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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 876.434 - RS (2006/0183940-0)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO


R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MARCO BUZZI
RECORRENTE : SC
ADVOGADO : CLEANTO FARINA WEIDLICH E OUTRO
RECORRIDO : D HZ
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
EMENTA

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO QUE MANTEVE O


INDEFERIMENTO DE PETIÇÃO INICIAL DE CAUTELAR PARA
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA VOLTADA À
REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA PARA INSTRUÇÃO DE
FUTURA DEMANDA INVESTIGATÓRIA DE RELAÇÃO
AVOENGA.
1.NÃO CONHECIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO POR DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL, DADA A AUSÊNCIA DE SIMILITUDE
FÁTICA ENTRE O ARESTO IMPUGNADO E OS
PRECEDENTES DA CORTE INDICADOS COMO
PARADIGMAS, EVIDENCIANDO O INEDITISMO DO TEMA NO
ÂMBITO DESTA CORTE (RISTJ, art. 255, §2º).
1.1. O caso concreto ensejador do presente recurso especial se
diferencia dos precedentes em que o STJ reconheceu o direito
próprio e personalíssimo do neto buscar constituição de relação
avoenga, pois neles o genitor do investigante era pré-morto e não
havia exercido pretensão em vida em lide cuja sentença de mérito
julgou improcedente aquela ação, não havendo similitude fática a
autorizar o conhecimento da insurgência por eventual dissídio
jurisprudencial.
2.APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA INSURGÊNCIA EM FUNÇÃO
DO PREQUESTIONAMENTO DE NORMA ATINENTE AOS
LIMITES DA COISA JULGADA, APLICANDO-SE O DIREITO À
ESPÉCIE, NOS TERMOS DA SÚMULA N. 456-STF.
3.ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PRETENSA NETA,
ENQUANTO VIVO SEU GENITOR, DE INVESTIGAR A
IDENTIDADE GENÉTICA COM A FINALIDADE DE
CONSTITUIÇÃO DE PARENTESCO.
3.1. Não há legitimação concorrente entre gerações de graus
diferentes postularem o reconhecimento judicial de parentesco,
com base em descendência genética, existindo somente
legitimidade sucessiva, de modo que as classes mais próximas,
enquanto vivas, afastam as mais remotas (CC, art. 1606, caput).
4.INTERPRETAÇÃO DO DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA,
CARENTE DE REGULAMENTAÇÃO, EM HARMONIA COM O
REGIME DE FILIAÇÃO DISCIPLINADO NO CÓDIGO CIVIL -
APARENTE TENSÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE
MESMA MAGNITUDE QUE DEVE SER SOLUCIONADA

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MEDIANTE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE (RAZOABILIDADE), SENDO ESTE O
VETOR HERMENÊUTICO APROPRIADO A SALVAGUARDAR
OS NÚCLEOS ESSENCIAIS DE DIREITOS EM SUPOSTA
COLIDÊNCIA - VALOR/PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA QUE TANTO INFORMA O DIREITO À IDENTIDADE
PESSOAL, LASTRADO NA VERDADE BIOLÓGICA DO
INDIVÍDUO, COMO TAMBÉM, OS DIREITO DE FILIAÇÃO,
PRIVACIDADE E INTIMIDADE DO INVESTIGADO E DAS
DEMAIS PESSOAS ENVOLVIDAS EM LIDES VOLTADAS À
CONSTITUIÇÃO COERCITIVA DE PARENTESCO,
GARANTINDO-SE SEGURANÇA JURÍDICA NO ÂMBITO DAS
RELAÇÕES DE FAMÍLIA – INEXISTÊNCIA DE
REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO DIREITO À BUSCA DA
VERDADE BIOLÓGICA, RESSALVADO O DISPOSTO NO ART.
48 DA LEI N. 8.069/90, QUE ENSEJA A OBSERVÂNCIA DO
REGIME DE FILIAÇÃO REGULADO NO CÓDIGO CIVIL -
IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE
PARENTESCO DE FORMA INTERPOSTA (PER SALTUM),
TENDO EM VISTA O CARÁTER LINEAR DO REGIME
ESTABELECIDO NO CÓDIGO CIVIL (CC, ART. 1591/1594), DE
MODO QUE AS CLASSES MAIS REMOTAS DERIVAM DAS
PRÓXIMAS.
4.1. O princípio da proporcionalidade não autoriza conferir um
caráter absoluto ao direito de identidade genética, para com base
nele afastar a norma restritiva do art. 1.606 do CC, tendo em vista
que o valor/princípio da dignidade da pessoa humana informa
tanto o direito do indivíduo buscar sua verdade biológica, como
também a segurança jurídica e a privacidade da intimidade nas
relações de parentesco do investigado e das próprias gerações
antecedentes à investigante, exceto venha o legislador
futuramente regular o tema de forma diferente.
4.2. A concentração da legitimidade para investigação da
identidade genética de determinado tronco familiar na geração
mais próxima, enquanto viva, constitui entendimento mais
adequado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos
fundamentais em tensão, respectivamente, identidade genética
de descendentes remotos e a privacidade e intimidade do
investigado e das próprias classes de parentesco mais imediatas,
garantindo-se segurança jurídica às relações de família e
respectivo regime de parentesco, evitando-se o risco de
sentenças contraditórias e transtornos irreversíveis ante o
aforamento de múltiplas ações judiciais para o mesmo fim, por
parte de um número muito maior de legitimados, então
concorrentes.
4.3. Se, por um lado, é razoável obrigar qualquer indivíduo vir a
juízo revelar sua intimidade e expor sua vida privada para se
defender de demanda dirigida ao reconhecimento de parentesco,
com consequências sócio familiares irreversíveis, não há essa
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mesma proporcionalidade para autorizar que esse idêntico
investigado possa ser constrangido por todos os demais
descendentes de determinado parente de grau mais próximo,
sujeitando-se a um sem número de demandas, com possibilidade
de decisões incongruentes, presentes e futuras, nas quais um
mesmo tronco de descendência, cada qual por si, poderia
postular declaração judicial de parentalidade lastrada em um igual
vínculo genético.
4.4. No âmbito das relações de parentesco não decorrentes da
adoção, o exercício do direito de investigação da identidade
genética, para fins de constituição de parentesco é limitado, sim,
pelo disposto no art. 1.606 do Código Civil, o qual restringiu o
universo de quem (a geração mais próxima viva) e quando pode
ser postulada declaração judicial de filiação (não haver anterior
deliberação a respeito);
4.5. A extensão da legitimação também não se mostra
necessária em função de o pai da investigante não ter conseguido
realizar exame de DNA em anteriores demandas nas quais restou
sucumbente em relação ao ora investigado, porquanto o próprio
progenitor, por si, ainda detém a possibilidade de relativizar os
provimentos jurisdicionais que não o reconheceram como filho,
vez que, segundo o entendimento mais recente da Suprema
Corte, pode ser reinaugurada essa discussão nos casos em que
a improcedência decorreu de processo no qual não estava
disponível às partes a realização do exame de DNA (Informativo
n. 622 – RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, acórdão pendente de
publicação- em 23.11.2011).
5. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, VEZ QUE AS
GERAÇÕES MAIS REMOTAS NÃO PODEM DESCONSTITUIR
INDIRETAMENTE PROVIMENTOS JURISDICIONAIS DE
IMPROCEDÊNCIA INERENTES À RELAÇÃO DE ESTADO
PERTINENTE AO SEU ASCENDENTE IMEDIATO (CC, ART.
1.606, § ÚNICO).
6. RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E NESSA EXTENSÃO,
DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA


do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas, após o voto-vista do sr. Ministro Marco Buzzi, conhecendo e negando
provimento ao recurso, divergindo do Relator, e o voto da Sra. Ministra Maria Isabel
Gallotti, dando provimento ao recurso, acompanhando o Relator, e os votos dos Srs.
Ministros Antonio Carlos Ferreira e Luis Felipe Salomão, acompanhando a divergência,
por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Marco Buzzi.
Vencido o Relator, o Sr. Ministro Raul Araújo, lavrará o acórdão o Sr. Ministro
Marco Buzzi.
Votaram vencidos os Srs. Ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.
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Votaram com o Sr. Ministro Marco Buzzi os Srs. Ministros Antonio Carlos
Ferreira e Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 1º de dezembro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO MARCO BUZZI


Relator p/ Acórdão

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RECURSO ESPECIAL Nº 876.434 - RS (2006/0183940-0)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO


RECORRENTE : SC
ADVOGADO : CLEANTO FARINA WEIDLICH E OUTRO
RECORRIDO : DHZ
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:

Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, inc. III,
letras a e c, da Constituição Federal.

A recorrente ajuizou ação cautelar de produção antecipada de provas, na


condição de suposta neta, contra D. H. Z., visando à realização de exame de DNA, para
instrução de futura ação de investigação de relação avoenga.

A inicial foi indeferida, nos termos do art. 295, II, do Código de Processo Civil, sob
o fundamento de que a autora não era parte legítima para ajuizar a demanda, na medida em que
somente poderia ingressar com a ação, objetivando em última análise a investigação de relação
avoenga, após a morte de seu pai e apenas se este não houvesse proposto investigatória de
paternidade (fl. 27).

Irresignada, apelou, porém o colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande


do Sul negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado:
"CAUTELAR. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. PEDIDO DA
NETA PARA COLHER EXAME DE DNA VISANDO FUTURA AÇÃO
INVESTIGATÓRIA DE RELAÇÃO AVOENGA. ANTERIOR AÇÃO
PROPOSTA PELO GENITOR CONTRA O AVÔ JULGADA
IMPROCEDENTE, COM EXAME HEMATOLÓGICO.
DESCABIMENTO.
1. É descabido o pedido formulado pela neta para colher exame de
DNA visando futura ação investigatória de relação avoenga tendo
em mira que (a) o genitor é vivo ainda e a ação é personalíssima,
bem como pelo fato de que (b) a anterior ação proposta pelo
genitor contra o avô foi julgada improcedente, tendo sido realizado
exame hematológico pelo método HLA.
2. Depois da improcedência da ação investigatória, o genitor
ajuizou também pedido de produção antecipada de prova com
vistas ao ajuizamento de nova investigação de paternidade sob
fundamento de que, na época, inexistindo a prova pelo DNA, foi
feito apenas o exame pelo método HLA, sendo tal pleito desacolhido
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tendo em mira o império da coisa julgada material,
reconhecendo-se a impossibilidade jurídica do pedido.
Recurso desprovido, por maioria." (fl. 130)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Em suas razões de recurso especial (fls. 182/203), a ora recorrente aponta


ofensa aos arts. 469, I e II, e 472 do Código de Processo Civil, além de divergência
jurisprudencial, afirmando:

(I) não estar configurado o óbice da coisa julgada material, a obstaculizar o


ajuizamento da ação cautelar de antecipação de prova, consubstanciada na realização de exame
de DNA, para instrução de futura ação investigatória de relação avoenga. Salienta, para tanto,
que "o v. acórdão recorrido transfere para a ora recorrente os efeitos da coisa julgada
produzida em processo no qual a mesma não participou da relação jurídica, ou seja, não
foi parte e nem terceira interessada" (CPC, art. 472), e que "as questões referentes aos
motivos e a verdade dos fatos estabelecida com fundamento da sentença não fazem coisa
julgada" (CPC, art. 469);

(II) não deve prevalecer a conclusão do v. aresto hostilizado no sentido de sua


ilegitimidade ativa ad causam e da impossibilidade jurídica do pedido. Há precedentes do eg.
Superior Tribunal de Justiça que acolhem a legitimidade do neto para postular o reconhecimento
de relação avoenga, uma vez que se trata de direito próprio, e admitem como juridicamente
possível essa postulação.

Requer, ao final, o provimento do apelo especial, para, afastando a coisa julgada e


reconhecendo a legitimidade ativa ad causam da ora recorrente e a possibilidade jurídica do
pedido, determinar o prosseguimento da ação cautelar de antecipação de prova, visando à
instrução de futura ação investigatória de relação avoenga.

O recurso vem sem contrarrazões, pois desde a origem não foi instaurado o
contraditório, na medida em que houve indeferimento, de plano, da petição inicial, nos termos do
art. 295, II, do CPC.

Admitido o recurso especial na origem, subiram os autos.

Instado a se manifestar, o d. órgão do Ministério Público Federal, no parecer de


fls. 290/296, da lavra do ilustre Subprocurador-Geral, Dr. Pedro Henrique Távora Niess, opinou
pelo provimento do recurso, sob o fundamento de que, "in casu, cumpre assinalar que não há
igualdade de partes entre a presente ação cautelar e as ajuizadas, anteriormente, pelo
genitor da recorrente, que pudesse justificar a extensão dos efeitos da coisa julgada lá
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reconhecida. Acrescente-se que a recorrente defende direito seu - que não pode ser
sacrificado por eventual deficiência de prova produzida por outro interessado. Negar-lhe
o direito à produção de prova capaz de, por si só, determinar a relação de parentesco que
alega, vinculando-a a outra decisão, da qual não participou é, realmente, impor-lhe os
limites de uma lide já resolvida, mas da qual não participou".

É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):

O presente recurso traz a exame desta Corte Superior questões jurídicas de


direito de família da maior relevância e complexidade, exigindo densas reflexões da parte de
todos.

Para melhor compreensão, é oportuno fazer-se digressão que remete inicialmente


ao âmbito de anterior ação de investigação de paternidade ajuizada por J. D. dos S. M., pai da
ora recorrente, contra D. H. Z., ora recorrido e suposto avô da ora recorrente, demanda que foi
julgada improcedente, após a submissão das partes a exame sanguíneo pelo método HLA
(Human Leukocyte Antigens).

Transitado em julgado o decisum, o autor promoveu ação rescisória, sustentando


a existência de documento novo, consubstanciado na existência de novo método de exame para
investigação de relação de parentesco - teste de DNA (pareamento cromossômico). Esse pedido
também foi julgado improcedente. Após, ajuizou ação cautelar de produção antecipada de prova,
igualmente rejeitada.

A seguir, J. D. dos S. M. propôs nova ação de investigação de paternidade


cumulada com alimentos e pedido de liminar de produção antecipada de provas, visando fosse
realizado o referido exame genético pelas partes litigantes. No entanto, o feito foi extinto sem
resolução de mérito, com base na existência de coisa julgada (CPC, art. 267, V). A r. sentença
foi confirmada pelo c. Tribunal de Justiça estadual, em sede de apelação, sob o fundamento de
que, em virtude de ofensa à res iudicata, seria "descabida a propositura de nova ação de
investigação de paternidade sob o argumento de que, na ação anterior, não havia exame
de DNA, que é uma técnica de bastante prestígio, sem dúvida, mas que consiste em mais um
dos elementos de convicção possíveis" (fl. 135).

Agora, a recorrente S. C., filha do citado J. D. dos S. M., ajuíza ação cautelar de
produção antecipada de prova contra o mesmo réu das ações anteriores, D. H. Z., ora recorrido,

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objetivando a realização de exame de DNA para a instrução de futura ação de declaração de
relação avoenga. É no âmbito desta nova ação que foi interposto o presente recurso especial.

Como consta do relatório, o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do


Sul negou provimento à apelação da ora recorrente, por entender que, embora estivesse
configurado o periculum in mora, na medida em que o réu é "octogenário e possivelmente já
esteja com a saúde combalida", não estava caracterizado o fumus boni iuris, tendo em vista as
seguintes premissas:
"No entanto, mostra-se totalmente descabido o pedido formulado
pela neta para colher exame de DNA visando futura ação
investigatória de relação avoenga, quando o seu genitor é ainda
vivo e, anteriormente, já havia proposto a ação de investigação de
paternidade, que foi julgada improcedente, tendo sido colhida
ampla produção de provas e também realizado exame hematológico
pelo método HLA.
Além disso, lembro que, mesmo depois da improcedência da ação
investigatória, o genitor ajuizou também pedido de produção
antecipada de prova com vistas ao ajuizamento de nova
investigação de paternidade sob fundamento de que, na época,
inexistindo a prova pelo DNA, foi feito apenas o exame pelo método
HLA, sendo tal pleito desacolhido tendo em mira o império da coisa
julgada material, reconhecendo-se a impossibilidade jurídica do
pedido.
(...)
Não há razoabilidade alguma na pretensão deduzida e, mais do
que isso, verifica-se mesmo a impossibilidade jurídica do
ajuizamento de nova ação investigatória visando o reconhecimento
da relação avoenga diante do império da coisa julgada material.
Anteriormente o pai da recorrente ajuizou ação de investigação
de paternidade, que foi julgada improcedente, tendo nela o
investigado se submetido ao exame pelo método do HLA. A
improcedência dessa ação levou o investigante a ajuizar ação
rescisória, que foi julgada improcedente, ensejando recursos
perante o STJ, que restaram desacolhidos.
A presente ação cautelar, dita preparatória para nova
investigação de paternidade, esbarra na existência da coisa julgada
material, circunstância que torna imutável a decisão que considerou
improcedente a investigação de paternidade proposta pelo agravado
contra o agravante.
Dessa forma, o recorrido não é pai de JOSÉ D. S. M. e esta
relação jurídica não pode mais ser discutida, isto é, não poderá o
filho reclamar novamente o reconhecimento forçado da
paternidade, nem a neta o reconhecimento da relação avoenga, que
é de segundo grau e, portanto, derivada daquela filiação.
(...)
Como se vê, não é possível rediscutir a questão da relação de
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paternidade que é novamente imputada ao recorrido, sendo
totalmente descabida a ação cautelar, especialmente pelo fato de
que a ação é personalíssima e o filho (pai da recorrente) já ajuizou
(mais de uma vez, aliás) a ação que dispunha, sendo rechaçado o
seu pleito.
A neta somente teria ação investigatória, caso esta não tivesse
sido proposta pelo genitor. A relação avoenga é, friso, uma relação
derivada da paternidade. Ou seja, é uma relação de segundo grau
e que depende do parentesco de primeiro grau. O avô somente será
avô, se o filho for o pai do neto, sendo irrelevante, aliás, se a
relação entre pai e filho é biológica ou não.
Sendo a ação investigatória de paternidade personalíssima e
estando vivo o pai da autora, ela não tem legitimidade para propor
a ação, nem para buscar a produção antecipada de provas, sendo
correta a sentença.
No entanto, cabe acrescer aos argumentos sentenciais, que mais
do que a mera ilegitimidade ativa, estamos diante de
impossibilidade jurídica do pedido, pois o Poder Judiciário já disse,
em diversas oportunidades, que o recorrido não é pai de JOSÉ D. S.
M., pai da recorrente. E, se o demandado não é pai do genitor da
recorrente, evidentemente não é também avô dela." (fls. 132/143,
grifo nosso)

Eis agora o presente recurso especial, no qual três questões devem ser analisadas,
para a aferição da plausibilidade do direito deduzido na ação cautelar de produção antecipada de
prova, a saber: (I) a legitimidade ativa ad causam da autora, na condição de pretensa neta, para,
com base em direito próprio, decorrente de sua personalidade, ajuizar a mencionada ação cautelar
preparatória, visando a averiguar, agora por meio de exame de DNA, o parentesco que acredita
ter com o réu, suposto avô; (II) a possibilidade jurídica do pedido que ampara a pretensão
deduzida na medida acautelatória, visto que, em última análise, visa à investigação de relação
avoenga, consectária da paternidade já investigada e tida como improcedente; e, (III) a existência
de óbice relativo à coisa julgada, decorrente daquela anterior ação de investigação de paternidade
ajuizada pelo pai da ora recorrente contra o mesmo réu e julgada improcedente, a alcançar a
recorrente e obstar o ajuizamento de nova ação cautelar, a qual visa instruir futura demanda
declaratória de relação avoenga.

