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o DA SOCIEDADE ECONÔMiCA
são quase imperceptível era a dificuldade de mobilizar ho- lnn~nuas da atividade econômica; outro era a brilhante so-
mens e materiais pelas terríveis estradas. Uma conseqüên- ledade de Bízãncío e de Veneza, com sua vitalidade urbana,
cía do declínio do poder romano foi a decadência do ou- un ímperturbável satisfação em ganhar dinheiro e seus re-
trora magnífico sistema de estradas: seu próprio calçamento qulntndos métodos comerciais. Os cruzados, vindos do iso-
era surrupiado e utilizado como material de construção, nos
11 evemos notar aqui algumas das complexas ínterações do pro-
que estamos estudando. Pois as Cruzadas não foram apenas uma
'30 George Gordon Coulton, Medieval Panorama' (Londres: Me-
U do desenvolvImento econômico europeu. mas Igualmente um sin-
rtdían Books Ltd.: .1955), p. 285.
'"11I do desenvolvimento que se realizara anteriormente.
70 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA
o APARECIMENTO DA SoCIEDADE DE MERCADO 71
lamento de seus castelos' e da sensaboria da vida dominíal, de pimenta - e assim estavam nascendo 8 000 peque-
pensavam encontrar no Oriente apenas um bando de selva- capitalístas cE em 1204, quando Constantinopla
" caiu,
gens incultos e pagãos. Surpreenderam-se ao se defrontarem 1\ penas os cavaleiros receberam cada um vinte marcos
com um povo muito mais civilizado. infinitamente mais sun- I prata como parte do saque. mas até os escudeiros e ar-
tuoso e muito mais propenso ao dinheiro do que eles. 'lu lros foram contemplados com alguns marcos cada um.
Um dos resultados foi que os cândidos cruzados aciiba~ As Cruzadas .propiciaram. pois, uma experiência Iecun-
ram sendo os defensores dos interesses comerciais de que d nte à vida européia. A velha base latifundiária da "ri .•
eles pouco entendiam. Durante as três primeiras cruzadas. 'lu za" entrou em contato com uma nova base monetária que
os venezianos, que armaram os navios. os enganaram desla- mostrava muito mais poderosa. De fato, a velha concep-
vadamente como se fossem matutos de feira. O fato de te- ç o da vida: foi ela própria forçosamente revista ante o vis .•
rem sido esbulhados não impediu contudo que os cruzados lumbre de uma existência não somente abastada como mais
chegassem à Terra Santa. embora com resultados díscutí- 1 9re e mais plena. Como meio de sacudir de sua rotina
veís. Mas na célebre Quarta Cruzada (1202~4), Dândolo, Uma sociedade apática, as Cruzadas desempenharam impor-
o astuto doge de Veneza, de 94 anos de idade, conseguiu t nte papel no aceleramento das transformações econômicas
subverter inteiramente a expedição religiosa, transformando-a d Europa.
numa gigantesca operação de pilhagem. do que se aprovei-
taram os venezianos. Fortalecimento do Poder Nacional
Primeiro, Dândolo exigiu dos viajantes pelo transporte
um preço inicial de 85 000 marcos de prata. soma enorme Outro latiu na lenta comercíalízação da vida econômica
para. aquela nobreza sem dinheiro conseguir juntar. Depois, foi o amalgamento gradual das fragmentárias entidades eco .•
quando os fundos foram angariados, recusou-se a manter o nõmtcas e políticas da Europa em blocos mais expressivos.
preço a menos que os' cruzados concordassem em atacar a omo se viu pela dissolução da -vída econômica em conse-
cidade de Zara, rica inimiga comercial de Veneza , Como a qü nela da desintegração do velho Império Romano, uma so-
cidade fôsse cristã e não uma comunidade "infiel". o Papa Ieda de econômica forte requer ampla e firme base política.
