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Laboratório de

Citologia Oncótica
Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª M.ª Juliana de Andrade Cintra Malanotte

Revisão Textual:
Aline Gonçalves

Revisão Técnica:
Prof.ª Dr.ª Niara da Silva Medeiros
Citologia de Lesões, Líquidos,
Secreções e Excreções

• Principais Agentes Etiológicos dos Processos


Inflamatórios do Trato Genital Feminino;
• Citologia das Lesões Inflamatórias;
• Agentes Infecciosos;
• Citologia de Líquidos Biológicos.


OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Estudar a citologia das lesões inflamatórias citoplasmáticas e nucleares, as reações degene-
rativas e destrutivas do epitélio cervicovaginal;
• Conhecer a citologia de líquidos corporais, a coleta e o transporte e preparo do espécime
clínico, exames microscópicos, características citológicas, critérios avaliados e interpretação
de resultados.
UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Principais Agentes Etiológicos dos Processos


Inflamatórios do Trato Genital Feminino
Como distinguir se a alteração é inflamatória? Primeiramente, teremos que descrever
uma lâmina de processo normal.

Então, no processo normal encontraremos células epiteliais normais. Quais são? São
as células escamosas, profunda, intermediária ou superficial, as células endocervicais,
as células endometriais, pode-se encontrar leucócito, polimorfo (pequena ou grande
quantidade) e bacilo de Doderlein. Se há somente essas células, está normal. Mesmo que
encontre agentes potencialmente agressores, não significa que há processo inflamatório.
Podemos encontrar, por exemplo, esporos, hifas de fungos e bactérias patogênicas.

Podemos dizer que há processo inflamatório quando o conceito de inflamação está


presente, que é: inflamação é a reação a uma agressão. Então a célula reage a uma
agressão. Esse agressor pode ser:
• Agentes causais:
» físicos: calor, frio, radiação, cauterização;
» químicos: CCl4, Pb, Hg;
» biológico: bactéria, fungo, protozoário, vírus.
Somente confirmaremos que há inflamação se encontrarmos nas células o resultado
da agressão. Precisamos “conversar” com as células, e elas respondem corretamente
o que queremos saber. É através dos sinais que ela apresenta que saberemos se há
inflamação. São os chamados critérios de inflamação, ou alterações reacionais;
• Fator Terreno: também é importante. O que é esse fator terreno? Se for no colo do
útero, é colo. Por exemplo, quando existe a ectopia, em que a mucosa endocervical
invade a ectocérvice, essa mucosa saindo do canal está parcialmente desprotegida,
ela é suscetível de inflamar. Ela saiu de dentro do canal cervical, onde havia o muco
cervical protegendo; lá o pH era alcalino. Então, quando ela entra em contato com
o meio vaginal, quando ela aflora na vagina, entrará em contato com pH ácido,
com uma flora bacteriana, então a tendência é inflamar. Esse é o fator terreno, quer
dizer, uma ectopia é suscetível à inflamação. E quase metade das mulheres examina-
das em menacme apresenta ectopia, ou seja, a mucosa endocervical invade a ecto-
cérvice, e a JEC se instala na ectocérvice, em vez de ser próxima ao orifício externo.
» Condições hormonais;
» Metabólicas: diabetes;
» Hipersensibilidade: há pessoas mais sensíveis que outras.

Todas as formas de lesão tecidual começam com alterações moleculares ou estrutu-


rais. Essas alterações levam posteriormente a alterações morfológicas, que depois
levam a alterações anatômicas e à clínica.

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Conseguiremos detectar nessa fase incipiente (precoce) as alterações em nível de célula;
• Alterações celulares reativas:
» Inespecíficas;
» Específicas.
A maioria é inespecífica, quer dizer, independe do agente causal. Aparecem em
qualquer processo inflamatório. Existem as específicas (são poucas), que são aquelas
patognomônicas, que ocorrem em função de determinado agente. Por exemplo, se
administrar estrógeno em uma paciente vai proliferar muita célula superficial, essa
resposta tecidual é específica ao estrógeno (toda vez que administrar estrógeno o
Índice de Eosinofilia (IE) e Índice de Cariopicnose (IP) aumentará). São poucos agen-
tes que causam alterações específicas, entre eles o Herpes simples tipo 2, que pro-
duz um quadro patognomônico, ou seja, é exclusivo (típico). Então, uma célula com
inclusão herpética é característica, geralmente é multinucleada, tem amalgamento
nuclear, espessamento de carioteca, a cromatina nuclear tem aspecto gelatinoso;
• Reações de Superfície: O epitélio que reveste a parede da vagina e a ectocérvice é
do tipo pavimentoso estratificado não ceratinizado. Mas podem ocorrer duas situa-
ções como reações de superfície, que seria a hiperceratose, e a paraceratose. O que
é reação de superfície? Suponha que tenha um pólipo endocervical que aflorou no
colo, esse pólipo fica traumatizando a ectocérvice e cria uma reação de superfície.
Os processos inflamatórios crônicos geralmente levam a uma reação de superfície,
principalmente o papilomavírus humano (HPV):
» Hiperceratose: é a ceratinização que ocorre na superfície do epitélio de reves-
timento. Acima da célula superficial forma uma camada córnea, e isso não é
normal. As células superficiais, que são as células mais diferenciadas, continuam
se diferenciando e se transformam em escama córnea (que são células escamosas
anucleadas ceratinizadas). O epitélio transformou-se em pele; fica igual ao epitélio
da vulva. O colpocopista chama de leucoplasia a placa branca que se forma;
» Paraceratose: é uma ceratinização incompleta, onde a célula mantém o núcleo.
Há uma ceratinização incompleta da superfície de revestimento, onde a célula
retém o núcleo. A célula paraceratótica é uma miniatura da célula superficial.
• Alterações celulares degenerativas: isso é fundamental. Essas alterações podem
ser fisiológicas ou patológicas:
» Rutura de carioteca (membrana nuclear);
» Cariorrexis (núcleo se fragmenta em partículas de cromatina e a membrana nu-
clear está ausente);
» Cariopicnose precoce (cromatina compactada);
» Cariólise (desaparecimento suave e homogêneo do núcleo);
» Coagulação do citoplasma (acidofilia) ou liquefação.
Essas alterações são da fase final da degeneração celular, é a morte celular. Isso
pode ser fisiológico e pode ser patológico. Por exemplo, a lâmina de uma mulher
idosa (80 anos). Se a mulher é idosa, as células são idosas. Faço um esfregaço e vejo
células profundas dominando porque o ovário não está produzindo mais os hormô-
nios ovarianos para proliferar as células. Então houve uma atrofia desse epitélio e

