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AULA 3

ESTRATÉGIA DE RUPTURA E
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA

Prof. Rony Ahlfeldt


TEMA 1 – Prospectiva estratégica
A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.

Peter F. Drucker

Pensar o futuro é um grande desafio para os gestores e líderes


organizacionais. Como o ambiente de negócios será daqui 5, 10, 20 anos? Que
decisões tomar hoje, preparando a organização para o futuro? Que cenário se
descortinará? O cenário é dado tão somente pelas variáveis externas ou as
organizações podem fazer alguma coisa para interferir no processo? Porter (1990,
p. 72) define cenário como

uma visão internamente consistente do que o futuro poderá vir a ser, e


tem como principais funções a avaliação explícita de premissas de
planejamento, o apoio à formulação de objetivos e estratégias, a
avaliação de alternativas, o estímulo à criatividade, a homogeneização
de linguagens e a preparação para enfrentar descontinuidades.

Em última análise, o que se procura com o estudo de cenários é reduzir “as


chances de surpresas indesejáveis nas corporações e capacitar os executivos a
tomar melhores decisões, em tempo hábil” (Carlos, 2002, p. 1). Com esse objetivo
em mente, seguiremos para a compreensão da prospectiva estratégica, temática
desta aula.
Segundo Godet et al. (2000, p. 13, tradução nossa, grifos do original),
diante do futuro, as organizações ou os seres humanos podem escolher uma entre
quatro atitudes:

o avestruz passivo, que sofre a mudança; o bombeiro reativo, que


aguarda que o fogo se declare para o combater; o segurador pré-ativo,
que se prepara para as mudanças previsíveis porque sabe que a
reparação é mais cara que a prevenção; e, enfim, o conspirador
proativo, que atua no sentido de provocar as mudanças desejadas.

A atitude prospectiva é o comportamento resultante da união das atitudes


pré e proativa. Ou seja, ocorre quando uma organização se antecipa aos
acontecimentos futuros e procura gerar mudanças no ambiente, muitas vezes
inovando.
Segundo Weigel (2018),

A Prospectiva Estratégica vem tomando o lugar ou complementando o


Planejamento Estratégico tradicional, e traz vantagem competitiva em
tempos de inovação. Na maioria dos debates sobre o momento
disruptivo do mercado, ouvimos muitos executivos entendendo
claramente o que vai acontecer mas não sabendo com precisão como
se preparar para o que vem ou antecipar o cenário na prática através de
metodologias pragmáticas.
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Como forma de compreender o futuro, a análise prospectiva tem sido uma
das ferramentas mais efetivas. De acordo com Godet (2003), ela permite
identificar futuros possíveis (cenários) a partir da visão dos atores (metodologia
qualitativa de análise).
Quando unimos o termo prospectiva (exploração do futuro, tempo de
antecipação) ao termo estratégia (abordagem, ação, postura ou tempo de
preparação da ação), temos como resultado a formulação de ações futuras por
meio de um planejamento que leve em conta as principais oportunidades e
ameaças (Godet, 2003; Godet et al., 2000). “Esta dicotomia entre a exploração do
futuro e a preparação da ação conduz à formulação de cinco questões
fundamentais: ‘Que pode acontecer no futuro?’ (Q1); ‘Que posso fazer?’ (Q2);
“Que vou fazer?’ (Q3); ‘Como vou fazê-lo?’ (Q4) e, [...], ‘Quem sou eu?’ (Q0)”
(Godet, 2000, p. 12).
Pierre Wack, um dos líderes do grupo Shell (empresa precursora no uso de
análise prospectiva), contou a Rumelt (2011, p. 95) que “certos aspectos dos
eventos futuros são predeterminados: se ocorre uma tempestade nos Himalaias,
você pode prever de forma confiável que amanhã, ou no dia seguinte, haverá
inundações na planície do Ganges.”
Na área de prospectiva estratégica, de acordo com Rumelt (2011), o grupo
de planejamento da Shell International fez, ao final da década de 1960, início dos
anos de 1970, algumas das previsões mais impressionantes já vistas. Previram
que, na década de 1970, surgiria a OPEP (Organização dos Países Exportadores
de Petróleo), com a consequente crise energética que levou a mudanças, por
exemplo, na indústria automobilística dos EUA, abrindo o mercado para os carros
japoneses, mais econômicos e baratos. O que este grupo observou foram
mudanças no padrão de renda e na população dos principais produtores de
petróleo, especialmente Irã, Iraque e Venezuela – fatores importantes nas
reservas de petróleo, populações em crescimento e metas ambiciosas de
desenvolvimento. Concluía-se, assim, que os países precisavam de mais dinheiro.
Houve a criação de um cartel (OPEP) entre esses países com Kuwait e Arábia
Saudita, estratégia para segurar a produção de petróleo, apresentando escassez,
para que os preços se elevassem no mercado. Um empresário ou empreendedor
pode ser levado, pelo aumento do preço do petróleo, a investir em poços e
refinarias. Porém, com mais empresas produzindo, o preço logo cai, de modo que
o cenário muda drasticamente, e assim quem investiu tem perdas e uma grande

