecido de granulação é um tecido de neoformação, constituído por


fibroblastos e neovasos, oriundos do tecido conjuntivo e do endotélio vascular dos
bordos da lesão. Tem por finalidade preencher o espaço, reabsorver os exsudados
inflamatórios e ser o suporte basilar, por colagenização, da cicatriz. O fibroblasto do
tecido de granulação tem características contrácteis, é um miofibroblasto, e por isso a

Página 18
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

cicatriz, dada a contração do tecido de granulação, é sempre de menor dimensões do que


a lesão.

A cicatrização pode fazer-se por primeira intenção, como no caso da incisão cirúrgica,
dado haver pequenos espaços, resultantes da sutura cirúrgica, não haver infeção e logo,
só escasso exsudado inflamatório para ser reabsorvido, e consequentemente pequena
cicatriz.

A cicatrização por segunda intenção acontece nas grandes destruições celulares, nas
feridas infetadas, com grandes exsudados inflamatórios. Leva à formação de grandes
quantidades de tecido de granulação, demora na cicatrização e forma grandes cicatrizes.

Numa ferida, a cicatrização completa-se com a proliferação efetiva dos bordos


epiteliais, sendo recoberta de epitélio a área de reparação. O tecido de cicatriz não tem
fibras elásticas e por isso a sua superfície é pregueada, não tem anexos cutâneos,
glândulas sudorípaferas, sebáceas e folículos pilosos, bem como não tem células
produtoras de pigmento melânico. Por isso a área de cicatriz é baça, não tem pêlos e não
pigmenta à luz solar.

São perturbações (alterações) na cicatrização a formação, pela persistência de estímulos


inflamatórios e exsudados, da hiperplasia do tecido de granulação ou carne esponjosa.

Este neotecido, ultrapassando os bordos da ferida em superfície, nunca mais se epiteliza


e não mais deixa de crescer. É exemplo o chamado granuloma (termo errado, por
granuloma ser um processo inflamatório com predomínio de macrófago) reparativo, que
se constitui em lesões gengivais, ou após extração dentária, e só a cirurgia resolve.
Outra perturbação na cicatrização é a formação de queloides, impropriamente chamados
tumores das cicatrizes, por não serem tumores, mas o resultado de um excesso de
colagénio produzidos pelos fibroblastos do tecido de granulação.

Aspectos reparativos em diferentes processos:

Exsudados inflamatórios - Eliminam-se por drenagem e por reabsorção. Quando não


são eliminados organizam-se, sendo a organização de um exsudado, a sua penetração ao
longo das malhas de fibrina, de tecido de granulação que colageniza. Numa superfície
serosa esta dinâmica conduz à formação de bridas ou aderências. Caso de aderências
peritoneais pós-operatórias, ou pós-peritonite, caso de aderências pleurais, pericárdicas
ou meningeas, em pleuresias, pericardites e meningites.

Abcessos - Forma-se tecido de granulação na superfície limitante do abcesso, há


reabsorções do exsudado purulento. A drenagem facilita a cicatrização e a área
cicatricial é sempre menor do que a área inicial do abcesso.

Trombos - Coágulos aderidos, em vida, à parede vascular, são penetrados por tecido de
granulação e organizam-se.

Página 19
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Extração dentária - A reparação faz-se por cicatrização por segunda intenção. A sutura
do alvéolo reduzindo o espaço, facilita a reparação e evita a hemorragia. Pode, todavia,
facilitar a infeção por anareóbios que colonizam áreas não oxigenadas. O coágulo é
imprescindível para a reparação, pois vai ser o suporte do tecido de granulação.
Lavagens repetidas após a extração dentária, ou sucção, podem retardar a reparação e
conduzirem a um processo de destruição gengival e do osso alveolar que constitui a
chamada alveolite seca dolorosa.

Fratura óssea - As fraturas expostas e cominutivas ou seja em vários fragmentos ósseos,


exigem limpeza cirúrgica, para evitar corpos estranhos e grande estímulo inflamatório.

Toda a fratura deve ser contida, imobilizada, por talas ou gesso, para o tecido de
granulação a formar entre os bordos da fratura, conduza, em tempo certo, a partir da
célula mesenquimatosa (fibroblasto) à formação de osteócitos.
Isto pode não acontecer se a fratura não estiver bem imobilizada. Em vez de osteócitos,
formam-se condrócitos, responsáveis pela formação de cartilagem entre os bordos da
fratura. Logo, em lugar de tecido ósseo calcificável (calo primário e calo definitivo),
teremos cartilagem. Esta formação de cartilagem constitui a chamada pseudartrose, uma
das grandes complicações das fraturas mal contidas, ou persistentemente infetadas.