01' isso. quando a Europa política começou seu lento proces-
Inocêncio 111 mostrou-se horrorizado e sugeriu que em vez
o de reurdímento, novamente seu ritmo econômico começou a
disso fõsse o ataque dirigido contra o Egito pagão. Mas o
Egito era um dos melhores fregueses de Veneza, e isso hor .•
levar-se.
rorizou ainda mais a Dãndolo . Os cruzados, em dífículda- Uma das mais impressionantes característícas da Idade
des, não tiveram alternativa: Zara capitulou em breve, após Média e um de Seus maiores obstáculos ao desenvolvimento
o que. por Ínsistência de Dândolo, saquearam igualmente a onôrníco foram a fragmentação e o isolamento de suas áreas
cristã Constantinopla. O Oriente "pagão" nunca foi alcan- d governo. Numa jornada de cem milhas, um mercador via-
çado afinal, mas Veneza aproveitou-se magnificamente de J nte poderia percorrer uma dúzia de diferentes soberanias,
tudo. da qual com suas leis, regulamentos, pesos, medidas e
m da próprios. Pior ainda, na fronteira de cada uma delas
Contudo. nem só Veneza saiu lucrando. O impacto eco- h vi a possibilidade de pagar peagem. Por volta dos sé-
nômico sofrido pelos próprios cruzados foi muito mais Ior- ul XIII e XIV acreditava-se haver mais de trinta postos
mídávelque o impacto religioso. Para muitos foi no entanto d p agem ao longo do rio Wesser e pelo menos trinta e
desastroso. pois alguns cavaleiros que fundiram seus obje- In ao longo do Elba; no Reno, um século depois, havia
tos de prata para se unirem aos cruzados retomaram aos m \1 de sessenta desses postos. a maioria pertencente a prín-
domínios completamente sem nada. Para outros. entretanto. II clesíástícos locais: Thomas Wykes, cronista inglês,
as Cruzadas trouxeram um novo impulso econômico. Quan- li r v u o sistema como sendo "a loucura furiosa dos teu .•
do em 1101. por exemplo. os genoveses atacaram Cesarêía, t " Mas a doença não grassava somente na Alemanha.
põrto marítimo da Palestina, 8 000 soldados e marinheiros
embolsaram a recompensa de 48 solidi cada um, e mais duas .8 Ilmbr/dge Bconomlc Histol'y of.Bul'ope, 11. p. 306.
72 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA
Outro impulso econômico dado pela consolidação gra- Transformação do Clima Religioso
dual do poder político foi o estímulo oficial à exploração ma-
rítima. Durante os longos anos da Idade Média, somente al- A forças modííícadoras que sintetizamos até aqui já es-
guns poucos aventureiros como Marco Pólo se embrenharam v m de fato visíveis. Em qualquer tempo durante a longa
por regiões remotas à procura de uma espécie de caminho 11 I o da sociedade pré-mercado para a sociedade de mer-
I p derlamos verificar com nossos próprios olhos os mer-
Ma Cambridge Economic H istorg of Europe, Il, pp. 134-35. r Itinerantes, as cidades em expansão, as Cruzadas. as
vld n I de crescimento do poder nacional. No entanto,
74 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA
o APARECIMENTO DA SoCIEDADE DE MERCADO 75
Talvez ainda mais importante do que o incentivo à bus- I vida. Contudo, observando o curso subseqüente do de-
ca de riquezas tenha sido a influência. do calvinismo sobre nvolvimento econômico. é curioso verificar que foram os
o uso da fortuna. De modo geral a atitude normal dos prós- J I es protestantes sem exceção, com seu "traço protestante"
peros mercadores católicos era a de que o objetivo do êxito le trabalho e da poupança, que tomaram a dianteira na cor-
terreno fosse a fruição de uma vida de luxo e conforto, ao lu I econômica. Como um dos poderosos ventos que muda-
passo que a nobreza católica ostentava vez por outra um des- m os séculos XVI e XVII, a nova concepção religiosa sem
dém positivamente ridículo pela fortuna. Na orgia de jogo [úvída alguma deu um estímulo realmente favorável à evo-
que se apossou de Paris nos fins do século XVI. sabe-se de luç o da sociedade de mercado.
um príncipe que enviou à sua amásia um diamante de 5 000 .
livres e pulverizou-o, derramando-o sobre ela porque esta o
Queda do Sistema Dominial
considerou muito pequeno. O mesmo príncipe posteriormente •.