Passa-se à análise.

I - Legitimidade ativa ad causam e Possibilidade jurídica do pedido:

As condições da ação devem ser conjuntamente examinadas, na medida em que


em alguns aspectos se inter-relacionam.

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Convém sejam transcritas as normas do Código Civil de 1916 e do atual, que mais
diretamente disciplinam o tema:

a) no CC/1916:

"Art. 350. A ação de prova da filiação legítima compete ao filho,


enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor, ou
incapaz."

"Art. 351. Se a ação tiver sido iniciada pelo filho, poderão


continuá-la os herdeiros, salvos se o autor desistiu, ou a instância
foi perenta."

"Art. 363. Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art.


183, ns. I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para
demandar o reconhecimento da filiação:
I - Se o tempo da concepção a mãe estava concubinada com o
pretendido pai;
II - Se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da
mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela;
III - Se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade,
reconhecendo-a expressamente."

b) no CC/2002:

"Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto


viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros


poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo."

Como se vê, no Código Civil de 2002 não há repetição da norma do art. 363 do
Código Civil de 1916, a qual referia apenas aos filhos como legitimados para "a ação contra os
pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação".

Merece, então, destaque o fato de que, ainda na vigência do Código de 1916, a


jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça delineava que a menção a "pais" feita naquele
dispositivo legal não poderia ser tida como limitação à investigação de outras relações de
parentesco, além da paternidade.

De fato, no julgamento da Ação Rescisória 336/RS, a Corte chegou à seguinte


conclusão:
"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO RESCISÓRIA. CARÊNCIA
AFASTADA. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
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RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO AVOENGA E PETIÇÃO DE
HERANÇA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. CC DE 1916, ART. 363.
I. Preliminar de carência da ação afastada (por maioria).
II. Legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação
declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de
herança, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a
investigação sobre a sua origem paterna.
III. Inexistência, por conseguinte, de literal ofensa ao art. 363 do
Código Civil anterior (por maioria).
IV. Ação rescisória improcedente."
(AR 336/RS, Segunda Seção, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, DJ de 24/4/2006, grifo nosso)

Afirmou-se ali a possibilidade de, sem ofensa ao referido art. 363 do Código Civil
de 1916, o pretenso neto ajuizar ação contra o suposto avô visando ao conhecimento de sua
identidade genética e, assim, dos direitos e obrigações dela decorrentes. Cabe transcrever trechos
dos votos de mérito dos eminentes Ministros Aldir Passarinho Junior (relator) e Jorge
Scartezzini (revisor), in litteris:
VOTO DO MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:

"Vencido na preliminar, examino o mérito da rescisória, que versa


sobre apontada violação literal ao art. 363 do Código Civil
anterior, que reza:
'Art. 363. Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no
art. 183, ns. I a VI, têm ação contra os pais, ou seus
herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação'.

É que não compreendo na menção a pais a limitação enxergada


pelos autores, e até doutrinária, porquanto dela extraio a mesma
compreensão que teve a douta maioria então votante, no sentido de
que a substituição é possível na linha ascendente, pois os avós
geraram os pais, daí ser absolutamente legítimo que um neto
busque a sua identidade verdadeira, a sua família, e,
evidentemente, daí decorrendo seus direitos e obrigações.
Há muito se vem abrandando as exigências ao reconhecimento de
filiação, e exemplo disso está no afastamento, mesmo antes do ECA,
do prazo prescricional para que o filho busque o reconhecimento
de paternidade, como se vê do EREsp n. 237.553/RO, 2a Seção, Rel.
p/acórdão Min. Ari Pargendler, DJU de 05.04.2004.
Se o direito é personalíssimo do filho investigar o pai, também o é
em relação ao avô, notadamente porque o pai já é falecido, o que é
importante sempre ressaltar. A relação parental não se extingue
com uma geração, na linha ascendente ou descendente. É contínua.
E, inobstante a alentada e judiciosa doutrina a respeito, parece-me
que em matéria de família – origem natural do ser humano –

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limitação dessa ordem, que se extrai de uma interpretação diminuta
do texto legal, não convence ser a melhor, rogando máxima vênia
ao entendimento divergente." (grifo nosso)

VOTO DO MINISTRO JORGE SCARTEZZINI:

"O art. 363, caput, do CC/1916, vigente à época da prolatação do


v. Acórdão rescindendo, encontrava-se assim disposto, in verbis:
'Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no art. 183, I
a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para
demandar o reconhecimento da filiação.'
À primeira, não se ignora que, doutrina e jurisprudência, diante da
peremptória redação de citado dispositivo, praticamente à
unanimidade, sustentavam a restrição absoluta da legitimidade à
propositura de ação investigatória de paternidade ao suposto filho,
não extensível sequer aos seus herdeiros, os quais poderiam,
tão-somente, dar prosseguimento à lide em caso de falecimento do
autor na respectiva pendência (cf. fls. 26/79).
Repise-se, porém, que aludido entendimento restritivo
encontrava-se, de regra, embasado tão-só na literalidade do
dispositivo legal em comento, destacando-se, entre as escassas
justificativas agregadas a esposado argumento, as seguintes
elucubrações, de cunho moral, extraídas, respectivamente, das
obras dos e. CLOVIS BEVILAQUA e CARLOS MAXIMILIANO:
'Justifica-se o rigor do princípio pelas considerações de que:
1º, ao indivíduo, exclusivamente, interessa a situação moral
que lhe provém da sua legitimidade; ninguém poderá
constrangê-lo a colocar-se numa posição social, que não
deseja; 2º, o estado é um modo de ser próprio da pessoa que
não se transmite a outrem.' ('Código Civil Anotado', v. 2, Rio
de Janeiro, Ed. Francisco Alves, 1933, p. 316)
'A prerrogativa de investigar a paternidade é personalíssima;
a ação cabe só ao filho; reserva-se a este o direito, absoluto,
de evitar ou recusar uma devassa escandalosa no passado seu
e de sua mãe.' ('Direito das Sucessões', v. I, Rio de Janeiro,
Ed. Freitas Bastos, 1942, p. 297)
Pois bem, a uma, tenho que, mesmo imprimindo-se ao art. 363 do
CC/1916 interpretação estritamente gramatical, conquanto não haja
previsão acerca da legitimidade dos herdeiros de pretenso filho à
interposição de demanda investigatória de paternidade,
analogamente inexiste expressa vedação à mesma, pelo que, de
plano, restaria afastada a impossibilidade jurídica de,
excepcionalmente, conferir-se legitimidade aos netos para o
ajuizamento de ação objetivando o reconhecimento de parentesco
com suposto avô. A propósito, oportuna a transcrição das
considerações expendidas pelo e. Ministro WALDEMAR ZVEITER
, quando do julgamento do REsp nº 269/RS:
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Superior Tribunal de Justiça
(...)
Ademais, ressalte-se, ainda que não se repute adequada a adoção
de exegese genericamente liberalizante ao art. 363 do CC/1916,
também é inegável que a interpretação meramente gramatical do
mesmo em quaisquer situações, levando à ilegitimidade absoluta
dos herdeiros de suposto filho para pleitearem o reconhecimento de
parentesco ascendente, não se coaduna com a orientação
preconizada no art. 5º da LICC, norma de sobredireito, segundo a
qual, 'na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum'.
Com efeito, não se mostra razoável, à luz dos mais comezinhos
princípios de justiça, com fulcro, exclusivamente, na ausência de
previsão legal do pedido, ainda mais que tendente ao
esclarecimento da genealogia, da própria origem do indivíduo,
negar-lhe acesso aos órgãos jurisdicionais, em total detrimento ao
princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art. 5º,
XXXV, da CF/88) e à necessidade de pacificação social, escopo
último, aliás, do processo civil moderno:
(...)
A propósito, conquanto não se olvide que, in casu, a análise de
afronta a literal disposição legal refira-se, por óbvio, à legislação
vigente à época da prolatação do v. Aresto rescindendo, releva
considerar que a conclusão pelo mesmo adotada, no sentido de
conferir aos então recorrentes legitimidade para buscarem
declaração judicial de existência de relação avoenga, encontra-se
em consonância com os ditames da nova legislação civil pátria, na
medida em que, embora não tenha o CC/2002 explicitamente
adotado quanto ao tema orientação liberalizante, também não
manteve a posição restritiva, não havendo sequer reproduzido, total
ou parcialmente, o art. 363 do CC/1916.
Destarte, in casu, em atenção às respectivas peculiaridades, reputo
acertada a exegese emprestada pelo v. acórdão rescindendo ao art.
363 do CC/1916, reconhecendo a legitimidade dos então
recorrentes, ora réus, à propositura da Ação Declaratória de
Relação Avoenga cumulada com Petição de Herança, notadamente
ante a circunstância de se constituir fato público a possibilidade de
existência do parentesco aduzido. Não há, pois, que se falar em
vulneração a referido dispositivo infraconstitucional, na medida em
que, ademais, conforme pacificado nesta Corte (REsp nº
488.512/MG, de minha Relatoria , DJU 06.12.2004; AR nº 464/RJ,
Rel. Ministro BARROS MONTEIRO , DJU 19.12.2003), para que a
Ação Rescisória calcada no inciso V do art. 485, do CPC, prospere,
é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo
seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua
literalidade, o que não ocorre no caso." (grifo nosso)

Daí, pode-se inferir que, já na vigência do Código Civil de 1916, o eg. Superior
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Superior Tribunal de Justiça
Tribunal de Justiça percebia a necessidade de fazer uma interpretação sistemática dos
dispositivos legais que tratavam do direito à filiação. Com isso, afastava a interpretação
meramente literal, condizente com a época de criação do Código, mas que engessaria o
ordenamento jurídico. A interpretação mais restrita já então mostrava-se desconforme com os
princípios constitucionais incidentes, excluindo da apreciação do Poder Judiciário direitos
fundamentais cuja relevância se sobrepõe à literalidade da norma.

Foi também essa a orientação esposada no primeiro precedente desta eg. Corte
de Justiça que reconheceu a viabilidade do ajuizamento de ação declaratória de relação avoenga,
no julgamento do Recurso Especial nº 269/RS. Salientou o Relator, o ilustrado Ministro
WALDEMAR ZVEITER, em seu percuciente voto, que "vedar aos recorrentes o exercício
do direito à ação seria negar-lhes a prestação jurisdicional, o que se não afigura nem
jurídico nem justo. Não se põe dúvidas ser majoritário o entendimento, tanto na doutrina
quanto na jurisprudência, no sentido de que a ação de investigação de paternidade, assim
como posta na redação do artigo 363 do Código Civil, é personalíssima. Contudo hoje,
(...) há de se ler a redação dada ao artigo 363 do Código Civil não mais de forma
restritiva e na ótica adequada a seu tempo, propugnada pelo grande Clóvis Beviláqua.
Mudou a época, mudaram os costumes, transformou-se o tempo, redefinindo valores e
conceituando o contexto familiar de forma mais ampla que com clarividência pôs o
constituinte de modo o mais abrangente, no texto da nova Carta. E nesse novo tempo não
deve o Poder Judiciário, ao qual incumbe a composição dos litígios com olhos postos na
realização da Justiça limitar-se à aceitação de conceitos pretéritos que não se ajustem à
modernidade" (Terceira Turma, DJ de 7/5/1990).

Eis a ementa do referido julgado:


"PROCESSUAL CIVIL - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE -
AÇÃO DECLARATÓRIA - RELAÇÃO AVOENGA.
I - Conquanto sabido ser a investigação de paternidade do art. 363
do código civil ação personalíssima, admissível a ação declaratória
para que diga o Judiciário existir ou não a relação material de
parentesco com o suposto avô que, como testemunha, firmou na
certidão de nascimento dos autores a declaração que fizera seu pai
ser este, em verdade seu avô, caminho que lhes apontara o Supremo
Tribunal Federal quando, excluídos do inventario, julgou o recurso
que interpuseram.
II - Recurso conhecido e provido."

Com isso, tem-se também como afastada a impossibilidade jurídica do pedido.

Como se sabe, a possibilidade jurídica do pedido (ou da causa de pedir) demanda


compatibilidade da pretensão com os fins e princípios do próprio ordenamento jurídico. Assim, o
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Superior Tribunal de Justiça
reconhecimento dessa condição da ação não tem o condão de dizer, de plano, o direito, julgando
procedente o pedido autoral, mas de apurar se o fato afirmado pela parte mostra-se compatível
com a possibilidade de eventual entrega de tutela jurisdicional, seja em face da existência de
regulação normativa que, em tese, possa amparar a pretensão, seja em razão da inexistência de
vedação legal.

Nesse sentido a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça consagra o


entendimento de que "a possibilidade jurídica do pedido consiste na admissibilidade em
abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no
ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional" (REsp 254.417/MG, 4ª
Turma, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 2.2.2009).

Conforme salientado pelo eminente Ministro Jorge Scartezzini, no voto proferido


na mencionada AR 336/RS, acima transcrito, no Código Civil de 2002, ainda que não haja
nenhuma previsão explícita de investigação de relação avoenga, também não há nenhuma
vedação, explícita ou implícita, nesse sentido.

Portanto, hoje, quando o Código Civil já não reproduz a norma do antigo art. 363,
trazendo apenas as dos anteriores arts. 350 e 351, no art. 1.606 do CC/2002, a melhor exegese
desse dispositivo não pode permitir restrições quanto ao reconhecimento de relação avoenga.
Assim, a este dispositivo também deve ser dada uma interpretação sistemática, prestigiando os
direitos à filiação e à ancestralidade, sobretudo porque a própria Constituição Federal prestigia
esses direitos, quando adota o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Assim,
deve ser afastada qualquer interpretação restritiva da norma, tendo em vista que a filiação não se
esgota em uma só geração (relação entre pais e filhos); ao contrário, os vínculos de parentesco
em linha reta tendem ao infinito. Há diversas outras relações parentais que surgem da relação pai
e filho.