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uma atrofia também do tecido conjuntivo de sustentação, onde está a vasculariza-


ção, assim, vai chegar pouco sangue às essas células, chega pouco nutriente, pouco
oxigênio, isso vai lesar a célula e, nesse caso, é fisiológico. Então, encontra-se célula
profunda com picnose, ou seja, morte precoce da célula. Encontra-se rutura da
membrana nuclear, e se a membrana está rota, é irreversível, é morte celular.
Para essa paciente isso é fisiológico. Agora, numa paciente jovem, essas alterações
degenerativas estão sendo provocadas por um agente agressor.
Todas essas alterações são a fase final da morte celular. Por exemplo, antes de ocor-
rer a rutura existe a hipertrofia nuclear. A fase inicial da cariopicnose vai ter algo
como um halo perinuclear em função da constrição nuclear. A cariólise começa
com uma hipocromasia nuclear até sumir. A acidofilia começa com uma dilatação
do nucléolo;
• Alterações celulares regenerativas:
» Cariomegalia com Discreta Hipercromasia (aumento exagerado do núcleo);
» Cromatina Espessada;
» Multinucleação;
» Nucléolos Exuberantes (é o critério mais importante – a síntese proteica está exa-
cerbada para poder cicatrizar uma lesão). Toda vez que tiver nucléolo desenvolvi-
do, significa atividade celular aumentada no sentido de síntese proteica.

Veja o artigo sobre “Estudo das Inflamações e Infecções Cérvico-vaginais Diagnosticadas


pela Citologia”. Disponível em: https://bit.ly/3txpSWD

Citologia das Lesões Inflamatórias


A inflamação é o conjunto dos fenômenos de reação a qualquer agressão tissular, seja
bacteriana, viral, micótica, parasitária, pós-traumática, química ou física.

As lesões inflamatórias se caracterizam em nível microscópico por:


• reação vascular com formação de capilares;
• migração dos leucócitos, macrófagos e plasmócitos para o local da inflamação;
• modificações de estruturas dos epitélios (hiperplasia, metaplasia, fenômenos de
reparação);
• alterações morfológicas variadas; algumas são comuns às inflamações, outras re-
presentam modificações específicas a determinado agente;
• presença eventual do fator causal.
A citologia tem papel importante no reconhecimento das lesões inflamatórias do
trato genital; ela permite avaliar a intensidade da reação inflamatória, acompanhar a
sua evolução e, em certos casos, determinar a natureza do agente causal. Os agentes
infecciosos provêm do meio externo; são transmitidos por via vascular ou se propagam
a partir de um órgão vizinho.

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Alterações reativas inespecíficas
Em nível de citoplasma
• Halo perinuclear: halo claro, que não se cora, formado em torno do núcleo;
• Coilocitose: grande vacúolo perinuclear de contorno algo irregular;
• Metacromasia ou policromasia: célula se cora de duas ou mais cores;
• Pseudoeosinofilia: células que normalmente coram cianofilicamente, coradas eosi-
nofilicamente. Geralmente acontece com células profundas, que ficam coradas de
rosa ou vermelho;
• Vacuolização citoplasmática: se o vacúolo for único, rechaçando o núcleo para
a periferia, não significa atipia reacional, significa atividade celular aumentada, que
pode ser fagocitária, pode ser muco secretora. Quando você observa uma célula
com diversos vacúolos de tamanhos variados, dispostos pela periferia do citoplasma,
aí a interpretação é uma atipia reacional. Provavelmente, houve uma infiltração
gordurosa (esteatose hepática), e quando se cora a lâmina e passa no xilol (solvente
orgânico), ele remove essa gordura, promovendo a visualização dos vacúolos;
• Forma bizarra ou aberrante do citoplasma: você viu que as células são redondas,
ovais, cilíndricas, cúbicas. A forma aberrante seria células em forma de fibra, de
girino, raquete, ameboide. Isso também ocorre como forma de reação da célula a
uma agressão;
• Apagamento das bordas citoplasmáticas;
• Citoplasma esgarçado: tipo pano velho, rasgado.

Em nível de núcleo
• Cariomegalia: aumento exagerado do núcleo;
• Hipercromasia: aumenta a cromatina nuclear, então ele cora mais intensamente.
A cromatina é DNA e RNA, e eles têm afinidade pela hematoxilina;
• Contorno nuclear irregular: núcleo que não é redondo nem oval;
• Espessamento da carioteca (reforço da carioteca): a cromatina nuclear migra
para a membrana nuclear (carioteca), e a carioteca fica mais espessa;
• + as alterações degenerativas, que podem ser critério de inflamação.

Se encontrarmos um desses critérios, não podemos dizer que existe inflamação,


temos que encontrar de quatro ou cinco critérios, em seis ou sete células, no mínimo.

Teste seu Conhecimento


1. O que são considerados agentes agressores às células? Cite pelo menos quatro exemplos.
2. O que se entende por fator terreno?
3. Como podemos diferenciar as alterações celulares reativas, degenerativas e regenerativas?
4. Quais são as lesões inflamatórias que podemos encontrar nas células em níveis citoplas-
mático e nuclear?

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Agentes Infecciosos
Existe uma diversidade de microrganismos que podem estar no trato genital. A mi-
crobiota genital é importante para auxiliar na defesa e evitar a instalação de agentes
patogênicos. Dentre os microrganismos patogênicos, podemos citar:

Quadro 1

• Gardnerella vaginalis;
• Actinomyces sp;
• Fusobacterium sp;
Bactérias anaeróbias • Leptothrix vaginalis;
• Mobiluncus sp (forma de vírgula);
• Bacilos de Doderlein.

• Enterobactérias;
Bactérias aeróbias • Cocos;
• Bacilos difteroides.

• Trichomonas sp;
Protozoários • Toxoplasma gondii;
• Amebas.

• Candida sp;
Fungos • Torulopsis glabrata;
• Geotrichum candidum.

• Herpes simples;
• Papilomavirus humano (HPV);
Vírus • Citomegalovírus (CMV);
• Adenovírus.