perdeu no jogo sua renda de 600 000 livres anuais. Um ma-
A enumeração de todas essas correntes não esgota o
rechal. cujo neto olhou com desprezo o presente de uma bolsa
t logo de forças exerci das contra a velha e rígida ordem
cheia de ouro, atirou-a à rua, dizendo: ''-Pois fica para o var-
nOmica da Europa. A lista poderia ser acrescida e infi~
redor da rua." 35
I lt mente aprimorada. 36 Todavia. com a devida cautela. po-
Os manufatores ou comerciantes calvinistas observavam mos agora começar a compreender a enorme coalizão de
uma atitude completamente diversa em relação à riqueza, nteclmentos - alguns definidos, como as Cruzadas. ou-
Se a religião aconselhava a diligência, desaconselhava a ín- I dlfusos, tais como as evoluções do pensamento religioso
dulgência de maneira ainda mais enérgica. A riqueza era que cooperaram para a destruição da estrutura medieval
para ser acumulada e para ser utilizada em boas coisas, e li vida econômica e a preparação do caminho de uma nova
não para ser dissipada. dln mica estrutura de transações de mercado.
O calvinismo estimulou um aspecto da vida econômica Um aspecto importante dessa profunda alteração foi a
de que pouco ouvimos falar até agora: a percimônie . Trans- m n tização gradual das obrigações feudais. Numa locali-
formou ·a poupança, a abstinência consciente da fruição da I pós outra podemos acompanhar a conversão dos an-
renda, em uma virtude. Fez do investimento, a utilização I o pagamentos feudais em espécie - os dias de trabalho
da economia com propósitos produtivos, um instrumento de quantidade de aves ou ovos que o senhor recebia de
devoção e bem assim de lucro. Tolerava mesmo, com vários rrendatários _ em pagamento de tributos e arrenda-
quids e qaos, o pagamento do [uro , Na verdade, o calvínis- em dinheiro, com que cumpriam as obrigações para
mo acelerou uma nova concepção da vida econômica. Em senhor.
Jugar do velho ideal da estabilidade econômica e social, do rande número de causas jaz por trás dessa comutação
conhecimento e conservação do "seu lugar" na ordem so- 9 mentos feudais. Uma delas foi a crescente procura
cial, tomou respeitável a idéia da luta, do desenvolvimento de alimentos, à medida que a população das cidades
material, do crescimento econômico. li a crescer. Em círculos concêntricos em torno das
Os historiadores econômicos debatem ainda o grau pre-
ciso de influência que pode ser exatamente atribuído à "gtica
Protestante" no surto de uma nova filosofia universal cen-
tralizada no lucro. Pois, afinal de contas, não havia a bem
dizer nada que um calvinista pudesse ensinar a um banquei-
ro italiano católico sobre as virtudes de uma visão comercial
finados em recintos que um reformista chamou candidamente não assumem, em todas as sociedades, a separação especí-
de "Casas do Terror". fica que os distingue numa sociedade de mercado. Nas eco-
nomias prê-mercado, a terra, o trabalho e o capital estão ínex-
Dessa forma, a eclosão de um sistema propenso ao mer-
cado p.rovocou a formação de. uma "força de trabalho", e tricavelmente mesclados e associados na figura do escravo e
embora o processo de ajustamento de outras classes da so- do servo, do senhor feudal e do mestre de guilda - nenhum
ciedade não se mostrasse tão brutal, este também exigiu seu
deles entrando no processo produtivo como a encarnação de
uma função econômica específica ofertada por determinado
preço social. Os mestres de guilda lutaram tenazmente con-
preço. O escravo não é um "trabalhador", o mestre de guil~
tra os manufatureiros que invadiam suas ocupações protegi-
da não é um "capitalista", nem o senhor feudal um "propríe-
das e transgrediam as salvaguardas tradicionais ou desmon-
tavam as formas estabeleci das de produção utilizando-se de tárío", Somente quando um sistema social se desenvolveu,
nova maquinaria. Obstinadamente a nobreza agrária bus- o trabalho é vendido, a terra alugada, e o capital livremente
cava proteger seus antigos privilégios contra a usurpação dos investido, é que vamos encontrar as categorias econômicas
novos-ricos endinheirados. emergindo do fluxo da vida.
