Você está na página 1de 4

RESENHA

Gabriel Victor Rodrigues Ferreira1

SANTOS, Pedro E. C. Os invisíveis da terra em


Deuteronômio. Campinas: Saber Criativo, 2019. 240 p.

Independentemente se você é uma pessoa recém-convertida ou que já


tem muitos anos de cristianismo, deve ter se deparado com a pergunta interior
de que a nossa missão como igreja deve de alguma forma contribuir com a
sociedade carente. O pobre, o necessitado, a viúva, o órfão e o estrangeiro
sempre precisarão de cuidados especiais uma vez que na categoria social eles
sempre se encontram em um local defasado. A teologia do antigo testamento é
encantadora, muitos focalizam no reino messiânico, na geopolítica, na estrutura
sacerdotal dos Israelitas ou até mesmo, em como a salvação era proclamada
diante do povo e das nações vizinhas à Israel. Neste livro, o professor Pedro
trata de como deuteronômio regulamentou o cuidado aos mais prejudicados
socialmente, sejam eles quais forem. Dessa forma, o autor abençoa a igreja
brasileira com um conteúdo do qual você não poderá não se sensibilizar aos
mais necessitados ao teu redor, dando assim, um panorama histórico descritivo
do que Deus estipulou ao seu povo no antigo testamento com o trato do mais
fraco.
Em primeiro lugar, a obra de Pedro Santos tem um caráter exegético. O
autor visa deixar claro que “os invisíveis da terra em Deuteronômio” são
pessoas que vivem à margem da comunidade. Embora seja uma obra
acadêmica e densa, o livro é uma aula bem didática de como Deus se
importava com as pessoas mais frágeis, e de maneira bem estimulante o autor
nos impulsiona a ler com a visão de um povo que foi removido de um contexto
de escravidão através da graça soberana, e que seu povo, sendo assim,
também deveria ser gracioso para com os próximos aos teus portões.
No livro de Deuteronômio, encontra-se uma declaração
que pode ser tida como relevante para designar a questão
dos Invisíveis da Terra, ao menos de um grupo específico
dentro desse grupo. Essa se encontra em Deuteronômio
15.11: “Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso
que eu te ordeno: abre a mão em favor do teu irmão, do
teu humilde e do teu pobre em tua terra” (BJ). Tal
afirmação demonstra a importância dos Invisíveis da Terra
para a legislação do livro de Deuteronômio, e, também se
pode dizer, da importância da legislação deuteronômica
para eles. Assim, há interação de interdependência de um
para com outro. A legislação a ser estabelecida coloca em
1
Graduando Bacharel em teologia pela Faculdade Batista Logos (SEBARSP, 2023).
relevo a condição pessoal de um grupo de pessoas que,
por sua condição socioeconômica, vinha sendo
desconsiderada pela comunidade ao seu redor (p. 15-16)
Em segundo lugar, o autor deixa bem claro que “cuidar o invisível da
terra, dentro de Deuteronômio, é valorizar o próprio Deus de Israel” e isto é
fenomenal! Trazer tal conceito à tona é chamar a atenção do leitor de que o
alvo principal do cuidado não era o de ser visto pela comunidade em si ou de
se autopromover como uma pessoa piedosa. Mas, é de ser grato ao Deus que
removeu o povo da escravidão e que foi gracioso.
A perspectiva deuteronômica, segundo o autor, no Antigo Testamento enfatiza a
importância do cuidado com o ’ebyôn que são frequentemente traduzidos como
"pobres" ou "necessitados". Em Deuteronômio e em outros livros da Bíblia
hebraica, a preocupação com os pobres e necessitados é vista como uma
parte fundamental da obediência à vontade de Deus e da glorificação de Deus.
O autor destaca vários termos para demonstrar este cuidado para os mais
carentes, os termos são: ‘Ebyon e ‘Anî (pobre, necessitado, aflito), ‘Almanah
(viúva), Gêr (estrangeiro), Yâtom (Orfão), Lêwî (Levita), ‘Ebed (servo, escravo),
‘Amah (serva, escrava) e qâtôn (pequeno, insignificante).
O autor trata em seu livro em desse conceito de Invisíveis da Terra em
Deuteronômio em pelo menos quatro blocos, coma “distribuição dos vocábulos”
(parte 1), com “Os invisíveis da Terra e sua ‘pobreza’” (parte 2), ele perpassa
exegeticamente cada um destes invisíveis no bloco “Os invisíveis da Terra em
bloco” (parte 3) e por fim, “Os invisíveis da Terra como propriedade” (parte 4)
fecha demonstrando como a Semittâh deveria auxiliar na restauração ou na
continuidade do trabalho de livre vontade da parte do ‘Ebed ou da ‘Amah.
Essas leis são dadas em Deuteronômio e instrui o povo de Israel a cuidar dos
pobres e necessitados. Isso inclui a prática de dar aos necessitados uma parte
dos seus campos e colheitas (Deuteronômio 24:19-22) e não explorar os
necessitados (Deuteronômio 24:14-15). O cumprimento destas leis é visto
como uma expressão de obediência a Deus.
A perspectiva deuteronômica destaca que Deus é misericordioso e
compassivo. Ao cuidar dos pobres e necessitados, o povo de Israel está
refletindo o caráter de Deus, que é aquele que cuida dos oprimidos e
desamparados. Cuidar dos necessitados é visto como um ato de justiça social.
Isso significa garantir que todos tenham acesso aos recursos necessários para
viver com dignidade. A justiça social é vista como algo que honra a Deus. O
cuidado com os necessitados também fortalece a unidade da comunidade.
Deuteronômio enfatiza a ideia de que o povo de Israel é uma comunidade que
deve se apoiar mutuamente.
Deuteronômio, como o quinto livro do Antigo Testamento, é uma obra