Saiba mais sobre as infecções bacterianas, parasitárias e micóticas do trato genital inferior no
capítulo 6, página 57, do livro de Tatti, “Colposcopia e Patologia do Trato Genital Inferior”.
Disponível em: https://bit.ly/38Y3iOD

Bacilos de Doderlein
São bacilos imóveis, anaeróbios, facultativos, gram-positivos. Seu comprimento varia
e oscila entre as formas curtas até bastonetes filamentosos e largos. Os bacilos de Doderlein
formam um grupo heterólogo de bactérias, das quais 70% são capazes de hidrolisar o
glicogênio, causando a citólise bacteriana. O glicogênio do citoplasma, ao fermentar, se
decompõe em maltosa e dextrosa, e, a partir desses açúcares, por ação dos bacilos de
Doderlein, forma-se ácido láctico. Desse modo, produz-se um pH 4,0 a 4,5, encarre-
gando da autodepuração da vagina, e constitui um fator importante contra a infecção
de outros germens.

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Microbiota Bacteriana Mista – presença de cocos e bacilos nos esfregaços vaginais.
Somente de 20% a 30% das mulheres em condições normais se encontram colonizadas
por bacilos de Doderlein (Figura no link).

Bacilos de Doderlein. Disponível em: https://bit.ly/3tg33pp

Na vagina, existe em equilíbrio com os bacilos de Doderlein e diversos microrganis-


mos de natureza bacteriana (estafilococos, estreptococos, coliformes, bacteroides etc.),
considerados como integrantes da flora normal e que, provavelmente, quando eles pe-
netram na vagina, perdem sua patogenicidade e adquirem um caráter saprofítico. A
menos quando existirem fatores predisponentes, como na puberdade, pós-menopausa,
gravidez, durante o parto etc.

Microbiota Cocácea
Os esfregaços mostram com frequência uma pseudoeosinofilia. Poucas vezes se acha
um índice elevado de cariopicnose (cerca de 80%), relacionado com presença maciça de
cocos. Simula uma superatividade do hormônio folicular.

São germes piogênicos. Podem ser aeróbios e anaeróbios. O grupo de microrga-


nismos anaeróbios deve ser suspeitado quando o corrimento for fétido com teste de
Hidróxido de potássio (KOH) positivo e exame bacterioscópico (gram-positivo ou gram-
-negativo) e cultura. O exame citológico refere-se apenas à morfologia das bactérias:
Staphylococcus epidermidis e Streptococcus.

Saiba mais sobre a microbiota vaginal normal. Acesse o miniatlas de citopatologia e histo-
patologia do colo uterino. Disponível em: https://bit.ly/3dvKnNR

Bacilos Difteroides
São bacilos gram-positivos, morfologicamente semelhantes aos lactobacilos, em ambas
as extremidades há um espessamento arredondado, dando-lhes aspecto de palito de
fósforo de duas cabeças.

Podem ser considerados como flora normal, podendo às vezes estar associados com
vaginite inespecífica (Figura 1).

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Figura 1 – Bacilos difteroides


Fonte: LIMA, 2012, p. 38

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. Células escamosas sobrepostas por ba-


cilos formando contas, com as extremidades arredondadas (seta), característicos dos
bacilos difteroides. Essas bactérias são gram-positivas e aeróbicas, responsáveis por
inflamações cervicovaginais em aproximadamente 1,2% dos casos. Não se evidenciam
bacilos de Doderlein nessa figura.

Micrococcus sp
Micrococcus é uma bactéria gram-positiva, aeróbia, membro da família dos Micrococcaceae.
As pilhas do Micrococcus podem ser observadas sob o microscópio como as pilhas esfé-
ricas que dão forma a pares ou a conjuntos.

Embora essas bactérias sejam um contaminante humano comum da pele, são rela-
tivamente inofensivas aos seres humanos porque possuem caráter saprofítico. Podem
também ser encontradas em ambientes aquáticos ou no solo. Três espécies comuns são
M. luteus, M. roseus e M. varians.

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Figura 2 – Bactérias cocoides
Fonte: LIMA, 2012, p. 39

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. Células escamosas intermediárias.


Bactérias cocoides representando um arranjo em cadeia (seta).

Leptothrix vaginalis
São bacilos que variam em número e tamanho, de 10 a 20 vezes maiores que os ba-
cilos de Doderlein (Figura 3). São finos, segmentados e assemelham-se ao chão de uma
barbearia, tendo formato de S ou U.

O Leptotrix é responsável por leucorreias clinicamente inespecíficas, exceto quando


associados ao Trichomonas vaginalis.

O tratamento pode ser realizado com qualquer antibiótico local, de preferência a


tetraciclina, e responde ao metronidazol.

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Figura 3 – Leptothrix vaginalis


Fonte: LIMA, 2012, p. 40

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. Há, nessa figura, bactérias cocoides e


Leptothrix vaginalis, além de células escamosas. Leptothrix é uma bactéria anaeróbica,
filamentosa, enovelada, não ramificada. Esse microrganismo se associa frequente-
mente à infecção por Trichomonas vaginalis.

Mobiluncus sp
São bactérias anaeróbias, gram-negativas e gram-variáveis. Bacilos curvos em forma
de vírgula, com extremidades delgadas, móveis. Encontramos as células-alvo chamadas
de “comma cells” (Figura 4).

Figura 4 – Mobiluncus sp
Fonte: microbiomology.org

No exame a fresco, os bacilos curvos são altamente móveis, possuem movimentos


rápidos, de curta duração e apresentam movimentos em espiral.

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Na coloração de Papanicolau, mostra células indicadoras “comma cells”, e no es-
fregaço a fresco da secreção cervicovaginal, encontramos as células-alvo cobertas por
numerosos bacilos curvos em forma de vírgula (comma cells), e o exame das pacientes
mostra secreção vaginal homogênea, odor fétido.
Existem trabalhos relacionados a corrimentos recidivantes, perdas sanguíneas irregu-
lares, dor insidiosa no baixo ventre, doença inflamatória pélvica e endometrite pós-parto.

Actinomyces sp
Sua taxonomia sofreu consideráveis variações e por muito tempo foi classificado
como fungos, mas atualmente é definido como bactérias (Figura 5).