Contudo, o processo de economízação, quebrando as ro- A economia / moderna descreve assim a maneira pela
tinas estabelecidas do passado, reorganizando o poder e o qual certo tipo de sociedade, com uma história específica de
prestígio de todas as classes sociais, já não podia ser detido. aculturação e evolução institucionel, resolve seus problemas
Implacavelmente seguiu seu curso histórico e distribuiu im- conômicos , Pode ser bem possível que em outra era não
parcialmente suas recompensas e sacrifícios históricos. Em- haja nem "terra", nem "trabalho", nem "capital". Se, por
bora se estendendo por um longo período, não foi uma evo- exemplo, uma sociedade de comunismo puro viesse um dia
lução, mas uma lenta revolução que se apossou da sociedade prevalecer, o método pelo qual o produto social seria asse-
econômica européia. Somente após a sociedade haver expe- gurado ou distribuído não precisaria necessariamente apre-
rimentado sua longa manopla, sofrendo um dos mais vio- sentar mais semelhanças com o nosso atual sistema de paga~
lentos transtornos da História, é que o mundo da transações mente de salários ou receitas de renda ou distribuição de
surgiria como "natural" e "normal" e as classes da "terra", lucros do que o nosso próprio sistema apresenta com seu pre-
do "trabalho e do "capital" se tornariam tão prosaicas que decessor sistema feudal. Nesse caso, a "economia" como a
seria difícil acreditar que não houvessem sempre existido. onhecemos teria que ser revista para corresponder a uma
nova relação social em que os problemas da produção e da
Os Fatores de Produção distribuição seriam resolvidos.
Mas o surto de uma sociedade de mercado, com seus no-
Todavia, como tivemos ocasião de ver, o trabalho livre,
vos fatores de produção, não foi a única criação daquelas
assalariado e contratual, a terra, como produtora de renda e
f rças de transformação que examinamos neste capítulo.
de lucro, e o capital fluido, buscando investimento, não eram
Juntamente com as novas relações de homem para homem no
de todo "naturais" e "normais", porém criações da grande
m rcado, surgiu uma nova forma de controle social para ar-
transformação de uma sociedade pré-mercado em uma so-
r b tar a chefia econômica da antiga égide da tradição e do
ciedade de mercado. A Economia denomina essas três cria-
m ndo.
ções de fatores de produção, e em grande parte se dedica
à análise da combinação desses três componentes básicos do
processo produtivo no mecanismo do mercado. r r cimento do "Motivo Lucro
O que devemos perceber nesse passo de nossa indaga-
ção, entretanto, é que "terra", "trabalho" e "capital" não ual era essa nova forma de controle? Essencialmente,
existem como categorias eternas da organização social. Re- comportamento social. de ação normal e co-
conhecidamente, são categorias da natureza, mas esses as- a ámbíêncía de um novo mercado impôs à so-
pectos eternos do processo produtivo - o solo, o esforço hu- , qu I r p drão de comportamento? Na lin-
mano e os artefatos que podem ser aplicados à produção - n nii t r t nd n I r ma lml r
86 A FORMAÇ.s.ODA SocIEDADE ECONÔMICA
o APAREOMENTO DA SoaEoADE DE MERCADO 87
renda pessoal (OU minimizar os gastos pessoais) pela con ... pregados na manufatura de calçados. Ou se a sociedade.
cretização das melhores trocas possíveis no mercado. Em operando através desse mecanismo de mercado, quisesse di-
linguagem comum, era a propensão para comprar barato e minuir a quantidade de energia social empregada na fabrí-
vender caro, ou na terminologia comercial, o motivo de lucro. cação de chapéus, bastaria reduzir as recompensas - salá ...
rios, rendas, lucros _ à manufatura chapeleíra, que isso pro-
A sociedade de mercado, na verdade, não inventou essa vocaria um êxodo dos fatores da produção dessa indústria
tendência. Talvez nem a tenha mesmo intensificado. Mas para outro campo mais lucrativo. Na presença de uma ten ...
fê-Ia de fato um aspecto ubíquo e necessário do comporta- dência universal para a maxímízação das rendas. a sociedade
mento social. Embora os homens se sentissem ambiciosos na dotou-se de um poderoso instrumento para a alocação de
Idade Média ou na antiguidade, de fato não se interessa- seus recursos.