fundamental que coloca Deus e o homem no centro de sua narrativa de
maneira profunda e interconectada. O livro é essencialmente uma
recapitulação das leis e instruções dadas por Deus a Israel, mas vai além de
ser um simples código legal. Ele estabelece um relacionamento especial entre
Deus e o povo de Israel, um relacionamento baseado em amor, obediência e
fidelidade. No livro, o autor destaca a intenção principal ou o objeto focal que é
o tu/vós.
Desde o início de Deuteronômio, Moisés reconta a história do povo de Israel,
lembrando sua jornada no deserto, sua libertação da escravidão no Egito e a
manifestação da presença de Deus em suas vidas. Essa história não é apenas
um relato histórico, mas um lembrete da graça e do cuidado de Deus em
relação ao Seu povo. É um testemunho do relacionamento profundo entre
Deus e Israel. É uma recapitulação de como eles foram estrangeiros em terras
alheias, de como foram oprimidos, necessitados e afligidos no Egito.
No coração de Deuteronômio estão os mandamentos e instruções de Deus.
Esses mandamentos não são simplesmente uma lista de regras, mas uma
expressão do desejo de Deus de que Seu povo viva em um relacionamento
correto com Ele. Eles incluem o chamado para amar a Deus acima de tudo,
obedecer aos Seus mandamentos e confiar em Sua providência. Estes
mandamentos não são onerosos, mas são projetados para proteger e
aprimorar o relacionamento entre Deus e o homem. A obediência implica em
benção, a desobediência implica em maldição.
O relacionamento entre Deus e o homem em Deuteronômio é recíproco. Deus
promete bênçãos e proteção quando o povo obedece e permanece fiel à
aliança, mas também adverte sobre as consequências da desobediência. Isso
enfatiza a responsabilidade mútua e a interdependência entre Deus e o povo.
Além disso, Deuteronômio não se limita apenas à relação vertical entre Deus e
o homem; ele também enfatiza os relacionamentos horizontais entre seres
humanos. As leis sociais e éticas em Deuteronômio são intrinsecamente
ligadas à relação com Deus. As orientações sobre o tratamento de
estrangeiros, viúvas, órfãos e pobres mostram a preocupação de Deus com a
justiça social e o cuidado com os menos favorecidos. A obediência a Deus se
traduz em amor e justiça em relação aos outros seres humanos.
No livro, Pedro Santos apresenta de maneira magistral as práticas da
Semittâh, uma parte essencial da legislação deuteronômica que demonstra a
preocupação de Deus com a justiça social e o cuidado para com os oprimidos.
As práticas da Semittâh, que incluem o perdão de dívidas, o descanso da terra
no sétimo ano e a promoção da igualdade econômica e solidariedade
comunitária, são cuidadosamente examinadas em sua obra.
Primeiramente, Pedro Santos destaca que a Semittâh era muito mais do que
um conjunto de leis; era uma ordenança direta de Deus ao povo de Israel. Isso
implica que essas práticas tinham raízes profundas na aliança entre Deus e
Seu povo. Eram expressões tangíveis da natureza compassiva e justa de Deus
e refletiam Seu desejo de ver Sua criação vivendo em harmonia e equidade.
A ênfase do autor na Semittâh se concentra no perdão de dívidas. Ele explora
como essa prática não apenas aliviava o fardo dos endividados, mas também
evitava a criação de uma classe permanente de pobres devido a dívidas
insustentáveis. O perdão de dívidas não era apenas um ato de generosidade;
era uma manifestação da graça divina e da preocupação de Deus com os
oprimidos e necessitados. O autor ilustra como, ao perdoar dívidas, Deus
estava, de fato, restaurando a dignidade daqueles que enfrentavam
dificuldades financeiras e dando um recomeço em suas vidas.
Além disso, o descanso da terra no sétimo ano era uma prática que não
apenas permitia à terra se regenerar, mas também garantia que todos tivessem
acesso a alimentos, independentemente de sua situação econômica. O autor
realça como isso encarnava a ideia de graciosidade, onde a terra era
compartilhada e ninguém ficava faminto. Era uma manifestação prática do
mandamento de amar o próximo como a si mesmo e do estabelecimento de um
reino de equidade.
Hoje, para a igreja brasileira, essas lições da Semittâh têm um significado
profundo. Elas nos desafiam a ser agentes ativos de justiça social, a perdoar
dívidas, a compartilhar recursos e a garantir que ninguém seja oprimido
economicamente. Isso significa que a igreja deve estar ativamente envolvida
em questões de pobreza, desigualdade e injustiça. Devemos seguir o exemplo
de Deus em Deuteronômio, demonstrando Seu amor e cuidado em nossa
sociedade. É claro que essa visão de equidade e justiça apenas terá
cumprimento total no reino messiânico, no entanto, o autor enfatiza o fato de
que confiar em Deus é também ser generoso para com os necessitados, sejam
eles de dentro ou estrangeiros.
Recomendo com alegria tal material, de fato, sua densidade acadêmica
e sua proposta descritiva podem causar um susto ao leitor inicial. Mas isto não
compromete sua compreensão de maneira geral, a edição da editora Saber
Criativo caprichou no material. Tem páginas suavemente amareladas, as quais
facilitam sua leitura. Espero que muitos se aventurem nessa jornada de
aprender mais sobre o antigo testamento, e fortaleçam suas pregações de
maneira exegética e descritiva, enfatizando sempre o caráter de Deus em cada
linha da escritura.

Você também pode gostar