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, ao


analisarem o disposto no mencionado art. 1.606 do Código Civil de 2002, ressaltam que não se
deve ater a uma interpretação restritiva desse dispositivo. Salientam, para tanto:
"Apesar de se tratar de ação personalíssima, como visto alhures, os
herdeiros do investigante, que já ajuizou a ação investigatória, têm
legitimidade para prosseguir na ação, salvo se houve extinção do
processo (parágrafo único do art. 1.606 do Código Civil).
No entanto, é preciso afirmar, mais do que isso, a legitimidade dos
herdeiros (netos) para a propositura da ação, iniciando-a contra o
avô. É a chamada investigação de parentalidade avoenga.
O art. 1.606 do Codex traz regra exatamente nesse sentido,
autorizando os herdeiros a propor a ação 'se ele morrer menor ou
incapaz'. Justifica-se a legitimação dos herdeiros em tal hipótese
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Superior Tribunal de Justiça
pela impossibilidade do investigante aforar a ação, em face de sua
incapacidade. Assim, tendo falecido incapaz, e, por conseguinte,
impossibilitado de ajuizar a ação pessoalmente, razoável que
estejam legitimados os herdeiros.
Com base no tratamento constitucional da filiação -
impossibilitando a limitação do estado de filiação - é preciso ir mais
longe. Assim, afirmamos que o neto detém legitimidade ativa ad
causam para promover a investigação contra o seu avô,
independentemente de ter o investigante falecido no gozo de plena
capacidade, exercitando a investigatória avoenga.
É que, como pontifica Belmiro Pedro Welter, 'o direito
personalíssimo do filho é mesmo direito personalíssimo do pai, do
avô, do neto etc. Se o filho não quer exercer o seu direito, não se
pode proibir que o seu filho (neto) possa exercê-lo, sob pena de se
estar negando ao neto o exercício de seu direito nativo de
personalidade'.
Desse modo, o neto que propõe a investigatória contra o seu avô
está perseguindo direito próprio, reclamando a sua ancestralidade,
sua identidade genética, afirmando sua própria dignidade. Não
fosse só isso, mister seu interesse também econômico, vez que
passará a ser possível cobrar alimentos do avô, pleitear herança,
alimentos etc."
(in Direitos das Famílias. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 548,
grifo nosso)

NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, ao


interpretarem o referido art. 1.606 do Código Civil, salientam:

"2. A ação declaratória de estado. A ação declaratória do estado de


filho, conhecido como de investigação de paternidade, é apenas
uma espécie do gênero, declaratória de estado familiar. Ela pode
ser exercida por quem tenha interesse jurídico em atribuir a um
determinado fato da vida uma conseqüência jurídica. Esse interesse
pode ser revelado por alguém que pretenda apontar como sendo
descendente de uma estirpe, ainda que longínqua. Os limites do
pedido devem ser estabelecidos a partir das possibilidades reais de
apuração da verdade e a partir da demonstração efetiva de
interesse jurídico. Não contém nenhum fator de quebra do equilíbrio
do sistema acolher-se para julgamento a pretensão de quem queira
apontar a outrem uma ascendência parental, para apontar-lhe
parentesco em linha reta, que o coloca na situação jurídica
especialíssima de herdeiro necessário.
3. Situações diferentes. A) Imagine-se a possibilidade de alguém se
dizer e provar ser neto ou bisneto de um grande pintor que
aparentemente não tenha deixado bens, mas que tenha tido, após a
sua morte, a obtenção de grande soma em virtude do pagamento de
direitos autorais. Evidentemente, na ausência do filho que poderia,
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mas não quis, ver seu estado de filho reconhecido, pode o filho
deste, neto daquele, vir a juízo para provar que é neto, descendente
pela linha reta, e que faz jus à herança do avô? Será que o CC
1606 lhe impedira a pretensão? Parece-nos que não. O referido
comando legal limita o direito de herdeiros postularem o direito
próprio do de cujus, a não ser que este tenha falecido menor ou
incapaz? Não limita, e se o fizesse seria inconstitucional, o direito
próprio do herdeiro, no caso, o neto do pintor e, igualmente, seu
herdeiro necessário. B) Observe-se como é diferente a situação de,
no mesmo exemplo, o pintor (A) ter deixado filho (B), e este, um
irmão por parte de mãe (C), que não fosse filho do pintor. Na
ausência do filho do pintor, morto maior e capaz sem ter postulado
a filiação em face do pintor, seu irmão não poderia postular o
direito de herança, posto que se daria o óbice do CC 1606, aqui,
sim, corretamente: o irmão (C), aspirante da herança de B, não é
herdeiro, nem poderia sê-lo do pai de B (A), também morto. Sua
pretensão limita-se à herança de B e nenhum direito próprio teria
em face de A. Mas essa limitação, evidentemente, não alcança, nem
poderia alcançar, o neto, igualmente herdeiro necessário,
descendente em linha reta do falecido, ainda mais diante do
claríssimo comando do CC 1811. É evidente, em casos assim, o
interesse jurídico próprio de quem pretende declarar-se o estado de
neto, ou de bisneto de outrem."
(in Código Civil Comentado. 6ª ed., rev., amp. e atual., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 1.073-1.074, grifo nosso)

Então, no que tange à controvérsia dos autos, é de entender-se que, embora não
haja previsão legal que regulamente, de forma direta, a declaratória de relação avoenga, também
não há vedação expressa a inviabilizar seu ajuizamento.

E foi essa a compreensão adotada em precedente de que foi relator o ilustre


Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, em julgamento que traz a seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RELAÇÃO AVOENGA.


RECONHECIMENTO JUDICIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA
DO PEDIDO.
- É juridicamente possível o pedido dos netos formulado contra o
avô, os seus herdeiros deste, visando o reconhecimento judicial da
relação avoenga.
- Nenhuma interpretação pode levar o texto legal ao absurdo."
(REsp 604.154/RS, Terceira Turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES
DE BARROS, DJ de 1º/7/2005, grifo nosso)

Há também recente precedente no âmbito da eg. Segunda Seção desta Corte de


Justiça no sentido do reconhecimento da possibilidade jurídica do pedido e da legitimidade ativa

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ad causam, para o ajuizamento de ação de declaração de relação avoenga, tendo em vista a
existência de direito de agir, próprio e personalíssimo, do suposto neto. Eis a ementa:

"Direito civil. Família. Ação de declaração de relação avoenga.


Busca da ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos.
Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade
jurídica do pedido. Peculiaridade. Mãe dos pretensos netos que
também postula seu direito de meação dos bens que supostamente
seriam herdados pelo marido falecido, porquanto pré-morto o avô.
- Os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome e ao
conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios,
intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e
oponíveis erga omnes.
- Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir, próprio e
personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco
em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele, porque o
direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente
ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana.
- O direito à busca da ancestralidade é personalíssimo e, dessa
forma, possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos
arts. 5º e 226, da CF/88.
- O art. 1.591 do CC/02, ao regular as relações de parentesco em
linha reta, não estipula limitação, dada a sua infinitude, de modo
que todas as pessoas oriundas de um tronco ancestral comum,
sempre serão consideradas parentes entre si, por mais afastadas
que estejam as gerações; dessa forma, uma vez declarada a
existência de relação de parentesco na linha reta a partir do
segundo grau, esta gerará todos os efeitos que o parentesco em
primeiro grau (filiação) faria nascer.
- A pretensão dos netos no sentido de estabelecer, por meio de ação
declaratória, a legitimidade e a certeza da existência de relação de
parentesco com o avô, não caracteriza hipótese de impossibilidade
jurídica do pedido; a questão deve ser analisada na origem, com a
amplitude probatória a ela inerente.
- A jurisprudência alemã já abordou o tema, adotando a solução
ora defendida. Em julgado proferido em 31/1/1989 e publicado no
periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989, 891, o
Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que 'os direitos
da personalidade (Art. 2 Par. 1º e Art. 1º Par. 1º da Constituição
Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem
genética.'
- Em hipótese idêntica à presente, analisada pelo Tribunal Superior
em Dresden (OLG Dresden) por ocasião de julgamento ocorrido em
14 de agosto de 1998 (autos n.º 22 WF 359/98), restou decidido que
'em ação de investigação de paternidade podem os pais biológicos
de um homem já falecido serem compelidos à colheita de sangue'.
- Essa linha de raciocínio deu origem à reforma legislativa que
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provocou a edição do § 372a do Código de Processo Civil Alemão
(ZPO) em 17 de dezembro de 2008, a seguir reproduzido (tradução
livre): '§ 372a Investigações para constatação da origem genética.
I. Desde que seja necessário para a constatação da origem
genética, qualquer pessoa deve tolerar exames, em especial a coleta
de amostra sanguínea, a não ser que o exame não possa ser exigido
da pessoa examinada. II. Os §§ 386 a 390 são igualmente
aplicáveis. Em caso de repetida e injustificada recusa ao exame
médico, poderá ser utilizada a coação, em particular a condução
forçada da pessoa a ser examinada.'
- Não procede a alegada ausência de provas, a obstar o pleito
deduzido pelos netos, porque ao acolher a preliminar de carência
da ação, o TJ/RJ não permitiu que a ação tivesse seguimento, sem o
que, não há como produzir provas, porque não chegado o momento
processual de fazê-lo.
- Se o pai não propôs ação investigatória quando em vida, a via do
processo encontra-se aberta aos seus filhos, a possibilitar o
reconhecimento da relação avoenga; exigem-se, certamente, provas
hábeis, que deverão ser produzidas ao longo do processo, mas não
se pode despojar do solo adequado uma semente que apresenta
probabilidades de germinar, lançando mão da negativa de acesso
ao Judiciário, no terreno estéril da carência da ação.
- O pai, ao falecer sem investigar sua paternidade, deixou a
certidão de nascimento de seus descendentes com o espaço
destinado ao casal de avós paternos em branco, o que já se mostra
suficiente para justificar a pretensão de que seja declarada a
relação avoenga e, por consequência, o reconhecimento de toda a
linha ancestral paterna, com reflexos no direito de herança.
- A preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à
tutela dos direitos dos vivos que, ao se depararem com inusitado
vácuo no tronco ancestral paterno, vêm, perante o Poder
Judiciário, deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa
seja devidamente preenchida.
- As relações de família tal como reguladas pelo Direito, ao
considerarem a possibilidade de reconhecimento amplo de
parentesco na linha reta, ao outorgarem aos descendentes direitos
sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e
resguardando-lhes a legítima e, por fim, ao reconhecerem como
família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus
descendentes, inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a
possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo
Judiciário, para além das hipóteses de filiação.
- Considerada a jurisprudência do STJ no sentido de ampliar a
possibilidade de reconhecimento de relações de parentesco, e desde
que na origem seja conferida a amplitude probatória que a hipótese
requer, há perfeita viabilidade jurídica do pleito deduzido pelos
netos, no sentido de verem reconhecida a relação avoenga,
afastadas, de rigor, as preliminares de carência da ação por

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ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido,
sustentadas pelos herdeiros do avô.
- A respeito da mãe dos supostos netos, também parte no processo, e
que aguarda possível meação do marido ante a pré-morte do avô
dos seus filhos, segue mantida, quanto a ela, de igual modo, a
legitimidade ativa e a possibilidade jurídica do pedido, notadamente
porque entendimento diverso redundaria em reformatio in pejus.
Recurso especial provido."
(REsp 807.849/RJ, Segunda Seção, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI,
DJe de 6/8/2010, grifo nosso)

É, pois, de ter-se como juridicamente possível ao neto investigar o vínculo de


parentesco avoengo, como forma de materialização de importante aspecto do direito da
personalidade. Sem dúvida, a declaratória de relação avoenga caracteriza-se como ação de
estado, fundada no status familiae, destinada a dirimir conflito de interesse relativo ao estado de
uma pessoa natural. Envolve discussão de verdadeiro direito da personalidade e, como tal, é
imprescritível, irrenunciável e inalienável.

Com efeito, tratando-se de direito próprio, o neto deve ser considerado parte
legítima para o ajuizamento de ação visando, em última análise, ao reconhecimento de relação
avoenga. A prerrogativa de ver reconhecida a relação de parentesco constitui direito próprio,
personalíssimo com relação ao nome e à ancestralidade. Não se trata de exercício do direito de
ação em nome de outrem (legitimação extraordinária) - ou seja, ajuizamento de ação pelo neto,
em nome do pai, para investigar a paternidade deste -, mas de ação de declaração de relação
parental avoenga ajuizada em nome próprio pelo neto para atender a interesse próprio de
conhecimento de sua ancestralidade e, consequentemente, dos direitos a ela inerentes.

Portanto, mostram-se presentes as condições da ação ora tratadas para o


ajuizamento de ação cautelar de produção antecipada de prova, para instrução de futura
declaratória de relação avoenga.

II - Coisa Julgada:

Dispõe o art. 468 do Código de Processo Civil: "A sentença, que julgar total ou
parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas."

Por sua vez, a norma inserta no art. 472 do Estatuto Processual Civil estabelece,
in verbis:
"Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é
dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas
relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo,
em litisconsórcio necessário, todos os interessados a sentença
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produz coisa julgada em relação a terceiros."

Da leitura de tais normas verifica-se que, para a configuração da res iudicata, é


necessário identidade de partes, causa de pedir e pedido (CPC, art. 301, inciso VI e § 2º). Fora
dessa tríplice identidade não há como invocar-se a autoridade da coisa julgada. Basta, portanto, a
não coincidência de um desses elementos na nova demanda para que fique afastada qualquer
ofensa à coisa julgada. Este é o escopo da garantia constitucional da res iudicata (CF, art. 5º,
XXXVI), a qual imuniza o decisum transitado em julgado nos limites da lide, ou seja, do que foi
decidido acerca de determinada pretensão ou demanda estabelecida entre partes específicas
(CPC, arts. 468, 471 e 472).

Com efeito, a coisa julgada possui limites objetivos e subjetivos.

A limitação objetiva da coisa julgada (CPC, art. 468) estabelece-se em torno do


fato de que a sentença tem força de lei nos limites da lide decidida, sendo certo que "a lide
decidida é aquela levada a juízo através de um pedido da parte, colocado como questão
principal. Logo, resta evidente que, de acordo com esse artigo, a autoridade da coisa
julgada só recai sobre a parte da decisão que julga o pedido (a questão principal, a lide),
ou seja, sobre a norma jurídica concreta contida no seu dispositivo" (in DIDIER
JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo
de Conhecimento, Vol. 2, 2ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 561).

Por sua vez, a limitação subjetiva da coisa julgada (CPC, art. 472) informa que a
res iudicata estabelecida entre as partes não pode atingir desfavoravelmente ou beneficiar
terceiro que não integrou a lide, ressalvadas, é claro, as hipóteses de eficácia ultra partes dos
atos judiciais (v.g: sucessão; substituição processual) e de eficácia erga omnes dos atos judiciais
(v.g: ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou direitos individuais homogêneos; ações
de controle concentrado de constitucionalidade).

Nas palavras de Chiovenda: "Tutti sono tenuti a riconoscere il giudicato tra le


parti, ma non possono esserne pregiudicati", ou seja, "a coisa julgada formada entre as
partes não pode ser desconhecida por ninguém, mas ninguém além das partes pode ser
atingido desfavoravelmente por ela, sem sua própria esfera de direitos".

Ressalte-se, por oportuno, que a parte final do art. 472 (causas relativas ao estado
de pessoas) não trata de hipótese de eficácia ultra partes dos atos judiciais, ao contrário do que
precipitadamente se possa deduzir, mas de eficácia inter partes. Nas ações de estado - como o é
a dos presentes autos - devem ser citados todos os interessados, para que, em relação a eles, a
sentença seja válida e eficaz. Haverá, no caso, litisconsórcio necessário e, pois, eficácia do

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julgado entre as partes que compõem o feito.

A respeito do tema, confira-se a lição de FREDIE DIDIER JÚNIOR:


"6. Coisa Julgada nas Ações de Estado
A parte final do art. 472 está assim redigida: 'Nas causas relativas
ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em
litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz
coisa julgada em relação a terceiros'.
A Redação do dispositivo pode dar a falsa impressão de que, em
ações de estado, a coisa julgada é ultra parte. Na verdade, a regra
diz respeito ao litisconsórcio: em ações de estado, todos os
interessados devem ser citados, para que a sentença seja válida e
lhes possa ser eficaz. Impõe-se a necessidade do litisconsórcio em
tais situações, de resto já extraível do art. 47 do CPC. Se todos os
interessados forem citados, todos se submeterão à coisa julgada,
porque terão sido parte no processo."
(in Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e
Processo de Conhecimento, Vol. 2, 2ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2008,
p. 567)

Na hipótese em exame, de um lado, a lide não envolve partes idênticas. Na


presente ação cautelar de produção antecipada de prova, objetivando a realização de exame de
DNA, embora a parte ré seja coincidente - D. H. Z. -, a parte autora - S. C. - é diversa da
daquelas outras ações, ajuizadas pelo pai da ora promovente.

Ademais, no âmbito da ação investigatória de paternidade - que é ação de estado


-, não houve a formação de litisconsórcio, com a inclusão no feito da pretensa neta, ora
recorrente (CPC, art. 472, parte final).

Portanto, em face dela não se estendeu a eficácia das decisões proferidas


naqueles outros feitos.

De outro lado, a causa de pedir e o pedido, nesta ação, são diversos daqueles
constantes das demandas anteriores. Neste processo a pretensão de direito material relaciona-se
à investigação de relação avoenga, enquanto naqueles outros feitos, à investigação de
paternidade. Embora essas relações de parentesco estejam na mesma linha reta - de maneira que
da paternidade é que resulta, em tese, a relação avoenga -, cada qual corresponde a um direito
personalíssimo próprio do respectivo titular, constituindo, pois, causa de pedir e pedidos distintos.

Acrescente-se, por oportuno, que o afastamento da paternidade, naquela primeira


ação investigatória - ajuizada por J. D. dos S. M. (pai da ora recorrente) contra D. H. Z. (suposto
avô da ora recorrente) -, não foi feito com base em prova contundente (exame de DNA),
porquanto: (I) à época da primeira demanda ajuizada pelo pai da ora recorrente, julgada
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Superior Tribunal de Justiça
improcedente, este tipo de exame, fundado no pareamento cromossômico, ainda não era
amplamente disponível, nem havia notoriedade a seu respeito; (II) nessa primeira demanda a
paternidade fora afastada com base em simples exame hematológico, o qual, como se sabe, no
âmbito técnico-científico não possui a mesma robusteza do mencionado exame genético; e (III)
na rescisória e na nova ação investigatória, ajuizadas posteriormente também pelo pai da ora
recorrente, a despeito de o mencionado exame ter sido requerido, não fora aceita a sua
realização, tendo sido as demandas extintas com base em ofensa à coisa julgada, formada
naquele primeiro feito, e não com base na exclusão da própria paternidade.

Nesse contexto, os impedimentos havidos naquelas ações anteriores ao


conhecimento definitivo e preciso da relação de parentesco existente entre o pai da ora
recorrente e seu suposto avô não podem obstar esta nova ação movida por pessoa diversa,
buscando alcançar direito próprio e personalíssimo de conhecer sua ancestralidade, agora com
base em nova técnica da engenharia genética não disponível anteriormente.

Noutro giro, pode-se ainda ter em conta que a autoridade da coisa julgada
reporta-se ao momento em que a sentença foi proferida, de maneira que nova relação jurídica ou
nova situação de fato ou de direito surgida posteriormente - e que não tenha sido objeto do
julgamento anterior, o qual, inclusive, envolvia partes, causa de pedir e pedido diversos - torna-se
alheia à imutabilidade do instituto da res iudicata.