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capacidade ociosa. Podemos concluir, com essa lógica, que é preciso cuidar com
as ondas ou bolhas (Rumelt, 2011). Procure assistir ao filme A Grande Aposta
(The Big Short, 2015) para entender o funcionamento de uma bolha e como, por
meio de análise prospectiva, é possível antecipar o seu estouro.
No caso da crise do petróleo, onde está a parte estratégica da Shell, que
acompanha a análise prospectiva?

O time de Wack desenhou dois cenários e suas respectivas histórias, no


intuito de ilustrar como poderiam acontecer e quais as consequências
para os negócios da Shell no mundo. O primeiro cenário construído
mostrava uma situação onde os preços do petróleo permaneceriam
relativamente estáveis, porém, para que isto ocorresse, a Shell teria que
rapidamente buscar novos campos de petróleo que os existentes nos
países árabes. Já o segundo, previa uma crise mundial no preço do
petróleo sem antecedentes e que seria gerada a partir de uma retaliação
política com impactos econômicos aos países ocidentais, principalmente
os EUA, por terem apoiado Israel na guerra dos 6 dias contra os árabes
em 1967. O fato marcou de tal forma o sucesso da construção de
cenários da Shell, que, mesmo com os acontecimentos da crise do
petróleo e o choque de preços determinado pela OPEP, a empresa
conseguiu antever as mudanças e tornar-se líder do setor após alguns
anos. (Campos, 2016, p. 214-15)

Diante de um ambiente de incertezas, tão ambíguo, capaz de levar a um


ponto de inflexão, trabalhar com análise prospectiva é essencial, pois permite
estabelecer uma nova visão sobre o futuro. A análise prospectiva não se direciona
pelas tendências de um setor, mas pelas incertezas que podem levar a grandes
mudanças.

TEMA 2 – O QUE A EMPRESA PRECISA SABER SOBRE O FUTURO?

Para as organizações, saber algo sobre o futuro é, em última análise,


conhecer bem o ambiente de atuação. Aliás, como bem definiram Meirelles,
Gonçalves e Almeida (2000, p. 5), estratégia é a “adequação da organização ao
seu ambiente”. Adequar no sentido de estar em sintonia, compreender as
tendências e mudanças e se antecipar ou se ajustar a elas, promovendo
inovações que sejam necessárias ou que alterem o próprio ambiente, para a
tomada de decisões que promovam a saúde organizacional, em médio e longo
prazos.
Certo et al. (2005, p. 39) definem previsão ambiental como “a técnica pela
qual se estabelecem as possíveis condições de um ambiente organizacional em
determinado momento no futuro.” Em geral, os tomadores de decisão desejam
(necessitam) pensar pelo menos nas seguintes questões:

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• Qual será a demanda para nossos produtos ou serviços nos próximos
anos? Crescerá? Diminuirá? Migrará para novas regiões?
• Em que bases se dará a competição entre os principais concorrentes? Por
preço? Investimentos em tecnologia? Ampliação da oferta? Lançamento de
novos produtos? Fusões e aquisições (concentração de mercado)?
Entrada de novos concorrentes?
• Em que fase do ciclo de vida do nosso setor, modelo de negócios, produtos
ou serviços entraremos? Crescimento? Maturidade? Declínio? Será
substituído por outro setor (como por exemplo os casos Uber x táxi; filmes
por demanda x locadoras; reuniões virtuais x companhias aéreas, entre
outros)?
• Quis serão as principais mudanças estruturais (econômicas,
comportamentais, político-legais e tecnológicas) no nosso setor ou região
que impactarão nos negócios?

Complementando este ponto, Certo et al. (2005, p. 39) entendem que,

Ao efetuar previsões ambientais, os administradores procuram prever a


posição futura dos componentes do ambiente importantes para todos os
níveis ambientais. Normalmente, a provisão ambiental feita por
organizações inclui previsões econômicas, políticas e tecnológicas. Por
exemplo, as inovações tecnológicas em microeletrônica e
telecomunicações já estão retirando trabalhadores das fábricas e
escritórios – onde a revolução industrial os colocou – e os devolvendo
para o local de onde vieram: o lar.

Outra maneira de identificar o que é importante para a organização com


vistas à adequação ao ambiente futuro são as “verdades duras” que afetam o
futuro do setor de atuação. Ou seja, os elementos que precisam ser colocados em
questão, trazendo pontos favoráveis ou não ao negócio. Por exemplo:

• Qualidade da mão de obra: em alguns setores há apagão de mão de obra


qualificada, como por exemplo tecnologia de informação, educação e
setores de serviços. Assim, ou a organização enfrenta o desafio de forma
pragmática e toma decisões para minimizar esse ponto, ou passará muito
tempo se queixando sobre a qualidade dos profissionais que recebe em
seus processos seletivos – com isso, sua qualidade e competitividade
podem ser comprometidas.
• Redução de preços: quando um segmento chega à maturidade, um dos
primeiros sinais é a queda nos preços para o consumidor. Como atuar para
que isso não se torne o fim da organização? Quais são as soluções que
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podem trazer mais competitividade em preço, sem baixar significativamente
o resultado financeiro? Existe outro posicionamento estratégico que a
organização deva começar a construir para fugir dessa briga?
• Estrutura de custos: novos concorrentes ou setores substitutos podem
surgir com uma estrutura de custos mais enxuta. Que tipo de resposta, que
são muitas vezes duras (enxugamento do quadro de pessoal, negociação
ou mudança de fornecedores de longa data, fechamento de unidades etc.),
deve ser dada? A estrutura de custos da organização está adequada ao
ambiente competitivo que será enfrentado no futuro?
• Agressividade dos concorrentes: os concorrentes são extremamente ágeis
em definir políticas comerciais, ações publicitárias e lançamento de
produtos, ou às vezes são desonestos com o pagamento de impostos ou a
compra de insumos. A organização pode reclamar e justificar que são
culturas organizacionais diferentes, ou pode enfrentar o desafio e promover
as mudanças internas necessárias para enfrentar o problema.
• Mudanças demográficas: uma análise mais fina sobre dados demográficos
disponíveis no IBGE, por exemplo, que apresentem tendências sobre as
taxas de crescimento da população, densidade demográfica na região de
atuação, envelhecimento ou mesmo mudanças no estilo de vida, podem
levantar questionamentos importantes para os tomadores de decisão. São
mudanças sobre as quais a organização tem pouca ou nenhuma
interferência, cabendo a ela se ajustar para que não seja negativamente
impactada.
• Produtos ou serviços substitutos: quais são os movimentos de outros
setores que podem atender às necessidades dos consumidores (por outro
meio) e substituir (não necessariamente concorrer com) os produtos ou
serviços do seu setor de atuação? Às vezes essa é uma mudança
silenciosa e que chega repentinamente. Porém, em geral há sinais de que
um segmento pode estar prestes a ser substituído – mudanças na
tecnologia, no comportamento dos consumidores, mudanças de hábitos ou
costumes ou mesmo legais. Exemplos: segmento de chapéus masculinos
substituídos ou por bonés ou mesmo pelo desuso; segmento de brindes
eleitorais, substituído por mudança nas regras para campanhas políticas;
parte do segmento lojista no centro das cidades que foi substituído por
shoppings centers nos bairros.