Figura 5 – Actinomyces sp
Fonte: LIMA, 2012, p. 40

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. As bactérias são filamentosas e se ir-


radiam a partir de um centro denso, escuro, basofílico. Há uma associação frequente
desse microrganismo com o uso prolongado de DIU.
O Actinomyces sp está relacionado com pacientes usuárias de dispositivo intrauteri-
no (DIU). A explicação dessa associação consiste no fato de que no DIU, após três anos
de uso, começa a haver um acúmulo de sais de Ca, Fe, Mg e proteínas, que são nutrien-
tes para o seu crescimento, criando um meio propício para o seu desenvolvimento.
Quanto aos aspectos clínicos, grande número de casos são assintomáticos, e nos sin-
tomáticos causam vaginites com corrimento amarelado, leitoso. Podem causar metror-
ragia, endometrite, endocervicite com processos necróticos focais, doença inflamatória
pélvica, podendo até levar à esterilidade.
Actinomicose é uma infecção provocada por bactérias do gênero Actinomyces, pre-
sentes na boca e no sistema digestivo. A doença ocorre quando um traumatismo abdo-
minal ou uma infecção dentária permitem que a bactéria atinjam a corrente sanguínea,
sendo também causada por baixas de resistência localizada ou generalizada. É uma
enfermidade infecciosa, crônica e granulomatosa.

Gardnerella vaginalis
Antigamente denominada Haemophilus vaginalis, a Gardnerella vaginalis é um bacilo
em bastonete, gram-negativo ou gram-variável, corado em azul pelo método de Papanicolau
(Figuras 6 e 7).

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Figura 6 – Gardnerella vaginalis


Fonte: LIMA, 2012, p. 39

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 100x. Células escamosas superficiais e inter-


mediárias com alterações inflamatórias discretas. Observar a concentração de bac-
térias em alguns setores (especialmente na vizinhança das bordas citoplasmáticas),
bastante característica da infecção por Gardnerella vaginalis. A escassez de neutrófilos
também é comum nessa infecção.

Figura 7 – Gardnerella vaginalis


Fonte: LIMA, 2012, p. 39

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. O “fundo” é rico em cocobacilos que se


concentram em algumas áreas, conferindo um aspecto granular. Observar a raridade
de leucócitos. No centro da figura, há duas “células-guia” (células escamosas maduras
com citoplasma grumoso devido à propriedade de aderência da Gardnerella vaginalis).

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É encontrado em cerca de 10% das mulheres. Esse bacilo foi reclassificado por Gardner
e Duks (1959), que o consideram como um dos germes responsáveis pela vaginite, hoje
chamada vaginose bacteriana, caracterizada por corrimento vaginal cinzento, homogêneo
e mal cheiroso.

O termo vaginose foi preferido ao de vaginite, para insistir sobre a ausência de infla-
mação; o qualificativo bacteriano lembra que outras bactérias anaeróbias podem intervir
junto com a Gardnerella vaginalis.

Em alguns serviços americanos, o termo Corynebacterium vaginalis é o preferido.


Um elemento de grande valor auxiliar para o diagnóstico da condição é chamado célula-
-guia, que nada mais é que uma célula escamosa sobre a qual se colocam densas colô-
nias do parasito.

As infecções ocasionadas por Gardnerella vaginalis são acompanhadas por ardência


pós-coito e por mau cheiro.

A proliferação da Gardnerella parece estar relacionada à diminuição dos lactobacilos e


ao aumento das bactérias anaeróbias estritas (bacteroides e Peptococcus). A Gardnerella
vaginalis tem importante papel no aborto infectado e na endometrite pós-parto, podendo
também causar sepse e infecção de partes moles em recém-nascidos.

O diagnóstico de Gardnerella vaginalis baseia-se na presença de três entre quatro


critérios, que incluem a presença de corrimento vaginal acinzentado, fino e homogêneo
com pH ≥ 4,5, que exala odor de peixe quando adicionado a uma solução de KOH 10%
e a presença de células imantadas (clue cells). O odor de peixe é provocado pela produ-
ção excessiva de aminas, e as células imantadas, patognomônicas, devem-se à aderência
da Gardnerella vaginalis às células epiteliais vaginais.

O diagnóstico de vaginose bacteriana é usualmente baseado na natureza do corri-


mento, um pH do corrimento maior que 4,5, a detecção de um odor de amina de peixe
com a adição de KOH no corrimento, e/ou a presença de células-chave no exame mi-
croscópico do corrimento. Os meios contendo proteose peptona n. 3 (ágar de Casman
e ágar proteose-peptona-dextrose [PSD] têm sido mais frequentemente usados para o
isolamento de Gardnerella vaginalis).

Acredita-se que pacientes com infecção pura por Gardnerella vaginalis sejam assin-
tomáticos quando o pH é < 4,5 . As clue cells são células escamosas poligonais, que têm
um citoplasma delicado e transparente coberto pelas formas cocobacilares delicadas de
Gardnerella vaginalis; as alterações são mais bem observadas nas margens das células
infectadas; são indistintas e têm diferentes planos de focos.

No fundo de lâmina pode haver infiltrado inflamatório cuja intensidade é muito variável.
A Gardnerella vaginalis não apenas recobre a superfície das células epiteliais, mas espraia-se
além dos seus limites.

A presença de G. vaginalis nos quadros de vaginose é presumida quando pelo menos


três dos seguintes achados forem positivos: corrimento homogêneo, de baixa viscosidade,
branco ou acinzentado e aderente à parede vaginal; presença de “clue cells”, ausência
ou raros polimorfonucleares e bacilos de Doderlein; teste do odor positivo (teste “whiff”
positivo com adição de KOH a 10%) e pH superior a 4,5.

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Outros testes laboratoriais podem ser realizados para auxiliar o diagnóstico, entre eles
o exame a fresco (secreção vaginal em solução salina), testes para detecção de aminas,
como a técnica de cromatografia gasosa, teste da aminopeptidase (enzima produzida
por várias bactérias encontradas nas secreções de mulheres com vaginose bacteriana).

Além do método de Gram, pode-se utilizar a coloração de Papanicolau, que permite


a detecção de Gardnerella vaginalis e Mobiluncus spp. em amostras cervicais e a sua
diferenciação em relação ao padrão lactobacilar. Pela coloração de Papanicolau, no es-
fregaço sugestivo de infecção por G. vaginalis, observam-se bactérias dispersas como
poeira entre as células epiteliais descamadas e formação de clue cells, células geralmente
cianofílicas ou eosinofílicas, cariopicnóticas, com citoplasmas finos, transparentes e gra-
nulosos, cobertos totalmente ou parcialmente por pequenas formações cocos-bacilares
aparentemente ligadas às células por uma de suas extremidades, com limites poucos
nítidos, e que podem ser mais bem observadas sob objetiva de imersão (1000x).