É oportuno invocar a lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in verbis:


"Não é de hoje que, sempre forte na lição de Liebman, venho
asseverando que a autoridade da coisa julgada material, sujeita-se
sempre à regra rebus sic standibus, de modo que, sobrevindo fato
novo, 'o juiz, na nova ação, não altera o julgado anterior, mas,
exatamente para atender a ele, adapta-se ao estado de fato
superveniente. Eis o ensinamento do Mestre:

'è superfluo dire che la cosa giudicata non impedisce l´eventuale


sopraggiungere de fatti nuovi, che possono naturalmente
modificare la situazione fra le parti (per es., l´adempimento del
debitore, una transazione ecc.)'.

Tudo isso é muito natural quando se sabe que o instituto da coisa


julgada material é movido pelo escopo prático de imunizar os efeitos
do julgamento proferido acerca de determinada pretensão ou
demanda, para que, naquela situação, outra decisão o caso não
possa vir a ter jamais. Nem é por acaso que o direito positivo limita
a coisa julgada não só às partes e ao objeto do pedido, mas ainda à
causa de pedir. Fora da tríplice identidade não há a auctoritas rei
judicatae, justamente porque, variando um desses elementos, o

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Superior Tribunal de Justiça
litígio já será outro (CPC, art. 301, § 2º). Nova situação, nova
decisão. A garantia constitucional da coisa julgada (Art. 5º, inc.
XXXVI) não vai além de estabelecer que, com relação ao litígio
posto em juízo e na situação de fato ali considerada, novos
questionamentos serão ilegítimos. Ela imuniza o decisum, como está
claro no direito positivo, nos limites do que foi julgado.
(...)
As lições assim colhidas recebem legitimidade da óbvia observação
de que a vida das pessoas e suas relações entre si e com os bens da
vida não são algo estanque e imutável, insuscetível às evoluções
conaturais à vida em sociedade. Não é permitido discutir mais se,
no momento do trânsito em julgado, as relações entre os litigantes
eram aquelas afirmadas pela sentença e sujeitas aos efeitos desta;
mas, surgindo nova relação ou nova situação oriunda de fato ou
negócio novo, essa nova relação - que não foi objeto de julgamento -
considera-se alheia a ditos efeitos e, por natural conseqüência,
alheia também à sua imutabilidade.
Claramente nesse sentido é a exposição de Bedaque, falando
da coisa julgada como imutabilidade da sentença e de seus
efeitos em relação ao direito já existente e proclamado: 'nada
impede,, porém, que acontecimentos posteriores influam
naquela situação, alterando-a. A decisão judicial, obviamente,
não pode impedi-los. São fatos novos incidentes sobre a
situação substancial será tanto menor quanto mais dinâmica
ela se apresentar'.
(...)
Exatamente porque a coisa julgada se reporta ao momento em que
a sentença foi proferida, sem considerações futurológicas de
qualquer ordem, ela tem somente o significado de imunizar, sempre
com referência àquele momento, os efeitos da sentença, sobre a
qual incide. Se esta afirma a existência atual de um direito ou
obrigação (atual no momento em que foi proferida), a coisa julgada
impede que se volte a questionar a existência dessa situação
jurídica naquele momento, mas não impede que se discuta sobre se
depois dela o direito ou obrigação persiste ou deixou de existir.
(...)
Na ordem jurídico-positiva brasileira esses pensamentos
transparecem na regra de que, 'passada em julgado a sentença de
mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e
defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como a
rejeição do pedido' (CPC, art. 474). Tal é a eficácia preclusiva da
coisa julgada, que não se confunde com esta mas sem a qual a
coisa julgada valeria muito pouco. Ela consiste em imunizar a
própria res judicata a possíveis esvaziamentos mediante o exame de
fatos anteriores. Diz-se que o efeito preclusivo da coisa julgada
cobre o deduzido e o dedutível, sendo absolutamente imperativo
entender-se, a contrario sensu, que não fica abrangida por
qualquer matéria que, por ser posterior, não fosse (obviamente)
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suscetível de deduzir-se antes do julgamento da causa. Se o direito
se extinguiu ou modificou-se depois da prolação da sentença e do
trânsito em julgado, ou se de algum modo as relações jurídicas
entre os que foram litigantes passaram a reger-se por outro negócio
jurídico, tais são situações novas que, por não terem sido
consideradas, não foram objeto de decisão e não ficam portanto
cobertas pela coisa julgada ou por sua eficácia preclusiva."
(in Fundamentos do Processo Civil Moderno. Tomo II. 6ª ed., Malheiros:
SP, 2010, pp. 1.170/1.173, grifo nosso)

Na hipótese, o Poder Judiciário não pode desconsiderar os avanços


técnico-científicos inerentes à sociedade moderna, os quais possibilitam, por meio de exame
genético (DNA), o conhecimento da verdade real, delineando, praticamente sem margem de erro,
o estado de filiação ou parentesco de uma pessoa. Com a utilização desse meio de determinação
genética, tornou-se possível uma certeza científica (quase absoluta) na determinação da filiação,
enfim, das relações de ancestralidade e descendência.

Relativamente ao caso sob exame, a decisão que deixou de acolher aquela


referida ação rescisória ajuizada antes pelo pai da ora recorrente, fundada em documento novo,
não se ajusta com a linha da jurisprudência desta eg. Corte de Justiça (cf.: REsp 653.942/MG;
REsp 442.780/SP e REsp 300.084/GO).

Assim, sendo a paternidade anteriormente julgada improcedente em ação


investigatória, com base em insuficiência de elementos probatórios (testemunhas ou exame
sanguíneo inconclusivo), em período em que não era acessível a investigação de paternidade por
exame genético preciso e hoje de fácil realização, deve ser possibilitada a rediscussão da relação
de parentesco que, rigorosamente, nem chegou a ser negada antes, apenas não foi reconhecida.
Agora, em nova ação investigatória, a relação avoenga poderá ser questionada por pessoa
diretamente interessada, fundada em técnica científica precisa.

Sustentando posicionamento mais agudo, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS


e NELSON ROSENVALD bem delineiam o tema, perfilhando que o instituto da coisa julgada
não pode ser visto de forma estanque, em desprestígio aos direitos, constitucionalmente
consagrados, de filiação e de conhecimento da identidade genética e da ancestralidade. Eis as
ponderações desses ilustres doutrinadores:
"4.5.20. A Coisa Julgada nas Ações Filiatórias
Historicamente, a coisa julgada na ação de investigação de
paternidade esteve submetida ao sistema processual clássico,
tornando imutáveis os efeitos decorrentes da sentença de mérito,
contra a qual não mais seja cabível qualquer recurso.
Mesmo na hipótese de investigatória de paternidade promovida pelo
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Ministério Público, na qualidade de substituto processual, ainda
assim os efeitos da coisa julgada se projetavam, atingindo o
investigante.
Induvidoso, no entanto, que o sistema da coisa julgada do Código de
Processo Civil, alçado a altitude de garantia constitucional (CF, art.
5°, XXXVI), não pode ter guarida nas ações filiatórias, dentre elas a
investigatória de parentalidade, sendo necessário afirmar o desenho
de um novo modelo de coisa julgada para regular tais demandas.
Importante destacar que esse novo sistema de regramento da coisa
julgada independe de expressa previsão de lei, podendo ser
aplicado aos casos concretos, a partir das concepções e princípios
constitucionais, visando promover a dignidade da pessoa humana e
a isonomia substancial, determinadas constitucionalmente.
Em suma: as regras ordinárias sobre a coisa julgada não podem ir
de encontro a Lex Mater, nem - o mais importante! - se sobrepor aos
direitos mínimos da existência humana, como a verdade sobre a
paternidade. Pensar diferente e trafegar na contramão da história e
colidir frontalmente com a evolução das pesquisas genéticas. Se
assim não o fosse, qual a vantagem do avanço cientifico, do estudo
da genética, por exemplo? A ciência, nesta área, está a serviço da
verdade e se nos impõe usa-la. Veja-se, inclusive, que se a verdade
é conceito de índole filosófica, sendo possível encontra-la, em tais
casos, com o amparo cientifico, sobreleva sua utilização racional, a
serviço do bem-estar do homem digno.
Não se pode canonizar o instituto da coisa julgada, de modo a
afrontar a própria sociedade e o ser humano. Deve se ponderar
pelo princípio da proporcionalidade qual dos interesses deve
prevalecer no caso concreto: mais vale a segurança ou a justiça. E
afigura-se-nos mais relevante prevalecer o valor justiça, pois sem
ela não ha liberdade qualquer.
Mas não é só. E preciso observar que as ações sobre a filiação não
podem ficar emolduradas nas estreitas latitudes da coisa julgada
regulada pela lei processual (CPC, arts. 467 e ss.). Aliás, se a
intangibilidade da coisa julgada quedou mitigada nas ações
coletivas (relativas a relações de consumo, proteção ambiental,
moralidade administrativa etc.), com muito mais razão deve ser
relativizada, suavizada, nas ações filiatórias. Enfim, e injusto
vedar-se para sempre a pessoa humana o direito de pleitear o
reconhecimento de sua filiação, que se lhe constitui direito absoluto
sagrado, indisponível e inerente a própria personalidade. Desse
modo, e fácil perceber a necessidade de adaptação do sistema de
coisa julgada nas ações filiatórias, respeitando as garantias
constitucionais da pessoa humana.
Uma coisa é certa: as regras gerais sobre a coisa julgada, talhada
no sistema individualista do Código Adjetivo, devem ser
interpretadas com razoabilidade na ação investigatória, eis que
poderia implicar a negação do próprio direito material

Documento: 1102050 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2012 Página 27 de 9
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correspondente, frustrando o caráter instrumental do direito
processual, que serviria como óbice a concretização efetiva do
direito a filiação, garantido constitucionalmente.
Veja-se, inclusive, que não se faz necessário justificar a
propositura de qualquer ação rescisória, com vistas ao
rejulgamento da ação filiatória, eis que a decisão judicial que não
exaurir os meios de prova não passa em julgado afastando-se do
manto sagrado da coisa julgada.
É mister afirmar, então, que a coisa julgada na ação investigatória
se dará sob a técnica secundum eventum probationes. Ou seja, a
coisa julgada se forma a depender do resultado da produção
probatória, identicamente ao que se tem nas ações coletivas.
Também não se diga, ainda, que a coisa julgada constitui garantia
prevista no Texto Constitucional, uma vez que a igualdade e a
dignidade da pessoa humana também tem sede constitucional e o
conflito de normas de igual hierarquia e solucionado pelo principio
da proporcionalidade (poderão de interesses), devendo prevalecer,
por obvio, a garantia ao reconhecimento da filiação. Ademais, não
pode o processo servir de obstáculo para o exercício de direito
material.
Reafirme-se, nesse passo, que e a norma constitucional protetiva do
cidadão quem prevalece em nosso sistema jurídico. Por isso, negar o
direito do filho em investigar a paternidade do seu pai, invocando
barreiras ou formalismos processuais, e inaceitável e colide
frontalmente com o principio da dignidade humana, fazendo tabula
rasa dos direitos fundamentais.
Importantíssimo precedente sobre a matéria emanou do Superior
Tribunal de Justiça:
'Processo Civil. Investigação de paternidade. Repetição de
ação anteriormente ajuizada, que teve seu pedido julgado
improcedente por falta de provas. Coisa julgada.
Mitigação. Doutrina. Precedentes. Direito de Família.
Evolução. Recurso acolhido. I - Não excluída
expressamente a paternidade do investigado na primitiva
ação de investigado de paternidade, diante da
precariedade da prova e da ausência de indícios
suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua
negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da
primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era
disponível e nem havia notoriedade a seu respeito,
admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que
tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando
improcedente o pedido. II - Nos termos da orientação da
Turma, 'sempre recomendável a realização de pericia para
investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao
julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de
certeza' na composição do conflito. Ademais, o progresso
da ciência jurídica, em matéria de prova, esta na
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substituição da verdade ficta pela verdade real. III - A
coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no
caso da investigação de paternidade, deve ser
interpretada 'modus in rebus'. Nas palavras de respeitável
e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se
aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo
da realização do processo justo, 'a coisa julgada existe
como criação necessária a segurança prática das relates
jurídicas e as dificuldades que se opõem a sua ruptura se
explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar,
todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça
tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não
ha liberdade IV - Este Tribunal tem buscado, em sua
jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins
sociais do processo e as exigências do bem comum" (STJ,
Ac.unan. 4ª T., REsp.226.436/PR, rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j.28.6.01).
Pensar diferente e voltar no tempo, para entender que o processo
deveria prevalecer sobre o próprio direito material. Assim, avulta
afirmar a necessária relativização da coisa julgada pela
jurisprudência, evitando tormentos e indevidas negações do direito
a filiação.
A nossa jurisprudência registra, nesse sentido, importante
passagem: 'mudou a época, mudaram os costumes, transformou-se o
tempo, redefinindo valores e conceituando o contexto familiar de
forma mais ampla que, com clarividência, pós o constituinte de
modo a mais abrangente, no texto da nova Carta. E nesse novo
tempo não deve o Poder Judiciário, ao qual incumbe a composição
dos litígios com olhos na realização da justiça, limitar-se a
aceitação de conceitos pretéritos que não se ajustem a
modernidade'.
Vale registrar, por derradeiro, que, buscando tratar a matéria no
piano positivo, apresentando uma solução de lege ferenda, tramita
no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 116/01, de autoria do
Senador Valmir Amaral, dispondo: 'art. 1Q A ementa da Lei n.
8.560/92 passa a ter a seguinte redação: 'Regula a investigação de
paternidade'. Art. 2º O art. 8º da Lei n167 8.560/92 passa a ter a
seguinte redação: (...) Parágrafo Único - A ação de investigação de
paternidade, realizada sem a prova do pareamento cromossômico
(DNA), não faz coisa julgada. Art. 3e Esta lei entra em vigor na
data de sua publicação."
(in Direitos das Famílias. Lumen Juris: RJ, 2008, pp. 573/576, grifo
nosso)

Destarte, por todas essas razões, não deve prevalecer o óbice da coisa julgada
formada em outras demandas, envolvendo partes, pedido e causa de pedir diversas, em
detrimento do direito fundamental ao conhecimento da identidade genética e da ancestralidade,

Documento: 1102050 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2012 Página 29 de 9
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relativo à personalidade e decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana consagrado na
Constituição Federal (art. 1º, III).

Infere-se, portanto, que não há óbice de coisa julgada a inviabilizar o ajuizamento


da ação cautelar de antecipação de prova pela pretensa neta contra o suposto avô (exame de
pareamento cromossômico - DNA), para a instrução de futura ação de reconhecimento de
relação avoenga.

Deve, nesses termos, ser garantido à recorrente o direito à busca da


ancestralidade, ainda mais porque, nas lides anteriores ajuizadas por seu pai, não foram esgotados
todos os meios possíveis à investigação eficaz da relação de parentesco existente entre o pai da
recorrente e seu suposto avô. Há aqui, ainda, a possibilidade de realização de exame de DNA
para aferir-se a ancestralidade da ora recorrente.

Portanto, o pedido deve ser considerado juridicamente possível e a parte deve ser
tida como legítima para o ajuizamento da ação cautelar de antecipação de prova, bem como deve
ser afastado o óbice da coisa julgada, viabilizando-se o curso da ação consubstanciada na
realização de exame de DNA, para instrução de ação declaratória de relação avoenga.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso especial, para, reconhecendo a


legitimidade ativa ad causam da ora recorrente e a possibilidade jurídica do pedido, e afastando a
ofensa à coisa julgada, determinar o prosseguimento da ação cautelar de antecipação de prova,
retornando os autos ao d. Juízo a quo.

É como voto.

Documento: 1102050 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2012 Página 30 de 9
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2006/0183940-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 876.434 / RS

Números Origem: 10300001910 10500029487 70012654026 70014733554 70015148547

PAUTA: 03/11/2011 JULGADO: 03/11/2011


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SC
ADVOGADO : CLEANTO FARINA WEIDLICH E OUTRO
RECORRIDO : DHZ
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Investigação de Paternidade

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo.

Documento: 1102050 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2012 Página 31 de 9
Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2006/0183940-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 876.434 / RS

Números Origem: 10300001910 10500029487 70012654026 70014733554 70015148547

PAUTA: 03/11/2011 JULGADO: 08/11/2011


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SC
ADVOGADO : CLEANTO FARINA WEIDLICH E OUTRO
RECORRIDO : DHZ
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Investigação de Paternidade

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Relator, dando provimento ao recurso especial, PEDIU
VISTA antecipada dos autos o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Aguardam os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Luis Felipe
Salomão.