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• Profissionalização das organizações: cada vez mais é necessário atuar a
partir de conhecimento técnico e especializado. Cada negócio ou setor
apresenta riscos de atuação diferentes – nos aspectos trabalhista,
ambiental, segurança física dos consumidores e financeiro –, que exigem
que as organizações se profissionalizem. Um exemplo recente é a
aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, que muda
completamente a forma como se captura, armazena e utiliza dados de
clientes e colaboradores. Sem conhecimento técnico especializado, o risco
de agir de forma equivocada e sofrer punições é elevado.

TEMA 3 – ANÁLISE PROSPECTIVA

O planejamento de cenários deve estabelecer a diferença entre o previsível


e o incerto (Schwartz, 2003). A elaboração de cenários surgiu visando transformar
a incerteza total em incerteza parcial. Por essa razão, muitas das metodologias
utilizadas atualmente não operam mais apenas com a previsão, mas sim com a
prospectiva. Atitude prospectiva significa que o futuro passou a ser encarado
como algo que não está predeterminado, que não está definido, que está por ser
elaborado.
Para Rumelt (2011), análise prospectiva significa antecipação: antecipar as
mudanças que podem ocorrer, estar preparado pela lidar com elas de modo que
a organização consiga se sair melhor.
Quando a Shell comemorou 40 anos desde que iniciou o trabalho com
cenários, Jeremy Bentham, diretor de Cenários, Estratégia e Desenvolvimento de
Negócios da Royal Dutch Shell, declarou que “o nosso objetivo não é prever o
futuro, mas habilitar os tomadores de decisão a tomarem decisões mais ricas e
melhores envolvendo o futuro, como resultado de ter uma compreensão mais
profunda dos principais motores e das principais incertezas” (40 years..., 2013, p.
3).
Uma análise prospectiva por meio da criação de cenários não nos dá uma
imagem exata da realidade futura. Trata-se na verdade de uma forma de
representar a realidade subsidiando ações do presente, tendo em vista os futuros
possíveis e, por que não, desejáveis.
Tomar decisões sobre certo nível de incerteza faz parte da rotina de
estrategistas e demais tomadores de decisão. Reduzir a incerteza é um dos
objetivos quando se atua de forma prospectiva. Schoemaker (1995, citado por
7
Carvalho et al., 2011, p. 12) considera como incertezas aqueles “eventos e
resultados incertos e se eles poderão afetar as questões com as quais a empresa
está preocupada”. Já para Marsh (1998, citado por Belfort, 2007 p. 3) incerteza é
“o desconhecimento sobre quais questões, tendências, decisões e eventos
poderão compor o amanhã”. Sabendo de alguns eventos são mais previsíveis que
outros. Nesse sentido, Belfort (2007 p. 3) afirma que, “quanto menor a
familiaridade com os eventos, maior o grau de incerteza do ambiente futuro”.
Van der Heijden (2009) aponta três categorias de incertezas: riscos (é
possível estimar probabilidade de ocorrência a partir do histórico); incertezas
estruturais (mesmo sem evidências que levantem probabilidades, usando
relação de causa e efeito, identificamos possibilidades); e impossíveis de se
conhecer (não é possível sequer imaginar o que pode ocorrer). Identificar
probabilidades de ocorrências, o que é possível ocorrer ou mesmo procurar
exercitar o imponderável são meios de se preparar para o futuro e tomar decisões
possivelmente mais adequadas.
A seguir, temos alguns exemplos de acontecimentos dos últimos 90 anos
que, a princípio, eram incertezas. Ou seja, não eram necessariamente vistos como
tendências ou coisas prováveis. Alguns apresentavam certa probabilidade de
ocorrência, enquanto outros eram apenas imaginados como possíveis de ocorrer.
Certamente, a análise prospectiva teria contribuído para que nações e
organizações se preparassem melhor para enfrentá-los.