Outro método que começa a ser empregado é a citologia em base-líquida. Entre várias
vantagens diagnósticas, pode-se ressaltar:
• Representação absoluta do universo de células coletadas;
• Lâminas de alta qualidade para leitura;
• Diminuição do número de lâminas insatisfatórias;
• Preparo de novas lâminas com a mesma amostra;
• Rápida e eficiente fixação com máxima preservação da morfologia celular, permi-
tindo melhor adequação dos corantes.

Candida sp
O agente causador da candidíase ou monilíase é o fungo Candida albicans, que faz
parte da flora vaginal das mulheres (Figuras 8, 9 e 10). A queda de imunidade, fatores
ligados à higiene pessoal ou distúrbios no organismo levam à proliferação desse fungo
e ao consequente aparecimento da doença, três a quatro dias após o contágio ou no
período pré-menstrual.

Os sintomas da doença são corrimento branco, como nata de leite, irritação e forte
coceira nos órgãos externos da vagina. Nesse caso, é importante saber se a paciente é
diabética, usa estrógenos ou antibióticos. Pode ser transmitida por contato sexual, água
contaminada e objetos contaminados.

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Figura 8 – Candida sp
Fonte: LIMA, 2012, p. 41

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. Pseudo-hifas septadas e esporos repre-


sentando Candida sp. ao lado de células escamosas maduras.

Figura 9 – Candida sp
Fonte: LIMA, 2012, p. 41

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. Células escamosas intermediárias e nu-


merosos esporos. A Candida sp. pode atuar como saprófita, não se evidenciando alte-
rações celulares inflamatórias, como mostrado na figura.

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Figura 10 – Candida sp
Fonte: LIMA, 2012, p. 41

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. “Fundo” hemorrágico. Os esporos cir-


cundados por cápsula (halo claro) podem corresponder a Candida glabrata. Essa espé-
cie não forma pseudo-hifas.

Trichomonas vaginalis
Os protozoários são microrganismos unicelulares, com estruturas e organelas mais
complexas, cujo sistema de reprodução envolve duas fases. Podem ser classificados
quanto à presença ou não de flagelos, quanto à mobilidade e quanto ao ciclo evolutivo.

Podemos observar que os protozoários têm tamanho semelhante ao das células de


nosso organismo. Isso faz com que sua identificação possa ser feita através da micros-
copia ótica.

Em termos práticos, o Trichomonas vaginalis (Figura 11) representa o protozoário


de maior interesse para o citologista, pois pode aparecer na citologia vaginal. Os outros
protozoários são encontrados no sangue, nas fezes e em outros tecidos.

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Figura 11 – Trichomonas vaginalis
Fonte: LIMA, 2012, p. 43

Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x. Há vários Trichomonas vaginalis (setas)


com núcleos elípticos corados fracamente pela hematoxilina. A identificação dos nú-
cleos do protozoário permite a sua diferenciação com restos de citoplasma ou depó-
sitos de muco. Há ainda células escamosas com pseudoeosinofilia, algumas exibindo
halos perinucleares.
A microbiologia encampa um vasto conjunto de especialidades e subespecialidades,
interferindo em quase todos os campos de atividade, de saúde ou não.

Cada vez mais dispomos de metodologia adequada para a identificação dos micror-
ganismos. Porém é inestimável o auxílio que a microscopia pode trazer na triagem diag-
nóstica que é realizada pelo citologista.

Esse texto é um resumo bastante simplificado do verdadeiro universo que está além
de nosso alcance visual.

Herpes Genital
Com relação ao herpes genital, os anticorpos ajudam a tornar os sintomas de reati-
vação mais leves do que os do primeiro episódio.

É interessante observar que é muito comum encontrar anticorpos no sangue de pes-


soas que aparentemente nunca apresentaram um episódio de herpes genital, ou o epi-
sódio foi tão leve que a pessoa não tomou conhecimento, foi diagnosticado como outra
doença ou ainda ocorreu totalmente sem sintomas, passando, portanto, despercebido.

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UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

A infecção pelo herpes genital ocorre mediante exposição da região genital ao vírus
de um parceiro com herpes em atividade (por contato genital ou oral).

O primeiro episódio é denominado infecção inicial ou primária e é nesse estágio


que alguns vírus retornam aos gânglios neurais. Os episódios subsequentes, conhecidos
como reativações, ocorrem se e quando o vírus sofre replicação no gânglio, liberando
partículas virais que migram pelo nervo de volta ao local da infecção inicial.

O agente patogênico em estudo é o Herpes simples (HSV), da família Herpesviridae.


São vírus de DNA que causam infecções comumente na genitália e mucosa oral.

Subdividem-se em: Herpes vírus II (HSV II), causa primária e inicial da herpes genital
reincidente e infecções neonatal, e Herpes vírus I (HSV I), responsável pela maioria do
herpes orofacial e encefalite.

O citodiagnóstico de Tzanck pode ser útil como método auxiliar. Sua positividade
é refletida pela multinucleação e balonização celulares. A utilização da coloração pelo
Papanicolau permite a observação de inclusões virais.

O exame citológico é praticado nas bordas das zonas ulceradas e no líquido vesicular,
exibindo lesões típicas (Figura 12).

O vírus infecta: células malpighianas, células metaplásicas e células endocervicais.


A fase aguda é breve, durando de duas a três semanas.

A B

Figura 12 – Alterações citopáticas pelo herpes-vírus. Esfregaço cervicovaginal, Papanicolaou, 400x


Fonte: LIMA, 2012, p. 44

(A) Células mono e multinucleadas, essas últimas com amoldamento nuclear. Há ra-
refação da cromatina de diferentes gradações. Observar a borda nuclear espessa em
muitos núcleos devido à marginação da cromatina. (B) Há multinucleação, amolda-
mento nuclear e rarefação da cromatina. Presença de inclusões (setas).
As alterações citológicas são visíveis:
• As lesões iniciais são consequência da replicação viral no núcleo, que aumenta de
volume, torna-se homogêneo e opaco de cor azul pálido (núcleo em vidro despolido);
• A membrana nuclear torna-se espessada por adesão, em sua face interna, de frag-
mentos de cromatina deslocados pelos vírus;
• A multinucleação é frequente e os núcleos se amoldam uns aos outros ou se acavalam.