vam pelas transações de mercado em função das atividades
econômicas básicas de seus meios de vida. E mesmo Sé O Note-se, entretanto, que esse dispositivo regulador re-
fizessem (como, por exemplo, quando um camponês vendia quereu muito mais do que a tendência do interesse pessoal.
na feira alguns ovos), a transação raramente seria matéria Igualmente necessária foi a mobilizeçêo dos fatores de pro...
de importância dominante para a continuidade de sua exis- dução. Enquanto o trabalho estava ligado a suas propríeda-
tência. As transações de mercado numa sociedade Iundamen- des dominiais ou às guildas, ou quando os mestres de guilda
talmente não-mercado eram pois uma atividade subsidiária, estavam proibidos de expandir sua escala de operação ou ar-
um meio de suplementaçâo da atividade vital que, embora es- riscar-se a novos empreendimentos, o mecanismo de controle
cassa, era profundamente independente dos atos de compra não funcionava. Nesse caso, elevando recompensas para os
e venda. sapatos ou diminuindo as recompensas para chapéus não se
estaria provocando nenhum acréscimo ou decréscimo subs-
Com a monetízação do trabalho, da terra e do capital, tancial na distribuição do esforço social.
entretanto, as transações se tornaram atividades universais e
decisivas. Agora tudo estava à venda, e as condições das Parte essencial da evolução da sociedade de mercado se
transações eram tudo, menos subsidiárias à própria exístên- deveu não só à monetízaçâo da vida, mas também à mobi ...
cia. Para o homem que vendia seu trabalho no mercado, Iização da vida - ou seja, a dissolução daqueles laços de
numa sociedade que não assumia responsabilidade alguma local e estação que eram o próprio cimento da vida feudal.
por sua manutenção, o preço pelo qual ajustava a transação E essa exigência essencial de mobilidade conduz a um ponto
era de toda importância. O mesmo ocorria em relação ao mais avançado. A mobilidade significava que todos os ofí-
senhorio ou ao capitalista nascente. Para cada um deles uma cios e profissões estavam a partir de então abertos para to-
boa transação poderia significar riqueza, ao passo que a má dos. Surgiu a concorrência. A tradicional divisão estanque
significava a ruína. Assim o padrão da maxímização eco ... do trabalho feudal teve que dar lugar a uma rivalidade uni ...
nômica se havia generalizado através de toda a sociedade versal entre as ocupações. Cada ocupação já não era mais
e fura dotado de urgência inerente que fazia dele uma força um abrigo protetor tanto para o aprendiz quanto para o mes-
poderosa para a configuração do comportamento humano. tre da guilda. Agora cada trabalhador ou empregado podia
ser deslocado de sua função por um concorrente cujo tra-
A nova sociedade de mercado fez mais do que criar um balho fosse -maís barato. -
ambiente em que os homens fossem forçados a seguir seu
interesse econômico pessoal. Trouxe ao mesmo tempo à rea- O Funcionamento da Concorrência
lidade um ambiente social em que os homens podiam ser con-
trolados em suas atividades econômicas. Com a tendência Para os desalojados, a instituição da concorrência deve
generalizada para maximizar a renda, era agora possível di-
ter parecido severa e injusta; mas para a sociedade como um
rigir a aplicação das energias humanas em várias direções
todo, propiciou uma salvaguarda essencial. Libertando a ten-
pelo acréscimo ou a redução das recompensas oferecidas para
dência ao interesse econõmíco pessoal das limitações do feu ...
diferentes tarefas. Se fosse necessário um esforço maior para dalísmo, a sociedade parecia em perigo de ser continuamente
a fabricação de calçados, o mecanismo de mercado aumen-
lograda por comerciantes aproveita dores ou trabalhadores
taria as recompensas à terra, ao trabalho e ao capital em-
o APARECIMENTO DA SoCIEDADE"> DE MERC,ADO 89
88 A FORMAÇ.s.O DA SocIEDADE ECONÔMIC,A
E uma anomalia significativa também deve ser assi- 2. Corno conseqüência dessas forças, começamos a ver a separação
entre a vida econômica e social. Os processos de produção e dis-
nalada. A despeito da multiplicidade de requlamentos que tribuição já não eram indiferenciavelmente mesclados aos costumes
o mercantilismo impusera, foi também durante esses anos - e práticas religiosas. políticas e sociais: começavam a formar uma
talvez por causa das próprias dificuldades da regulamenta- área distinta na vida.