Documento: 1102050 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2012 Página 32 de 9
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RECURSO ESPECIAL Nº 876.434 - RS (2006/0183940-0)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO QUE MANTEVE O


INDEFERIMENTO DE PETIÇÃO INICIAL DE CAUTELAR PARA
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA VOLTADA À
REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA PARA INSTRUÇÃO DE
FUTURA DEMANDA INVESTIGATÓRIA DE RELAÇÃO
AVOENGA.
1.NÃO CONHECIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO POR DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL, DADA A AUSÊNCIA DE SIMILITUDE
FÁTICA ENTRE O ARESTO IMPUGNADO E OS
PRECEDENTES DA CORTE INDICADOS COMO
PARADIGMAS, EVIDENCIANDO O INEDITISMO DO TEMA NO
ÂMBITO DESTA CORTE (RISTJ, art. 255, §2º).
1.1. O caso concreto ensejador do presente recurso especial se
diferencia dos precedentes em que o STJ reconheceu o direito
próprio e personalíssimo do neto buscar constituição de relação
avoenga, pois neles o genitor do investigante era pré-morto e não
havia exercido pretensão em vida em lide cuja sentença de mérito
julgou improcedente aquela ação, não havendo similitude fática a
autorizar o conhecimento da insurgência por eventual dissídio
jurisprudencial.
2.APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA INSURGÊNCIA EM FUNÇÃO
DO PREQUESTIONAMENTO DE NORMA ATINENTE AOS
LIMITES DA COISA JULGADA, APLICANDO-SE O DIREITO À
ESPÉCIE, NOS TERMOS DA SÚMULA N. 456-STF.
3.ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DE PRETENSA NETA,
ENQUANTO VIVO SEU GENITOR, DE INVESTIGAR A
IDENTIDADE GENÉTICA COM A FINALIDADE DE
CONSTITUIÇÃO DE PARENTESCO.
3.1. Não há legitimação concorrente entre gerações de graus
diferentes postularem o reconhecimento judicial de parentesco,
com base em descendência genética, existindo somente
legitimidade sucessiva, de modo que as classes mais próximas,
enquanto vivas, afastam as mais remotas (CC, art. 1606, caput).
4.INTERPRETAÇÃO DO DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA,
CARENTE DE REGULAMENTAÇÃO, EM HARMONIA COM O
REGIME DE FILIAÇÃO DISCIPLINADO NO CÓDIGO CIVIL -
APARENTE TENSÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE
MESMA MAGNITUDE QUE DEVE SER SOLUCIONADA
MEDIANTE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE (RAZOABILIDADE), SENDO ESTE O
VETOR HERMÊNEUTICO APROPRIADO A SALVAGUARDAR
OS NÚCLEOS ESSENCIAIS DE DIREITOS EM SUPOSTA
COLIDÊNCIA - VALOR/PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA QUE TANTO INFORMA O DIREITO À IDENTIDADE
Documento: 1102050 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/02/2012 Página 33 de 9
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PESSOAL, LASTRADO NA VERDADE BIOLÓGICA DO
INDIVÍDUO, COMO TAMBÉM, OS DIREITO DE FILIAÇÃO,
PRIVACIDADE E INTIMIDADE DO INVESTIGADO E DAS
DEMAIS PESSOAS ENVOLVIDAS EM LIDES VOLTADAS À
CONSTITUIÇÃO COERCITIVA DE PARENTESCO,
GARANTINDO-SE SEGURANÇA JURÍDICA NO ÂMBITO DAS
RELAÇÕES DE FAMÍLIA – INEXISTÊNCIA DE
REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO DIREITO À BUSCA DA
VERDADE BIOLÓGICA, RESSALVADO O DISPOSTO NO ART.
48 DA LEI N. 8.069/90, QUE ENSEJA A OBSERVÂNCIA DO
REGIME DE FILIAÇÃO REGULADO NO CÓDIGO CIVIL -
IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE
PARENTESCO DE FORMA INTERPOSTA (PER SALTUM),
TENDO EM VISTA O CARÁTER LINEAR DO REGIME
ESTABELECIDO NO CÓDIGO CIVIL (CC, ART. 1591/1594), DE
MODO QUE AS CLASSES MAIS REMOTAS DERIVAM DAS
PRÓXIMAS.
4.1. O princípio da proporcionalidade não autoriza conferir um
caráter absoluto ao direito de identidade genética, para com base
nele afastar a norma restritiva do art. 1.606 do CC, tendo em vista
que o valor/princípio da dignidade da pessoa humana informa
tanto o direito do indivíduo buscar sua verdade biológica, como
também a segurança jurídica e a privacidade da intimidade nas
relações de parentesco do investigado e das próprias gerações
antecedentes à investigante, exceto venha o legislador
futuramente regular o tema de forma diferente.
4.2. A concentração da legitimidade para investigação da
identidade genética de determinado tronco familiar na geração
mais próxima, enquanto viva, constitui entendimento mais
adequado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos
fundamentais em tensão, respectivamente, identidade genética
de descendentes remotos e a privacidade e intimidade do
investigado e das próprias classes de parentesco mais imediatas,
garantindo-se segurança jurídica às relações de família e
respectivo regime de parentesco, evitando-se o risco de
sentenças contraditórias e transtornos irreversíveis ante o
aforamento de múltiplas ações judiciais para o mesmo fim, por
parte de um número muito maior de legitimados, então
concorrentes.
4.3. Se, por um lado, é razoável obrigar qualquer indivíduo vir a
juízo revelar sua intimidade e expor sua vida privada para se
defender de demanda dirigida ao reconhecimento de parentesco,
com consequências sócio familiares irreversíveis, não há essa
mesma proporcionalidade para autorizar que esse idêntico
investigado possa ser constrangido por todos os demais
descendentes de determinado parente de grau mais próximo,
sujeitando-se a um sem número de demandas, com possibilidade
de decisões incongruentes, presentes e futuras, nas quais um
mesmo tronco de descendência, cada qual por si, poderia
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postular declaração judicial de parentalidade lastrada em um igual
vínculo genético.
4.4. No âmbito das relações de parentesco não decorrentes da
adoção, o exercício do direito de investigação da identidade
genética, para fins de constituição de parentesco é limitado, sim,
pelo disposto no art. 1.606 do Código Civil, o qual restringiu o
universo de quem (a geração mais próxima viva) e quando pode
ser postulada declaração judicial de filiação (não haver anterior
deliberação a respeito);
4.5. A extensão da legitimação também não se mostra
necessária em função de o pai da investigante não ter conseguido
realizar exame de DNA em anteriores demandas nas quais restou
sucumbente em relação ao ora investigado, porquanto o próprio
progenitor, por si, ainda detém a possibilidade de relativizar os
provimentos jurisdicionais que não o reconheceram como filho,
vez que, segundo o entendimento mais recente da Suprema
Corte, pode ser reinaugurada essa discussão nos casos em que
a improcedência decorreu de processo no qual não estava
disponível às partes a realização do exame de DNA (Informativo
n. 622 – RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, acórdão pendente de
publicação- em 23.11.2011).
5. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, VEZ QUE AS
GERAÇÕES MAIS REMOTAS NÃO PODEM DESCONSTITUIR
INDIRETAMENTE PROVIMENTOS JURISDICIONAIS DE
IMPROCEDÊNCIA INERENTES À RELAÇÃO DE ESTADO
PERTINENTE AO SEU ASCENDENTE IMEDIATO (CC, ART.
1.606, § ÚNICO).
6. RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E NESSA EXTENSÃO,
DESPROVIDO.

VOTO-VISTA (VENCEDOR)

O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

Trata-se de recurso especial, fundado no art. 105, III, “a” e “c”, em sede de
ação cautelar de produção antecipada de prova, movida pela recorrente S. C. contra o
recorrido D. H. Z., na qual se postulou a realização de exame de DNA, a fim de instruir
futura ação investigatória de relação avoenga para fins de constituição de relação de
parentalidade.
Ação originária (e-STJ, fls.4-6): a proponente da demanda alegou ser filha
de S. D. dos S. M., o qual já havia ajuizado outras demandas voltadas ao
reconhecimento de sua descendência em relação ao requerido, todas julgadas
improcedentes (quatro no total – e-STJ, fls.119), sustentou direito próprio à busca de

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sua identidade genética e postulou o deferimento da cautela para realização de exame
voltado à comparação de seu DNA com o demandado, a fim de posteriomente instruir
ação investigatória de relação avoenga.
Sentença (e-STJ, fl.27): indeferiu a petição inicial e julgou extinto o
processo, porquanto a requerente da cautela seria parte legítima, vez que poderia
promover “ação de investigação de paternidade somente em caso de falecimento de
seu pai e, conforme jurisprudência citada pela própria autora, se este não houvesse
proposto ação dessa espécie enquanto vivo”.
Acórdão (e-STJ, fls.130-147): interposta apelação, a 8ª Câmara Cível do
TJRS, por maioria, desproveu a insurgência, tendo em vista a ausência de fumus boni
iuris, dada a improcedência de anterior demanda aforada pelo progenitor da apelante,
bem como impossível juridicamente o pedido diante do império da coisa julgada.
Embargos de declaração rejeitados (e-STJ, fls.168-172).
Recurso especial (e-STJ, fls.182-: alegou-se: (a) violação ao art. 472 do
CPC; (b) dissídio jurisprudencial entre o entendimento do Tribunal a quo e os
precedentes n. 604.154/RS, 603.885/RS e 226.436/PR.
É o relatório.
O recurso deve ser parcialmente conhecido e nessa extensão, desprovido.
1. Não se conhece da alegação de dissídio jurisprudencial (CRFB/88,
art. 105, III, “c”), pois o contexto fático dos precedentes indicados como paradigmas
não se amolda à situação concreta ora em julgamento.
Nos dois primeiros casos apontados como paradigmas (Resp n. 604.154/RS
e 603.885/RS), o genitor dos pretensos netos era pré-morto ao ajuizamento da
demanda voltada ao reconhecimento da relação avoenga, não tendo, em vida, ajuizado
pretensão voltada à declaração de parentesco com o pretenso avô. Já o último
precedente indicado (Resp n. 226.436/PR) trata de jurisprudência mais antiga deste
Tribunal, segundo à qual não haveria óbice à relativização de coisa julgada quando
inexistente julgamento da investigatória de paternidade com base em exame de DNA.
De sua vez, na controvérsia focalizada neste feito, o genitor da pretensa neta
está vivo e sucumbiu em quatro (4) demandas voltadas ao reconhecimento de sua
descendência, movidas contra o ora investigado.
Diante dessas particularidades, não ocorrente similitude fática a ensejar o
conhecimento do recurso por dissídio jurisprudencial, sendo inédita a discussão sob
exame.

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2. A irresignação deve ser conhecida no tocante à eventual violação
do art. 472 do CPC, dado o debate desta temática perante as instâncias ordinárias,
concluindo-se que a coisa julgada material que envolve o progenitor da ora recorrente
acarretaria a esta última a impossibilidade jurídica de seu pedido de investigação de
relação avoenga.
Assim, existiu prequestionamento da controvérsia pertinente à existência da
coisa julgada e correspondente impossibilidade jurídica do pedido, restando viável o
exame do mérito da insurgência.
Efetivamente, a norma do art. 472 do CPC não permite a extensão dos
efeitos da coisa julgada a quem não participou da relação processual, sendo
incontroverso que a recorrida não integrara as demandas promovidas por seu genitor.
Ademais, recente precedente da Suprema Corte afastou a existência de coisa julgada
material nos casos em que não era disponível aos litigantes a realização de exame de
DNA, permitindo a relativização de sentença de improcedência por ausência de prova,
dada a prevalência do direito fundamental à identidade genética em detrimento da
segurança jurídica (STF - Informativo n. 622-STF. RE 363.889/DF. Rel. Min. Dias Toffoli,
j. 02.06.2011, acórdão pendente de publicação em 23.11.2011).
Logo, tanto por um, como por outro fundamento, não se poderia reconhecer
a existência de coisa julgada em relação ao genitor da ora recorrente, para, a partir
dessa premissa, estender seus efeitos à última.
Contudo, aplicando-se o direito à espécie, conforme adiante se explicará,
merece ser mantida a conclusão da Corte de origem quanto à impossibilidade jurídica
do pedido, acrescentando, ainda, o óbice da ilegitimidade ativa ad causam da neta
investigar relação de ascendência avoenga, enquanto em vida o pai, cujo nome limita a
ancestralidade em seus registros de nascimento, por ausentes aqueles dos avós
paternos (Súmula n. 456-STF – O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso
extraordinário julgará a causa, aplicando o direito à espécie).
3. É preciso posicionar a controvérsia em julgamento em relação aos
precedentes desta Corte que examinaram temas conexos ao ora em foco.
Para esse fim, destaca-se que o entendimento construído no julgado da
Segunda Seção desta Corte, ao apreciar o REsp n. 807.849/RJ, de relatoria da
eminente Ministra Nancy Andrighi, não se constitui em precedente ante o caso em foco,
porque:
a) o precedente aludido tratou de ação de investigação de relação avoenga,

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aforada pelo neto quando seu pai já era falecido, e no presente caso o progenitor da
proponente é vivo;
b) o pai do autor da investigação avoenga, não havia, em vida, promovido
ação para o reconhecimento do seu parentesco ascendente, e, na hipótese em foco, o
genitor da requerente/recorrente já movera quatro demandas antecendentes, todas com
trânsito em julgado, nas quais desde a primeira não se reconheceu a filiação;
c) a própria composição da Segunda Seção, quando realizado o julgamento,
modificou-se radicalmente, figurando ainda como seus membros apenas três (3)
julgadores, dos quais apenas dois (2) votaram no sentido da relatoria, enquanto o outro
restou vencido.
De sua vez, o contexto fático da presente insurgência autoriza estabelecer
as seguintes premissas lógicas:
a) ainda vivem o pai da requerente e o seu pretenso avô, requerido desta
ação;
b) o pai da recorrente já promoveu, em nome próprio, quatro ações voltadas
ao reconhecimento de paternidade, ante o aqui acionado, lides julgadas improcedentes,
com apreciação do mérito e sentenças trânsitas em julgado, embora não se tenha
realizado o exame de DNA;
c) em face disso, suscitando direito próprio, busca a neta realizar exame de
DNA, por meio de ação de produção antecipada de prova, com o qual pretende instruir
futura ação declaratória de relação de parentesco contra o recorrido/pretenso avô.
Portanto, os tópicos abaixo alinhados, que serão adiante desenvolvidos,
buscam aludir à ilegitimidade ativa ad causam e à impossibilidade jurídica do pedido,
sintetizando os fundamentos para o reconhecimento de referidas condições da
presente cautelar de produção antecipada de provas:
a) o caso concreto se diferencia dos precedentes em que o STJ reconheceu
o direito próprio e personalíssimo do neto buscar o reconhecimento de relação avoenga,
pois neles o genitor do investigante era pré-morto e não havia exercido demanda de
reconhecimento em vida, não existindo julgamentos paradigmas da Corte
estabelecendo legitimidade concorrente entre pai vivo e seus descendentes para
ajuizar ação investigatória de parentesco contra o pretenso avô, admitida apenas,
portanto, a legitimação sucessiva (Distinguishing);
b) não há razoabilidade (ou proporcionalidade), na hipótese em apreço, de
conferir caráter absoluto ao direito à identidade genética, para com base nele, afastar a

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norma restritiva do art. 1.606, do CC, porque o princípio da dignidade da pessoa
humana tanto informa o direito individual de buscar a verdade biológica, mediante
investigação de sua origem/identidade genética, como também a preservação da
intimidade e privacidade nas relações de parentesco das demais pessoas, a
observação ao princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações de família;
c) no âmbito das relações de parentesco não decorrentes da adoção, o
exercício do direito de investigação da identidade genética, para fins de constituição de
parentesco é limitado, sim, pelo disposto no art. 1.606, do Código Civil, o qual restringiu
o universo de quem (a geração mais próxima viva) e quando pode ser postulada
declaração judicial de filiação (não haver anterior deliberação a respeito);
d) o julgamento de improcedência de demanda investigatória de paternidade
proposta pelo legitimado direto (pai da recorrente - geração imediata ao investigado),
acarreta a impossibilidade jurídica de outros descendentes mais remotos postularem
mesma providência, por incidência do art. 1.606, parágrafo único, do CC combinado
com o art. 267, VI, do CPC, ao menos enquanto vivo o legitimado originário, evitando
figure o investigado em um sem número de lides, quando a ação proposta pelo pretenso
descendente mais próximo determina a verdade da origem biológica e correspondente
parentesco, entre todos os descendentes, consistindo esse entendimento providência
mais adequada à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos fundamentais em
tensão, respectivamente, identidade genética de descendentes remotos e privacidade e
intimidade do investigado e das próprias gerações mais imediatas;
e) o pai da recorrente ainda detém a possibilidade de relativizar os
provimentos jurisdicionais que não o reconheceram como filho do ora recorrido, vez que
suas ações restaram improcedentes sem a realização do exame de DNA, e, segundo o
entendimento mais recente da Suprema Corte, pode ser reinaugurada essa discussão,
exatamente nos casos em que nos julgados de improcedência anteriores não foi
efetuado o exame do DNA (Informativo n. 622 – RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli,
acórdão pendente de publicação- em 23.11.2011).
Passa-se à exposição:
4. Em sede de precedentes do STJ o ineditismo da matéria é evidente,
pois todos os casos em que esta Corte analisou a legitimidade de o neto postular o
reconhecimento de relação avoenga, o pai desse pretenso descendente era pré-morto,
e além disso, jamais ocorrera hipótese em que se admitiu o trâmite de ação
investigatória avoenga quando o pai do autor desta aludida lide, por sua vez, já houvera

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exercido ação própria, contra seu genitor, e pretenso avô do atual acionante, com
sentença de mérito pela improcedência da lide já prolatada e transitada em julgado.
Nenhum precedente desta Casa reconhece a legitimidade concorrente entre
gerações mais próximas e remotas para postular a constituição de parentesco contra
um mesmo investigado, admitindo apenas a legitimidade sucessiva, desde que o
ascendente mais próximo do investigante seja pré-falecido.
Esclareça-se que são absolutamente diferentes os precedentes nos quais
se admitiu legitimidade própria de o neto postular declaração judicial de relação
avoenga, independentemente da iniciativa, em vida, de seu pai, pois naquelas hipóteses
alegava-se que o pai dos investigantes, enquanto vivo, nunca vislumbrara a
necessidade de demandar em juízo para provar sua condição de filho, vivia e desfrutava
desse estado, apenas surgindo esse interesse depois de seu falecimento e do próprio
investigado (pretenso avô), isso porque os herdeiros passaram a negar os direitos
sucessórios aos pretensos netos.
Assim, é importante reiterar: nos precedentes desta Corte sempre
preponderou o signo da pré-morte do pai em todos os casos que se reconheceu aos
netos a legitimidade para postular declaração judicial de relação avoenga, ou seja, em
nenhuma oportunidade admitiu-se legitimidade concorrente entre gerações de graus
diferentes (pais e netos) para requerer a constituição de parentesco, existindo, sim,
uma legitimidade sucessiva, em que o direito personalíssimo das gerações mais
remotas apenas exsurge após a extinção da geração imediatamente subsequente ao
investigado avô, no caso, o pretenso filho, pai da pretensa neta.
Nesse sentido, destaca-se dos julgamentos desta Corte a respeito do tema,
o signo sempre presente da pré-morte do pai dos investigantes de relação avoenga:
Segunda Seção. Resp 807.849/RJ. Rel. Mina. Nancy Andrighi. Dje
06.08.2010.- Direito civil. Família. Ação de declaração de relação
avoenga. Busca da ancestralidade. Direito personalíssimo dos netos.
Dignidade da pessoa humana. Legitimidade ativa e possibilidade jurídica
do pedido. (...) - Os netos, assim como os filhos, possuem direito de agir,
próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de
parentesco em face do avô, ou dos herdeiros se pré-morto aquele,
porque o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão
intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana. Se o
pai não propôs ação investigatória quando em vida, a via do processo
encontra-se aberta aos seus filhos, a possibilitar o reconhecimento da
relação avoenga; (...) O pai, ao falecer sem investigar sua paternidade,
deixou a certidão de nascimento de seus descendentes com o espaço
destinado ao casal de avós paternos em branco, o que (...) justifica a
pretensão de que seja declarada a relação avoenga (...) (grifou-se)

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AR n. 336/RS. Rel. Min. Aldir Passarinho Jr. Revisor: Jorge


Scartezzini. DJ 24.04.2006. CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO
RESCISÓRIA. CARÊNCIA AFASTADA. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO AVOENGA E
PETIÇÃO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. CC DE 1916, ART.
363. (...) II. Legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação
declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de
herança, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a
investigação sobre a sua origem paterna.