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Na fase final:
• O núcleo apresenta inclusões únicas, eosinófilas, volumosas, às vezes com halo claro;
• O citoplasma é abundante e cianófilo com formas variadas;
• A degeneração da célula se manifesta por picnose nuclear, que pode dar imagens
citológicas inquietantes.
A presença de células multinucleadas não é suficiente para diagnosticar a infecção
herpética. É necessário que os núcleos adquiram aspecto vítreo típico, que se amoldem
uns aos outros ou contenham inclusões eosinófilas.
Embora o procedimento não seja indicado rotineiramente, permite fazer, com alguma
segurança, o diagnóstico por meio da identificação dos corpúsculos de inclusão.
O isolamento do vírus em cultura de tecido é a técnica mais específica para detecção
da infecção herpética. A sensibilidade da cultura varia de acordo com o estágio da lesão.
É progressivamente menor em lesões vesiculosas, pustulosas, ulceradas e crostosas.
A sua obtenção, na prática diária, é difícil.

Papilomavírus humano (HPV)


As verrugas genitais são conhecidas e descritas há milênios; somente em 1971, estudos
epidemiológicos comprovaram a etiologia viral dessas lesões.
Desde então, várias técnicas, incluindo as moleculares, têm sido utilizadas na identifi-
cação do seu agente etiológico, o Human Papillomavirus (HPV); essas técnicas permiti-
ram diferenciar os vários grupos e estabelecer a correlação, de causa e efeito, de alguns
grupos de HPV com o carcinoma cervical.
No entanto, é característica a morfologia das células possivelmente infectadas com o
vírus, os coilócitos (Figura 13), permitindo o seu rastreamento inicial em exames rotinei-
ros, como o exame de Papanicolau; poucas pacientes deverão ser submetidas a exames
baseados em técnicas moleculares para a identificação do grupo do vírus.

Figura 13 – Coilócitos numa citologia de raspagem, teste


Papanicolau, nesse caso, positivo para infeção por HPV
Fonte: Wikimedia Commons

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UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Os vírus oncogênicos imortalizam as células infectadas impedindo sua diferenciação,


além de aumentar a sua taxa de proliferação. A oncogenicidade do HPV tem sido abor-
dada principalmente em relação à interferência com os genes p53 e pRb; o primeiro,
responsável pela integridade do genoma e, o r segundo aluando como um freio na pro-
gressão do ciclo celular.

As técnicas mais utilizadas para a detecção do HPV foram mencionadas, com docu-
mentação fotográfica pertinente, mostrando a expressão precoce e tardia da infecção
pelo HPV. A atuação das oncoproteínas E6 e E7 através da interação com os oncogenes
p53 e pRb, respectivamente.

Atualmente, a infecção pelo HPV, considerada doença sexualmente transmissível,


dissemina-se devido principalmente ao início cada vez mais precoce de relacionamentos
sexuais e à promiscuidade. É necessário que as pessoas potencialmente expostas à
infecção pelo HPV sejam esclarecidas sobre o risco do desenvolvimento de câncer cer-
vical, associado aos grupos de HPV oncogênicos. Esse alerta deve estar fundamentado
em conhecimentos sobre a biologia do HPV, de sua patogênese e dos meios de preven-
ção, como preservativos ou de detecção precoce, motivos deste estudo.

A verruga genital é conhecida desde a antiguidade por gregos e romanos, sendo con-
siderada como uma doença venérea. Foi denominada de condiloma acuminado (do grego
kondilus = côndilo e do latim acuminare = tornar pontudo), termo utilizado até hoje.

Em 1981, foram publicados os primeiros relatos sobre a detecção, por hibridização


molecular, do DNA-HPV em células neoplásicas do trato genital.

Devido à detecção de apenas tipos específicos de HPV nas neoplasias cervicais de


alto grau, originou-se o conceito de que havia vírus de baixo, intermediário e alto poten-
cial oncogênico.

Em 1995, a IARC e a OMS consideraram o HPV 16 e 18 como os agentes etiológi-


cos do carcinoma escamoso do colo e, em 1996, a conferência de consenso realizada
pelo Instituto Nacional do Câncer dos EUA enfatizou que o câncer cervical, em todos os
casos, é o primeiro tumor sólido essencialmente vírus induzido.

Os vírus de papilomas humanos (HPV) constituem o grupo mais complexo dos vírus
patogênicos, podem ser transmitidos sexualmente, infectam células epiteliais e induzem
lesões proliferativas.

O papiloma, palavra originária do latim, significa mamilo; podemos defini-lo como


projeções digitiformes, acima da superfície epitelial, provocadas por alongamentos exo-
fíticos de papilas dérmicas (papilomatose) que são usualmente recobertas por epitélio
hiperplásico. O aspecto macroscópico configura uma verruga.

Há mais de setenta tipos específicos de HPV, dos quais quarenta comprometem a


região anogenital.

Todos os HPV são trópicos para as células epiteliais escamosas. A infecção produtiva
das células pelo vírus do papiloma pode ser dividida em fases precoce e tardia, ligadas ao
estado de diferenciação da célula epitelial. O vírus infecta as células basais, as únicas ca-
pazes de divisão, no epitélio; dessa forma, há indução de lesão persistente (Figura no link).

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Evolução da infecção por HPV. Disponível em: https://bit.ly/3b1oaFC

As funções da replicação viral (síntese de DNA viral vegetativo, produção de pro-


teínas do capsídeo viral e junção de vírions) são restritas aos ceratinócitos terminal-
mente diferenciados.

À medida que a célula se diferencia, há maior produção de antígenos e replicação


viral nas células superficiais, de modo que a quantidade de DNA aumenta em direção
à superfície do epitélio. Durante esse processo, há acúmulo de proteínas do genoma
e proteínas estruturais relacionadas ao capsídeo. As partículas virais são liberadas por
interferência da proteína codificada a partir do gene E4, que desestabiliza a trama de
ceratina intracelular.

A vacuolização característica da célula pode ser resultado do colapso da citoceratina


que interage com proteínas transcritas em ceratinócitos com diferenciação terminal a
partir de E4.

Teste seu Conhecimento


1. Quais são os principais microrganismos que podemos encontrar no trato genital respon-
sáveis por causar doenças?
2. Como é o perfil celular (microscopia) do citopatológico cervicovaginal?
3. Diferencie os achados encontrados nas diferentes infecções bacterianas.
4. Qual a diferença da patogenicidade e de achados citopatológicos das lesões causadas
pelo HPV e pelo HSV?