Tecido nervoso central - Formação de cicatriz.

Tecido nervoso periférico - A fratura, rotura, de um tronco nervoso (caso de uma


amputação de membro) conduz à formação de tecido de granulação que pode ser
penetrado por mínima proliferação de células nervosas do topo do nervo seccionado.
Estes feixes nervosos vão depois ser comprimidos pelo colagéneo do tecido de
granulação, originando dores e sensação da presença do membro. Está constituído o
neuroma de amputação, de tratamento cirúrgico.

Reparação do fígado - Se a lesão hepática atinge apenas os hepatócitos e toda a


arquitetura esquelética conjuntiva vascular do fígado está intacta, a reparação faz-se por
regeneração "ad integrum".

Se a lesão, além de atingir os hepatócitos, destrói o tecido conjuntivo, ou seja, as linhas


mestras orientadoras e suporte das células hepáticas, acontece um autêntico desabar do
edifício hepático. Porém, entre os escombros, os hepatócitos imediatamente começam a
proliferar e sem orientação, para estruturarem o normal muralium hepático, vão formar
múltiplos nódulos celulares envolvidos e esmagados pelo esqueleto conjuntivo
desorganizado. A isto se chama cirrose, de cirro-nódulo. Toda a lesão hepática que
persistentemente lesa o hepatócito e o esqueleto conjuntivo leva à cirrose.

A reparação está ligada à capacidade celular da divisão e logo toda a dinâmica de


fatores de crescimento celular e a fatores sistémicos como a idade, a nutrição, alterações
hematológicas, imunidade, hormonas, diabetes mellitus e a fatores locais como
circulação sanguínea, presença ou ausência de corpos estranhos e logo mais ou menos
exsudado inflamatório, bem como à coaptação ou não coaptação dos bordos da ferida.

Página 20
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

A reparação de uma lesão exige repouso.

A cicatrização de uma ferida exige ausência de estímulos inflamatórios. Toda a ferida


exposta a um ambiente livre e assético cicatriza mais rapidamente do que aquela
protegida por uma gaze. Esta é um corpo estranho, e logo um estímulo inflamatório.
Usa-se apenas como mal menor, para reduzir a contaminação bacteriana.

Página 21
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CAPÍTULO X

INTERAÇÃO DE AGENTES BIOLÓGICOS COM O


ORGANISMO E RESPETIVA RESPOSTA -
DOENÇAS INFECIOSAS

Infeção é todo o processo inflamatório provocado por agentes biológicos. As formas


vivas têm por destino nascer, viver e morrer. Portam herdadas características que lhes
permitem sobreviver em ambientes agressivos, comportam capacidades adaptativas que
lhes permitem passar aos descendentes a possibilidade de sobreviverem. Toda a forma
viva possui metabolismos, necessidades energéticas e defesas. Biologicamente não tem
nem mais nem menos valor do que o humano. Este serve-se de muita forma viva, para
sobreviver. Muitos agentes biológicos servem-se do organismo humano para
sobreviverem também. Nenhum vírus nem nenhum bacilo ou parasita nos invade e
infeta com a finalidade de nos fazer mal, mas apenas para sobreviverem. Com a
inteligência o homem adquiriu grandes armas químicas para destruir muitos desses
intrusos. Estes, morrendo aos milhões, vão adquirindo e passando aos descendentes
capacidade de resistência a esses poderosos químicos. É por exemplo, nos hospitais,
onde mais se lida com antibióticos, onde mais agentes resistentes a esses antibióticos se
encontram.

Patogenicidade de um agente - É a capacidade desse agente produzir lesão orgânica.


Produz lesão por utilizar nutrientes, vias metabólicas, mecanismos celulares e liberta
produtos do seu próprio metabolismo, as chamadas toxinas.

Já falamos nos primeiros capítulos, ser a química quem permite ou não permite a
ligação a outra química. A infeção do organismo humano, e logo a doença infeciosa, é
um jogo químico e biológico. Químico, pela presença ou ausência de recetores
celulares, ponto de ligação do agente biológico à célula. Biológico, pela apetência do
agente para determinados locais orgânicos, pela capacidade dos agentes entrarem ou não
entrarem nas células, pela sua própria composição antigénica, e pela capacidade de
resposta do organismo à presença do viver do agente.
Assim uns se infetam e outros não se infetam, uns são imunes ou portadores sãos e
outros apresentam quadros clínicos diversos, perante o mesmo agente.