Quadro 1 – Acontecimentos que antes eram incertezas

NÍVEL INTERNACIONAL NÍVEL NACIONAL


• 1929: a Grande Depressão • 1929: queda da exportação de café
• 1939: II Grande Guerra • 1954: suicídio de Getúlio Vargas
• 1963: Kennedy é assinado • 1960: mudança da Capital Federal
• 1973: crise do petróleo • 1964: Regime Militar
• 1989: queda do Muro de Berlim • 1982: auge dívida externa
• 1990s: CO2 • 1984: Diretas Já
• 2000: estouro da bolha das ponto-com • 1992: Impeachment Collor
• 2001: Torres Gêmeas • 1994: Plano Real
• 2008: Crise financeira • 2014: Operação Lava Jato
• 2016: Brexit e eleição de Trump • 2016: Impeachment Dilma

Ainda sobre as incertezas e cenários, Van der Heijden (2009, p. 120),


considera que, em ambiente de negócios de grande incerteza, há “menos
variáveis nas quais se concentrar”. O planejador precisa entender “o que
realmente faria diferença, ao identificar um pequeno número de incertezas

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fundamentais no ambiente de negócios?” e se concentrar nessas poucas, mas
importantes questões.

TEMA 4 – CRIANDO CENÁRIOS

Segundo Faller e Almeida (2014, p. 172), “o método de elaboração de


cenários ajuda a traçar as diretrizes adequadas para o planejamento estratégico
da empresa, reduzindo as chances de insucesso ou fracasso do
empreendimento.” Existem diferentes métodos para a elaboração de cenários,
como o da Global Business Network (GBN) ou método de Peter Schwartz, o
método de Michel Godet, método de Michael Porter (Campos, 2016) e o método
da empresa brasileira Macroplan.
A grande maioria das técnicas parte das premissas similares,
especialmente porque têm como principal referência a experiência de análise de
cenários da Shell. Segundo a Dom Strategy Partners (O efeito..., 2019):

Em seus estudos de cenário, a Shell estrutura o exercício da seguinte


forma:
Why? – Questione, confronte, reconheça graus de incerteza, liste
dilemas e conflitos.
Preparation – Seja claro em relação aos seus objetivos e recursos
Pioneering – Amplie suas perspectivas e desafie suas premissas
Map-making – Crie histórias coerentes e vívidas sobre o futuro
Navigation – Identifique com sucesso o seu caminho conforme os
eventos se apresentem
Reconaissance – De forma mais efetiva e contundente, mapeie o meio
em que está buscando importantes desenvolvimentos

Para fins desta aula, apresentaremos os modelos de Peter Schwartz e da


Macroplan.

4.1 Modelo de Peter Schwartz ou da GBN

Peter Schwartz fundou, em 1998 nos EUA, a empresa GBN, estruturando


uma metodologia “para a definição de cenários prospectivos constituída por oito
etapas” (Campos, 2016, p. 200), representada na figura a seguir.

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Figura 1 – Método GBN para construção de cenários prospectivos

Fonte: Schwartz, 2003, p. 24.