Citologia de Líquidos Biológicos


O estudo dos líquidos corporais é ferramenta indispensável para diagnóstico, mo-
nitoração e prognóstico de processos infecciosos, inflamatórios, hemorrágicos e até
neoplásicos dessas cavidades. É utilizado para diferenciação dos processos em agudos
ou crônicos, locais ou sistêmicos, bacterianos, viróticos ou fúngicos. O aumento de ce-
lularidade e suas particularidades, com predomínio das formas polimorfonucleares ou
linfomonocitárias, aliadas a determinações bioquímicas, exames bacteriológicos e imu-
nológicos, definem a presença e resposta ao tratamento de meningites, pneumonias,
artrites e peritonites.

Líquido Sinovial
O líquido sinovial, encontrado nas cavidades articulares, é viscoso, sendo formado
por um ultrafiltrado do plasma através da membrana sinovial (Figura 14).

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UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Figura 14 – Localização líquido sinovial


Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons

Como essa filtração plasmática não é seletiva, exceto no que diz respeito às proteínas
de alto peso molecular, o líquido sinovial normal tem, essencialmente, a mesma com-
posição bioquímica do plasma. Fornecem nutrientes para as cartilagens e atua como
lubrificante das faces articulares móveis.

Embora se encontrem líquido em todas as articulações, a amostra geralmente


recebida pelo laboratório é aspirada do joelho com agulha, num procedimento cha-
mado artrocentese.

O líquido sinovial normal não se coagula, mas o proveniente de articulações compro-


metidas pode conter fibrinogênio e formar coágulos.

As principais análises de rotina do líquido sinovial compreendem: aspecto, viscosi-


dade, contagem celular global e diferencial e identificação de cristais. O líquido sinovial
normal é transparente e amarelo claro. Sua cor escurece quando há inflamação.

Um dos mais importantes exames realizados no líquido sinovial é o da identifica-


ção microscópica de cristais, usado no diagnóstico da artrite. Os principais cristais
encontrados são: cristais de ácido úrico encontrados nos casos de gota, cristais de
colesterol provenientes de infecções de cartilagens e cristais de corticosteroides resul-
tantes de injeções.

Considerando que, do ponto de vista bioquímico, o líquido sinovial é um ultrafil-


trado do plasma, os valores da análise bioquímica são aproximadamente os mesmos
dos séricos.

Portanto, são poucas as análises bioquímicas consideradas clinicamente importantes.


A mais solicitada é a dosagem de glicose, pois quando seus valores são muito baixos, há
indício de distúrbios infecciosos. Outras análises bioquímicas que podem ser solicitadas
são as dosagens de proteínas totais e de ácido úrico.

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Como as grandes moléculas de proteínas não são filtradas pelas membranas sino-
viais, sua quantidade no líquido sinovial é inferior a 3,0 g/dL.

Pelo fato de a elevação dos níveis séricos de ácido úrico em casos de gota ser bem
conhecida, a demonstração de níveis elevados desse ácido no líquido sinovial pode ser
usada para confirmar o diagnóstico quando não for demonstrada a presença de cristais.
Em processos infecciosos, realiza-se também a cultura microbiológica.

Líquido Pleural
Ocorre acúmulo anormal de líquido pleural nas situações em que a permeabilidade
e a drenagem linfática são afetadas (Figura 15). Exemplos dessas situações são a insu-
ficiência cardíaca, a pneumonia e os carcinomas.

Figura 15 – Líquido pleural


Fonte: Wikimedia Commons

O líquido pleural normal é transparente, de cor amarelo claro. A turvação em geral


está ligada à presença de leucócitos e indica infecção bacteriana, tuberculose ou dis-
túrbio imunológico.

A presença de sangue no líquido pleural pode significar hemotórax (lesão traumá-


tica), lesão da membrana (como ocorre nas neoplasias) ou pode decorrer de aspiração
traumática. A contagem de leucócitos totais e a contagem diferencial são realizadas no
líquido pleural e têm utilidade no diagnóstico das infecções bacterianas e da tuberculose.
É considerado elevado um número superior a 1.000 células/µl.

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UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Nos derrames tuberculosos, observa-se predominância de linfócitos e de monócitos.


Nas infecções bacterianas apresenta predominância de neutrófilos. Alta contagem de
linfócitos também é um achado frequente dos derrames neoplásicos.

Como o líquido pleural tem origem estritamente plasmática, os resultados normais da


análise bioquímica desse líquido são os mesmos das plasmáticas.

Os testes mais utilizados são as dosagens de glicose, proteínas, desidrogenase láctica


(DHL), amilase e pH. Quando necessário, realizam-se exames microbiológicos.

Líquido Pericárdico
Normalmente, a quantidade de líquido encontrada entre as membranas pericárdicas
é pequena, em torno de 10 a 50 ml, sendo esse líquido amarelo claro e transparente
(Figura 16). Os derrames pericárdios decorrem sobretudo de alterações na permeabili-
dade das membranas, por infecção (pericardite), neoplasia ou comprometimento meta-
bólico. Suspeita-se de derrame pericárdio ao se notar compressão cardíaca durante o
exame físico. Nos distúrbios metabólicos, o líquido aspirado é transparente. O mais co-
mum, porém, é encontrar turvação produzida por infecção e neoplasia. A presença de
líquido com filamentos sanguíneos é frequente quando a lesão da membrana é causada
por tuberculose e tumores.

Figura 16 – Pericardiocentese retirada do líquido pericárdico


Fonte: Wikimedia Commons

Se a contagem de leucócitos supera 1.000 células/µl, há indício de infecção. Assim


como ocorre com o líquido pleural, alta porcentagem de neutrófilos indica endocar-
dite bacteriana. Baixos níveis de glicose indicam infecção bacteriana ou neoplasia.
Normalmente não se procede exame microbiológico, a menos que se suspeite de
endocardite bacteriana.

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Líquido Peritoneal (Ascítico)
O acúmulo de líquido na cavidade peritoneal é chamado ascite (Figura 17). A análise
do líquido fornece resultados na detecção de hemorragia intra-abdominal por traumatis-
mos: o número de hemácias e leucócitos ajudam a decidir se há necessidade de cirurgia.
Assim como os líquidos pleural e pericárdico, o líquido peritoneal normal é transparente
e amarelo claro.