Vamos apenas tratar de algumas situações de doenças infeciosas, não pela doença em
perspetiva clínica, mas como aspeto reacional do organismo à variabilidade dos agentes
e à sua forma de agir.

Objetivaremos as relações agente-organismo, com três grupos de bactérias, dois


helmintas e dois protozoários.

Agentes bacterianos extracelulares e quimiotáticos para os polinucleares

São exemplo os cocos piogénicos: Estafílo, estrepto, pneumo, meningo, e gonococo.


Todos eles acarretam inespecífícas respostas de defesa, ou seja, um processo

Página 22
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

inflamatório inespecífico agudo. Quer numa meningite meningocócica, quer numa


pneumonia pneumocócica, quer numa amiglalite estreptocócica ou na blenorragia
gonocócica, o quadro histológico é sempre o mesmo - um processo inflamatório agudo,
vascular, exsudativo, inespecífico. A diversidade da doença por cocos vai em primeiro
lugar depender do local onde acontece e então a sintomatologia vai ser diferente numa
meningite ou numa pneumonia. A tradução histológica é a mesma, a clínica é diferente.
Depois, e dependendo do tipo de enzimas produzidas pelos diferentes cocos, vai haver
diferenças nas lesões por eles produzidas.

Um estafilococo possui enzimas muito potentes e logo vai produzir destruições


celulares mais extensas. Uma pneumonia por estafilococos é muito mais grave do que a
pneumonia por pneumococos. Os estafilococos produzem lesões cutâneas como
acontece no síndroma de Ritter ou sídrome da pele escaldada (SSSS - Staphilococus
Scolded Skin Sindrom), bem como furúnculos e impétigo contagioso. Um estafilococo
mutado por um vírus pode dar origem ao síndrome do choque tóxico, que pode aparecer
em mulheres pelo uso de tampões, no período menstrual e com falta de higiene. Dá um
quadro muito grave, de profunda hipotensão.

Os estreptococos localizam-se preferencialmente na orofaringe dando amigdalites.


Podem elaborar antigéneos solúveis, as esteptolisinas. Contra estas esteptolisinas o
sistema imune elabora anticorpos pelos linfócitos B, transformados em plasmócitos. Os
anticorpos contra o antigénio, estreptolisina, formam complexos antigénio-anticorpo
cujo porte bloqueia os glomérulos renais, provocando a ativação do complemento e este
por quimiotatismo chama polinucleares neutrófilos e constitui-se assim uma
glomerulonefrite pós-esteptocócica, com sídrome nefrótico. Por outro lado existe
similaridade entre estreptolisina e estrutura endocárdica e miocárdica. Deste modo os
anticorpos anti-estreptolisina, vão ligar-se aos componentes cardíacos de antigenicidade
parecida (antigenicidade cruzada), ativa o complemento, chamando este polinucleares
neutrófilos. Está estabelecida a chamada cardite reumática da febre reumática, por ser
antecedida por lesão das articulações pelos complexos imunes. Assim, na febre
reumática e glomerulonefrite, os mecanismos de lesão são imunológicos, os
esteptococos não estão presentes, são afeções pós esteptocócicas.

Os meningococos, em fase de meningococemia lesam, pelas suas toxinas o endotélio de


toda a microcirculação, desencadeando-se o fenómeno de coagulação vascular
disseminada, com o gasto dos fatores de coagulação e hemorragias cutâneas e viscerais.
Na suprarrenal, uma hemorragia pode acarretar uma insuficiência aguda e morte em
poucas horas. È o que constitui o sídrome de Waterhouse-Friderichsen, temível em
infeções meningocócicas. A criança queixa-se de dores de garganta, faz febre, cefaleias,
tudo parece uma situação gripal e no dia seguinte está morta, por insuficiência
suprarenal aguda.

O gonococo, agente da blenorragia pode, no sexo feminino acarretar salpingite aguda e


peritonite, ou fibrose das trompas, uma das causas da gravidez tubar.

Em ambos os sexos podem ser causa de esterilidade, e no sexo masculino, antes dos
antibióticos, foram causa de artrites supuradas, com anulação funcional da articulação.

Página 23
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Agentes extracelulares não quimiotáticos para os polinucleares

Vamos referir o que se passa com o Treponema pallidum, agente da sífilis.