Terceira Turma - AgRg no Ag.1319333/MG - Min. Della Giustina. Dje


14.02.2011: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DIREITO DE FAMÍLIA. RELAÇÃO AVOENGA. RECONHECIMENTO
JUDICIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. LEGITIMIDADE ATIVA
DOS NETOS. PAI JÁ FALECIDO. RECURSO DESPROVIDO. (...) 3. A
Segunda Seção desta Corte Superior consagrou o entendimento de que
é juridicamente possível e legítima a ação ajuizada pelos netos, em face
do suposto avô, com a pretensão de que seja declarada relação
avoenga, se já falecido o pai dos primeiros, que em vida não pleiteou a
investigação de sua origem paterna.

Terceira Turma - Resp 604.154/RS. Rel. Min. Humberto Gomes de


Barros, DJ 01.07.2005; Resp 603.885/RS. Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito. DJ 11.04.2005; e Resp 269/RS. Rel. Min. Waldemar
Zveiter. DJ 07.05.1990, nos quais os votos vencedores enfatizam que o
pai dos proponentes da demanda, os pretensos netos, ajuizaram a
demanda quando seu genitor já era morto.

Logo, em reforço ao item n.1, sublinha-se a inexistência de paradigma


jurisprudencial apto a orientar o presente julgamento, ante seus aspectos particulares e
específicos: (a) investigação avoenga com pai vivo; (b) trânsito em julgado com exame
de mérito, de lide entre o pai e o avô da proponente, afastando a relação de paternidade
entre aqueles dois.
5. O direito à identidade genética deve ser interpretado
harmonicamente com aquele de filiação, assegurando-se a salvaguarda de seus
núcleos essenciais.
No presente caso, o lastro da demanda é o direito fundamental e
personalíssimo de pretensa neta investigar sua identidade genética, autorizando a
postulação da realização de exame de DNA para ulteriormente se valer dessa prova no
bojo de ação dirigida à constituição de relação de parentesco (avoenga).
É imperioso esclarecer que o direito de buscar a identidade genética não
acarreta, necessariamente, uma relação de parentesco, valendo registrar, a título de
exceções: (a) adoção; (b) fecundação heteróloga; e, (c) paternidade socioafetiva.
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A única regulamentação específica desse direito encontra-se no art. 48, da
Lei n. 8.069/90, segundo o qual a pessoa adotada pode ter acesso às informações de
ascendência biológica, sem que isso implique na desconstituição do parentesco civil
estabelecido com seus adotantes.
Não obstante a ausência de maior regulamentação, quando a pessoa não
possui registro de ascendência em sua certidão de nascimento, o reconhecimento do
vínculo biológico implica, no caso sub judice, confessadamente, na constituição de
parentesco, com repercussão na sucessão patrimonial, sendo este o caso dos autos,
na medida em que a recorrente e seu genitor não possuem registro atinente ao seu
pretenso avô e pai, respectivamente, sendo que a investigante indica expressamente na
inicial da produção antecipada de provas, que irá propor ação de investigação avoenga,
não sendo meta apenas conhecer a sua origem biológica.
Nessa conjuntura, a questão controvertida que deve ser solucionada é se o
art. 1.606 do CC e art. 27, da Lei n. 8.069/90, ao regularem o direito de filiação,
restringindo-o em relação a quem e quando se pode buscar seu reconhecimento,
implicaria em uma limitação desproporcional ao direito à identidade biológica, a ensejar
uma flexibilização de sua interpretação, à luz do princípio da dignidade da pessoa
humana, tal como proposto pelo voto do eminente Relator originário.
Consta do art. 1.606 do CC:
A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando
aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz
Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão
continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.(grifou-se)

No mesmo rumo, o disposto no art. 27, da Lei n. 8.069/90, que prescreve:

“O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,


indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou
seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”
(grifou-se).

Mais um vez, necessário introduzir a argumentação com uma distinção. Nos


primeiros precedentes que reconheceram a legitimidade própria dos netos postularem a
declaração judicial de relação avoenga, esta Corte considerou uma situação deveras
peculiar para fixar esse entendimento: o filho do investigado (pai dos pretensos netos),
jamais teve interesse em promover a investigação de paternidade em vida, vez que já
titularizava a posse de estado de filho, surgindo a necessidade de estabelecer
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formalmente aquele estado, mas apenas após a morte do progenitor dos pretensos
netos.
Isso é, não era proporcionalmente legítimo que os filhos daquela pessoa que
durante toda a sua vida sempre gozou de uma aparente relação de filiação (posse de
estado de filho), ficassem ao desabrigo de direitos sucessórios ante o só fato de seu pai
não ter, em vida, manejado ação judicial voltada ao reconhecimento de uma situação de
estado já titularizada no mundo dos fatos, mas não formalmente estabelecida no plano
jurídico.
Recentemente, o precedente da Segunda Seção já citado, avançou no
exame da matéria, constando do voto condutor que o direito ao reconhecimento da
ancestralidade seria personalíssimo e de titularidade dos próprios netos, ressalvando-se
em duas oportunidades, na própria ementa do julgado, o fato de o pai dos investigantes
ser falecido e não ter demandado em vida, daí advindo um vácuo no tronco familiar dos
netos a ensejar ação própria voltada ao reconhecimento de sua ascendência e
correspondente parentesco.
Portanto, nos precedentes mais remotos e naqueles mais recentes, existiam
especificidades que ensejaram o elastério da legitimidade em favor dos netos,
flexibilizando a norma do art. 1.606 do CC (na época do julgamento tratava-se dos
artigos. 350 e 351 CC de 1916), mas em todos os casos era pré-morto o genitor direto
dos proponentes da investigação avoenga.
De sua vez, na situação enfrentada no presente recurso, não cabe uma
proporcional relativização da norma do art. 1.606, do CC, pois ausente razoabilidade
para tanto, vez que o regramento do direito de parentalidade atribui à geração mais
próxima, viva, legitimidade exclusiva para postular essa declaração judicial, afastando
expressamente aquelas mais remotas (legitimidade sucessiva), vedadas, pois, em
casos tais, a possibilidade jurídica e a legitimatio ad causam de o herdeiro mais remoto
propor demanda voltada ao reconhecimento da sua ancestralidade (avoenga), com a
agravante, na hipótese, da existência de provimento jurisdicional de mérito, transitado
em julgado, ditando a inexistência de parentesco entre o pai da investigante e o pretenso
ancestral comum, o avô, agora mais uma vez acionado, em razão de fracassadas
tentativas de reconhecimento de paternidade promovidas pelo genitor da autora contra o
ora investigado.
No caso em exame é exatamente o princípio da proporcionalidade que não
autoriza conferir um caráter absoluto ao direito de identidade genética para, com base

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nele, afastar a norma restritiva do art. 1.606, do CC, tendo em vista que o valor/princípio
da dignidade da pessoa humana informa tanto o direito do indivíduo buscar sua verdade
biológica, como também a segurança jurídica e a privacidade da intimidade nas
relações de parentesco do investigado, exceto venha o legislador futuramente regular o
tema de forma diferente.
Como já enfatizado, segundo o sistema infraconstitucional vigente, apenas o
art. 48 da Lei n. 8.069/90 estabelece o direito da pessoa adotada conhecer sua origem
biológica, diferenciando o direito de identidade genética daquele de filiação.
Dessa forma, no âmbito das relações de parentesco não decorrentes da
adoção, o exercício do direito de investigação da identidade genética para fins de
constituição de parentesco é limitado pelo disposto no art. 1.606 do Código Civil, o qual
restringiu o universo de quem (a geração mais próxima viva) e quando se pode
postular a declaração judicial de filiação (inexistindo anterior processo em que já se
deliberou a esse respeito, especialmente com exame de mérito).
Apenas uma flagrante ausência de razoabilidade dessa otimização legal
ensejaria o afastamento da norma ou sua interpretação de forma mais larga, a permitir
que quaisquer descendentes vivos, próximos ou remotos, uns independentemente dos
outros, pudessem ajuizar autonomamente demandas voltadas ao reconhecimento de
relação de parentesco.
Isso porque o direito de toda pessoa humana investigar sua identidade
genética não deixa de ser salvaguardado em relação aos descendentes de uma
geração mais próxima quando, para fins de constituição de parentesco, apenas a
classe de grau mais imediato seja legitimada exclusiva para buscar essa verdade
biológica de sua ascendência, vez que todo o tronco familiar derivado de um
ascendente comum deve com ele partilhar o mesmo estado de origem biológica a título
de parentalidade, sem prejuízo de que cada individuo investigue sua origem genética
para fins de conhecimento próprio, à vista de sua saúde ou situação peculiar que enseja
essa pretensão, o que, efetivamente, não é a situação ora em julgamento.
Não há base, sequer constitucional, para que existam duas verdades a
respeito do parentesco de pessoas que pertencem a idêntico tronco familiar. Em outras
palavras, se um determinado sujeito A é reconhecido judicialmente como não
ascendente de B, os filhos deste último não podem ser netos do primeiro, mesmo que,
por meio de exame informal de DNA se constate que geneticamente os últimos sejam
descendentes do primeiro, justo que o parentesco das gerações mais próximas vincula

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a parentalidade dos mais remotos, ou seja, uma relação avoenga necessariamente
deve derivar de uma relação de paternidade entre o pai e avô da pretensa neta.
De outro vértice, a tão-só existência de sentença de mérito, transitada em
julgado, não reconhecendo a paternidade do pai da ora autora em relação ao
investigado, por ausência de provas, ante a não realização do exame de DNA, ao
menos no presente caso, igualmente não justifica alargar o rol dos legitimados para a
propositura da ação de investigação de ancestralidade do art. 1.606 do CC, vez que,
conforme decisão do Suprema Corte (STF), em sede de recurso com repercussão
geral (Informativo n. 622 – RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, acórdão pendente de
publicação- em 23.11.2011), o surgimento de novos meios técnico-científicos de
provas, antes inexistentes ou indisponíveis às partes, e que são reputados de absoluta
segurança, admite que o pai da autora ajuíze nova demanda voltada a discussão do
mesmo tema.
Por esse prisma, a não flexibilização do art. 1.606, CC, constitui
entendimento mais adequado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos
fundamentais em tensão, respectivamente, identidade genética de descendentes
remotos e a privacidade e intimidade do investigado e das próprias gerações de classe
mais imediata, além da segurança jurídica que envolve as relações de família e
respectivo regime de parentesco, evitando-se o risco de sentenças contraditórias e
transtornos irreversíveis ante o aforamento de múltiplas ações judiciais para o mesmo
fim, por parte de um número muito maior de legitimados, então concorrentes.
A rigor, pois, a concentração da legitimidade da investigação da identidade
genética de determinado tronco familiar na geração mais próxima, enquanto viva, tal
qual regulado presentemente no art. 1.606 do CC, representa o mecanismo menos
traumático à privacidade do investigado, segurança jurídica das relações de família,
assegurando-se, ainda que de forma restritiva, o núcleo essencial do direito
fundamental à busca da ancestralidade de qualquer ser humano.
Assim não fosse, restaria pouco razoável obrigar qualquer indivíduo vir a
juízo revelar sua intimidade e expor sua vida privada para se defender de demanda
dirigida ao reconhecimento de parentesco, como já dito, com consequências sócio
familiares irreversíveis, não só apenas em relação a um determinado pretenso filho,
mas também, de todos os descendentes desse alegado parente de grau mais próximo,
sujeitando-se a um sem número de demandas, com possibilidade de decisões
incongruentes, presentes e futuras, nas quais um mesmo tronco de descendência,

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cada qual por si, poderia postular declaração judicial de parentalidade lastrado em um
idêntico vínculo genético.
Não se pode olvidar a existência de um provimento jurisdicional
reconhecendo que o pai da recorrente/investigante não é filho do investigado, ainda que
por falta de provas e de três outros subsequentes, negando-lhe o direito de relativizar
essa primeira deliberação, sendo inviável, enquanto em vida o progenitor da ora
demandante, admitir que uma geração mais remota desconstitua aquela norma jurídica
do caso concreto, decorrente da autoridade da coisa julgada, sob o fundamento de
buscar um direito próprio de personalidade, concernente à sua identidade genética,
quando seu verdadeiro objetivo é estabelecer uma relação de parentesco de 2º grau
com o investigado, infirmando, de forma oblíqua, a verdade legal a respeito do
parentesco do pai da investigante e o presentemente investigado.
Logo, não há razão que justifique, ao menos na situação controvertida em
julgamento, atribuir supremacia de razoabilidade ou proporcionalidade ao direito da
proponente apurar sua origem genética para fins de reconhecimento formal de
ascendência, quando há no sistema jurídico vigente regra instituindo para tanto ordem
sucessiva de legitimação ativa, estando vivo o pai da autora, tendo ele movido várias
ações contra o mesmo pretenso ascendente comum, já existindo sentença examinando
o mérito do pedido, transitada em julgado, negando a descendência.
Por tudo isso, com todas as vênias, ante esse confronto de evidências, ao
menos no caso em mira, não há porque relativizar a ordem imposta pelo art. 1.606 do
CC, quando esta regula a legitimidade e a possibilidade jurídica de pedido atinente ao
reconhecimento de parentesco, conforme adiante ainda mais se justifica.
6. Da ilegitimidade ativa de neta, enquanto vivo seu pai, para deflagrar
ação de investigação avoenga e da falta de razoabilidade, nessa hipótese, de
fazer preponderar os consectários da verdade biológica em detrimento das
limitações advindas do regime de normas do estado de filiação.
Diferentemente das hipóteses enfrentadas na Corte, no caso em apreço, o
pretenso filho do ora acionado/recorrido permanece vivo e já deflagrou demanda
buscando o reconhecimento da paternidade, e restou nela derrotado e em mais três
outras contendas sucessivas, havendo coisa julgada material ao menos em relação a
ele, existindo, pois, declaração judicial de que não é filho do aqui recorrido.
A despeito disso tudo, a recorrente deduziu demanda preparatória voltada à
produção de prova pericial de DNA, com a qual pretende futuramente instruir ação

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dirigida ao reconhecimento de relação avoenga.
A autora não está buscando apenas um puro direito de identidade genética,
mas também o de parentalidade, tanto que a ação não é unicamente voltada à coleta de
exame de DNA, a partir do qual já se permitiria inferir a verdade biológica da origem da
recorrente, mas a demanda é, sim, preparatória de futura demanda investigatória, na
qual se postulará direitos decorrentes do fato de ser descendente do investigado.
Nesse panorama, estando o pai da recorrente ainda vivo, não há como
afastar o caso concreto do âmbito de abrangência do aludido art. 1.606, caput do CC,
segundo o qual: “A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando
aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz” (grifou-se), bem como o disposto no
art. 27, da Lei n. 8.069/90, que prescreve: “O reconhecimento do estado de filiação é
direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os
pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”
(grifou-se).
Há apenas legitimidade sucessiva para gerações de grau de proximidade
diferentes postularem o reconhecimento de parentesco, vez que os mais próximos
afastam os mais remotos, enquanto vivos.
De outro vértice, admitida a concorrência de legitimidades entre os variados
graus de descendentes, pode-se chegar à situação esdrúxula de que haja avô cujo neto
descenda de pessoa que não esteja reconhecida como filho do primeiro, fragilizando o
sistema do Código Civil relativo ao parentesco.
Além disso, a concorrência de legitimidades também potencializaria que os
netos, ou mesmo um deles, sem o consentimento ou contrariamente à vontade do pai,
ou de todos os outros integrantes de sua mesma classe de parentesco, deflagresse(m)
ação diretamente contra o avô, ensejando, assim, a intranquilidade e a discórdia no seio
da entidade familiar e social, sem se falar na celeuma criada ante os registros públicos
e a possibilidade de sentenças cujas deliberações sejam conflitantes.
Não é diferente o entendimento quase unânime da doutrina a respeito do
tema, valendo pinçar sobre a legitimidade exclusiva do filho, consagrada no art. 1.606 do
CC, as seguintes lições doutrinárias:

O exercício da ação, ou a legitimidade ad causam, constitui direito


personalíssimo do filho, que não pode ser substituído por quem quer que
seja. Significa dizer que não se pode, mediante ação judicial, atribuir
compulsoriamente a paternidade ao filho contra sua vontade. (...) Os
herdeiros não têm direito de iniciativa da ação. Seu direito é derivado, no
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sentido de apenas prosseguirem na ação iniciada pelo titular, salvo se
não tiver sido extinta por qualquer dos motivos da legislação processual.
São herdeiros os que integram a ordem de vocação hereditária, a saber,
os descedentes, os ascendentes, o cônjuge e os parentes colaterais até
o quarto grau (...). A qualificação de herdeiro não pode dispender a
ordem em que se enquadram, isto é, os parentes mais remotos apenas
podem exercer o direito se faltarem os mais próximos, em cada linha
(grifou-se) (LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, pp. 235-236 – valendo ressaltar que o autor adverte que
o art. 1.606 do CC, sequer diria respeito à investigação de paternidade,
que por ele seria demanda distinta daquela voltada à prova de filiação,
onde o investigante já titulariza uma situação de fato, caracterizadora de
uma posse de estado de filho).