Figura 17 – Retirada da líquido de ascite


Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons

O líquido fica turvo nas infecções bacterianas ou fúngicas e podem tornar-se verdes
quando há derrame biliar. A presença de bile pode ser confirmada com uso de provas
bioquímicas convencionais para a detecção de bilirrubina.
A contagem normal de hemácias em geral fica abaixo de 100.000/µl. A ocorrência
de contagem elevada pode indicar traumatismo hemorrágico. A contagem normal de
leucócitos é inferior a 300/µl, e esse número aumenta na peritonite bacteriana e na
cirrose. A análise bioquímica do líquido ascítico consiste basicamente na dosagem de
glicose, amilase e fosfatase alcalina. Os níveis de glicose são baixos nas infecções, tu-
berculose e neoplasias. A amilase é dosada no líquido ascítico para verificar casos de
pancreatite. Um nível elevado de fosfatase alcalina também é altamente indicativo de
perfuração intestinal. Se necessário, realizam-se exames microbiológicos.

Lavagem Broncoalveolar
Por meio da análise de amostras obtidas por lavagem broncoalveolar é possível obter
dados citológicos e microbiológicos sobre a parte inferior do sistema respiratório. Para
isso, com um broncoscópio injeta-se solução salina, que, depois de se misturar ao con-
teúdo brônquico, é retirada por aspiração, podendo-se realizar análise microbiológica
e citológica. A análise mais importante desse líquido é observar a presença de fungos,
BAAR e Pneumocystis carinii.

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UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Análise do Líquido Cefalorraquidiano (Líquor)


O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) é utilizado para o diagnóstico de pelo me-
nos quatro das principais afecções neurológicas, como infecções, hemorragias, doenças
degenerativas e doenças neoplásicas.

Sendo o material de difícil obtenção, colhido por especialista, o laboratório não se pode
restringir a determinado tipo de exame apenas, mas proceder simultaneamente ao estudo
de vários parâmetros para tentar chegar ao diagnóstico de uma doença particular. Nor-
malmente é límpido e incolor e a alteração na aparência pode fornecer informações diag-
nósticas importantes. É importante anotar o volume de líquido colhido (Figura no link).

Locais de punção do líquido cefalorraquidiano. Disponível em: https://bit.ly/2PLYfuc

As terminologias mais usadas para descrever o aspecto do líquor são límpido, opaco
e turvo.

As terminologias mais usadas para descrever a cor do líquor são incolor, xantocrômico,
leitoso e hemorrágico.

A ocorrência de amostra opaca ou turva pode ser indício de infecção, sendo a opaci-
dade causada pela presença de leucócitos.

Todas as amostras devem ser tratadas com extremo cuidado porque podem ser alta-
mente contagiosas, sendo imprescindível o uso de EPI.

Xantocromia é um termo usado para descrever uma coloração rosada, laranja ou


amarela. Isso se deve a vários fatores, sendo o mais comum a degradação dos eritrócitos.

Dependendo da quantidade de sangue e do período em que este permanecer, a cor


pode variar desde rosa (pequena quantidade de hemoglobina), laranja (forte hemólise) e
o amarelo (conversão da hemoglobina em bilirrubina).

Em recém-nascidos, principalmente prematuros, é comum observar xantocromia


devido à imaturidade da função hepática.

É realizado pela contagem global de células por mm3 na Câmara de Fuchs Rosenthal
(conta-se toda a câmara e divide-se por 3,3, que é o volume total da câmara) e pela con-
tagem específica dessas células, quando necessário. Um LCR normal apresenta menos
de cinco leucócitos por mm³.

Após a contagem das células do LCR são realizados os exames microbiológicos de


acordo com a contagem do líquor e a pedido médico.

Caso tenha mais do que cinco leucócitos por mm³, é necessária a realização de um es-
fregaço pelo método de Gram (para pesquisa bacteriana) e outro pelo método de Giemsa
(para contagem diferencial dos leucócitos).

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Realiza-se também, a pedido médico, a pesquisa de fungos através de exame a fresco
e pelo método da tinta nanquim e pesquisa de BAAR pela coloração de Ziehl-Neelsen.
Procede-se também a cultura do líquor em meios específicos.

Líquido Seminal
A análise do líquido seminal é ainda a principal maneira de avaliar o potencial repro-
dutivo masculino e o controle da vasectomia. Nesse exame, as características físicas e
químicas do sêmen são avaliadas, bem como concentração, motilidade (movimentação)
e morfologia (forma) dos espermatozoides. O fluído seminal poderá também ser testado
para presença de bactérias, glóbulos brancos e vermelhos.

Veja o capítulo 5.1, sobre citologia em líquidos biológicos, página 193 do livro de Gamboni
e Miziara, “Manual de citopatologia diagnóstica”. Disponível em: https://bit.ly/38Y3iOD

Teste seu Conhecimento


1. Qual o perfil citológico encontrado no diferentes líquidos biológicos?
2. Cite quais são as infeções geralmente encontradas nos líquidos biológicos e pesquisadas
pelo exame citopatológico?

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UNIDADE Citologia de Lesões, Líquidos, Secreções e Excreções

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Leitura
Atlas de citopatologia ginecológica
https://bit.ly/3szlMvK
Vaginose bacteriana diagnosticada em exames citológicos de rotina:
prevalência e características dos esfregaços de Papanicolau
https://bit.ly/32tZZv5
Estudo comparativo dos resultados obtidos pela citologia oncótica
cervicovaginal convencional e pela citologia em meio líquido
https://bit.ly/3xjFOyb
Prevalência de alterações em exames preventivos em um laboratório de SINOP – MT
https://bit.ly/2QK5WkD

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Referências
CONSOLARO, M. E. L.; ENGLER, S. S. M. (org.). Citologia clínica cérvico-vaginal:
texto e atlas. São Paulo: Roca, 2012.

KOSS, L. G.; MELAMED, M. R. Koos Diagnostic cytology and its histopathology


bases. 5. ed. Philadelphia: J. B. Lippincott Company, 2006.

KURMAN, R. J.; SOLOMON, D. O Sistema Bethesda para o relato de diagnóstico


citológico cervicovaginal. Revinter, 1997.

LIMA, D. N. de O. Atlas de citopatologia ginecológica. Brasília: Ministério da Saúde;


CEPESC: Rio de Janeiro, 2012.

LOWHAGEN, T.; MCKEE, G. T. Citopatologia. São Paulo: Artes Médicas, 2001.

THE BETHESDA COMMITEE. The Bethesda System for reporting cervical/vaginal


cytologic diagnosis. Acta Cytologica, v. 37, p. 115-124, 1993.

WASHINGTON, C. W. et al. Koneman’s color atlas and textbook of diagnostic


microbiology. 6. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2006.

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