No local de entrada, em regra os órgãos genitais, podendo e sendo até frequentes,
localizações anómalas, o treponema difunde-se pelos interstícios celulares e, atingindo
os vasos da microcirculação local, penetram na matriz desses vasos, por um particular
tropismo. Nesta localização o treponema, não quimiotático para os polinucleares
neutrófilos, liberta produtos solúveis antigénicos desencadeadores da proliferação de
células linfocitárias B, na transformação plasmocitária, com formação de
imunoglobulinas. O Treponema, localizado nos interstícios vasculares, vai estimular a
proliferação das células endoteliais. A proliferação destas, em vasos de calibre mínimo,
vai acarretar obliteração dos lumens e respectiva isquémia. Esta dá necrose. Assim, a
lesão histológica fundamental da sífilis e causa de toda a expressão anatómica é uma
microangiopatia chamada endarterite proliferativa e obstrutiva, por proliferação das
células endoteliais, estando os vasos envolvidos por mangas de plasmócitos.

Esta necrose no local de inoculação vai constituir a chamada fase primária da sífilis, ou
cancro duro, por ser uma lesão ulcerada (por necrose) e dura pelo aglomerado de
plasmócitos e proliferação de fibroblastos. Esta lesão, pode aparecer na cavidade oral,
nos lábios, língua e pilares amigdalinos, tem de ser diagnosticada por simular neoplasias
malignas, principalmente nas localizações referidas. A úlcera sifllítica, está presente há
pouco tempo, dias ou semanas. A úlcera neoplásica está presente há muito mais tempo e
não cicatriza, ao contrário da úlcera sifílítica que em duas a três semanas desaparece,
dando a ilusão de cura da doença. Esta falsa cura é perigosa para o portador por, ao ver
desaparecer a lesão se julgar curado. Tendo esta possibilidade, o Treponema pallidum é
chamado de "grande mentiroso". O que se passa é o seguinte: a reação plasmocitária e a
formação de imunoglobulinas, não mata o agente, apenas o "adormece", ou seja, impede
a sua divisão (multiplicação). Assim, o agente perde a sua patogenicidade e a lesão cura,
ou melhor desaparece. Porém o treponema persiste e após duas ou três semanas volta a
multiplicar-se e a disseminar-se por todo o organismo (bacteriemia). É o que constitui a
chamada fase secundária da sífilis, caracterizada por uma vasculite disseminada, com
eritema e enantema, pequenas papúlas e largas máculas no tronco, palma das mãos e
planta dos pés. Estas manifestações cutâneas e mucosas acompanham-se de febre, mal-
estar, simulando intoxicação alimentar. O paciente, em regra, não estabelece a relação
com a úlcera semanas antes existente e o médico tem de pensar nessa possibilidade,
interrogar e mandar realizar exames serológicos. Estes constam na colocação do soro do
doente, numa cultura de treponemas em testículo de cobaio. A reação é positiva e o
doente sifílítico, quando o treponema em cultura se imobiliza. Se o treponema se não
imobiliza, o doente pode ou não ser sifílítico. É o teste da imobilização dos treponemas,
ou teste de Nelson.

Uma outra manifestação anatómica na fase secundária é o aparecimento dos chamados


condilomas venéreos, nas zonas perigenitais, sob a forma de verrugas ou "massas em
couve-flor".

Todas as lesões secundárias rapidamente (poucos dias), desaparecem e os doentes


julgam-se uma vez mais curados. Perdem assim, a melhor fase, para um tratamento
totalmente eficaz. O "grande mentiroso" continua a sua obra. Meio adormecido pela
defesa orgânica, vai-se dividindo muito lentamente, dando ao longo dos anos, vinte,

Página 24
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

trinta, quarenta e mais, lesões viscerais, irreversíveis, resultantes das múltiplas


micronecroses, sempre consequência de endarterites proliferativas.

É a fase terciária da sífilis, caracterizada por lesões no sistema nervoso central por
paralesia geral e tabes, nos grandes vasos arteriais por destruição das fibras elásticas da
túnica média da aorta pela oclusão dos vasos-vasorum e consequente perda de
elasticidade e formação de ectasias e aneurismas.

Ainda na fase terciária, micronecroses em vários órgãos como o fígado e nos ossos, por
somatório, formam macronecroses, as chamadas gomas sifilíticas, necroses de
coagulação, que podem simular tumores.