Campos (2016, p. 201-04), detalha o método GBN:

1. IDENTIFICAÇÃO DA QUESTÃO – deve-se definir a questão


estratégica motivadora para construção de cenários alternativos. Muitas
questões podem ser levantadas na organização com a utilização de
entrevistas com colaboradores envolvidos [...].
2. IDENTIFICAÇÃO DOS FATORES-CHAVE – devem ser identificadas
as principais forças do ambiente, que também podem ser chamadas de
fatores-chave, ou seja, as principais forças presentes no ambiente
interno (microambiente) e que estejam relacionadas com o ramo de
negócios da empresa e com a questão principal. Na sequência deve ser
elaborada uma relação dos principais fatores [informações sobre
clientes, concorrentes, fornecedores e sobre o mercado] que poderão
influenciar as decisões tomadas pela empresa. [...]
3. IDENTIFICAÇÃO DAS FORÇAS MOTRIZES (MACROAMBIENTE) -
[...] essas forças são elementos que mobilizam o enredo de um cenário.
Sua identificação deve ser realizada com base na questão principal, em
que devem ser considerados os fatores sociais, econômicos, políticos,
ambientais e tecnológicos, que por sua vez devem ser relacionados às
forças do microambiente.
4. HIERARQUIA POR IMPORTÂNCIA E INCERTEZA – [...] Deve-se
analisar a lista das forças motrizes levantadas e classificá-las em
elementos predeterminados e variáveis de incerteza. [...] selecionem
apenas duas ou três variáveis, classificadas como mais incertas e mais
importantes para facilitar a identificação da lógica dos cenários.

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5. SELEÇÃO DAS LÓGICAS DOS CENÁRIOS – Essa seleção inicia-se
com a análise do comportamento daquelas variáveis que foram
classificadas como incertezas críticas, que devem ser posicionadas nos
eixos ao longo dos quais os cenários serão elaborados. [...] A lógica de
um cenário deve ser baseada pela localização na matriz das formas que
são mais significativas no cenário.
6. DESCRIÇÃO DOS CENÁRIOS – Deve-se retornar à lista dos fatores
e tendências principais, definidos nas etapas 2 e 3. Os cenários devem
ser apresentados de em forma narrativa [...].
7. ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES E OPÇÕES – Após a descrição dos
cenários, é necessário retornar à questão principal e confirmar nos
cenários distintos as implicações de cada decisão, bem como os pontos
vulneráveis e as oportunidades existentes. [...] identificar as decisões a
serem tomadas em cada enredo previsto.
8. SELEÇÃO DE INDICADORES E SINALIZADORES PRINCIPAIS – [...]
selecionar os indicadores e os sinalizadores com o objetivo de
possibilitar um monitoramento contínuo. [...] O monitoramento dessas
variáveis que utilizam cenários construídos permite que a empresa
perceba mudanças ambientais.

4.2 Método Macroplan

O método da Macroplan tem lógica muito similar ao da GBN. Ele vem sendo
aperfeiçoado desde a década de 1980. Aqui, o apresentamos para efeitos de
comparação, de modo que o estudante possa fazer uso daquele que ao seu
entender é o mais adequado.
O método Macroplan inicia pela definição da causa principal que a
organização quer tratar. Em seguida, devem ser identificados os condicionantes
do futuro, ou eventos futuros que direcionarão a construção da lógica dos cenários
e a hierarquização das incertezas críticas do futuro em análise. Na terceira etapa,
com base nas incertezas críticas, são gerados cenários alternativos. Na quarta
etapa, é realizada a análise comparativa dos cenários, a fim de identificar
oportunidades e ameaças. Na quinta e última etapa, a organização apresenta as
ações estratégicas para cada um dos cenários (Araújo et al., 2018).

Figura 2 – Método Macroplan para prospecção de cenários

Fonte: Macroplan, 2007, citado por Araújo et al., 2018.