A ação de investigação cabe, em princípio, exclusivamente ao


filho. Se ele preferir não demandar o genitor ou genitora, está no seu
direito. Os descendentes e demais parentes sucessíveis do filho,
a despeito do interesse indireto no reconhecimento, não estão
legitimados para a ação (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
civil. Família – sucessões. 2. ed. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
174);

No mesmo sentido:

Por envolver direitos da personalidade, dos quais uma das


características é ser personalíssimo, a transmissão do direito é
excepcional, admitida apenas se a morte do interessado ocorrer quando
for menor ou incapaz. Se maior e capaz é o interessado o único titular do
direito, o único que poderá julgar da conveniência e oportunidade de
propor ação de prova de filiação cuja finalidade é constituir a
paternidade. Se o titular do direito tem paternidade socioafetiva
constituída a seu conteto, com o reconhecimento do pleno
alcance de seus objetivos, e, por isso, decidiu não desconstituí-la
visando a constituição da paternidade biológica, os herdeiros não
têm legitimidade para propor ação post mortem do interessado
(CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao Código Civil. Parte
Especial: do direito de família. Arts. 1591 a 1.710. Vol. 18. São Paulo:
Saraiva: 2004, pp. 84-85).

A ação de investigação de paternidade é privativa do filho (...) O caráter


personalíssimo do reconhecimento judicial é afirmado pelo art. 27 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (...) Iniciada, porém, a ação pelo
filho natural, e morto ele pendente lite, seus herdeiros podem com ela
prosseguir, habilitando-se no respectivo processo, na forma prevista na
lei processual e nos termos do art. 1.606 e parágrafo único do Código
Civil de 2002 (Ressalva deste signatário: há expressa ressalvada nos
precedentes desta Corte admitindo a legitimidade própria dos netos, bem
como em autores estrangeiros reconhecendo uma extensão da
personalidade jurídica para além da morte, admitindo-se o
prosseguimento de ação de investigação de paternidade já iniciadas pelo
pretenso pai da investigante) (PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. Atualizada por
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Lucia Maria Teixeira Ferreira. 6. ed. Rio de Janeiro: Decálogo, 2006,
pp.70/116-117/120).

A ação tendente a obter reconhecimento da filiação compete ao filho, por


ser direito personalíssimo, enquanto viver, passando aos herdeiros, se
ele morrer menor ou incapaz (Cód. Civil de 2002, art. 1.606). Morto,
porém, o filho, desde que a ação tenha sido por ele iniciada, os herdeiros
poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo (Cód. Civil, art.
1.606, parágrafo único (MONTEIRO, Washington de Barros; SILVA,
Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil. Direito de Família.
40. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.439).

A legitimidade ativa para o ajuizamento da ação de investigação de


paternidade é do filho. O reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, por isso, a ação é privativa dele. (...) Em virtude do
caráter personalíssimo da ação, em princípio nem aos netos se
reconhece o direito de promovê-la, em caso de os pais falecerem sem ter
tomado a iniciativa de investigar a sua ascendência biológica
(observa-se, expressa ressalva do autor, a respeito do entendimento
desta Corte conferindo legitimidade própria aos netos, sem contudo,
perfilhar esse entendimento) (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
civil brasileiro. 8. ed. 6 vol. São Paulo: Saraiva, pp. 351/353-355).

Qualquer que seja a situação da filiação, o filho terá legitimidade para


buscar sua certeza, por via judicial (art. 1.606). Da mesma forma,
repete-se a regra de que, se a ação foi iniciada pelo filho, os herdeiros
poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo (art. 1.606,
parágrafo único) (...) a legitimação para essa ação personalíssima é do
filho. (...) se o indigitado filho morreu capaz, sem propor a referida ação,
ninguém mais poderá fazê-lo (...) Se o filho tiver iniciado a ação,
falecendo ele em seu curso poderão os herdeiros continuá-la, se não
tiver sido julgado extinto o processo (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
civil: direito de família. 6. ed. Vol. 6. São Paulo: Editora Atlas, 2006, pp.
249-250).

Diante dessa conjuntura legal e doutrinária, não parece haver dúvida que as
relações de parentesco estabelecidas no Código Civil são escalonadas e lineares (CC,
arts. 1591/1594), inexistindo regulamentação legislativa para o reconhecimento de
filiações interpostas (per saltum), em que ancestrais possam ser reconhecidos
parentes de descendentes mais remotos, por conta da verdade biológica, sem que os
mais próximos o desejem ou postulem essa pretensão, ou mesmo, como no caso,
quando já existe um provimento jurisdicional ditando que o pai da recorrente não é filho
do recorrido/investigado.
Apenas uma pode ser a conclusão: a parentalidade dos
ascendentes/descendentes imediatos vincula as gerações mais remotas,
assegurando-se unidade e prevenindo conflitos em relações familiares que justamente
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devem ser marcadas pelos signos da paz, tranquilidade e segurança.
Logo, por expressa disposição legal – CC, art. 1.606, caput, a legitimação
para investigação de relação avoenga é sucessiva e não concorrente. Enquanto vivo o
pretenso descendente imediato e mais próximo do investigado, os demais, de gerações
mais remotas, não detém legitimidade de postular o reconhecimento de parentesco, ou
mesmo, no presente caso, de constituir prova para o fim de instruir demanda voltada,
ainda que indiretamente, à relativização da coisa julgada em que se reconheceu a
inexistência de parentesco entre o ora investigado/recorrido e o pai da recorrente.
Gize-se, que essa exegese não pretende esvaziar ou vedar o direito de toda
pessoa conhecer a sua origem genética, inerente ao valor fundamental da dignidade da
pessoa humana e direito à identidade (CRFB/art. 1º, III; art. 5º, X; CC, arts. 16/17; Lei n.
8.069/90, art. 48).
Mas, é prudente frisar, esta demanda visa à produção antecipada de prova
para ulterior constituição de parentesco consanguíneo, lastrado em descendência
biológica e correspondente obtenção dos direitos materiais inerentes à condição de neta
biológica, não almejada a simples busca da identidade genética por questão de saúde,
ou coisa que o valha (por analogia, Lei n. 8.069/90, art. 48), situação em que a norma do
art. 1.606 do CC poderia ceder para permitir que os netos demandem o avô, enquanto
ainda em vida o pai dos últimos, restringindo a pretensão à obtenção da verdade
genética (aliás, sequer aplicável a norma referida no caso desta modalidade de
pretensão) (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de Filiação e Direito à
Origem Genética: uma distinção necessária. In: FARIAS, Cristiano Chaves (Coor).
Temas atuais de direito e processo de família. Primeira série. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004, pp.340-341; SÁ, Maria de Fátima; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado.
Filiação e biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005, p.64; VILLELA, João
Baptista. O modelo constitucional da filiação: verdades e superstições. Porto Alegre:
Síntese, IBDFAM, v. 1, n.1, abr/jun, 1999, p. 141).
Há, então, uma concorrência de igual hierarquia constitucional entre o direito
de identidade genética e as normas do direito de filiação, com a agravante de que o
último se encontra exaustivamente regulamentado, enquanto que o primeiro, ao menos
por ora, é reconhecido por doutrina e jurisprudência, porém carente de definição de
seus contornos precisos, uma vez existente apenas um dispositivo legal que o
consagra, especificamente, o art. 48, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
restringindo-se aos casos de adoção.

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E nem se fale em necessidade de protagonismo judicial, pois o legislador,
legitimado para tanto pelo eleitor, na recém reforma do Código Civil, não pretendeu
modificar essa escala sucessiva de legitimação para o exercício do direito ora em foco.
Com efeito, o direito à identidade genética não pode deter irrestrita
autonomia, ou mesmo, absoluta aplicação, para derruir a estrutura normativa do estado
de filiação, valendo destacar que, acaso o legislador venha algum dia a positivar no
direito ordinário a tutela da verdade biológica, deverá fazê-lo de modo harmônico com o
que está estatuído em relação ao regime de parentesco, pois, insiste-se, ambos detém
mesma fonte constitucional, encontrando-se em igual hierarquia, motivo pelo qual
devem conviver e não se sobrepor.
Afastar as normas atinentes ao estado de filiação em vigor, para que
prevaleça o direito à identidade genética, sequer regulado infraconstitucionalmente,
indispensável seria que a norma prevista no Código Civil, que restringe a legitimidade
para ajuizamento da ação de investigação de relação de parentesco, fosse alterada pelo
legislador ou desprovida de razoabilidade ou proporcionalidade.
Não é o que ocorre, entretanto.
Com efeito, a limitação da legitimidade para postulação de reconhecimento
de parentesto, positivada no art. 1.606 do Código Civil, é plenamente adequada,
observado o vetor interpretativo derivado do princípio constitucional da razoabilidade, o
qual permite a ponderação entre direitos fundamentais sob tensão, quando exista
concorrência aparentemente colidente com outros de igual porte (direito de identidade
genética x direito de filiação).
A uma, porque a iniciativa isolada da neta, com descendência mais remota,
não pode interferir ou modificar a situação jurídica de seu ascendente direto, enquanto
este se encontra vivo, pois não há dúvida de que o reconhecimento de uma relação de
parentesco em favor de um parente de 2º grau, implica, necessariamente, no
reconhecimento dessa mesma relação de estado com a classe de 1º grau que a
antecede, o que pode significar constrangimento ou violação ao direito de intimidade do
último.
É dizer, pode-se afirmar com absoluta certeza, atualmente, que o pai da ora
recorrente não se tenha conformado e aceitado o resultado de improcedência das
múltiplas ações que ajuizou? Seria lícito, então, que sua filha o forçasse a, embora
indiretamente, voltar a uma discussão judicial sobre seu estado de filiação? Mesmo que
aqui se admita indícios de que o genitor da recorrente evidenciava esse interesse no

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passado, dado o ajuizamento de quatro (4) demandas voltadas a esse desiderato, não
há como presumir que ainda persista essa intenção, dada a total ausência de
informação a respeito de seu real interesse em presentemente constituir aludido
parentesco.
E, mais, admitida a concorrência de legitimidades, estariam os netos,
bisnetos, tataranetos livres para, sem consentimento ou contrariamente à vontade de
seus pais, devassar a vida íntima destes, expondo-os a um sem número de
controvérsias judiciais, dada a legitimidade autônoma de cada qual, o que, por
consequência, implica no ônus do investigado também necessitar vir a Juízo para
responder a cada uma dessas pretensões, discutindo sua intimidade, com sérios
reflexos em sua vida privada, dada invariável repercussão que uma discussão judicial
de questões familiares implica nas relações pessoais do investigado.
Vislumbra-se a possibilidade do exercício, sim, da pretensão de busca da
identidade genética, independentemente da iniciativa das gerações mais próximas,
enquanto ainda vivas, quando esse desiderato não estiver vinculado ao propósito de
declarar e reconhecer o parentesco, apenas admitida tal hipótese para alcançar-se o
conhecimento da verdade biológica, consoante interpretação analógica do art. 48, da Lei
8.069/90, ante a necessidade absoluta de adotar medidas preventivas para a
preservação da saúde e, a fortiori, da vida, e elucidar impedimentos matrimoniais, ou
mesmo biológicos.
Esse direito – da pura busca da identidade genética de cada indivíduo - não
almeja relação de família para ser tutelado, porque não vindica reconhecimento de
parentesco, nada obstando seu exercício para apurar a descendência biológica,
lastradas, aquelas pretensões, no princípio da dignidade humana e em fatores de
saúde, sem fins sequer declaratórios (Lobo, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de
Filiação e Direito à Origem Genética: Uma Distinção Necessária. In : FARIAS,
Cristiano Chaves (Coord). Temas Atuais de Direito e Processo de Família. Primeira
Série. Rio de Janeiro: Lúmen júris, 2004, pp.340-341).
Ocorre que esse não é o caso dos autos, pois a exordial do procedimento
cautelar vinculou a pretensão de produção antecipada de prova a posterior demanda
principal voltada à constituição de parentesco.
Logo, não há como sequer admitir que o Tribunal a quo agiu em error in
procedendo quando reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido, sem oportunizar à
requerente a emenda da petição inicial, a fim de adequar sua pretensão ao simples

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conhecimento de sua ascendência biológica, sem interesse ulterior à constituição de
parentesco.
Isso porque, quando a promovente da medida assecuratória indica a ação
principal que almeja instruir com a prova antecipada, necessariamente vincula a
utilidade de sua produção à lide subordinante, direcionando o exercício do direito de
defesa do requerido, conforme a ação principal que será ajuizada.
Assim, inexistindo indícios de que a recorrente pudesse tão-somente desejar
conhecer sua ascendência genética, não havia justa causa para que o Juízo singular
facultasse uma emenda da exordial, mormente quando todos os arrazoados recursais
em que a insurgente hostilizou a extinção liminar do processo, sempre aludiu ao direito
de realizar o exame de DNA com a finalidade precípua de constituir uma relação de
parentesco com o investigado.
Dessa forma, sendo a recorrente parte ilegítima para a demanda
subordinante, - investigação de relação avoenga enquanto seu pai ainda vive - , também
não titulariza essa mesma legitimidade para a cautelar acessória de produção
antecipada de prova.
A duas, ainda que se entenda beneficie à recorrente a lógica fundada no
princípio da proporcionalidade, não há descurar que também o ascendente mais remoto
(investigado) merece proteção jurídica, mormente quando já se logrou vencedor em
quatro ações anteriores a respeito de semelhante litígio.
A respeito do caráter não absoluto do direito à identidade genética, colho da
doutrina lição pertinente:
O direito ao conhecimento das origens genéticas pode ainda ser
convocado com o sentido de garantir o direito de todo indivíduo à
obtenção junto dos respectivos progenitores da informação genética
indispensável para efeitos de cuidados de saúde.
O conteúdo desse direito deve ainda fundamentar um princípio geral de
admissibilidade de recurso à via judicial com a finalidade de obtenção de
informação necessária à identificação dos progenitores biológicos,
reconhecendo-se a legitimidade de utilização de uma 'acção de
informação pessoal' que permita a sua efectivação.
Porém, convém ter presente que, não sendo o direito ao conhecimento
das origens genéticas um direito absoluto, deve admitir-se o confronto de
cada uma das respectivas dimensões com outros interesses ou valores
conflituantes, impondo-se a consideração de intervenções legislativas
destinadas a restringi-lo ou a harmonizá-lo com esses outros interesses
ou valores. Uma vez que, nesse conflito, a situação mais plausível será
encontrar direitos fundamentais de realização hetero-excludente
(pense-se no confronto entre o direito ao conhecimento das origens
genéticas e um concorrente direito à reserva da intimidade da vida

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privada e familiar), com grande probabilidade, uma intervenção legislativa
com intenção harmonizadora traduzir-se-á, no momento da sua
aplicação, numa solução restritiva de um dos direitos em conflito, pelo
que também nesses casos terão que ser proactivamente observadas as
regras constitucionalmente reguladoras das restrições legais em matéria
de direitos fundamentais (grifou-se) (REIS, Rafael Vale e. O direito ao
conhecimento das origens genéticas, o estabelecimento da
filiação e a solução do anonimato do dador – o caso português. In:
ALVIM, Arruda; ALVIM, Angélica Arruda. Revista autônoma de direito
privado. Curitiba: Juruá Editora, 2008, p.237).