Temos assim o Treponema pallidum, agente que entrou na Europa com os marinheiros
de Colombo, e então matava de forma epidémica. Constituiu a '"peste negra", "mal
gálico", tendo até um Papa atingido. É hoje um agente que persiste no organismo por
dezenas de anos, quase em equilíbrio com ele, mas muitas vezes vencedor, vai lesando
sucessivamente e apresentando quadros dependentes da sua fuga à defesa e depois
quadros somatórios de lesões.

A sífilis pode manifestar-se à nascença, por transmissão do agente da mãe ao filho,


através da placenta, após o quinto mês de gestação. É a sífilis congénita com fibrose
pulmonar, a chamada pneumonia alba, com alterações ósseas (deformações) e fibrose
hepática que cria a imagem de fígado atado, com sulcos profundos.

Vale a pena diagnosticar a sífilis na fase primária ou secundária já que o tratamento,


nessa fase, com penicilina em altas doses, cura a doença.

Agentes de localização intracelular

Vamos apenas referir o bacilo de Koch e a doença tuberculose.


O agente da tuberculose é um bacilo altamente patogénico e a expressão lesional no
organismo humano vai depender da capacidade de defesa do organismo, estruturada
numa resistência herdada (vacinação da espécie) e na manutenção ao longo da vida
dessa resistência.

O bacilo entra no organismo pela via respiratória e, antes da pasteurização do leite, por
via digestiva, veiculado na gordura do leite de animais tuberculosos. Quer no pulmão,
quer no intestino, segundo a via de infecção, o bacilo é fagocitado pelo macrófago.
Como intracelular que é, fagocitado está no seu meio ideal. O macrófago divide-se,
segrega factores agressivos, mas o bacilo já criou as condições para anular esta
agressividade. Porém, quando a chamada vacinação da espécie existe, o linfócito T,
célula efetora dessa vacinação, reconhece a antegenicidade presente no macrófago.
Imediatamente, por intermédio de citocinas, coopera com o macrófago, fazendo com
que ele mais rapidamente se divida, se transforme em células epitelióides e em células
gigantes de Langhans e mais produtos citotóxicos, para o agente, se produzem. Desta
forma, macrófago e linfócito, anulam a patogenecidade do bacilo e impedem a sua
divisão. Constitui-se uma lesão formada por células epitelióides, células gigantes de

Página 25
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Langhans e linfócitos - granuloma tuberculoso, que mantém equilíbrio com o agente,


não acontecendo doença. É o exemplo já dado de lesão sem doença, é a expressão
imune de equilíbrio. Em quase todos existe. Se o indivíduo infetado não possuir
capacidade de resposta por linfócitos T ao bacilo, já presente no macrófago, este, por si
só, não impede a divisão do bacilo. Então vai disseminar-se por todo o organismo (fase
miliar ou granúlica da tuberculose), podendo haver meningites tuberculosas fatais. O
bacilo em sua actividade elabora produtos solúveis antigénicos. Estes promovem uma
resposta de linfócitos B, formação de plasmócitos e imunoglobulinas ou seja, anticorpos
anti produtos solúveis do bacilo. Estes anticorpos nada fazem contra o bacilo (só a
especificidade do linfócito T o pode anular), mas vão formar-se complexos antigénio-
anticorpo que, depositados nos capilares pulmonares, vão ativar o complemento e
despertar resposta inflamatória aguda. Fragilizam-se as paredes capilares, distendem-se
(aneurismas de Ramussen) e rompem, provocando hemorragias para os brônquios e
daqui para a boca (hemoptises).

A hemoptise na tuberculose, acontece nas formas da não resistência orgânica, do não


controlo do bacilo pelas defesas, nas formas ditas agudas, exsudativas, com febre
elevada e prostação. Entre a forma aguda de não resistência, e a forma primeiro descrita
de resistência, proliferativa, granulomatosa, sem divisão do bacilo, todas as variantes
morfoclínicas se podem encontrar. Sendo a imunidade absoluta-saúde, o bacilo está
imobilizado. Se a imunidade enfraquece, o bacilo divide-se, há luta e necrose (necrose
caseosa), mas pode o bacilo não se disseminar e a doença tuberculosa fica localizada,
quase sempre com formação de cavernas pulmonares, por esvaziamento do caseum.

Se a imunidade não existir, por não existência de contactos nos progenitores, ou se


existindo se perde, o bacilo dissemina-se e a tuberculose generaliza-se.