ção - que a idéia de um mercado totalmente livre e desim- 3 , Com a ascensão do aspecto econômico da vida, vemos ocorrerem
pedido começou a ganhar aceitação. "Que [eut-il [eire pour transformações profundas e duradouras. O servo camponês ·já não
vaus eider?" (Como podemos ajudá-lo"}, escreveu Colbert é mais Iígado à terra, e torna-se um trabalhador livre e móvel;
o artesão já não está mais preso às regras da guilda e transfor-
ao mercador Leqendre , " Naus leissez-ieire" (Deixe-nos em ma-se num empresário livre e independente; o senhor de terras se
paz), foi a resposta. Colbert não ligou muito para o conse- transforma (no moderno sentido da expressão) em proprietário de
lho, mas este logo se transformaria no lema do f.OVO mundo terras. A transformação foi longa e violenta, especialmente no
capitalista. complexo caso das demarcações.
Uma ampla revisao da História Econômica deveria es- -4• O advento dos trabalhadores livres, capitalistas e proprietários
tudar o mercantilismo europeu detalhadamente, pois esta foi de terra. cada um deles vendendo seus serviços no mercado de tra-
balho. capital e terra. tornou possível falar de "fatores de produ-
uma era crítica da História Econômica, uma era em que o ção", Com isso estavam implícitas duas coisas: as categorias fí-
crescimento industrial foi pela primeira vez lançado Como um sicas da terra. trabalho e capital como agentes diferenciáveis no
deliberado ato de política econômica nacional. Contudo, era, processo de produção. e as categorias sociais de trabalhadores. pro-
por assim dizer, uma posição de equilíbrio instável. não de prietários de terra e capitalistas como grupos ou classes distintos
no mercado. .
todo emancipada 00 passado, não de todo integrada no Iu-
5, O aparecimento dos fatores de produção assinalou a entrada em
'1A. Lowe, Economics and Sociology (Londres: George Allen ação do sistema de mercado já amadurecido, Suas caracteristicas
& Unwln, 1935}, p. 23. eram:
91 A FORMAÇÃO DA SocIEDADE ECONÔMICA
o APARECIMENTO DA SoCIEDADE DE MERc,AOQ 95
• O "motivo lucro" como guia do comportamento econômico.
6. Você acha que a maior parte dos norte-americanos obedece ao
• A grande mobilidade social e legal dos fatores de produção.
motivo lucro? A maior parte dos norte-americanos tem grande mobi-
• O aparecimento da "procura" - quantidades que os consumi- lidade? Você conhece alguém que tenha mudado de residência por
dores desejam e podem pagar - como o novo regulador da pro- motivos econômicos? E de profissão?
dução.
7. O lucro. certamente. é tão antíqo quanto o homem. Pode-se con-
• A elevação doconsum/dor. em massa. a uma nova posição ·de siderar as origens do capitalismo como sendo igualmente antigas?
controle econômico.
8. Como você definiria feudalismo? Mercantillsmo? Capitalismo?
6. O sistema de mercado exigia não somente a inovação econômica
do processo de mercado. como também toda uma panóplia de trans- 9. Que transformações políticas e legais foram necessárias para trans-
formações políticas e legais. A liberdade e a independência do formar o feudalismo em sistema de mercado?
índívíduo econômico. idéia incompativel com o feudalismo. eram uma
precondíção essencial para um sistema fluido de mercado.
7. A transformação não foi a1cançada de uma só vez. A evolução
do feudalismo para o sistema livre de mercado passou por um es-
tágio transitório chamado mercentilismo , O mercantilismo foi ca-
racterizado por um esforço de regulamentar detalhadamente a pro-
dução e o comércio. dando-lhes, simultaneamente. apoio e enco-
rajamento.
8. As complexidades da regulamentação mercantilista deram origem ao
lema que passaria a ser a essência da filosofia capitalista: leissez-
-faire (deixe-nos em paz).
QUESTÕES