Em suma, na ponderação entre direitos constitucionais de igual hierarquia


(estado de filiação e direito à identidade genética), tem-se que, neste caso concreto,
deve prevalecer o regulamentado pelo legislador ordinário, pois não há razoabilidade em
se admitir a quebra da norma prevista no art. 1.606 do Código Civil, quando ainda vivo
descendente de grau mais próximo ao investigado, especialmente porque, o pai da
recorrente, a qualquer tempo, pode inaugurar discussão judicial a respeito da efetiva
existência da relação de parentesco e relativizar a coisa julgada até então existente
contra ele.
Nem se diga aqui que o fato de a ação anterior proposta pelo pai da
recorrente, por ter sido julgada improcedente sem realização de exame de DNA,
configuraria situação excepcional a ensejar a admissão da quebra da regra expressa do
art. 1.606 do Código Civil.
Remanesce, ainda, ao pai da recorrente – pretenso descendente imediato do
investigado - buscar as medidas judiciais cabíveis para flexibilizar aquele primeiro
julgado, mormente em vista do mais recente posicionamento do STF sobre o assunto
(Informativo nº 622-RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, acórdão pendente de publicação
em 23.11.2011), que admitiu exatamente a relativização de coisa julgada firmada nos
parâmetros aqui discutidos.
Por tudo isso, há de se aplicar o art. 1.606 do CC ao caso concreto,
reconhecendo a ilegitimidade ativa da neta para ajuizar ação de produção antecipada de
provas em detrimento de seu avô, por se encontrar vivo o único a quem a lei autoriza
deflagrar essa demanda, ausente legitimação concorrente entre as classes diferentes
de descendentes, mas sim apenas sucessiva e a partir da extinção da geração mais
próxima do investigado.
7. Da impossibilidade jurídica do pedido, dada a existência de
provimento de improcedência não reconhecendo o pai da investigante como

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filho do ora investigado.
O pedido, ademais, também é juridicamente impossível, havendo, sim,
expressa proibição legal à sua dedução, conforme se retira do art. 1.606, parágrafo
único do CC.
O dispositivo veda a propositura de nova demanda, ou a sua continuidade,
voltada ao reconhecimento de filiação/parentesco, quando já houver sido extinto o
processo anterior, especialmente com julgamento de improcedência e transitada em
julgado, pois haverá de colher a todos os demais interessados descendentes diretos do
investigante sucumbente de modo uniforme, vez que as relações de parentesco mais
remotas derivam das mais próximas.
Com efeito, existindo julgamento de improcedência a respeito da relação de
parentesco entre o pai da ora recorrente (investigante de relação avoenga) e o pretenso
investigado, incide a parte final da norma do parágrafo único do art. 1.606 do CC,
segundo à qual: “Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la,
salvo se julgado extinto o processo” (grifou-se).
O só fato das demandas ajuizadas pelo pai da recorrente terem sido
julgadas improcedentes, sem prova cabal da inexistência de descendência biológica,
não afastam a aplicação do dispositivo, pois os descendentes mais remotos não estão
autorizados a promover ação própria voltada ao reconhecimento do parentesco quando,
em anterior processo, ascendente imediato e integrante de geração mais próxima
restou reconhecido como não parente do investigado.
A rigor, cumprirá ao pai da ora recorrente (pretensa neta/recorrente)
promover a relativização da coisa julgada até hoje existente, doravante ancorado no
último entendimento do augusto STF a respeito da matéria, ou mesmo, acaso venha a
falecer, aos seus descendentes imediatos, por conta de legitimação sucessiva.
Sobre o tema, consigna-se da doutrina:
O parágrafo único moderniza a linguagem processual, mas ainda assim
poderia ser mais completo, pois não diferencia quais hipóteses de
extinção do processo sem julgamento de mérito que impedem a
continuidade da ação pelos herdeiros. O Código de 1916 previa apenas
dois casos para que a ação pudesse ser continuada pelos herdeiros,
quando iniciada pelo filho: não ter havido desistência da ação ou
perempção de instância.
O Código atual admite a continuidade da ação pelos herdeiros, com
hipóteses aparentemente mais amplas para excepcionar essa
possibilidade.
Parece-me que essa continuidade é vedada se houver extinção com
julgamento de mérito, nos termos do art. 269 do Código de Processo

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Civil, operando-se a coisa julgada; anota-se não se aplicarem os incisos
III e V, que versam sobre transação e renúncia, por se tratar de direitos
indisponíveis (grifou-se) (CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao
Código Civil. Parte Especial: do direito de família. Arts. 1591 a 1.710.
Vol. 18. São Paulo: Saraiva: 2004, p.85).

É bem verdade que a doutrina colacionada trata do fenômeno da coisa


julgada, o qual se restringe às partes do processo em que discutiu a relação de
parentesco atinente à paternidade. Contudo, a interpretação lógica do dispositivo implica
no reconhecimento de impossibilidade jurídica dos descendentes do investigante
sucumbente promoverem idêntica pretensão contra o investigado, fragilizando um
sistema originalmente construído para salvaguardar a segurança jurídica nas relações
de família.
Este argumento é pertinente e verdadeiro a ponto de o próprio eminente
Ministro Raul Araújo, relator originário, durante os debates, admitir que, acaso houvesse
um julgamento de improcedência lastrado em prova conclusiva – exame de DNA, então
sim a situação seria diferente, pois haveria uma declaração judicial de “que fulano não é
filho” (nota taquigráfica – fl.129), o que, por dedução consequencial implicaria em óbice
a que seus descendentes (do não filho) pudessem ajuizar demanda própria voltada à
desconstituição desse provimento jurisdicional.
Segundo essa rota de argumentação, há vedação aos descendentes
formularem pedido para desconstituir anterior provimento jurisdicional no qual, com
base em exame de DNA, não se reconheceu o pai dos investigantes como filho de
determinado investigado (ou se afirmou o parentesco), de modo que também será
inviável admitir que essas mesmas gerações mais remotas possam vir a Juízo postular
a desconsideração de sentença na qual igualmente não se constituiu uma determinada
paternidade, ainda que por falta de provas.
A ausência de prova consistente em exame de DNA simplesmente autoriza
o próprio prejudicado, pela improcedência, relativizar o julgado que é contrário a seu
interesse, e, a partir de sua morte, seus herdeiros requererem essa providência,
existindo expressa vedação legal a outros descendentes o fazerem quando há um
provimento jurisdicional de improcedência (CC, art. 1606, § único).
Frente a esse contexto fático peculiar, existe razão suficiente para um
tratamento diferenciado da questão pertinente à possibilidade jurídica do pedido de
neta (descendente mais remota) postular o reconhecimento de relação de parentesco
com base na verdade genética, quando já exista provimento jurisdicional declarando a
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inexistência desse vínculo entre seu pai e o investigado, ainda que por insuficiência de
provas, não servindo como paradigmas os precedentes da Corte que reconhecem tal
viabilidade.
É imprescindível repisar que nos precedentes inauguradores do
entendimento que admitiu a investigação de relação avoenga independentemente da
iniciativa do descendente em primeiro grau (pai dos pretensos netos), este não ajuizara
pedido de reconhecimento de filiação em vida porque não vislumbrava tal necessidade,
uma vez que era reconhecido e tratado como tal (desfrutava da posse de estado de
filho).
Apenas com seu falecimento e do próprio avô-investigado, os descendentes
registrados passaram a negar os direitos hereditários dos descedentes do pretenso
filho não registrado e que não ajuizara a ação voltada ao reconhecimento da filiação
(Terceira Turma - Resp 604.154/RS. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ
01.07.2005; Resp 603.885/RS. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ
11.04.2005; e Resp 269/RS. Rel. Min. Waldemar Zveiter. DJ 07.05.1990).
Ou seja, até por incidência do princípio da proporcionalidade, não haveria
como negar o direito hereditário a pessoas que sempre foram considerados como
filho/netos do próprio investigado. Assim, para admissão da ação de investigação de
relação avoenga, bastou a simples prova de que seu pai (filho do investigado) teria
interesse próprio de reconhecer em Juízo sua relação de paternidade com o pretenso
avô, acaso em vida houvesse experimentado os empecilhos de reconhecimento e
sonegação de direitos surgidos somente após sua morte e de seu ascendente imediato
(NADER, Paulo. Curso de direito civil. Direito de Família. Vol. 5. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p.296).
Também não serve como precedente, pois sequer houve enfrentamento do
mérito da questão, a hipótese ventilada no AgRg no Ag 1319333/MG – Rel Min. Vasco
Della Giustina. Dje 14.02.2001) na qual os netos, diretamente, mas com pais falecidos,
alegaram que pretendiam, em investigação avoenga, apenas substituir os avós já
constantes dos registros civis, por outros em função da prevalência da descendência
genética.
Assim, os precedentes até então existentes, nos quais se reconheceu a
possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de relação avoenga, não servem de
paradigma ao caso em tela, pois não se enfrentou a existência de uma demanda
investigatória de paternidade julgada improcedente contra o pai da proponente da

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demanda (pretensa neta), enquanto eventual reconhecimento do investigado como avô
da ora recorrente, com base em vínculo genético, implicaria em infirmar o provimento
jurisdicional de improcedência já transitado em julgado.
Assim, há de se salvaguardar tanto a dignidade do pretenso neto, admitida a
busca de sua ancestralidade, quanto à do investigado, ante as consequências que
atingem sua intimidade, seu direito à privacidade, suas relações sociais, sua sujeição a
um sem número de demandas judiciais, movidas por um indefinido contingente de
possíveis pretendentes, não olvidada a existência de balizas acerca de quem e quando
se pode vir a Juízo buscar o reconhecimento da filiação, vedado tal intento se já há
provimento judicial a seu respeito, limites de magnitude recíproca ao direito individual de
reconhecimento da relação de parentesco.
Sem embargo, presentemente, nosso sistema normativo veda a
possibilidade de existirem duas verdades a respeito de uma mesma relação de
parentesco, sendo inconciliável uma sentença reconhecendo que o pai da recorrente
não seja filho do investigado, enquanto esta possa, em tese, ser declarada como neta.
Dessa forma, à vista de expresso proibitivo legal à deflagração de demanda
destina à investigação de ascendência por herdeiros quando já existente coisa julgada a
respeito da matéria em relação ao sucedido (CC, art. 1606, § único), tem-se como
juridicamente impossível o pedido da recorrente, sem prejuízo de seu genitor, ou acaso
este venha falecer, a geração viva que o suceder, relativizarem o provimento
jurisdicional então existente a respeito de sua ascendência.
Do exposto, o recurso deve ser conhecido parcialmente e, nessa extensão,
desprovido.

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RECURSO ESPECIAL Nº 876.434 - RS (2006/0183940-0)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO


RECORRENTE : SC
ADVOGADO : CLEANTO FARINA WEIDLICH E OUTRO
RECORRIDO : D HZ
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente,


peço vênia aos eminentes Ministros RAUL ARAÚJO e MARIA ISABEL GALLOTTI para
acompanhar o entendimento divergente. Realmente, não se pode desconhecer a
circunstância de o pai da recorrente, pelo menos por ocasião do ajuizamento da ação,
estar vivo e também a circunstância de existirem decisões judiciais, com trânsito em
julgado, de improcedência nas ações ajuizadas pelo pai da recorrente. A meu ver, trata-se
de questões prejudiciais ao reconhecimento da relação avoenga de que trata este recurso
especial.
Há, também, outro aspecto: a Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI chamou a
atenção para a existência do periculum in mora, mas, por outro lado, não vejo aqui a
fumaça do bom direito, embora a jurisprudência e a doutrina mitiguem este requisito na
cautelar de produção antecipada de prova. No caso, a ausência da fumaça do bom direito
estaria caracterizada pelas mencionadas decisões judiciais de improcedência.
Por tudo isso, sei que o assunto é bastante instigante, peço vênia ao
Relator para acompanhar a divergência.

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RECURSO ESPECIAL Nº 876.434 - RS (2006/0183940-0)

VOTO-VENCIDO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, ouvi atentamente


o brilhante voto do Sr. Ministro Raul Araújo, e, agora, o minucioso voto do Sr. Ministro
Marco Buzzi, e compartilho de várias preocupações do voto de Sua Excelência e,
também, de várias de suas premissas, especialmente, a de que o art. 1.606, do Código
atual, na linha do que já dispunha o Código anterior, estabelece que a ação que pede o
reconhecimento de filiação compete ao filho, e só passará a legitimidade ao neto caso o
filho tenha falecido sem exercê-la, isso dentro de uma interpretação já construtiva da
jurisprudência do STJ, ainda sob a égide do Código de 1916.
A razão de ser desse dispositivo é que cabe ao filho saber se ele quer, ou
não, ter aquele pai reconhecido como tal; se ele quer, ou não, buscar a paternidade
daquele pai que não o reconheceu espontaneamente. Penso que essa ação da neta, na
verdade, está contida dentro da ação do filho, porque é impossível ser neta do
investigado, sem que o pai fosse filho do investigado.
Quanto ao pai, houve apenas uma coisa julgada, que é a da primeira
sentença que julgou improcedente o pedido, mas sem a prova do DNA, a qual não foi
possível na época.
No âmbito desta primeira ação, o autor (o suposto filho) fez tudo que
podia. Após o trânsito em julgado da sentença, ajuizou a ação rescisória, que foi julgada
improcedente; depois, ele entrou com uma ação cautelar de produção de prova, para
fazer o teste de DNA, que foi rejeitada; depois, ele propôs uma nova ação de
investigação de paternidade, que foi extinta em face da coisa julgada da primeira. E,
nesse caso, observo que essas outras decisões não fazem coisa julgada material,
porque a decisão que extingue o processo em face da coisa julgada anterior faz coisa
julgada apenas formal.
Há, portanto, peculiaridades excepcionalíssimas neste caso, ora em
julgamento, dentro do presente contexto histórico. É um recurso especial antigo,
bastante anterior ao leading case relatado no Supremo pelo Sr. Ministro Toffoli, que
abriu a possibilidade de "relativização" da coisa julgada, apenas em situações
excepcionais, para investigação da real paternidade biológica. E, portanto, na época em
que foi ajuizada essa tentativa, pela neta, não havia nada mais que seu pai pudesse
fazer para alcançar o tão perseguido reconhecimento de paternidade. Todas as portas

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estavam fechadas para ele. Era o panorama de fato e de direito, na época.
Hoje o plenário do Supremo Tribunal Federal entende que a ausência de
exame de DNA é uma causa suficiente para relativização da coisa julgada em ação de
investigação de paternidade. Neste ponto, reitero que o motivo do art. 1606 do Código
Civil atual, e também do Código anterior, estabelecer que a legitimidade fosse apenas
do filho, e não de outros parentes de grau mais remoto, era exatamente evitar que um
neto pudesse, indiretamente, postular uma "paternidade para seu pai" que o seu próprio
pai não quisera. Mas, neste caso, não há esse motivo, porque o pai deixou claríssimo,
nas sucessivas ações por ele ajuizadas, de todos os meios possíveis, que ele pretendia
ver reconhecido esse vínculo genético e que dele precisava, porque o fizera conjugado
com o pedido de alimentos, o que leva a crer também que não seja uma pessoa de
posses e que havia necessidade de alimentos; pelo menos foram postulados.
Então, diante de todos os insucessos do pai, insucessos estes sem DNA
e anteriores ao precedente do pleno do Supremo, mas que tornam inequívoco que era
vontade do pai obter esse reconhecimento de paternidade, eu observo, também, a
peculiaridade de que agora estamos julgando apenas uma medida cautelar de produção
antecipada de prova e que o próprio Tribunal de origem reconheceu que havia periculum
in mora, dada a avançada idade do investigado.
Observo, por outro lado, que o voto muito bem elaborado do Ministro
Marco Buzzi aventou a possibilidade de que essa autora possa a vir a ter interesse
exclusivamente pessoal, distinto do de seu pai, em saber o seu vínculo genético por
questões outras, como, por exemplo, relacionadas à saúde (no caso, questões de
saúde sempre são urgentes e podem ser imprevisíveis) ou por questão de
impedimentos matrimoniais ou de qualquer outra ordem, que seriam questões, a meu
ver, compreendidas na pretensão mais ampla de reconhecimento dessa relação
avoenga. Estas questões também ensejam o reconhecimento de que há um interesse
jurídico dela de saber se realmente é neta do investigado.
E, também, na linha de jurisprudência do STJ, em caso de morte do pai
dela, que já tentou quatro vezes obter esse reconhecimento de paternidade, ela teria
uma inquestionável legitimidade ativa; ou seja, uma legitimidade que lhe é negada hoje
em razão do princípio de que cabe ao pai a iniciativa. Se o pai morresse ela passaria a
ter essa mesma legitimidade.
Portanto, não me parece, com a devida vênia, razoável que se venha a
esperar o óbito do pai e o óbito do avô para obter essa possibilidade de exame de DNA.
Isto considerando que o pai já a teve negada por quatro vezes. Eu penso, portanto, que,
como regra, não deve ser admitido que a neta ou neto entre com uma ação de
reconhecimento per saltum , passando por cima da vontade do pai.

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Agora, nesse caso, dada a excepcionalíssima situação de que o pai
tentou por quatro vezes, que o Supremo, muitos anos depois de interposto esse
recurso especial, entendeu que havia possibilidade de relativizar a coisa julgada, e que
nós estamos diante apenas de uma medida cautelar cujo laudo poderá servir a uma
eventual ação também do pai em litisconsórcio com ela, ou só do pai, ou dela para pedir
essas evidências genéticas para outras finalidades, penso que, nesse caso, tendo em
vista o panorama de fato e de direito, as sucessivas tentativas do pai que evidenciam a
sua vontade de esclarecer o vínculo genético, e a jurisprudência atual do Supremo, que
a melhor solução para esse caso concreto é dar provimento ao recurso na forma
proposta pelo Relator, para que se faça a prova postulada pela autora.
Então, com a devida vênia da divergência, acompanho voto o Relator,
dadas as peculiaridades do caso, mas sem abrir um precedente para que netos de um
modo geral entrem com ações per saltum passando por cima da vontade de seus pais.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2006/0183940-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 876.434 / RS

Números Origem: 10300001910 10500029487 70012654026 70014733554 70015148547

PAUTA: 01/12/2011 JULGADO: 01/12/2011


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO

Relator para Acórdão


Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SC
ADVOGADO : CLEANTO FARINA WEIDLICH E OUTRO
RECORRIDO : DHZ
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Investigação de Paternidade

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do sr. Ministro Marco Buzzi, conhecendo
e negando provimento ao recurso, divergindo do Relator, e o voto da Sra. Ministra Maria Isabel
Gallotti, dando provimento ao recurso, acompanhando o Relator, e os votos dos Srs. Ministros
Antonio Carlos Ferreira e Luis Felipe Salomão, acompanhando a divergência, a Turma, por
maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Marco Buzzi.
Vencido o Relator, o Sr. Ministro Raul Araújo, lavrará o acórdão o Sr. Ministro Marco
Buzzi.
Votaram vencidos os Srs. Ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.
Votaram com o Sr. Ministro Marco Buzzi os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira e
Luis Felipe Salomão.

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