São formas de tuberculose o nódulo de Ghon. Forma primária, localizada no ponto de


entrada e onde o macrófago e o linfócito bloqueiam o bacilo, ou permitindo a sua
divisão surge a necrose caseosa. Depois, com menores defesas, o bacilo dissemina-se
para os gânglios regionais - é o complexo de Ghon, nódulo mais gânglio satélite. Pode
a primo-infecção tuberculosa ficar por aí ou, por falta orgânica, passar-se à segunda
fase, a fase mais grave da tuberculose que é a fase granúlica, com o cortejo de lesões já
referidas. Pode o bacilo, vencendo as defesas, formar num local, uma lesão necrótica
cavitária, a caverna, uma fase dita terciária, sempre uma fase de uma certa resistência â
doença, o que não acontece na fase granúlica.

No adulto mais vezes a doença tuberculosa, é uma tuberculose de reativação, de uma


forma primária, feita em criança. Menos vezes no adulto a tuberculose é de reinfeção.

A síndrome da imunodeficiência adquirida, juntamente com a aquisição por parte do


bacilo de resistência à terapêutica, são as grandes causas do recrudescimento da doença
hoje observada.

Sarcoidose e reacção sarcoidótica - Acontece existirem lesões granulomatosas


disseminadas, sem caseificação, de causa desconhecida. É o que constitui a doença
sarcoidótica ou sarcoidose. A causa é desconhecida mas existe. Poderá ser a expressão

Página 26
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

da resistência máxima ao bacilo da tuberculose, como pode ser a expressão de uma


reação de natureza auto-imune.

A reação sarcoidótica, granuloma que aparece na sarcoidose, é idêntica ao granuloma


tuberculoide da tuberculose. Todo o granuloma sarcoidótico ou tuberculoide (são
sinónimos) quando passa a ter causa conhecida, deixa de ser sarcoidose e passa a ter o
nome de acordo com o agente: silicose se o agente foi a sílica, beriliose se foi o berílio,
tuberculose se for o bacilo da tuberculose, micose se foi um fungo, ou ser uma doença
autoimune, se essa foi a causa descoberta. A sarcoidose, doença, atinge vários órgãos:
pulmão, globo ocular, ossos, fígado, com formação de granulomas sem caseificação. A
presença de caseificação anula o diagnóstico de sarcoidose.

Lesões produzidas por protozoários

- Amoebiase causada pela Entamoeba histolítica, um protozoário com alto poder de


lisar as células nas áreas onde se localiza e também as células de defesa, com as suas
potentes enzimas.
Entra no organismo com os alimentos da terra, ingeridos crus como as alfaces e as
beterrabas, onde estão sob a forma cística. No intestino grosso transformam-se em
formas vegetativas e vão necrosar por lise, a mucosa em múltiplas áreas, do cego ao
reto. Como a amoeba é aeróbica, caminha em superfície e as úlceras são superficiais,
em forma de botão de camisa. As células inflamatórias de defesa são destruídas e por
isso, na úlcera da colite amoebiana vê-se só necrose, sem células inflamatórias. Do
cólon, as amoebas são levadas pela veia porta ao fígado, onde lisam as células
hepáticas, formando os chamados abcessos hepáticos amoebianos, que são falsos
abcessos por não conterem pus, mas apenas necrose misturada com sangue (aspeto
achocolatado)

- Malária produzida pelo Plasmodium falciparum. Nos indivíduos sem resistência,


como crianças e todos aqueles que nunca contactaram com o agente – indivíduos idos
pela primeira vez para áreas maláricas, o agente inoculado pela picada de mosquitos
anófeles, invade os glóbulos rubros, divide-se, rompe os glóbulos, entra em mais
glóbulos, volta a dividir-se e faz isto cinco vezes, o que acarreta um enorme número de
glóbulos parasitados. Depois, por moléculas de adesão de tipo integrinas, os knobs, os
agentes que são também protozoários, sob a forma de merozoitos, aderem ás células
endoteliais e nos pequenos vasos cerebrais formam rolhões obstrutivos inviabilizadores
da correta irrigação cerebral, provocando micronecroses com descerebração. É o que
caracteriza a chamada malária aguda cerebral, quase sempre fatal em crianças e
indivíduos pela primeira vez em áreas endémicas de malária. Outra situação acontece
nos indivíduos, há muito vivendo em áreas endémicas. Não fazem malária cerebral mas,
estes anticorpos destroem glóbulos parasitados e não parasitados, acarretando grandes
hemólises, com icterícia e lesão dos tubulos renais, situação muito grave e fatal. É a
chamada febre biliosa hemoglobinúrica.