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TEMA 5 – IMPLICAÇÕES DOS CENÁRIOS PARA A ESTRATÉGIA

Diferentemente das simples projeções ou pesquisas de mercado, o


planejamento de cenários ou a atitude prospectiva não desenvolvem apenas as
tendências que se apresentam no presente, pois há a construção de cenas
futuras. Assim, os cenários auxiliam os líderes com visão estratégica a se
preparem para o futuro, não apenas com aquilo que está ao alcance de muitos,
mas com questões que estão além dos olhos da maioria.
Faller e Almeida (2014, p. 174) consideram a construção de cenários
futuros,

interligada à análise ambiental [...], uma das tarefas mais complexas e


desafiadoras imbuída na arte de administrar uma organização. Tal
complexidade está associada ao fato de se ter de identificar desafios
ambientais futuros com os quais a empresa poderá se defrontar, bem
como os possíveis níveis de turbulência no seu ambiente. Outro fator
importante é a reação estratégica da empresa quanto às constatações
feitas.

Um empreendedor, líder ou responsável pelo planejamento estratégico de


sua organização não pode se contentar com tendências ou projeções, devendo
procurar na incerteza uma forma de enxergar o que pode realmente fazer a
diferença entre um cenário e outro, preparando-se de forma completamente
diferente de seus concorrentes. De acordo com Rumelt (2011, p. 95), “boa parte
da antecipação estratégica baseia-se na ‘consequência’ previsível de resultados
e eventos, de tendências em andamento, de dinâmicas econômicas e sociais
previsíveis ou de rotinas seguidas por outros agentes que tornam previsíveis
alguns aspectos do seu comportamento.”

Planejar as ações futuras de uma empresa e conduzi-la ao crescimento


no longo prazo exige decisões cada vez mais complexas e desafiadoras
para executivos e líderes empresariais. Diante de incertezas políticas,
econômicas e setoriais — nacionais ou internacionais –, as empresas
devem estar preparadas para antecipar e enfrentar rupturas, além de
lidar com eventos não previstos. (Desafios e..., 2016).

Hipóteses quanto ao que pode vir a acontecer são essenciais para


estruturar cenários e definir ações. Algumas das principais implicações de se
trabalhar por cenários são:

• seleção qualificada de informações;

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• refinamento constantemente da capacidade de perceber os sinais do
ambiente;
• emprego de métodos mais robustos para compreender o futuro e como ele
pode impactar os negócios;
• tomada de decisões sob grande incerteza e, às vezes, com muitos anos de
antecedência, com vistas a preparar a organização para o que está por vir,
ou mesmo para moldar o cenário de acordo com a visão organizacional;
• envolver uma equipe multidisciplinar para desenvolver o trabalho, em geral
especialistas que atuam com estudos globais sobre a sociedade e a
economia, como antropólogos, sociólogos, economistas, engenheiros,
consultores em inovação e até cientistas políticos.

A respeito da identificação de incertezas, Andréa Belfrot, consultora sênior


da Macroplan, considera:
Um dos grandes diferenciais do Planejamento Estratégico sob cenários
é considerar a incerteza do ambiente externo, buscar compreendê-la e
administrá-la na medida do possível, de forma a antecipar ameaças e
oportunidades para os negócios e para a atuação da empresa e, assim,
fazer escolhas mais inovadoras e sintonizadas com o futuro. Com isso,
a organização pode ganhar muito em competitividade. (Desafios e...,
2016)

Por fim, Carvalho et al. (2011, p. 4) indicam três vantagens no trabalho com
cenários:

• conhecimento sobre os múltiplos futuros possíveis, ou seja, capacidade de


ampliar as opções e consequentemente poder decidir com mais
antecedência;
• os membros da organização se veem obrigados a analisar a
interdependência entre os elementos estudados;
• “a possibilidade de identificação de problemas que poderiam ser ignorados
ou deixados de lado por métodos menos abrangentes”.

Saiba mais

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