Página 27
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Cistos helmínticos – em relação aos helmintas – os agentes que mais atingem o homem
– não deve haver ninguém nunca parasitado por um helminta – Ascaris lumbricoides ou
Taenias, vamos apenas falar:

Cisticerco – resulta da localização das formas larvares da Taenia solium, em órgãos


vários, sob a forma de cistos (cavidades contendo o parasita, envolvidas por memebrana
própria).

A Taenia solium parasita o porco. Comida a sua carne mal cozinhada, vai sob a forma
larvar, dar uma disseminação por todo o organismo, com a forma de “pérolas
encastoadas”. A localização cerebral é a mais frequente e muito comum no norte de
Portugal, com sintomatologia neurológica a mais variada, e frequentemente epilepsia.

Cisto ou Quisto Hidático - É produzido pelas formas larvares da Taenia equinococos,


parasita de cabras e ovelhas. Os cães, comendo as vísceras, infetam-se, e vivendo o cão
com o homem, com muitos frequentes contactos, passam as formas larvares ao homem.
Neste, a localização visceral mais comum da evolução do helminta é no fígado, onde
forma ao fim de evolução mais ou menos longa, um grande quisto parasitário, o quisto
hidático, cujo conteúdo larvar, se pode disseminar pelo peritoneu e dar origem a uma
hidatidose de graves consequências.

Página 28
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CAPÍTULO XI

AS SUPERFÍCIES DE FRONTEIRA CUTÂNEA E MUCOSA:


- DA ESTRUTURA E FUNÇÃO ÁS ALTERAÇÕES

Pele e mucosas constituem as grandes superfícies de fronteira do organismo humano.


Em contacto direto com o ambiente, são a primeira linha de defesa orgânica.

Só depois desta linha vencida, se desencadeia a resposta inflamatória de defesa. Pela sua
composição, na componente epitelial, formada por células com grande capacidade de
divisão celular, estão as grandes fontes de assimilação de informação, da morfogénese e
da morfostase. São as superfícies de fronteira as modeladoras do mesênquima e as
principais responsáveis pelo nosso fenótipo.

Quer na pele, quer nas mucosas, temos o epitélio e temos em íntimo contacto com os
epitélios, o mesênquima.

A pele é epiderme (epitélio) e derme (mesênquima) e as mucosas são epitélio e corion


(mesênquima).

O epitélio cutâneo está programado para produzir queratina, a proteína protetora do


contacto e impermeabilizadora.

Possui a camada basal geradora, que se vai diferenciando nos queratinócitos, no


chamado corpo mucoso, constituindo por fim a camada córnea, onde as células estão
totalmente preenchidas por queratina.

O epitélio das mucosas pode ser mucosecretor, ciliado ou apenas de revestimento,


humidifícado por glândulas serosas. Elaboram também imunoglobulinas.

O conectivo dérmico - É formado por proteínas como o colagéneo e a elastina, por


proteínas de adesão e por glicoproteínas (capítulo 2).

Na pele, o suor regula a temperatura e intervém no equilíbrio hidroeletrolítico do


organismo. O sebo regula o Ph e mantém o equilíbrio bacteriano cutâneo.

Nas mucosas, as lágrimas lubrificam a conjuntiva, retêm partículas estranhas e


possuindo lisozima, são bactericidas e bacteriostáticas. A sua falta provoca úlceras da
córnea.

A produção de muco pode estar aumentada por irritantes químicos, ou no processo


inflamatório: colite ulcerosa amoebiana e na vulgar constipação.

A produção do muco pode estar diminuída e predispor à ulceração e infeção.

Página 29
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

O muco pode estar alterado na sua qualidade, por aumento da viscosidade, com
obstrução dos canais excretores e transformação cística das glândulas produtoras. É o
que acontece na mucoviscidose ou doença fíbrocistica, doença genética com alteração
da condutância de membrana e deficiente entrada de água na célula, elaboradora do
muco.

Os cílios são importante barreira do aparelho respiratório. Impedem a entrada no


pulmão de 80% de partículas de 10 mµ. O fumo do cigarro imobiliza os cílios. Na
síndrome de Kartagener ou da imobilidade dos cílios, as infeções pulmonares e as
broquiectasias, são uma constante.

O equilíbrio tríptico-anti-triptico, já tratado no capítulo 5, é essencial na integridade das


mucosas.

Alterações na formação da queratina

- Hiperqueratose - É o excesso de formação de queratina. Pode ser reacional a


traumatismo dando origem à calosidade ou calo. Pode ser reaccionária a vírus e
constituir as verrugas.

- Paraqueratose – É uma queratinização incompleta em que os queratinócitos


descamam ainda com núcleos - queratinização nucleada. A descamação faz-se em
placas, como acontece na psoríase.

- Disqueratose - É uma queratinização em células isoladas, quase sempre por ação


vírica, como o virus do Moluscum contagiosum.
- No capítulo 4 já tratamos das alterações de metaplasia, leucoplasia, displasia e
anaplasia, acontecidas nas superfícies de fronteira cutânea e mucosa.

Nas superfícies de fronteira podem ainda acontecer:

- Feridas - Lesões traumáticas incisas ou contusas, com soluções de continuidade e


resposta inflamatória.

- Úlceras - Processos inflamatórios com soluções de continuidade.

- Erosões - Soluções de continuidade superficiais, não interessando o conectivo, não


despertam respostas inflamatórias.

- Petéquias - Sufusões e equimoses - hematomas - a descrever no capítulo 12.

- Máculas - São áreas limitadas cutâneas ou mucosas com modificação de tonalidade.


São planas.

Página 30
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

- Pápulas - Idênticas ás máculas mas não planas, elevadas. Uma picada de mosquito
que causa prurido vai constituir uma pápula.

- Vesícula - Pequena área intraepitelial, por destruição de células de causa vírica, como
na varicela, se enche de água.

- Bolha - Grande vesícula. Caso de queimaduras.

- Pústula - Vesícula ou bolha que abre e se infeta.

- Nódulo ou tumor - Formação saliente e arredondada nas superfícies.

- Eritema - Vermelhidão difuso, cutâneo.

- Enantema - Vermelhidão difuso nas mucosas.

- Exantema - Vermelhidão difuso, cutâneo e mucoso.

Alteração nas proteínas extra-celulares, colagénio e elastina

O colagénio é sintetizado pelos fíbroblastos, passa por numerosas etapas entre a


transcrição do seu código genético, reunião das suas fibras no recticulo endoplásmico e
a secreção das fibras com periodicidade regular.
Estas fibras são constituídas por três protofíbrilhas, com diversas cadeias polipeptidicas.
Na célula forma-se um colagénio primário com cadeias mais longas terminadas por
segmentos enrolados em hélice. Este procolagénio é hidroxilado por enzimas
específicas, para as quais o Fe++, o O2 e o ácido ascórbico são indispensáveis. Formam-
se assim as moléculas de hidroxiprolina e de hidroxilisina, características do colagénio.
No reticulo endoplasmático, estes polipeptidos são glicosados (glucose e galactose),
enquanto pontes dissulfido se constituem entre as fibras. Forma-se uma tripla hélice que
é transportada no aparelho de Golgi e excretada. Fora da célula, peptidases clivam as
partes terminais ainda livres. Em seguida as flbrilhas sofrem novas ligações de ponte,
por intervenção de uma lisiloxidase, na presença de O2 e cobre. As fíbrilhas estão ainda
unidas, paralelas umas ás outras, mas com decalagem longitudinal entre elas.

- Todos os colagénios, são destruídos por colagenases. O colagénio do tipo II é mais


resistente que o tipo I.

- O colagénio possui 14% de hidroxiprolina e uma taxa elevada de glicina, alamina e


prolina, falta de triptofano e de cisteina. O colagénio IV das membranas basais contém
uma taxa mais elevada de hidroxiprolina e com um pequeno número de resíduos
cisteina, assim como o número mais elevado de resíduos hidrocarbonados.

- Há excessos de colagénio nas fibroses e escleroses.

- Há deficiências genéticas na formação de colagénio que conduzem a situações de


deficiências de todos os ligamentos, articulações, movimentos, hemorragias por

Página 31
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

alteração da parede vascular e que constituem as sete variantes da síndrome de Ehlers-


Danlos.
- Tecido elástico - É formado pelos fibroblastos e células muscular lisas. A deficiência
congénita de fibras elásticas é base da síndrome de Marfan, com cútis elástica. Por
deficiência do tecido elástico a pele sobra e como a dum gato ou coelho, permite pegar a
criança pelo pescoço.

- A síndrome de Marfan engloba ainda a possibilidade de roturas das túnicas externa e


média da aorta, pela falta das fibras, e dá origem a aneurismas dissecantes.

Página 32

Você também pode gostar